Eleições

Políticas para as mulheres . Quatro dos 13 candidatos sequer citam a palavra “mulher” nos planos de governo

Évelin Argenta
13 de setembro de 2018

O eleitorado feminino é maioria no universo de eleitores. Somos 52,5% do eleitorado no pleito de 2018 e também representamos a maioria dos indecisos. Segundo dados da última pesquisa Datafolha, divulgada em 11 de setembro, uma em cada duas mulheres ainda não sabe em quem votar. É quase o dobro da indefinição entre os homens, de 26%.

Não é de se surpreender que, nesse cenário, o público feminino tenha sido escolhido como parte do discurso dominante. Depois de seguidos movimentos denunciando abusos e agressões contra mulheres, o feminismo virou pauta (não sem antes virar mercadoria) na boca dos candidatos.

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Diante de um cenário ainda tão confuso, atrair a atenção desse segmento pode ser crucial para definir quem vai para o segundo turno

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Há duas mulheres disputando o pleito: Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU). Mas a preocupação com o eleitorado feminimo também tem como primeiro sinal a escolha dos vices nas campanhas. Embora não envolvidas diretamente com a pauta feminina, as candidaturas do PSDB e do PDT escolheram mulheres para dividir o governo. As senadoras Ana Amélia e Kátia Abreu, respectivamente, foram oficializadas no começo de agosto para compor as candidaturas. Uma terceira vice, mesmo que, inicialmente, em posição de stand-by, foi anunciada pelo PT. Trata-se da deputada gaúcha Manuela d’Ávila que chegou a oficializar a candidatura para presidente pelo PCdoB.

Mas será que o discurso condiz com a prática? O Vós analisou os planos de governo registrados pelas 13 candidaturas no TSE. A ordem de apresentação no texto segue a posição dos candidatos na última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 11 de setembro.

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Jair Bolsonaro – O caminho da prosperidade

Candidato do PSL, o deputado federal Jair Bolsonaro tem maior prevalência de votos entre os homens. Entre as mulheres, a rejeição ao candidato ainda é grande: 49% do eleitorado feminino diz que não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum.

O programa de governo dele disponível no TSE menciona uma única vez a palavra “mulheres” em 81 páginas.

As propostas apresentadas são em geral dirigidas a todos os “cidadãos”, às “pessoas” ou às famílias, sem direcioná-las a grupos específicos. Em suas manifestações públicas, Bolsonaro afirma que tratará os gêneros igualmente. Quando questionado sobre desigualdade salarial entre homens e mulheres, o candidato afirma que não cabe ao Estado interferir no mercado de trabalho e que a CLT já trata da equiparação salarial.

Os planos do PSL

  • Combater o estupro de mulheres e crianças, por meio de medidas como investimento policial, redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e ampliação do acesso ao porte de armas;
  • Investir na saúde bucal e no bem-estar de gestantes, com foco na prevenção de doenças;
Ciro Gomes – Diretrizes para uma estratégia nacional de desenvolvimento para o Brasil

Candidato do PDT, o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes afirma em seu programa que, se for eleito, ele pretende corrigir desigualdades sociais entre homens e mulheres e que isso faz parte de sua estratégia. O plano inclui as mulheres ao lado da população negra, LGBT e pessoas com deficiência.

Um dos tópicos é “respeito às mulheres”, em que propõe 32 medidas. A palavra mulheres aparece, igualmente, 32 vezes no programa.

Os planos do PDT

  • Recriar a Secretaria das Mulheres;
  • Promover ações de combate à violência contra a mulher;
  • Equiparar o número de homens e mulheres em cargos de comando no governo federal;
  • Aumentar as vagas em creches (não fala em números ou prazos);
  • Fortalecer programas de qualificação profissional;
  • Criar programas de microcrédito;
  • Promover ações com foco no aumento de mulheres na política;
  • Garantir cumprimento da lei que determina igualdade salarial entre homens e mulheres com igual função e carga horária;
  • Incentivar criação de novas delegacias de atenção à mulher.
Marina Silva – Brasil justo, ético, próspero e sustentável

Candidata da Rede, a ex-ministra Marina Silva fala das mulheres em pontos do programa dedicados à saúde, educação e emprego. As ações são articuladas a propostas que incluem também as populações LGBT, negra e povos indígenas.

A palavra “mulher” aparece nove vezes no programa da candidata.

No capítulo “Direitos Humanos e cidadania plena”, por exemplo, o programa fala em definir políticas específicas para “as desigualdades que atingem mulheres, população negra“, entre outros grupos. Nesse ponto, há um tópico só para mulheres, em que Marina detalha algumas propostas.

Os planos da Rede

  • Ampliação das políticas de prevenção à violência contra a mulher;
  • Combate ao tráfico interno e internacional de pessoas, bem como o turismo sexual, que atingem majoritariamente as mulheres;
  • Criação de políticas que enfrentem a discriminação no mercado de trabalho, com o objetivo de garantir igualdade salarial para mulheres e homens;
  • Apoiar o empreendedorismo feminino, por meio de acesso a crédito e capacitação profissional;
  • Ampliar oferta de creches em tempo integral (como forma de facilitar o ingresso e a continuidade da mulher no mercado de trabalho);
  • Ampliação do tempo de licença paternidade e a construção de um modelo que possibilite uma transição gradual para um sistema de licença parental;
  • Promoção de ações preventivas e efetividade dos Programa de Planejamento Reprodutivo e Planejamento Familiar;
  • Oferta de contraceptivos pelas farmácias populares e estímulo ao parto humanizado;
  • Promover ações de prevenção e atendimento à gravidez na adolescência;
  • Ampliar as políticas de prevenção à violência contra mulher e a rede de atendimento às vítimas
Geraldo Alckmin – Diretrizes gerais

Candidato do PSDB, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin entregou um programa de governo enxuto. Ele é composto por propostas curtas, em formato de tópicos. Há três eixos principais de ação, que giram em torno do desenvolvimento econômico e do combate à corrupção e à desigualdade social.

A palavra “mulheres” aparece apenas duas vezes no plano do tucano.

O tema “mulheres” surge associado a políticas sociais e de segurança pública, que incluem outros grupos, como idosos, LGBT e “outras minorias”. Lembrando que as mulheres são a maioria da população e do eleitorado brasileiro. Lembrando, ainda, que em janeiro de 2015, quando o então eleito governador de São Paulo anunciou o secretariado, apenas duas das 25 pastas foram ocupadas por mulheres.

Os planos do PSDB

  • Incentivar a disseminação de “patrulhas Maria da Penha” nas PMs e nas Guardas Municipais com a padronização dos serviços em âmbito da Academia Nacional de Polícia;
  • Incentivar a criação de uma rede nacional de serviços especializados de atendimento a mulheres vítimas de violência (exame de corpo de delito, atendimento nas delegacias etc.);
  • Incentivar a criação de redes não-governamentais de atendimento às vítimas de violência doméstica, violência de gênero, violência racial, violência contra homossexuais, contra idosos, abuso sexual e exploração sexual de crianças e adolescentes;
Fernando Haddad – Plano Lula de governo

O plano registrado pelo PT foi oficializado ainda quando o partido tinha em sua cabeça de chapa o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, condenado pela Lava-Jato. O partido dedicou um tópico a políticas para mulheres dentro do capítulo “Inaugurar um novo período histórico de afirmação de direitos”. De forma geral, o programa trata a temática de maneira conjunta com outros setores, destacando ações específicas para esse público em campos diversos, como economia, saúde, social e segurança pública.

A palavra mulheres aparece 25 vezes no programa do PT.

Em outros pontos do programa, o partido inclui as mulheres ao lado de outros grupos, como indígenas, negros e população LGBT, cuja participação promete “aumentar significativamente” nas instâncias de decisão do Poder Executivo.

Os planos do PT

  • Recriar as secretarias, com status de ministério, de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e Promoção da Igualdade Racial;
  • Incentivo à produção de ciência e tecnologia pelas mulheres;
  • Aumentar o valor e o tempo do seguro-desemprego para as gestantes e lactantes (não traz números);
  • Aumentar significativamente a presença das mulheres e de negras/os nas instâncias de decisão do Poder Executivo, sobretudo na composição dos ministérios, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e Ministério Público;
  • Ampliar políticas de proteção e combate à violência contra a mulher;
  • Incentivar políticas de saúde voltadas a gestantes (como programas de valorização do parto normal) e ao combate à mortalidade infantil;
  • Apoiar prefeituras para ampliar oferta de vagas em creches (para facilitar o ingresso e a continuidade da mulher no mercado de trabalho);
  • Assegurar às mulheres a titularidade prioritária dos lotes em assentamentos de programas de reforma agrária;
    -Investir na estruturação do futebol feminino;
Alvaro Dias – Plano de metas 19+1: para refundar a República!

O plano de governo do candidato do Podemos, senador Alvaro Dias, não tem tópico específico sobre a temática de gênero ou ações direcionadas a mulheres ou outros grupos específicos. O tom do documento se destina essencialmente ao “povo brasileiro”.

A palavra “mulheres” não aparece uma única vez no plano do candidato.

A única menção ao público feminino aparece dentro de “sociedade”, no tópico “família unida”, em que o candidato promete acesso universal a creches para “as mães que trabalham”.

João Amoedo – Mais oportunidades, menos privilégios

Candidato do Novo, o empresário João Amoêdo não traz em seu plano de governo ações específicas a mulheres ou a outros grupos, como negros, indígenas ou população LGBT.

Mais uma vez, as “mulheres” não são citadas em nenhuma das 23 páginas do plano.

O candidato só fala ao público feminino quando fala da ideia de universalizar o acesso às creches (que permite que as mães possam trabalhar enquanto os filhos estudam), mas o programa não faz essa relação nem detalha a promessa com ações e prazos.

Henrique Meirelles – Pacto pela confiança!

Candidato do MDB, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles elaborou um plano direcionado quase que exclusivamente à economia, tema que abre o programa do candidato.

A palavra “mulheres” aparece duas vezes no plano do emedebista.

Em um trecho específico ele menciona a diferença salarial entre homens e mulheres, detalhando que trabalhamos, em média, três horas a mais todas as semanas e temos 76,5% do rendimento dos homens. Com efeito indireto para as mulheres, o plano enfatiza investimentos em educação infantil, mas o candidato não explicita essa relação no documento.

Os planos do MDB

  •  Incentivar a redução da diferença salarial entre homens e mulheres;
  • Criar o Pró-Criança, programa de transferência de renda para famílias colocarem filhos em creches particulares;
  • Retomar obras paradas de creches.
Guilherme Boulos – Programa da coligação Vamos sem medo de mudar o Brasil

Candidato do PSOL, o coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos, elaborou um programa amplo, com 228 páginas, que tem como prioridade o combate às desigualdades sociais.

A palavra “mulheres” aparece 125 vezes.

Boulos coloca como medidas centrais de seu plano, as ideias voltadas às mulheres, à população negra, LGBT e indígena e a pessoas com deficiência. A parcela que, nas palavras do candidato, representa a “maioria da classe trabalhadora brasileira”. O texto tem tópicos específicos para mulheres e ao menos 40 ações intersetoriais mencionadas em todo o programa.

Os planos do Psol

  • Realizar uma reforma eleitoral para assegurar cotas de participação a mulheres e negros nos partidos;
  • Instituir cotas para mulheres, negros e indígenas em cargos públicos;
  • Criar mecanismos de equiparação salarial entre homens e mulheres;
  • Criar um plano nacional contra a violência contra a mulher;
  • Destinação de 1% do PIB para combate à violência contra a mulher;
  • Implantar projetos de modelo de atenção à saúde mental das mulheres na perspectiva de gênero com os Centros de Atenção Psicossocial;
  • Garantir a equiparação salarial;
  • Descriminalizar e legalizar o aborto;
  • Ampliar o acesso à creche.
Vera Lúcia –16 pontos de um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista

Candidata do PSTU, a educadora sindical Vera Lúcia tem um plano de governo voltado para a classe trabalhadora, há referências a mulheres e população LGBT. O texto traz 16 pontos que tratam de questões trabalhistas, geração de emprego e melhorias na saúde e educação.

A palavra “mulher” é citada quatro vezes.

As referências de políticas voltadas ao público feminino não trazem detalhes de como essas propostas seriam colocadas em práticas.

Os planos do PSTU

  • Combater a violência contra mulher;
  • Equiparar salários entre homens e mulheres;
  • Legalizar o aborto.
Cabo Daciolo – Plano de nação para a colônia brasileira

O deputado federal Cabo Daciolo, candidato à presidência pelo Patriota, não traz nenhuma menção ou proposição específica para mulheres ou outros grupos, como população LGBT. As propostas, bastante generalistas, são divididas em cinco grupos: educação, saúde, economia, infraestrutura de transportes e segurança pública. No plano, um dos pontos que toca indiretamente as mulheres é o aborto. Daciolo critica o debate sobre a legalização do aborto.

A palavra “mulheres”, mais uma vez, não aparece no documento protocolado no TSE.

João Goulart Filho – Distribuir a renda, superar a crise e desenvolver o Brasil

Candidato do PPL, o escritor João Goulart Filho propôs um programa voltado à distribuição de renda e ao desenvolvimento econômico. A proposta é organizada em 20 tópicos. Em um deles, o candidato afirma que a situação da mulher é o principal “termômetro do avanço ou atraso de uma sociedade”, cabendo ao Estado assegurar o desenvolvimento das mulheres. A palavra “mulher” aparece 20 vezes no plano de 14 páginas.

O documento sinaliza que, se eleito, o candidato manterá as regras atuais (legalizado em casos de estupro, risco de vida da mãe e anencefalia). Ele ainda defende que o Estado proporcione acesso a métodos anticoncepcionais.

Os planos do PPL

  • Equiparar os salários entre homens e mulheres;
  • Aumentar para 1 ano a licença maternidade;
  • Reduzir a carga de trabalho que recai sobre as mulheres, ao desenvolver equipamentos sociais que reduzam as tarefas domésticas;
  • Incluir mulheres na titularidade de terras concedidas em programas de reforma agrária;
  • Instituição de policiamento específico – policiais femininas, delegacias da mulher, que devem ser restabelecidas, e outros aparelhamentos públicos;
  • Zerar o deficit de creches e garantir creche em horário integral (não apresenta metas ou prazos)
José Maria Eymael – Carta 27: diretrizes gerais de governo para construir um novo e melhor Brasil

Candidato pelo Democracia Cristã, o advogado José Maria Eymael apresentou um plano que tem como compromisso o cumprimento da Constituição e dos “valores éticos” da família. É mais um plano que sequer menciona a palavra “mulheres”. Eymael cita idosos e pessoas com deficiência, como aqueles que necessitam ações específicas, mas sem dizer quais são. Em educação e emprego, o programa propõe medidas voltadas a crianças e adolescentes.

ECOO, Eleições

Meio ambiente . Dois candidatos não contemplam propostas para a área

Geórgia Santos
10 de setembro de 2018

É notório que o problema ambiental se agrava a cada dia que passa. Além do aquecimento global,  há o excesso de consumo de plástico e péssimos hábitos sociais e alimentares. Mas a forma como os governos conduzem as políticas públicas voltadas para o meio ambiente é determinante para o nosso futuro. E a forma como os governos NÃO conduzem as políticas públicas voltadas para o meio ambiente é ainda mais importante.

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Por isso, decidimos explorar o conteúdo dos planos de governo dos candidatos à presidência da República – disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e compreender o nível de comprometimento de cada um e cada uma com as questões ambientais.

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Alvaro Dias (Podemos) – Plano de metas 19+1: para refundar a República!

O plano de governo de Alvaro Dias (Podemos) tem 15 páginas e traça as principais diretrizes de um projeto com 19 metas. Até pelo tamanho, não é um texto com muitos detalhes sobre a forma como cada proposta será realizada. Uma das metas é voltada para o meio ambiente e se chama  “Verde-água e saneamento 100%”.

No texto, o candidato propõe “preservação e aproveitamento integral dos biomas nacionais; proteção dos mananciais (replantio de matas em 3500 municípios); gestão produtiva dos cursos d’água e aquíferos; cumprimento do plano RenovaBio (créditos para descarbonização); e prioridade Saneamento RS 20 bilhões/ano em esgoto tratado.” 

Alvaro Dias garante, ainda, que “o meio-ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação.” São propostas gerais e genéricas, sem um plano focado nos problemas mais graves do Brasil como desmatamento para criação de gado e produção de soja, além da exploração de reservas naturais. 

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Cabo Daciolo (Patriota) – Plano de nação para a colônia brasileira

O plano de governo de Cabo Daciolo (Patriota) não contempla o meio ambiente. Mas faz questão de dizer, em caixa alta, que “BEM-AVENTURADA É A NAÇÃO CUJO DEUS É O SENHOR”. Salmos 33:12″ Ok. 

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Ciro Gomes (PDT) – Diretrizes para uma estratégia nacional de desenvolvimento para o Brasil

O plano de governo de Ciro Gomes tem 62 páginas e lista o que são diretrizes gerais, mas não definitivas, de governo. É um projeto desenvolvimentista que tem no horizonte o fortalecimento do agronegócio, algo que, no Brasil, é um problema em si se considerarmos as atuais práticas de desmatamento e consumo de água para criação de animais e plantio de culturas sem rotação. De qualquer forma, é um dos planos mais completos e específicos no que tange ao meio ambiente e ainda prevê “prática de menores taxas de juros para aquelas que inovarem e preservarem o meio ambiente.”

No ítem “Desenvolvimento e Meio Ambiente”, o candidato dá detalhes do plano para a área ambiental reforçando que processos de desenvolvimento econômico, reindustrialização, agricultura e infraestrutura devem ocorrer de forma sustentável, preservando o meio ambiente. “A maior parte dos conflitos observados na Política de Meio Ambiente é fruto de uma oposição artificial entre dois conceitos originalmente interligados, a ecologia e a economia. Percebemos que não há falta de espaço, mas sim de ordenamento no uso e ocupação das terras.”

Ciro Gomes alerta para o fato de que os sistemas produtivos não precisam ocupar áreas vocacionadas a preservação, o que é um ponto importante para um candidato que tem Kátia Abreu (PDT) como candidata a vice, notória defensora do agronegócio e conhecida informalmente como a “rainha da motoserra”. Ele promete, então, avançar em “políticas de harmonização da preservação com a produção” por meio do desenvolvimento, no país,  de agrotóxicos específicos e menos agressivos e ao incentivo à adoção de sistemas de controle alternativos na agricultura.

O projeto ainda prevê a redução da emissão dos gases de estufa até 2020, definidas pelo Acordo de Paris, e estímulo ao desenvolvimento de ecossistemas de inovação sustentável.

Outro ponto importante é a proposta de estimular setores que possam agregar mais valor à produção a partir parâmetros de sustentabilidade. Por exemplo,  a indústria de móveis pode utilizar madeira de reflorestamento certificada e a indústria de cosméticos pode utilizar insumos vegetais em vez de químicos.

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Eymael (DC) – Carta 27: diretrizes gerais de governo para construir um novo e melhor Brasil

Em um plano de nove página, Eymael dedica um espaço ao “Meio Ambiente Sustentável”, em que promete “proteger o meio ambiente e assegurar a todos o direito de usufruir a natureza sem agredi-la”, além de “orientar as ações de governo, com fundamento no conceito de que a TERRA É A PÁTRIA DOS HOMENS.”

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Fernando Haddad (PT) – O Brasil Feliz de Novo

O plano de governo do candidato do PT tem 58 páginas e é um dos mais detalhados no que tange às propostas para os problemas ambientais, dedicando 13 paginas ao tema. Promete “garantir práticas e inovações verdes como motores de crescimento inclusivo.” No item 5 do programa, Lula propõe uma “Transição Ecológica para a nova sociedade do século XXI”. Esse item em específico contempla propostas para uma economia de baixo impacto ambiental e valor agregado por meio  inovação; políticas de financiamento e Reforma Fiscal verde; infraestrutura sustentável para o desenvolvimento; soberania energética com foco na transição para a energia renovável; diversificação da matriz de transporte; gestão de resíduos e o fim dos lixões; e produção de alimentos saudáveis, com menos agrotóxicos etc.

O programa contempla uma proposta de país em que “as práticas, tecnologias e inovações verdes vão ajudar a criar mais e melhores empregos e serão novos motores de crescimento inclusivo”, com foco no longo prazo, em uma economia justa e de baixo carbono. Além de se comprometer a cumprir as diretrizes do Acordo de Paris.

De maneira geral, o projeto do candidato do PT, seja Lula ou Haddad, considera a área ambiental estratégica para questões de saúde, saneamento e infraestrutura.  Dentre as principais propostas ainda estão a de reduzir o desmatamento e as emissões de gases do efeito estufa; a regulação do grande agronegócio para amenizar os danos socio-ambientais; promoção da agricultura familiar; e um programa de redução de agrotóxicos.Há, ainda, a promessa de adotar medidas concretas para diminuição dos impactos ambientais gerados pelo consumo de descartáveis, estimulando a mudanças de hábitos para redução de seu uso e/ou substituição por materiais biodegradáveis.

O texto do plano de governo do candidato do PT ainda foca nas conquistas dos governo anteriores de Lula e Dilma, em que houve redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estuda. Embora ignore que o agronegócio se fortaleceu nos moldes de sempre e que não houve uma política pública específica para a redução de agrotóxicos.

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Geraldo Alckmin (PSDB) – Diretrizes gerais

No texto de nove páginas, o candidato do PSDB garante que, nas Relações Exteriores, o Brasil vai defender valores como a democracia e os direitos humanos e os “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” (ODS), servirão como referências no relacionamento externo brasileiro. Geraldo Alckmin ainda garante que a gestão da Amazônia receberá atenção especial, uma vez que o “meio ambiente e o desenvolvimento sustentável são grandes ativos do Brasil.”

Um ponto importante do programa é a garantia do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. 

O plano ainda prevê que o Brasil deve liderar a economia verde e garante que a questão ambiental será tratada de forma técnica, “evitando a politização e a visão de curto prazo que pautaram os debates ambientais.” Infelizmente, essas palavras são códigos conhecidos de ambientalistas. Especialmente quando vem de uma candidatura que tem como vice Ana Amélia Lemos (PP), defensora ferrenha do agronegócio e barreira humana quando o assunto é o meio ambiente. Além disso, o partido de Alckmin representa uma série de problemas ao meio ambiente. Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária é um exemplo disso. 

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Guilherme Boulos (PSOL) – Programa da coligação Vamos sem medo de mudar o Brasil

programa de Guilherme Boulos é o mais extenso, com 228 páginas, e é um dos que mais se dedica ao tema do meio ambiente,  recursos naturais, florestas e comunidades humanas. No item 10 do programa, Boulos fala de “Terra, Território e Meio Ambiente: um novo e urgente modelo de desenvolvimento.”

O plano dá muita importância à demarcação de terras indígenas, força da vice da chapa, Sônia Guajajara; reforma agrária e agroecológica; desmatamento zero e restauração das florestas com espécies nativas. 

Boulos afirma, no plano de governo, que é possível e necessário zerar o desmatamento em uma década em todos os biomas e apresenta uma série de medidas para que isso aconteça, como aumento da fiscalização à atividade agropecuária e à grilagem de terra e o confisco de bens associados à crimes ambientais; estabelecimento de novas áreas protegidas; o uso da tributação para o estimulo à conservação; e incentivos financeiros para aumentar a produtividade. Além disso, a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal não mais concederão autorizações de desmatamento das florestas nativas brasileiras.

O programa ainda prevê a proteção das águas e sistemas hídricos; a defesa dos bens comuns e dos direitos da natureza; transição energética e produtiva, visando superar o uso dos combustíveis fósseis. 

Boulos também se compromete a reduzir as emissões de gás  e a restaurar 120 mil km2 de suas florestas até 2030, conforme previsto no Acordo de Paris. 

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Henrique Meirelles (MDB) – Pacto pela confiança!

O programa de 21 páginas indica que o governo patrocinará ações que visem à defesa das riquezas naturais e do meio ambiente – particularmente na Amazônia. Henrique Meireles afirma a importância da valorização da biodiversidade e ações de proteção ao patrimônio natural.

O candidato do MDB afirma que cumprirá com as diretrizes do Acordo de Paris, elevando a participação de bioenergia sustentável, incentivando o reflorestamento e estimulando o investimento em energias renováveis.

O plano de governo de Meirelles ainda prevê programas de redução do desmatamento na Amazônia; de recuperação de nascentes e de revitalização do Rio São Francisco; e a conversão de multas ambientais em novos recursos para serem usados em programas de conservação e revitalização do meio ambiente.

É importante lembrar, porém, que o governo de Michel Temer, do qual Meirelles fazia parte, foi extremamente nocivo ao meio ambiente e  protagonizou retrocessos importantes, como o  decreto extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia.

Jair Bolsonaro (PSC) – O caminho da prosperidade

O plano de governo de Jair Bolsonaro tem 81 páginas e não contempla propostas ao Meio Ambiente. O candidato propõe, inclusive, terminar com o ministério da área e unir com o Ministério da Agricultura, tornando a questão ambiental secundária. “A nova estrutura federal agropecuária teria as seguintes atribuições: Política e Economia Agrícola (Inclui Comércio); Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural; Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar; Pesca e Piscicultura; Desenvolvimento Rural Sustentável (Atuação por Programas) Inovação Tecnológica.”

João Amoêdo (Novo) – Mais oportunidades, menos privilégios

O plano de 23 páginas dá bastante destaque às questões do meio ambiente, ressaltando a “responsabilidade com as futuras gerações com foco na sustentabilidade”.  Como a maioria dos programas, também dá um grande destaque ao agronegócio, mas o que chama de um agronegócio “moderno e indutor do desenvolvimento” com uma economia de baixo  carbono. 

João Amoêdo foca na questão de que é essencial combinar preservação ambiental com desenvolvimento econômico. No longo prazo, pretende universalizar o saneamento no Brasil e promover o que chama de conciliação definitiva entre conservação ambiental e desenvolvimento agrícola.  O candidato do partido Novo também promete eliminar o desmatamento ilegal.

Dentre as principais propostas estão o saneamento e recuperação dos rios por meio de parcerias com o setor privado; aplicação do Código Florestal; avanço no cadastro ambiental rural; fim dos lixões também por meio de PPPs; ampliação da energia renovável na matriz energética e fim de subsídios à energia não-renovável.

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João Goulart Filho (PPL) – Distribuir a renda, superar a crise e desenvolver o Brasil

O plano de João Goulart Filho tem 14 páginas e vincula, inicialmente, a questão ambiental à reforma agrária. O candidato se compromete a priorizar o processo de desapropriação de todas as terras que não cumprem, entre outras coisas,  a preservação do meio ambiente.

O candidato ainda pretende rever o Código Florestal de forma a aumentar a proteção do meio ambiente e garantir a produção agropecuária, promovendo um desenvolvimento que supõe o uso racional dos recursos naturais, de forma a atender às necessidades crescentes da população e a respeitar o meio-ambiente. Segundo o programa, o capitalismo dependente brasileiro é vítima da exploração predatória não apenas da força de trabalho, mas também dos recursos naturais. Dentre as propostas estão o aumento da multa e da pena a crimes ambientais, o fim dos lixões e tratamento de esgoto. Além de fortalecer a transição para combustíveis menos poluentes. 

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Marina Silva (Rede) – Brasil justo, ético, próspero e sustentável

A área do meio ambiente é especial para a candidata Marina Silva, que tem a sustentabilidade como bandeira pessoal há muitos anos. Tanto é assim que o tema aparece já no nome do plano de governo, “BRASIL JUSTO, ÉTICO, PRÓSPERO E SUSTENTÁVEL.  O programa reforça a convicção de uma sociedade socialmente justa e ambientalmente sustentável, “que assuma o papel de líder global, principalmente no que diz respeito à qualidade de vida de sua população, ao uso inteligente dos recursos naturais.” 

O plano de Marina, com relação ao meio ambiente, foca no bem-estar animal; ciência, tecnologia e inovação; cidades sustentáveis e urbanismo colaborativo; futuro com sustentabilidade, inovação e emprego; infraestrutura para o desenvolvimento sustentável; e liderança para uma economia de carbono neutro.

O plano de governo destaca que “em nenhum outro país as condições naturais para uma transição justa para uma economia de carbono neutro são mais evidentes do que no Brasil. Temos alta capacidade para gerar energia de fontes renováveis como biomassa, solar, eólica e hidrelétrica e detemos as maiores áreas de florestas entre os países tropicais, enorme biodiversidade e a segunda maior reserva hídrica do mundo.” A partir disso, Marina propõe o alinhamento das políticas públicas econômica, social, industrial, energética, agrícola, pecuária, florestal, e da gestão de resíduos e de infraestrutura.

Marina também se compromete a cumprir as diretrizes do Acordo de Paris por meio de uma estratégia de longo prazo de descarbonização da economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa até 2050.

O programa ainda  prevê papel de liderança da Petrobras nos investimentos em energias limpas. “Criaremos um programa de massificação da instalação de unidades de geração de energia solar fotovoltaica distribuída nas cidades e comunidades vulneráveis.”

Vera (PSTU) – 16 pontos de um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista

O programa de cinco páginas de Vera Lúcia, do PSTU, não aborda o meio ambiente em específico. Mas no item três, em que fala dos “Planos de obras públicas para gerar emprego e resolver problemas estruturais”, ressalta que o meio ambiente deve ser respeitado. Também, no item sete, vincula o tema à Reforma Agrária. “Defendemos a nacionalização e estatização do grande latifúndio e do chamado agronegócio sob o controle dos trabalhadores para que definam a sua produção de acordo com as necessidades do povo e em harmonia com o meio ambiente.”

 

Geórgia Santos

VIVA EL CANCER

Geórgia Santos
10 de setembro de 2018

Essa foto me choca. Parece impossível que alguém seja capaz de dizer isso, quanto mais escrever com tinta em pedra. Não é algo que se apague com água e sabão, nem do muro nem da memória de quem ouve e de quem diz. Ainda assim, foi dito e escrito no período que sucedeu a morte de Eva Perón, em 1952, então primeira-dama da Argentina.

Fui lembrada desse episódio na semana passada, enquanto visitava o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires,  onde Evita descansa não em paz. À época, os inimigos políticos do General Juan Domingo Perón picharam uma parede com a frase “Viva el cancer”, celebrando a morte da chamada líder espiritual da argentina e heroína dos descamisados.

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Celebrar a morte de alguém que faleceu vítima de uma doença devastadora
Vibrar diante de tragédias pessoais
Alegrar-se com a miséria de adversários
Já viu algo parecido? 

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As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são exclusivas. Só acontece comigo, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são universais, assim como a maldade se encontra em qualquer lugar. As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são fruto de seu tempo. Antigamente não era assim, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são atemporais, assim como a mesquinhez se encontra em qualquer momento.

Nós éramos assim antes, em 1952, e somos assim agora, em 2018

No Brasil, a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia, esposa de Lula, também foi celebrada. Também já ouvi muitas pessoas desejarem, com fervor, a morte do ex-presidente. Assim como se encontra em qualquer esquina de Twitter as diversas celebrações pelo assassinato de Marielle Franco, que, segundo alguns, mereceu o seu destino. Em 2015, na ocasião do processo de Impeachment, Jair Bolsonaro disse em alto e bom som que Dilma Rousseff deveria sair de qualquer jeito, nem que fosse “infartada; com câncer”. Em um comício no Acre, o candidato do PSL ainda falou em “fuzilar a petralhada”.  No início do ano, a senadora Ana Amelia Lemos (PP) parabenizou os gaúchos que “deram de relho” nos petistas. Na semana passada, após Bolsonaro levar uma facada durante atividade de campanha, houve quem dissesse que foi pouco, que foi bem feito. E esses foram apenas os exemplos mais recentes aos quais minha memória se apegou.

E assim, com o passar do tempo e em qualquer espaço, em nome da política, vamos deixando nossa humanidade pelo caminho e normalizando a barbárie. 

Geórgia Santos

196 anos de que?

Geórgia Santos
7 de setembro de 2018

Brasil afora, militares marcham com orgulho. Também há milhares de crianças e adolescentes com seus uniformes escolares para celebrar o sete de setembro em desfiles tão coloridos quanto antiquados. Nas roupas tingidas de verde e amarelo, o orgulho de carregar a pátria no peito com um eventual azul, a alegria de celebrar sua história que começa como Brasil em 1822. Os desfiles variam em tamanho e em vontade. Ao lado dos jovens orgulhosos, há os sonolentos que preferiam estar em casa, a dormir. Há os que não tem ideia do que se passa. Há quem faça ideia mas não considera importante. Há os patriotas. Há os cínicos. Há os que não se importam e está tudo muito bem. Quem nunca? Eu participei de vários. Várias e várias vezes. Quase nunca por vontade, diga-se. Minha categoria era uma mescla dos sonolentos com os cínicos e os que não se importam.

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Já são 196 anos do grito de Dom Pedro, que bradou “Independência ou morte!” – de trás de um arbusto e durante uma diarreia

Mas são 196 anos de que?

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Nesta semana, o local em que a Imperatriz Leopoldina assinou o decreto da Independência pegou fogo. O Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, virou cinzas. Também nesta semana, um candidato à presidência da República foi agredido. Jair Bolsonaro (PSL) levou uma facada durante atividade de campanha em Juíz de Fora, Minas Gerais. Também nesta semana, esse mesmo candidato usou o tripé do microfone para imitar uma metralhadora com a qual mataria seus adversários “petralhas”. Meses atrás, a caravana de Lula (PT) foi recebida a relho no Rio Grande do Sul. Houve quem aplaudisse. Pior, foi recebida a tiros no Paraná. Antes, ainda, uma tragédia da política contemporânea brasileira: a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada de forma brutal por defender as pessoas e ideias que defendia.

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A isso, pode-se somar a insegurança, os graves problemas na área da educação, o salário de fome dos professores, o abandono da cultura, as filas da saúde, os direitos ameaçados dos trabalhadores e os escândalos de corrupção que são empilhados em nossa memória

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Aliás, por falar em memória, também ela anda esquecida neste país que insiste em esquecer do passado e flerta com o autoritarismo ao negar a Ditadura enquanto horror. E então, são 196 anos de que? Não ignoro que há o que se comemorar. O Brasil se desenvolveu de forma importante em diversos setores e é considerada uma das nações mais importantes do mundo. Ainda assim, a sensação, agora, é de desesperança. A sensação é que a barbárie vence a razão.

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O que aconteceu com Jair Bolsonaro é inadmissível.  Simples assim. Sem “mas”, sem “porém”, sem condicionantes de qualquer ordem. E enquanto candidato à presidência, o ataque a ele é um ataque à democracia e à liberdade

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Em boa nota, os concorrentes de Bolsonaro na corrida presidencial manifestaram votos de solidariedade e suspenderam atividades públicas de campanha. De um jeito torto, parecia que o tom da campanha finalmente melhoraria no sentido de que os valores democráticos prevaleceriam. Mas a boa nota é curta. Rapidamente o tom virou e as redes sociais foram inundadas com aquilo que há de pior. O presidente do PSL disse que “agora é guerra”; o candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, fez acusações levianas indicando que o PT e PSOL estariam por trás do ataque; teorias da conspiração que insinuavam que a facada seria uma armação; questionou-se o sangue; questionou-se a faca. Jornalistas histéricos davam informações desencontradas enfeitadas por pirotecnia. E assim, de maneira irresponsável,  a agenda ideológica do candidato se mesclava ao mérito do golpe que ele recebeu. E então, são 196 anos de que?

 

 

Igor Natusch

Vídeos de Michel Temer são o abraço de um homem tóxico

Igor Natusch
6 de setembro de 2018

Os recentes vídeos de Michel Temer falando de candidatos à presidência surgiram de forma tão inesperada que ficou difícil, em um primeiro momento, entender o que havia por trás deles. O primeiro, destinado a Geraldo Alckmin, poderia trazer algumas leituras nas entrelinhas, já que muito se referia a partidos da base aliada do atual presidente – que podem, quem sabe, estar em polvorosa com a aparente dificuldade do tucano em decolar nas pesquisas. Veio um segundo, agora chamando o PSDB às caras pela parceria de governo que, agora, tenta a todo custo ignorar, e aí a leitura ganhava outros contornos: poderia ser um grito para não ser abandonado na estrada, ou talvez uma ação calculista para confundir os potenciais eleitores do ex-governador de São Paulo.

Mas aí surge um terceiro vídeo, no qual Michel Temer lança críticas pouco lógicas contra o vice-que-deve-virar-cabeça-de-chapa-do-PT Fernando Haddad. “Leia a Constituição. Tome cuidado, Haddad”, diz ele, por razões que talvez só ele entenda, e todas as tentativas de uma leitura estratégica ou calculista para tais manifestações vão pro espaço.

Trata-se, pura e simplesmente, de orgulho ferido. Temer está passando recibo, para usarmos termos mais populares. O presidente do Brasil está, pura e simplesmente, dodói.

Michel Temer é, hoje, um proscrito. Uma figura tóxica, com quem ninguém deseja ser visto, que ninguém gosta muito de ter por perto.  Seu governo já é um zumbi, e não é de agora – em certo sentido, é assim praticamente desde o início, quando áudios comprometedores o associaram a condutas claramente criminosas, situação da qual só se livrou ao abrir a guaiaca de forma escandalosa. Foi vassalo do próprio Congresso, atropelado em pautas que veste como suas, mas das quais herda a impopularidade e nada mais.

E de impopularidade Temer entende: bateu recordes negativos em pesquisas, sendo execrado por quase a totalidade dos brasileiros. É visto, de forma generalizada, como um traidor que conspirou contra Dilma Rousseff e que, uma vez alçado ao posto que a ela pertencia, esmerou-se em salvar a própria pele e implantar medidas que fizeram ainda mais dura a vida de brasileiros e brasileiras.

Ninguém gosta de Michel Temer – e ele sabe disso tão bem quanto todo mundo, se não ainda melhor.

A situação é tão curiosa que Henrique Meirelles, candidato da situação, simplesmente ignora o governo que representa em seus espaços de campanha. Menciona mais o ex-presidente Lula (que acusa o atual governo de golpe, e que está preso) do que Temer, de quem era ministro até dias atrás. É de se pensar que palavras carinhosas terá Michel Temer a dizer sobre seu candidato presidencial, que ostensivamente finge que o atual governo não existe e recusa-se a colocar o rosto do ex-vice em um panfleto sequer.

Temer é um homem vaidoso. E o rancor que o consome quando sente-se desprezado já rendeu outras situações tragicômicas, como no famoso “verba volant, scripta manent” que mandou para Dilma. Solitário em seu castelo, recebendo desprezo de seus parceiros de artimanhas recentes, viu-se consumido pelo orgulho ferido – e passou a cuspir fel nas redes sociais, em falas cuja linguagem escorreita mal consegue disfarçar a revolta figadal que as motiva.

Se Collor, em tempos idos, pediu que não o deixassem só, Michel Temer adota uma variante amarga: não me deixarão sozinho coisíssima nenhuma. Mesmo que queiram.

A correção (para não dizer a decência) de um presidente ficar dando recadinhos, em plena campanha eleitoral, aos que concorrem para substituí-lo é altamente questionável, mas isso pouco importa em um país cuja política já abandonou qualquer ideia de rito ou civilidade. Trata-se do abraço do homem tóxico, disposto a envenenar o futuro político de todos que dele tentam se escapar. 

E a verdade é que, embora pareça ter pouco de estratégia, o magoado rompante de Temer tem, sim, consequências políticas. Mesmo porque, ao menos no que se refere ao PSDB e seus aliados de momento, as críticas podem ser patéticas, mas estão longe de serem injustas. Geraldo Alckmin já tratou de responder, tanto em público quanto nas redes, às acusações do atual presidente – sinal inequívoco de que entende, e muito bem, o quão danosa essa conexão pode ser à sua já claudicante candidatura. Em um cenário onde a chance de Alckmin ir ao segundo turno parece distante, o recado de Temer pode soar de forma peculiar aos ouvidos de partidos como PP, PTB e DEM – que ainda estão gravitando em torno do cadavérico governo Temer, mesmo aliados à chapa do tucano, e certamente estudam movimentos em uma campanha que, em cerca de um mês, já pode estar no segundo round.

Foto: Reprodução /Twitter

Voos Literários

A gente precisa da Velhinha de Taubaté

Flávia Cunha
21 de agosto de 2018
Caro Luis Fernando Verissimo,
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desculpe a ousadia em te escrever. Mas os tempos andam tão estranhos que tem gente por aí dizendo que não houve ditadura militar no Brasil. Foi então que lembrei da Velhinha de Taubaté. Esse personagem emblemático, criado em 1983, talvez seja uma forma de as pessoas recordarem que existia corrupção e roubalheira nos anos de chumbo. Que a vida não era essa maravilha idealizada por saudosistas [possivelmente] mal intencionados e jovens sem interesse por livros de História, essa com H maiúsculo que muita gente diz não servir pra nada.
Fui pesquisar a primeira crônica escrita por ti, Verissimo, lá na época do Figueiredo no poder e deu para ver que a desesperança já estava presente nos nossos corações, combalidos por tantos golpes de Estado ao longo dos tempos:
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A velhinha de Taubaté é o último bastião da credulidade nacional. Ninguém acredita mais em nada nem em ninguém no pais, mas a velhinha de Taubaté acredita. Se não fosse pela velhinha de Taubaté, o país já teria caído, não no abismo, mas na gandaia final, sem disfarce. Mantém-se uma fachada de respeitabilidade para beneficio da velhinha de Taubaté.”
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Eu sei que em um momento de total indignação com a política, Verissimo, tu resolveste matar esse símbolo da ingenuidade. Mas o que acontece é que em 2005, período das denúncias do Mensalão, a gente não podia imaginar que aqui em 2018 as coisas ficariam tão mais complicadas. Que as pessoas voltariam a falar em ameaça comunista e a gente tivesse uma disputa presidencial com candidatos tão nonsense quanto em 1989 – ou mais. O que mais me entristece é que lá naquela tua primeira crônica, já havia sinalização de que o Brasil seria bem pior sem essa personagem:
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Não dá para imaginar o que acontecerá no país depois que a velhinha de Taubaté se for. Tem-se a impressão de que o Brasil só espera o sinal da morte da velhinha de Taubaté para decretar que a bagunça está mesmo decretada, que não tem nada que ficar dando explicação pra otário.”
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No fundo, caro escritor, o que a gente precisa mesmo é da tua ironia para conseguir lidar com essas eleições. Nos ajuda, Verissimo!!
Geórgia Santos

Não se distraiam com a loucura do Cabo Daciolo

Geórgia Santos
15 de agosto de 2018

O primeiro debate na televisão entre os candidatos à presidência da República, organizado e transmitido pela Rede Bandeirantes, deu o que falar. Houve a ladainha de sempre, é verdade, mas o costumeiro festival de desinformação ganhou uma nova roupagem. Neste ano, ficou por conta dos delírios de Cabo Daciolo, que concorre pelo Patriotas. O deputado federal surpreendeu a todos quando questionou Ciro Gomes, do PDT, sobre o plano da Ursal – União das Repúblicas Socialistas da América Latina, do qual, segundo ele, o pedetista faz parte.

 

 A loucura de Cabo Daciolo deu vazão à ótima resposta de Ciro Gomes, que disse que a democracia, apesar de ser uma delícia, tem seus custos e a uma legião de memes maravilhosos.  Além da Ursal, destacam-se obsessão com o “Glória a Deus”, a paranóia do comunismo, Iluminatti e uma suposta Nova Ordem Mundial que destruiria o Brasil e acabaria com as fronteiras. Bom, não seria nada mal uma seleção com Messi, Cavani, Suárez e Neymar, hein – para citar uma das maravilhosas pérolas que li por aí.


Nesta semana, Cabo Daciolo voltou aos holofotes. Divulgou um vídeo em sua página do Facebook em que, do alto de uma montanha, grita “Glória! Glória a Deus!” – super novidade. Em 15 minutos, ele associa a crise brasileira a problemas espirituais, diz que está ameaçado de morte pela “nova ordem mundial” e diz sua estratégia de campanha será a oração. Ah, ele vai ficar no monte jejuando. Galera gosta de jejuar no Brasil.

Mas enquanto a gente ri e ridiculariza este homem, ele serve como uma ótima distração pra os verdadeiros problemas desta campanha eleitoral. Depois de assistir ao debate, a primeira coisa que eu disse, foi:

Perto dele, Bolsonaro é bolinho!

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Imediatamente me dei conta do problema dessa frase. Quando aparece uma pessoa mentalmente desequilibrada – como parece ser o caso do Cabo Daciolo – e disposta a ridicularizar o processo eleitoral porque não tem nada a perder, a figura de Jair Bolsonaro  (PSL) começa a parecer aceitável até mesmo para quem, inicialmente, não tinha intenção de votar nele. Não que isso vá fazer com que alguém que abomine as ideias de Bolsonaro, passe a gostar. Mas pode fazer diferença na balança dos indecisos, e isso é tudo o que ele quer.

Bolsonaro é um notório canastrão, isso não é novidade. Assim como também sabemos que é preconceituoso em diversos níveis.  Mas a distração de Daciolo pode ser prejudicial para toda a campanha, porque a tendência é que a gente “passe pano” também para outros candidatos.

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Afinal, quando alguém estabelece uma linha de corte tão baixa, todos os concorrentes – mesmo com inúmeros problemas – passam a ser aceitáveis, uma ameaça menor

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Bem, eu usei alguns minutos para escrever este texto e é todo o tempo que vou gastar com Cabo Daciolo. Nem um minuto a mais. Meu tempo – e o do Brasil – é precioso demais. Espero que vocês façam o mesmo e não desperdicem tempo e energia com um balão de ensaio.

Geórgia Santos

Danço eu, dança você, na dança da convenção

Geórgia Santos
6 de agosto de 2018
Com a voz mansa acompanhada de um violão e um pandeiro, Paulinho da Viola canta, sorrindo, que
Solidão é lava que cobre tudo
Mas não é sorrindo que eu concordo. É concordando que me entristeço ao perceber a semelhança. Estamos sozinhos. A solidão, a lava, cobriu tudo e nos deixou petrificados.
Treze pessoas afirmaram, no último final de semana, que não nos deixarão sozinhos. Querem uma chance para provar que não estão mentindo, querem nosso voto para comandar o Brasil. Eu acredito que a democracia seja o único caminho para o restabelecimento de um sistema político saudável e, principalmente, para alcançarmos a justiça social. Por isso, quero acreditar em uma dessas pessoas.
Montagem sobre o quadro Almoço dos Barqueiros, de Pierre-Auguste Renoir
Aliás, gostaria de acreditar em todos os candidatos e candidatas à presidência da República. Mas é difícil. Estamos sozinhos há muito tempo. Sozinhos, desempregados, miseráveis, sem esperança e com o gosto amargo do abandono na boca.
[A ] Amargura em minha boca,
porém, não é exclusividade, é sintoma social de refluxo de desespero, medo, cansaço e insegurança. Desesperança.  Natural que nos sintamos assim diante dos rumos que o Brasil vem tomando. Milhões de pessoas sem emprego; cortes na saúde e educação; problemas gravíssimos na área da segurança; sem contar a crise política e institucional do país. É natural, portanto, que nos sintamos assim. Mas não é saudável. Essa combinação é muito perigosa porque permite que esses sentimentos tomem conta de decisões que deveriam ser racionais. É essa dormência no pensamento que torna sedutores candidatos como Jair Bolsonaro (PSL), que
Sorri seus dentes de chumbo,
ou dos anos de chumbo, que seja. Ele e seu vice, General Mourão (PRTB), saudosos da Ditadura e com o discurso cheio de frases prontas e inflamadas, prometem o que não podem cumprir; falam o que não deveriam dizer. Iludem. De novidade, o meme ambulante não tem nem o preconceito. Mas a mesma dormência que faz com que parte da população deposite sua confiança em Bolsonaro também favorece paixões que nos cegam por conveniência. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, está sendo achincalhado por parte da esquerda e por ter escolhido Kátia Abreu (PDT) como vice – a rainha da motosserra para alguns, em alusão ao vínculo com o agronegócio. A mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff de forma incondicional e, por isso, foi expulsa do MDB. Aliás, a mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff, que escolheu Michel Temer (MDB) como vice.
A decisão de Ciro Gomes foi pragmática, pode ser boa ou ruim, mas não se pode negar que ele não teve escolha depois de o PT inviabilizar sua coligação com o PSB e o deixar sozinho.
Solidão [é] palavra cavada no coração
de Ciro Gomes, cuja candidatura tem apenas o apoio do obscuro AVANTE e terá de sobreviver ao seu temperamento para levar uns votinhos daqui e outros dali. Ciro se mantém em um muro conveniente, sem se posicionar sobre assuntos polêmicos ou que demandem atenção ideológica. Afinal, a centro-esquerda está fragmentada e o PT deixou muito claro que está pensando em si, apenas. Lançou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril, e indicou Fernando Haddad como vice. Mas todos sabemos que essa candidatura não será autorizada e que Haddad será o candidato de fato, com Manuela D´Ávila (PCdoB) como vice.
Faz sentido que o coro por Lula Livre siga eleição adentro, é legítimo que seja assim. Assim como faz sentido, do ponto de vista estratégico, o acordo com o PCdoB, porque estender a possibilidade de candidatura de Lula dá força à chapa. Mas não é transparente com o eleitor. Simplesmente não é.
O candidato é Lula, mas não é Lula, é Haddad; o candidato a vice-presidente é Haddad, mas é Manuela, que foi confirmada como candidata pelo seu partido, mas depois desistiu e agora é a vice do vice. É a dança da convenção.
Do lado de cá, do lado dos que só assistem, o povo espera uma resolução,
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão por tudo. Desilusão porque, no final das contas, continuamos sozinhos. No final das contas, parece que nada muda. O discurso de Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, continua o mesmo engodo. Na convenção em que foi indicado, disse que vai “devolver aos brasileiros a dignidade que lhes foi roubada.” Ele fala como se o seu partido não tivesse parte nesse roubo. Ele ainda criticou quem usa “o ódio como combustível de manipulação eleitoral”, logo ele, que convidou Ana Amélia Lemos (PP) para ser sua vice, a mesma que “confundiu” Al Jazeera com Al Qaeda e acusou a petista Gleisi Hoffmann de violar a Lei de Segurança Nacional ao fazer o que ela chamou de “pedido para o Exército Islâmico atuar no Brasil”. A mesma que aplaudiu violência na caravana promovida por Lula pelo interior do Rio Grande do Sul. “Botaram para correr aquele que foi lá, levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, levantar o rebenque é mostrar onde estão os gaúchos”, disse. Parece piada, mas é a mais pura realidade da política brasileira. Isso sem contar o apoio do “centrão” –  que bem poderia ser direitão -, aquele bloco de partidos cuja foto está no dicionário ao lado da palavra fisiologismo.
Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da [convenção]
Na dança da convenção e convenções. Marina Silva (Rede) se uniu, justamente, ao seu antigo partido, o PV, e na dança das convenções se apresenta contra tudo e contra todos. No primeiro evento após sua candidatura ter sido oficializada, disse que “discursos extremistas que prometem saídas fáceis para uma crise complexa crescem na sociedade brasileira, alimentando-se de nossa insegurança e de nossa revolta. Já vimos esse filme antes e sabemos como ele acaba”, disse.
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Bem, Marina está certa. Paulinho da Viola também, não podemos esquecer do passado. Mas é aí que Marina erra o pulo, afinal, ela fez parte desse passado. Como ministra de Lula, como candidata à presidência pelo PSB, ao dar apoio a Aécio Neves (PSDB). Ela também atuou nesse filme. O mesmo vale para Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central durante o governo Lula e Ministro da Fazenda nos últimos dois anos.
Paulinho da Viola diz, com entusiasmo, que
Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura
Quem beber daquela água não terá mais amargura
Apesar da análise amarga, permaneço otimista em encontrar a fonte de água pura que me curará da amargura. Escolho acreditar na democracia, escolho acreditar em um desses 13 candidatos. Os que listei acima são os melhores colocados nas pesquisas mais recentes, mas há outros candidatos na disputa. Abaixo, veja a lista dos candidatos e candidatas à presidência.
Igor Natusch

Nada de bate-boca – o negócio é mostrar que Bolsonaro não manja nada

Igor Natusch
1 de agosto de 2018

É difícil acertar o tom de sobriedade quando se fala de Jair Bolsonaro. Por um lado, é fundamental demonstrar, de forma séria e enfática, os riscos que sua candidatura traz à claudicante democracia brasileira, bem como à sociedade como um todo. Porém, não seria sábio ignorar que é justamente dessa oposição que o candidato do PSL tira muito de sua força: o confronto é seu espinafre, é no bate-boca que ele se fortalece, e qualquer contestação a ele serve para reforçar, junto a seu eleitorado cativo, a ideia de todos-contra-ele que é o coração de sua tentativa de chegar à presidência.

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Aos que prezam pelo básico em termos de liberdade e direitos fundamentais, a omissão diante de Bolsonaro pode ser trágica. E ir para o confronto direto não ajuda, já que o tensionamento é justamente o que sua candidatura mais deseja. O que fazer, então?

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Quem assistiu ao Roda Viva com Bolsonaro, programa exibido pela TV Cultura na última segunda-feira, teve a chance de tirar algumas pistas. Não acho que a sabatina tenha tido o poder de mudar posições arraigadas: quem sente ojeriza a Bolsonaro saiu ainda mais nauseado, quem o apoia e enxerga nele a vocalização de seus medos e intolerâncias só enxergou motivos para ampliar sua idolatria. De fato, boa parte do programa foi um desperdício nesse sentido, com inúmeras questões voltadas às coisas horrendas que o candidato defende – terreno onde ele se move com desenvoltura, soltando inúmeras frases de efeito para o delírio de seu público cativo. Não há novidade possível nessa abordagem: o deputado fará a sua cena habitual, ganhará aplausos delirantes de seu fandom e ainda poderá usar a repulsa dos oponentes como mecanismo de confirmação. Não é com essa munição que se estoura o balão bolsonarista – com a ressalva, é claro, de que derrubar o candidato Bolsonaro não é, e nem precisa ser, a meta primeira dos jornalista que eventualmente o entrevistem.

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A trilha que surge, a partir das declarações públicas de Bolsonaro, aponta para outro alvo, em outra direção: a linha do meio

Os indecisos

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Porque é inegável que existe uma legião de brasileiros, tomados pelos mais diferentes tipos de angústia, que não odeiam Bolsonaro por definição, mas também não morrem de amores por ele. Talvez nem mesmo o conheçam. Talvez só tenham ouvido falar e, no momento, nutrem não mais que uma pequena antipatia, ou uma simpatia igualmente imprecisa. Em quem esses eleitores votarão – e mais, de que maneira vão escolher, a partir de quais diretrizes e bandeiras decidirão seu voto?

Foi curioso ver o fenômeno de redes sociais tentando abrir o discurso em alguns momentos. Sua expressão ficava tensa, a voz gaguejava, perdia-se toda a desenvoltura tão bem exercida quando o assunto é soltar frases de baixo nível para agradar o eleitorado cativo. Alguns momentos (como a pífia leitura sobre mortalidade infantil e o constrangedor desconhecimento sobre a situação dos trabalhadores do campo) seriam dignos de uma comédia, não fossem o fato apavorante de virem de um candidato à presidência do Brasil.

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Se a interpretação exige um mínimo de conteúdo, o personagem Bolsonaro começa a sorrir amarelo, como um ator pouco competente que esquece as falas segundos antes de entrar em cena. Esse é seu calcanhar de aquiles, a kryptonita que pode derrubá-lo: a sua absoluta falta de conhecimento sobre qualquer coisa que seja relevante para o futuro do país.

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As pessoas querem respostas fáceis, sim. Mas não tão fáceis que nem como respostas consigam convencer. Tire de Bolsonaro seus espantalhos e a tendência é que não sobre muita coisa.

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Menosprezar o candidato do PSL a essa altura do campeonato seria, por certo, uma tolice absoluta. Mas também não nos ajudará em nada achar que a criatura é imbatível – algo que, definitivamente, não é. Esse mesmo Bolsonaro fracassou em obter o apoio do centrão, tão necessário para dar a ele valiosos cabos eleitorais e significativos segundos de rádio e TV. Esse mesmo Bolsonaro enfrenta grandes dificuldades para fechar um vice, algo inusitado para alguém supostamente tão próximo da vitória – nem mesmo Janaína Paschoal, a cada vez mais caricata responsável pelo pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, empolgou-se com a ideia de subir no palanque ao lado do mito.

Sua força nas redes sociais é inegável, e sua capacidade de virar centro de todas as discussões relacionadas a direitos fundamentais é para lá de perigosa. Mas ainda está para ser visto até que ponto isso vira apoio na hora da verdade, o quanto isso é capaz de manter viva uma candidatura que estará praticamente ausente das mídias tradicionais, que vai precisar demais das manchetes para não ficar acorrentada às correntes de Whatsapp.

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É preciso expor Bolsonaro aos que, ainda incertos sobre o voto em 7 de outubro, seguem ao alcance sinistro do grito mais alto, da resposta simples ao problema complexo

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Deixar claro que Bolsonaro é feito de vento, e que seus apoiadores, na grande maioria, apenas repetem memes e frases feitas, sem refletir sobre as implicações do que estão dizendo. E me parece fundamental fazer isso com serenidade e frieza – pois a exaltação ou, por outro lado, o deboche são armas que só servem ao culto bolsonarista, independente de quem as esteja empunhando. Para a maioria das pessoas, ironia soa como arrogância, e arrogância desperta imediata antipatia. É preciso fazer o que os jornalistas na bancada do Roda Viva conseguiram poucas vezes fazer, mas sempre com bom resultado: tirar a discussão da gritaria e do bate-boca, reconduzi-la ao embate de ideias. Porque, de ideias, Bolsonaro é um deserto. E quanto mais deserto ele parecer, menos convincente sua figura conseguirá ser.

Pode ser que não dê certo. Afinal, é uma luta dura, e nós já estamos atrasados. Mas é preciso tentar, com firmeza e de forma incansável. A opção é sentar na pracinha e chorar, ou ficar torcendo pelo acomodar das melancias na carroça política nacional – algo que, como temos visto, até pode acontecer, mas está bem longe de ser uma aposta segura.

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Reporteando

As perguntas-padrão de uma eleição seriam mais reveladoras

Geórgia Santos
31 de julho de 2018

Na noite de ontem, o programa Roda Viva recebeu o deputado Jair Bolsonaro (PSL), candidato à presidência da República. Confesso, eu estava muito curiosa por esse momento. Especialmente porque o político é conhecido por evitar esse tipo de encontro com jornalistas, com os quais mantém uma relação de hostilidade. E no ensejo das confissões, admito que fiquei frustrada. Não com ele, sua ignorância sempre aparece, mas com a entrevista em si.

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Não foi propriamente uma entrevista ruim, mas foi mais do mesmo

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Já no início, quando o apresentador do programa, Ricardo Lessa, pergunta sobre a realização pela qual ele gostaria de ser lembrado, Bolsonaro despeja a ladainha que todos conhecemos. “Nós cansamos da esquerda”, “[queremos um Brasil] que respeite a família, bem como as crianças em sala de aula”; “que jogue pesado na questão da segurança pública”; “que jogue pesado contra o MST”. De novo, pra mim, apenas o “sonho” que o candidato tem de tornar a economia brasileira plenamente liberal, já que até pouco tempo era um estatista.

Mas a ladainha que conhecemos seguiu programa afora. O começo da entrevista foi marcado por perguntas sobre a Ditadura Militar, por exemplo. Acho que é um tema que deve ser abordado, afinal de contas faz parte do nosso passado recente e o candidato já exaltou e defendeu o período mais que algumas vezes. Mas insistir por quase meia hora nisso, é escada pra ele.

Ele relativizou a tortura com o discurso padrão de que eram terroristas, disse que a maioria inventou que foi torturada para receber indenização, votos e poder; disse que sem a “revolução teríamos virado Cuba”; questionou o assassinato de Vladimir Herzog; disse que não foi golpe; e ainda flertou com a ideia de reeditar o período quando perguntou se “o clima não está muito parecido com aquela época.”

Em outras frentes, o candidato do PSL disse que é contra políticas afirmativas. Segundo ele, entrar em uma universidade, por exemplo, é questão de mérito e competência. “Se eles podem ser tão bons no Ensino Superior, e acho que sejam (sic), por que não estudam no Ensino Básico aqui atrás, pra que tenham melhor base e sigam carreira numa situação de igualdade?” Ele afirma que não há dívida a ser quitada com a população negra porque ele nunca escravizou ninguém. Aliás, foi mais longe. “Se for ver a história realmente, os portugueses nem pisaram na África, os próprios negros que entregavam os escravos”, disse ele, em um momento de profunda infelicidade.

Ao ser confrontado com os rótulos de homofóbico, misógino e racista, negou todos. Obviamente.

“Se eu sou racista tinha que tá (sic) preso. São calúnias, nada mais.”

“Onde que que eu sou homofóbico? A minha briga é contra o material escolar. […] não pode o pai chegar em casa e encontrar o Joãozinho de seis anos de idade brincando de boneca por influencia da escola.”

Felizmente, o jornalista Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo, corrigiu Bolsonaro ao lembrar que ele foi denunciado pelo crime de racismo. Ele relativizou (de novo), disse que apenas exagerou nas brincadeiras e que aquilo não é racismo. Quanto a não ser homofóbico, não foi corrigido, infelizmente, então nós fazemos isso aqui.

Bolsonaro tergiversou o tempo todo e reproduziu os discursos aos quais já estamos todos acostumados. Se defendeu sobre o receber auxílio-moradia dizendo que está na lei, ignorando a imoralidade de utilizar o benefício mesmo com imóvel próprio; disse que, no sétimo mandato, nunca integrou a Comissão de Orçamento, nem a de Saúde e que nunca integrou a maioria das comissões da Câmara dos Deputados porque “aquilo é um mundo”; disse que a última CPI que funcionou na Câmara foi há mais de 20 anos – aparentemente esqueceu de Eduardo Cunha; disse que evoluiu em suas contradições com relação à democracia; admitiu ter votado em Lula e elogiado Chávez, mas não admitiu ter mudado de opinião. Segundo ele, Chávez é que mudou e parou de elogiar os Estados Unidos (?). Em resumo, mais do mesmo.

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A falta de preparo do candidato à presidência apareceu no que chamo de perguntas-padrão do período pré-eleição. Ou seja, ao responder questões sobre pontos críticos que um eventual governo deverá enfrentar

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Inovação

O diretor de Inovação e Articulação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, perguntou qual seria o papel que o Ministério da Educação deveria desempenhar e se a Educação Superior pública deveria estar vinculada ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A resposta foi um festival de desconhecimento. Uma confusão. Primeiro, disse que não há pesquisa no Brasil,  que é uma raridade; depois que é preciso “inverter a pirâmide” e investir em Educação Básica; em seguida, que a comunidade científica está em segundo plano no país; completou dizendo que “não interessa aonde vá ficar, tem que ser uma pessoa isenta e com conhecimento de causa”; terminou afirmando que “temos que investir e dar meios para que o pesquisador possa exercitar o trabalho. Se você quiser entrar na área da biodiversidade, você tem uma dificuldade enorme. Agora, tá cheio de gente tentando roubar a nossa biodiversidade.”

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Mortalidade infantil

Esse momento, na minha opinião, foi o mais revelador no que tange à falta de preparo – e noção. A jornalista Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico, questionou sobre as políticas que o candidato pretende propor para, entre outras coisas, a redução da mortalidade infantil, especialmente se houver redução de impostos.  Bolsonaro não apenas demonstrou pouca familiaridade com o assunto como foi leviano ao, basicamente, culpar as gestantes. Ignorando o fato de que altos índices de mortalidade infantil estão associados à falta de saneamento básico.

“Mortalidade infantil. Tem muito a ver com os prematuros. É muito mais fácil um prematuro morrer do que um que cumpriu a gestação normalmente. Medidas preventivas de Saúde.  [Jornalista: tem mais a ver com saneamento básico do que com prematuridade]. Não tem a ver. Olha só, tem um mar de problemas , tem que ver a questão, o passado daquela pessoa, signatário dela, alimentação da mãe, tem um montão de coisas, tô citando aqui um exemplo apenas. […] Muita gestante não dá bola pra saúde bucal, ou não faz exame de seu sistema unirnario com freqüência”, disse.

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Desemprego no campo

O candidato acredita que o desemprego no campo se dá em função da tecnologia e da fiscalização. Depois de dizer que “é difícil ser patrão no Brasil”, afirmou que o trabalhador deve ser treinado para fazer outra coisa, já que a mecanização deve substituir o trabalho braçal. Também defendeu que o governo não pode atrapalhar com legislação e fiscalização “absurdas”.

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Para mim, a candidatura de uma pessoa com um perfil tão belicoso é assustadora. Assusta que alguém se sinta tão à vontade para falar o que ele diz. Assusta que tantas pessoas apóiem alguém assim. Dito isso, acredito que esta seja uma campanha bastante emocional, o que explica parte desse apoio. Sua base é movida pelo “sentimento”, sentimento de medo, de cansaço, de necessidade de mudança – embora eu não entenda como alguém que é deputado há 27 anos possa ser mudança. Mas é justamente esse “sentimento” que torna inócua a insistência com alguns temas como o racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e Ditadura Militar.

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O eleitor de Bolsonaro concorda com ele, não se importa com esses temas ou não acredita que ele seja assim – atribuindo tudo às Fake News

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Isso prova que, mais do que nunca, o jornalismo responsável precisa entrar em campo. O candidato do PSL precisa ser exposto como o candidato despreparado que é, não pela maneira como ele pensa ou em função do que defende. Até porque, ele tem todo o direito de defender o que bem entender – e o dever de arcar com as consequências disso também.

E é nesse ponto que o programa Roda Viva falhou. À parte esses três momento que destaquei, sobre inovação, mortalidade infantil e desemprego – e talvez algum outro que me tenha escapado, foi uma entrevista pouco reveladora.

Faltou perguntar sobre plano de governo, sobre projetos para educação e saúde. Não ouvi nada a respeito de cultura, não tenho a menor ideia do que ele pensa a respeito. De política internacional, só sei que quer fazer comércio com todos os países. E para a segurança? Além do óbvio e de armar o “cidadão de bem”, não ouvi nada que fosse produtivo.

Não teve coordenador de campanha adversário como entrevistador, ele não foi interrompido constantemente, mas, de certa forma, o programa foi desenhado de maneira similar ao que recebeu Manuela Dávila. Por motivos diferentes, é claro. Afinal de contas, o candidato do PSL é cheio de contradições e precisa ser confrontado. De todo modo, ficou claro que o objetivo era constrangê-lo, pegá-lo no “contrapé”. Estratégia que, na minha opinião, só fortalece uma candidatura que atribuiu notícias ruins à manipulação da grande mídia.

Durante o programa, ele disse que “a imprensa quase toda é de esquerda no mundo, Trump sofreu com isso, são os Fake News.”

Ele deixou a cama pronta. Não podemos deixar o jornalismo deitar.