Voos Literários

Sugestões de livros para não pirar (tanto) na quarentena

Flávia Cunha
30 de maio de 2020

Vivemos uma crise política e institucional em meio a uma pandemia no Brasil. Notícias sobre crimes racistas aqui e nos Estados Unidos ferem ainda mais nossa sensibilidade aflorada pelo isolamento ou distanciamento social. Saber que existem muitas pessoas passando fome nas ruas e nem sempre poder ajudar também é um fator de angústia. Além disso, não podemos encontrar com nossos amigos, não podemos abraçar nossos parentes que moram longe. Estamos sobrecarregados trabalhando dentro de casa, estressados se precisamos trabalhar na rua ou preocupados com o desemprego. Quem mora sozinho, pode ter dificuldades em lidar com a solidão. Quem divide o ambiente doméstico com um parceiro ou família grande, pode estar sofrendo com a convivência intensa. 

FALTA DE CONCENTRAÇÃO

Nesse panorama tão difícil, muitas vezes nos falta concentração para ler. Nesses casos, pode-se buscar livros que não tenham a obrigação da leitura corrida ou que tenham sido criados com o intuito de serem consultados diversas vezes. Outra sugestão é ler por puro prazer, sem pensar em prazos ou metas a serem cumpridas. 

DICAS DE LEITURA

Com o objetivo de estimular a leitura e tentar ajudar a segurar a barra desse Brasil 2020, a coluna Voos Literários selecionou alguns títulos que talvez ajudem a enfrentar determinadas  situações.

Se o problema é solidão:

A Parte que Falta, de Shel Silvertein, é um livro infantojuvenil mas que aborda o sentimento de incompletude, que pode atingir todas as pessoas em diferentes fases da vida. É uma obra ilustrada e de fácil leitura, mas não se engane: a profundidade do texto é grande.

Se a sua dificuldade é a convivência intensa:

Comunicação não-violenta, de Marshall B. Rosenberg, é um manual para ser consultado muitas vezes. Sugiro principalmente para melhorar a relação com pessoas que amamos, nas pequenas divergências domésticas que podem ser amplificadas pela quarentena.

Se a intenção é tentar ficar um pouco menos estressado:

A meditação pode ser um caminho para buscar o equilíbrio mesmo em tempos tão difíceis. Para quem não é praticante, começar é um desafio. Um dos clássicos do gênero indicado por especialistas é Atenção Plena – Mindfulness, de Danny Penman e Mark Williams. 

Se os casos atuais de racismo mostram que é hora de se posicionar:

Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, é uma leitura obrigatória para quem quer aprofundar o conhecimento sobre temas como discriminação e racismo estrutural. São 11 capítulos curtos, em que entendemos que a luta precisa ser de todos e está em pequenas ações cotidianas.

Se estiver equilibrado para refletir sobre política:

Bolsonaro tem tirado o sono, a paciência e provocado sentimentos ruins, como raiva e indignação, em pessoas com ideias e ideais antifascistas. Mas vai que você aí ainda tem energia para tentar entender como um governante desse tipo foi parar no poder? Uma sugestão é Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, que examina as origens históricas de movimento totalitários, como o nazismo.

Se não entende as atitudes de bolsonaristas e negacionistas: 

Machado de Assis faz uma divertida reflexão sobre os limites da sanidade mental em O Alienista. Uma leitura curta e interessante sobre a percepção da loucura, que pode ser usada como um paralelo para o Brasil atual, com tantas atitudes tresloucadas do presidente e agressividade de seus seguidores com quem não concorda com as ideias de relativizar a pandemia.

VAI PASSAR

Por fim, se não estiver com vontade de ler nada agora, não se cobre. O momento é complicado mesmo e cada pessoa reage de uma forma. O principal é cuidar de si e de quem está por perto. Vai passar. 

 

Igor Natusch

A respeito de cachorros comedores de ovelha

Igor Natusch
4 de abril de 2020

No Rio Grande do Sul (e em boa parte do Brasil, imagino), é comum o uso de cães junto a rebanhos de ovelhas – seja para ajudar no pastoreio, seja para manter predadores (e ladrões) afastados. O Estado tem até sua própria versão de cão pastor, o ovelheiro-gaúcho, talhado especificamente para esse tipo de tarefa. De modo geral, os animais gostam de se sentir úteis, e realizam as tarefas com grande dedicação. Alguns cachorros, porém, acabam se desviando: pegam gosto por caçar as ovelhas e devorá-las.

Esses, como diz o gaúcho do campo, só matando.

Lembro do meu pai contando, quando eu ainda era bem novo, sobre as experiências que tivera com cachorros comedores de ovelha. Ele morava na zona rural de São Gabriel, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, e dizia ter visto uma ovelha caçada por cachorro, ainda viva. O processo é tão brutal quanto eficaz: o cachorro corre, a ovelha tenta fugir, e o caçador, ao invés de atacar no pescoço ou no lombo da presa, apenas agarra a lã com os dentes, dando um puxão que, em meio à correria, acaba causando ferimentos graves. Às vezes, a ovelha consegue fugir mesmo assim; às vezes, não. A ovelha que meu pai viu quando garoto tinha fugido, mas estava mal: o puxão tinha arrancado um grande naco de carne, deixando as costelas à mostra.

Eu nunca vi um cachorro comedor de ovelha, mas quem viu diz que o bicho fica viciado – tanto na carne crua recém-abatida, quanto na adrenalina da caçada. Alguns caçam apenas por prazer, sem sequer devorar de fato a presa; outros, ao contrário, param de comer da tigela e recusam qualquer outra comida que lhes seja servida, só demonstrando interesse pelo gosto do sangue fresco.

Em qualquer caso, a sabedoria do gaúcho diz que só existe um jeito de evitar o prejuízo na criação: levar o cachorro ovelheiro para um lugar isolado e matá-lo. Mesmo que goste muito dele, mesmo que seja um animal fiel e tudo o mais. Porque cachorro viciado em ovelha não se emenda. Não presta para mais nada. Só matando.

Imagino que muitos gaúchos tenham, no decurso das décadas, tentado salvar a vida de cachorros viciados em ovelha. Às vezes os piás gostam do bicho, e o pai não quer deixar as crianças tristes. Às vezes o cão livrou o dono de situações difíceis, o que gera um sentimento de gratidão. Talvez, no passado, o animal tenha sido o melhor pastor de ovelhas da fazenda, e o dono sinta pena de se desfazer de uma criatura que foi tão eficiente no passado. Ou pode ser que o gaúcho rude simplesmente não queira a missão de abater um cachorro, um animal tão próximo, com que se desenvolve laços diferentes do que se tem por uma vaca, um porco, uma ovelha.

Um esforço quase bonito, dependendo do caso – mas, ainda assim, infrutífero.

É a vida, simples assim. Alguns não se emendam – sejam animais selvagens, domesticados ou seres humanos, mesmo. Para alguns indivíduos, o desvio é sua própria natureza: é o que os define, o comportamento mais natural, o resumo de tudo que são e ambicionam ser.

Eles caçam ovelhas, reais ou figuradas. Eles buscam o cheiro de sangue, sentem um impulso incontrolável pela destruição.

Um viciado em ovelhas, seja de que espécie for, pode tentar mudar a rota, sim. Pode tentar modular seu discurso, por exemplo. Mas funciona por um ou dois dias, no máximo: logo volta a espalhar dor e discórdia, a cometer gestos vis, dizer todas as barbaridades que habitam sua mente doentia.

Pode ser que o caçador faça sinais de conciliação, ou talvez ele prefira gritar aos quatro ventos seus delírios homicidas. Nesses casos, não se deve levar em conta a primeira fala, e é preciso prestar toda a atenção na segunda.

Você pode adestrá-lo, pode pedir que se controle, implorar que tome juízo. Pode torcer que o ambiente o eduque, que as pressões sobre ele consigam colocá-lo na linha, que o risco da punição definitiva seja suficiente para evitar que ele continue matando. Pode inclusive achar que, depois de devorar algumas ovelhas, ele vá ficar de estômago cheio e parar com a matança, ao menos por algum tempo.

Tudo ilusão: ele não vai parar. Nunca.

Diante da caça, o cachorro que devora ovelhas entrará sempre em frenesi. Não parará nem mesmo diante do fim, podem acreditar. Mesmo isolado, mesmo encurralado ou na iminência do tiro fatal, ele vai sempre lembrar do gosto do sangue. E vai arreganhar os dentes. Ansiando por mais.

Sou gaúcho, mas não sou do campo, como vocês sabem. Ainda assim, creio que a sabedoria de quem vive no pampa é correta: quando se conclui que o cachorro virou caçador de ovelhas, o tempo de esperar que algo aconteça já passou. Quanto mais rápido a gente se livra dele, melhor.

Foto: Pxhere / Creative Commons

Igor Natusch

Ou a gente enfrenta o golpe, ou o golpe já venceu

Igor Natusch
26 de fevereiro de 2020
O presidente Jair Bolsonaro conversa com turistas no Palácio da Alvorada.

Vamos começar com um exercício simples.

Projete sua mente para o início de 2023. A posse presidencial, toda aquela festa da democracia em Brasília, bandeiras verde-amarelas tremulando em todo o entorno do Planalto. Ao fim da rampa, Jair Bolsonaro – talvez sorridente, talvez ressabiado – segura a faixa presidencial, que ostentou sem necessidade inúmeras vezes durante os quatro anos anteriores, pela última vez. A seu lado, o homem ou mulher que assumirá a República em seu lugar. E Bolsonaro, de forma republicana, colocando a faixa no peito de seu sucessor ou sucessora, completando um ciclo de governo e dando início ao outro – tudo dentro da mais absoluta ordem democrática, com as instituições funcionando normalmente.

Agora, abra os olhos e responda, com sinceridade. Você realmente consegue visualizar isso acontecendo?

Nem eu.

E não estamos malucos, de forma alguma. O fato é que as eleições de 2022 não estão nem um pouco garantidas, e não existe nada suficientemente sólido para nos garantir que elas irão ocorrer. Nada. Nadica de coisa nenhuma.

A gente sabe, mesmo não querendo admitir. E a gente também sabe qual o motivo de tanta incerteza: o próprio Jair Bolsonaro e seu governo. Para essa aliança sombria, a democracia é um inimigo ou, na melhor das hipóteses, um incômodo a ser retirado do caminho. E estão agindo para destruir todos os alicerces democráticos, sem nenhum disfarce, diante dos nossos olhos.

Tem gente que escolhe a cegueira, mas mesmo esses enxergam muito bem o que está acontecendo.

O compartilhamento de mensagens convocando para protestos que pedem o fechamento do Congresso Nacional é apenas mais um dos muitos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro desde que tomou posse. É uma corda, que vem sendo esticada todos os dias e, por vezes, é submetida a violentos puxões. Não resta dúvida de qual seja a linha de chegada dessa corrida mórbida: o fechamento do Congresso e do STF, a criminalização do dissenso, a instauração de um regime de exceção com alicerces criminosos.

Pode levar vários meses, talvez um ano, talvez mais. Mas é essa a meta. E nenhuma ponderação, nenhum esforço racional ou freio democrático tem feito com que esse impulso sombrio seja contido. Há recuos, mas nenhum sinal de trégua, nada que sequer se aproxime de uma domesticação.

O cenário pode não ser dos mais agradáveis, mas seu enunciado é, na verdade, bastante simples. Ou as ditas instituições reagem, ou serão fechadas.

No momento, eu não apostaria nessa reação, infelizmente. Não sem um sacolejão violento por parte da sociedade.

Por agora, o governo Bolsonaro não tem força (política e bruta) para instaurar uma ditadura. E é meio por isso que ainda não estamos em uma. Pouco coeso, cravejado por disputas internas, em um clima de deslealdade aberta entre seus integrantes, o regime ainda tem o problema extra de ter um presidente que não consegue ser um líder – e tudo isso impede (talvez felizmente) ações sistemáticas de vulto. Tudo isso é verdade, e precisa ser levado em conta nesta complicada e tensa equação.

Não se pense, porém, que esse pessoal não vai buscar concretizar suas taras autoritárias. Está buscando, sim – e será cada vez mais vulgar e agressivo nessas tentativas, porque esta é a sua natureza, este é o cenário em que se sente mais confortável para atuar.

Apostar que a eleição de 2022 é um horizonte consolidado é pouco mais que um delírio desejoso, um alegre devaneio de verão. A única chance de existir um 2022 é forçando que ele exista.

A luta – desde já, e com urgência cada vez maior – é para interromper ou, pelo menos, enfraquecer essa enxurrada das trevas. É punir quem comete crimes contra a democracia. É fazer com que os delírios autocratas voltem a oferecer riscos àqueles que os acalentam, é garantir que o ataque à Constituição volte a ter consequências. Mesmo que isso signifique expulsar da cadeira presidencial aquele que a vê como um trono, como uma propriedade da qual não pretende abrir mão jamais. E apenas o sucesso nesse enfrentamento pode garantir a sobrevivência de um edifício democrático com alicerces fragilizados, que se esfarela a cada ataque e balança cada vez mais.

É preciso impor 2022 aos que anseiam por cancelá-lo. Desde agora. Ou talvez a profecia sinistra se confirme, e não seja mesmo necessário mais do que um cabo e um soldado para apagar a luz.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Igor Natusch

O Brasil de Paulo Guedes sonha em excluir ainda mais

Igor Natusch
13 de fevereiro de 2020
O ministro da Economia, Paulo Guedes, faz palestra de encerramento do Seminário de Abertura do Legislativo de 2020

Um dos aspectos mais insuportáveis do governo Bolsonaro é o modo como ele nos abriga a tratar sempre dos mesmos assuntos. É uma consequência natural de qualquer processo humano movido pelo recalque: por mais que se disfarce a ideia fixa detrás de discursos elaborados e tergiversações diversas, a mancha suja está sempre na mente. O recalcado não consegue esquecer o foco de seu rancor nem quando toma um copo d’água: é o que é, ou pelo menos aquilo em que permitiu a si mesmo se transformar.

Paulo Guedes não é exatamente um recalcado. Possivelmente o seja em alguns ou vários aspectos, é claro: porém, não é em nome de sua mágoa individual que comete frases odiosas como a que comemora a alta do dólar, dizendo que isso de empregada doméstica viajar para a Europa já tinha virado bagunça. É em nome do recalque alheio, isso sim.

O ministro da Economia sabe que, no imaginário brasileiro, existir é ter alguma coisa. E que essa distinção passa também pelo não-ter dos outros: se eu ganho ou tenho um pouco mais, eu tenho alguma ascendência sobre os que menos (ou nada) têm.

É por isso, por exemplo, que os auto-proclamados patriotas desprezam tudo que remeta ao “povão”: o povo é pobre, e ser pobre é personificar tudo que não presta, em mais de um sentido. Para alguém que vive a ilusão de ser rico um dia, o pobre é tudo de que se quer distância. Se uma empregada doméstica (uma serviçal, uma lacaia!) se torna capaz de juntar uns trocados e planejar uma viagem, a fronteira fica mais tênue. O que se acha alguma coisa fica mais próximo daqueles que não têm direito a nada, apenas a serem pobres e morrer.

O governo Bolsonaro joga desde o início com esse ressentimento. E Paulo Guedes sempre esteve nesse barco: a diferença é que agora está se sentindo mais à vontade para usar o ódio de classe como cartada de legitimação.

É um discurso cruel. E que dá à política econômica um papel ativo na construção da grande ilusão, no resgate da pátria que sempre esteve lá e, ao mesmo tempo, nunca existiu. Não pode restar dúvida de para qual lado se espera que a economia cresça, nesse caso.

O Brasil reacionário segue excludente, mas sente saudades de excluir ainda mais. E Guedes diz: excluiremos. Essa festa danada de pobre achar que é gente vai acabar. Podem deixar com a gente.

Ninguém pode abraçar uma perversidade tão explícita e achar que não é perverso. Pode fingir não ser, e talvez até engane algumas – ou muitas – pessoas. Mas a perversidade estará lá, como uma mancha que estraga o vermelho da maçã, podridão que consome de dentro para fora.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Igor Natusch

As duas pontes incendiadas de Roberto Alvim

Igor Natusch
23 de janeiro de 2020

Assisti, no começo desta semana, um trecho em vídeo de uma entrevista do agora ex-secretário da Cultura Roberto Alvim ao Terça Livre. Não é algo que eu assistiria normalmente, pois costumo manter meu consumo de jornalismo limitado a fontes bem menos lamentáveis, mas passou pela linha do tempo do Twitter e, dado aos últimos acontecimentos (vamos, eu sei que você não esteve em Marte no final da semana passada), achei válido assistir.

No vídeo (que, deduzo eu, era bem anterior à situação envolvendo Goebbels, Wagner, a Cruz de Lorena etc), Alvim lamenta uma suposta perseguição esquerdista contra ele. Desde sua conversão, ele teria virado um proscrito, cuspido fora por seus pares. E conclui: ao sair do governo (o que, então, era só uma hipótese), teria que ir pro interior criar galinhas, pois não teria emprego em um ambiente teatral contaminado pelos esquerdopatas.

Temo que esteja absolutamente certo. De fato, a sua carreira artística muito provavelmente está encerrada. E não acho nada errado que seja assim.

Tenho dito muitas vezes, e vou repetir: as coisas precisam voltar a ter consequências.

Antes da conversão ao catolicismo, motivada pela cura de um tumor no intestino, Roberto Alvim era um dramaturgo e diretor respeitado, embora talvez não tão consagrado quanto desejava. Seu trabalho ousado e cheio de riscos, porém, tinha garantido amigos importantes (Chico Buarque e Vladimir  Safatle, citando apenas dois exemplos) e um respeito generalizado dentro do cenário teatral brasileiro.

Evidente que virar devoto de Jesus, por si só, não transforma ninguém em maldito na arte brasileira: o problema é se aproximar da ala mais reacionária  dessa devoção, e mais ainda de uma figura como Jair Bolsonaro, que declarou guerra aberta a qualquer tipo de arte livre. Nada mais natural do que um artista querer distância de reacionários, que nutrem ódio visceral pelo que a arte livre é representa – e passar a ver alguém que se abraça a esse pessoal como uma pessoa, no mínimo, pouco digna de confiança.

Essa é a primeira ponte incendiada. A segunda ele queimou junto a seus novos e transitórios amigos, quando o desastrado vídeo da semana passada despertou ultraje generalizado.

A mão pesada em Goebbels e Wagner não me parece desprovida de significado: para alguém sem padrinhos importantes e que não tem currículo político anterior, reforçar aspectos ideológicos é uma forma de tentar se manter no poder. Talvez ele encarasse seu jogo de cena como uma demonstração de força e convicção política, ou que promover uma “arte genuinamente brasileira” garantiria uma adesão capaz de consolidar sua posição. Seja como for, o rebote foi mais forte do que o esperado – suficiente para comprometer sua efêmera ascensão entre os reacionários com quem escolheu andar. Foi cuspido fora, sem constrangimento. E como poderia esperar outra coisa?

Essa gente não sabe o que é lealdade. Para eles, Roberto Alvim é carne morta, não serve para mais nada.

Rapidamente surgirão outros memes ambulantes, outras figuras dispostas a cumprir o papel de ex-esquerdopatas na legitimação de uma agenda de emburrecimento e destruição. E ao ex-secretário, caído em desgraça pela falta de sutileza, restará o galinheiro, torcendo para que os ovos caipiras se valorizem no mercado.

Não é questão de excesso ou falta de piedade. É dever urgente de todos nós, que resistimos à enxurrada de insensatez vulgar e autoritária que ameaça nos carregar, permitir e contribuir para que as consequências existam, sejam visíveis e se façam sentir. E Roberto Alvim é um exemplo muito adequado da necessidade de colher os frutos – o que não tem absolutamente nada a ver com vingança. Se quiser voltar para o lado de cá, é preciso reconstruir as pontes incendiadas – e a nenhum de nós cabe pegar o martelo e os pregos, juntar as madeiras e as cordas para a reconstrução.

Construir o que está sendo posto em chamas levou muito, muito tempo; ninguém pode pretender carregar as tochas como se fosse apenas detalhe, como se nada fosse.

Foto: Reprodução/YouTube

Igor Natusch

Uma viagem no tempo em marcha a ré

Igor Natusch
20 de novembro de 2019

O governo brasileiro está determinado a descobrir a fórmula para a viagem no tempo. De acordo com algumas correntes da física, a viagem ao futuro é teoricamente possível – mas o governo Bolsonaro detesta a ciência com grande paixão, então a opção natural é seguir em sentido oposto. Aos invés de descobrir as maravilhas do futuro, o esforço é para reviver o  passado – fazendo uso de métodos arcaicos e grosseiros, mas que até aqui se mostram bastante funcionais.

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É a viagem no tempo em marcha a ré
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A paixão pelo passado, como a gente sabe, é uma característica fundamental dos movimentos reacionários. Mas não é um passado qualquer, é claro: tem que ser um passado idealizado, onde só aconteceram as coisas que sejam do agrado, com o mínimo de nuances possível. Se for o caso, dá até para editar o passado, ou fazer uma espécie de peça teatral dele, mesmo que fique bem pouco parecido com o passado que de fato existiu. Antigamente é que era bom, dirão os viajantes do tempo em marcha ré – e, como nos filmes e livros de ficção científica, vão alterando o mundo do passado sem pensar nas consequências.

Para ser um bom viajante do tempo em marcha a ré, é fundamental ser uma figura lamentável no presente. Ajuda muito se você mentir qualificações acadêmicas que não tem, combater ameaças conspiratórias que não existem ou sentir um recalque imenso pela diversão que os outros talvez nem tenham de verdade, mas que você não consegue suportar nem imaginar que tenham. Do mesmo modo que o bom soldado de guerra é o que odeia o inimigo sem fazer a menor ideia do porquê, o bom viajante ao passado precisa ter raiva do presente – e, é claro, precisa morrer de medo de qualquer coisa que está por vir.

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Não basta marchar rumo ao passado: é fundamental dispor-se, com todas as forças, a esfacelar o presente – afinal, desmanchar o agora é a melhor forma de cancelar o futuro, e o simples conceito de um futuro possível torna o recuo no tempo muito mais difícil

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A viagem no tempo em marcha a ré é uma tarefa que se cumpre em duas esferas. Não basta marchar rumo ao passado: é fundamental dispor-se, com todas as forças, a esfacelar o presente – afinal, desmanchar o agora é a melhor forma de cancelar o futuro, e o simples conceito de um futuro possível torna o recuo no tempo muito mais difícil. A partir daí, é o esforço para vender o pacote ideológico básico: que o presente é nojento, podre e corrompido, e que o futuro ideal não é uma caminhada para frente, mas o resgate do passado tão lindo que os malvados destruíram com suas conspirações e libertinagens.

Parece absurdo, mas convence muita gente. Porque a angústia une as pessoas: todo mundo tem seus medos, suas incertezas, suas próprias carências e recalques. Quando se consegue direcionar toda essa frustração em um único feixe de energia, abre-se enfim o túnel para o passado: a vontade coletiva vira combustível, e o surto reacionário direciona nossa máquina do tempo rumo ao que está lá longe e, ao mesmo tempo, nunca existiu.

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O lado mais funcional desse método é que não há surpresas: a gente encontra lá atrás, no fim do túnel, exatamente o mundo que nossa imaginação inventou antes de partir
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No Brasil que os viajantes de marcha a ré querem a todo custo resgatar, o Império foi uma maravilha, a família imperial guiava a nação mais progressista do mundo, sorriam todos em um Brasil cosmopolita e pulsante de prosperidade. A Proclamação da República foi, nessa curiosa fibra do tempo, um erro que, quem sabe, ainda dá tempo de corrigir. Um Brasil onde racismo não existia – afinal de conta, ninguém falava em racismo, e o racismo só existe porque insistimos em falar nele, não é? Onde as mulheres eram felizes servindo aos maridos como donas do lar, onde a arte não falava de bandalheiras, onde os índios morriam em silêncio sem encher o saco. Onde a Terra inteira flutuava no espaço, perfeita em sua planitude sem curvas, com os astros celestes flutuando sobre o berço esplêndido tal móbiles em um quarto de bebê.

Se você olhar com cuidado, vai perceber que se trata de um passado horroroso: nele, a grande maioria das pessoas só existe para sofrer, ou nem isso. Mas não tem problema. Na revolucionária anti-ciência da viagem no tempo em marcha a ré, dá sempre para ir arrumando o passado pelo caminho, e qualquer coisa é só colocar a culpa nos malvados esquerdopatas de sempre.

Foto: Reprodução/YouTube

Igor Natusch

A política brasileira precisa sextar mais vezes

Igor Natusch
13 de novembro de 2019

Foi forte o sextou do último dia 8 de novembro. Dá para dizer, inclusive, que foi o mais longo sextou de 2019: começou ainda na quinta-feira, com a decisão sobre a prisão em segunda instância no STF, e estendeu-se pelo menos até o domingo, quando os informes do golpe na Bolívia surgiram para azedar novamente nosso noticiário. Um momento que, é claro, teve na concretização do Lula Livre seu momento de maior euforia.

A noite da sexta-feira passada foi, para boa parte desse povo que tentamos resumir com o termo “esquerda”, um gigantesco desafogo. Festiva, alcoólica, eufórica, transante. Esperançosa, acima de tudo. Diante de tantas tristezas e decepções com a política, a chance de um momento como esse foi a senha para a celebração – uma alegria represada que libertou-se, ao menos temporariamente, dos muros cada vez mais sólidos de uma amargura generalizada.

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Porque é isso, não é?

Está faltando alegria e sobrando amargura no Brasil

E isso está nos envenenando

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Corta para a morte estúpida e deprimente da engenheira agrônoma Júlia Barbosa de Souza, 28 anos, que levou um tiro na cabeça dentro do carro em Sorriso (MT) no último sábado. Seu assassino, Jackson Furlan, não estava cometendo um assalto ou algo assim: simplesmente se irritou porque achou que o carro onde Júlia estava com o namorado estava lento demais. Resolveu o problema iniciando uma perseguição e, finalmente, metendo bala em desconhecidos, que sequer moravam na cidade.

A caminhonete dirigida por Jackson trazia um adesivo a favor da reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Em suas redes sociais, postagens favoráveis ao agora presidente eram fáceis de encontrar. E isso é, sim, significativo.

Jair Bolsonaro não é, ao menos até onde se sabe, um assassino. Não foi ele quem apertou o gatilho que fulminou Júlia. Mas ele é um dos responsáveis por criar o cenário aterrador onde crimes horríveis e sem sentido como esse se tornam muito mais possíveis.

Estamos mergulhados em uma política do ressentimento. O ódio aos petistas/esquerdistas não é inédito, mas foi instrumentalizado de forma a tornar-se uma poderosa (e eficiente) arma política, capaz de eleger presidente uma figura abjeta como Bolsonaro. O problema é que esse sentimento ruim transbordou. Contaminou relações familiares, amizades, convivências do dia a dia. Transformou nossos dias em confronto. Deixou todo mundo infeliz.

O rancor gera votos, mas também multiplica a angústia. É uma batalha permanente contra o inimigo, gigantesco e ao mesmo tempo quase invisível, que se esconde em todos os cantos, em todas as pessoas. Nesse cenário de infelicidade coletiva, toda divergência é drástica, toda vitória é cruel, todo rompimento é brutal e definitivo. Qualquer frustração pode ser a gota d’água, e qualquer engarrafamento pode ser um motivo para matar.

Para os que odeiam Lula e tudo que ele representa, sua soltura foi a senha para uma noite de amargura. Para quem o apoia e sofreu com sua prisão, porém, foi a largada para um fim de semana de euforia. E me desculpem a franqueza, mas não é por acaso que Lula aparece em público abraçando os netos, beijando a namorada, citando longas listas de gratidão. Não é por ele ser um santo, um anjo que lança gotas de bondade sobre os meros mortais: é por entender, até de forma intuitiva, que era por isso que seu público ansiava. Que todos queriam, no fundo, um motivo para sorrir.

Muito se falou no discurso pesado de Lula contra os opositores, e ele de fato se fez presente. Mas acho mais importante pensar sobre a alegria intensa e genuína que sua soltura causou – uma alegria de grupo, dos seus para os seus. Se o ressentimento virou o fiador de um governo de trevas, talvez seja preciso alegrar-se mais, sextar mais, insistir no brilho no olho contra todas as desgraças que se empilham para apagá-lo. Não pelo bem do político da vez, mas pelo nosso próprio.

Foto: REUTERS/Nacho Doce

Igor Natusch

O namoro entre Bolsonaro e Lava-Jato acabou – e a separação será litigiosa

Igor Natusch
19 de setembro de 2019
Presidente da República, Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro durante a final da Copa América 2019, entre as seleções do Brasil e Peru.

Houve um tempo em que o bolsonarismo e a luta contra a corrupção andavam de mãos dadas – mesmo que, mais recentemente, fosse apenas para manter as aparências. Esses dias, contudo, estão cada vez mais distantes. E o que se percebe, de forma cada vez mais indisfarçável, é a iminência da separação.

Não é um rompimento que desagrade aos Bolsonaros, isso é certo.

Se há algo que se move sempre para frente neste governo, é a disposição em transformar o poder em negócio de família, sem qualquer disfarce, sem prender-se ao mínimo de decência. Mesmo a fundamental disputa no Senado pela reforma da previdência fica em segundo plano: mais importante é encher as burras dos senadores com cargos lucrativos no governo, para que topem a infâmia de sagrar Eduardo Bolsonaro embaixador nos EUA. Não é possível imaginar uma submissão mais escandalosa do público ao mais mesquinho interesse pessoal.

Mas pudores dessa natureza nunca fizeram qualquer diferença para Jair Bolsonaro, acostumado desde sempre a ver a política como uma generosa teta na qual mamar.

Para Bolsonaro e os seus, o argumento contra a corrupção foi apenas mais uma dessas torneiras vertendo leite. Muito útil durante a eleição do ano passado, fiador importante de popularidade a partir de Sergio Moro ministro, mas nunca uma bandeira irrenunciável – mesmo porque, no modelo bolsonarista de política, nenhuma bandeira é tão importante que não possa, em algum momento, virar pano de chão.

Com o avanço dos meses, esse papo de combater o crime a qualquer custo foi ficando pesado para o governo federal. Não apenas pela situação de Flávio Bolsonaro, enrascada que está exigindo uma série de ações pouco republicanas para ser minimizada, mas também pela posição cada vez mais incômoda de Moro no ministério. As muitas humilhações a que foi submetido não parecem ter sido suficientes para convencer o ex-juiz a desistir da pasta, escada importante para suas pretensões futuras, seja no STF, seja em um cargo eletivo próprio. E, mesmo desmoralizados pelas ruidosas revelações da Vaza Jato, Moro e a operação Lava-Jato seguem populares. Mais do que Bolsonaro, como provam as pesquisas.

Livrar-se de Sergio Moro, livrar a cara do filho encurralado, cravar os dentes ainda mais fundo no poder. Para cumprir todas essas tarefas, o caminho é um só: usar a bandeira contra a corrupção como capacho para limpar os pés.

Diante de tal tarefa, a aposta dos Bolsonaros tende a ser a de sempre: a radicalização no discurso ideológico.

A disposição de colocar Augusto Aras na PGR, rasgando vergonhosamente a lista tríplice e escancarando a disposição de brigar contra a Lava-Jato em nome da salvação do 01, disparou de vez a cisão. Janaína Paschoal, a proponente do impeachment de Dilma, revela seu desagrado; Moro, cansado de ser feito de palhaço, condiciona sua permanência à manutenção de Maurício Valeixo como diretor-geral da PF. E Olavo de Carvalho, guru picareta do delírio reacionário à brasileira, apressa-se a dar o tom: a “luta contra a corrupção”, segundo ele, foi inventada pelo PT nos anos 1990, como parte da rebuscadíssima, maléfica e eternamente inconclusa estratégia comunista para tomar o poder em escala global.

O casamento entre reacionários políticos e ativistas do Judiciário é, cada vez mais, de fachada. Não há mais paixão, nunca houve muito respeito mútuo e, a essa altura, mesmo o tesão já se perdeu.

O jogo, agora, é fazer com que o rompimento inevitável tenha o menor efeito possível sobre a horda fiel a Bolsonaro. O que também traz, é claro, um fortalecimento da família como únicos detentores do poder, assumindo de vez a nau desgovernada, para o bem e para o mal. Jogar a Lava-Jato para o lado de lá está longe de ser uma tarefa simples, mas não parece haver grandes constrangimentos na hora de tentar essa acrobacia.

Acumular inimigos sempre foi uma má estratégia de guerra. Mas Bolsonaro e os seus não se importam, ao contrário; na verdade, eles até que gostam bastante dessa posição.

Foto: Carolina Antunes / PR

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #30 Bolsonaro, Amazônia e a crise internacional

Geórgia Santos
5 de setembro de 2019

Nesta semana, discutimos a negligência do governo federal com relação às queimadas na Amazônia e a crise internacional  que deriva dos constantes equívocos – para não dizer outra coisa – do presidente Jair Bolsonaro. Ele chegou ao cúmulo de endossar uma piada sobre a aparência da primeira-dama francesa. O presidente da França, Emanuel Macron, disse que espera que os brasileiros tenham logo um presidente à altura do cargo.

Para compreender melhor esse panorama, conversamos com o analista de política internacional da Rádio CBN e colunista do Estadão, o jornalista Lourival Sant’Anna.

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch, e Tércio Saccol. Na trilha, Aluga-se, de Raul Seixas.

Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.

Igor Natusch

Com Lava-Jata enfraquecida, STF e Congresso se unem no contra-ataque

Igor Natusch
8 de agosto de 2019

Se há algo que aproxima a operação Lava-Jato do atual governo, é a disposição de usar o conflito como estratégia de legitimação e fidelidade. É apenas a partir deste ângulo que a intempestiva decisão de transferir o ex-presidente Lula de Curitiba para o presídio do Tremembé, em São Paulo, ganha motivação e significado.

Diante do enfraquecimento da aura de santidade em torno da operação, disparada pelos diálogos obtidos pelo The Intercept Brasil, a decisão da juíza federal Carolina Lebbos recoloca a figura odiada de Lula no centro do noticiário. Como elemento central da brincadeira, ficava no ar a possibilidade de colocá-lo em uma cela coletiva, ao invés da sala especial de Curitiba. Um aceno nada sutil aos anseios sádicos da ala que sempre sonhou em ver o ex-presidente em uma cela superlotada de um penitenciária comum. Ao frustar a realização (mesmo que apenas imaginária) dessa tara, o STF colaria em si mesmo a etiqueta de aliado de Lula, logo inimigo da Lava-Jato, logo inimigo do Brasil.

Esse parece ser o plano. Se o plano deu ou está dando certo, são outros quinhentos.

A movimentação mais significativa parece ter vindo do Congresso Nacional. O repúdio uniu parlamentares e senadores, de oposição e de centro, e recebeu um endosso emblemático do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Fazer uma pausa na votação dos destaques da Reforma da Previdência para que uma delegação de deputados pudesse falar com o presidente do STF, Dias Toffoli, é de uma simbologia muito forte.

Nada é mais importante no Congresso do que aprovar a reforma – mas enfrentar a decisão da Lava-Jato mostrou-se ainda mais importante do que isso. E ganhou, a partir do intervalo trazido por Maia, um caráter institucional.

Se a Câmara dos Deputados decidiu comprar essa briga, certamente não foi por solidariedade, ou porque acham o Lula bonito.

Ao enfrentamento explícito do Congresso, sucedeu-se uma demonstração quase afrontosa do Supremo. Um placar de 10 a 1 contra a transferência, vindo de um tribunal pressionado e dividido como o STF, é muito significativo, ainda mais em tema tão delicado e com rapidez de poucas horas. E que não surge da mera convicção de que a medida fosse equivocada. Quem poderá ignorar as recentes revelações do Intercept Brasil e veículos parceiros, mostrando ações do procurador Deltan Dallagnol para investigar, de forma ilegal, ministros do STF?

Se a ideia da Lava-Jato era demonstrar força e capacidade de enfrentamento, o efeito parece não ter sido o desejado. O que ficou evidente, isso sim, foi o enfraquecimento da operação, pelo menos diante de seus antagonistas.

A classe política, que passou anos no córner e viu muitas de suas principais figuras atrás das grades, ensaia uma reação. O STF, atacado tanto nos bastidores quanto à luz do dia, deixa claro que está disposto a dobrar a aposta. Pressionados pela opinião pública até então apaixonada pela Lava-Jato, esses núcleos evitavam reagir aos excessos da operação; agora, que o desgaste de Moro, Dallagnol e cia. é notório e crescente, unem-se para o contra-ataque. E nem o nome de Lula (figura cuja defesa pública, até há pouco tempo, era impensável para esses grupos) tem o mesmo poder de intimidação de antes.

Não é uma simples reação de corruptos contra o braço forte da Justiça. É um posicionamento coletivo na disputa pelo poder. E que se torna possível agora, que a Lava-Jato não parece mais tão imbatível quanto antes.

A estratégia de manter-se no ataque o tempo todo é eficiente para direcionar leituras e narrativas, mas não é livre de limites. Um deles é um tanto óbvio: quanto mais numerosas as frentes de batalha, mais difícil é manter a intensidade da artilharia.

A Operação Tremembé certamente amplia o fosso entre os defensores da Lava-Jato e os que criticam suas práticas, e isso favorece quem extrai seu poder justamente dessa oposição inconciliável. Mas o episódio também marca a primeira vez que uma ação da força-tarefa é enfrentada de forma coletiva, enfática e eficiente. E talvez o apoio da torcida não seja mais suficiente para garantir a vitória em casa.

Foto: STF / Divulgação