BSV Especial Coronavírus #56 O sangue nas mãos de Bolsonaro
Geórgia Santos
5 de maio de 2021
No episódio desta semana, Paulo Gustavo, o sangue nas mãos de Jair Bolsonaro e a CPI da Covid. O Brasil amanheceu ainda mais triste na quarta-feira (5), com a notícia da morte de Paulo Gustavo, alguém que sempre nos fez rir. O ator morreu em função de sequelas da Covid-19, aos 42 anos. Um homem jovem, saudável, que deixa o marido e dois filhos. O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter que lamenta. Será?
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Pois a partir dos depoimentos dos ex-ministros da saúde na CPI da Covid, fica difícil acreditar que ele lamente de verdade
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O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta expôs um projeto de governo baseado no negacionismo e na mentira, em que o governo tentou, inclusive, alterar a bula da cloroquina. Mandetta ainda responsabilizou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que já mostrou que não se preocupa com a vida de ninguém além da dele, e citou a participação de um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, em reuniões do governo federal. Já o ex-ministro Nelson Teich deixou claro que saiu porque percebeu que não teria autonomia e, também, divergia com relação à cloroquina.
Enquanto a isso, o ex-ministro Eduardo Pazuello foge. Depois de passear sem máscara por um shopping no Amazonas, alegou suspeita de Covid para não depor à CPI nesta semana.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Esta semana foi marcada por falas polêmicas do ministro da Economia, Paulo Guedes, em uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar. No momento em que a pandemia se aproximava da marca oficial de 400 mil mortos no Brasil, o ministro julgou adequado falar que:
“Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 (anos). Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar.”
Dias depois da reunião, que teve o conteúdo divulgado nas redes sociais, nova fala controversa de Paulo Guedes vinha à tona, dessa vez atacando o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O ministro relatou, em tom de piada, que o filho do porteiro do seu prédio tirou zero em todas as provas e ainda assim conseguiu o financiamento. Mais adiante, durante o encontro, fez novas criticas:
“Deram bolsa para quem não tinha nenhuma capacidade. Botaram todo mundo… Exageraram.”
Como de costume, os argumentos de Paulo Guedes são carregados de preconceito, como na famosa fala sobre as empregadas domésticas irem à Disney. Esta declaração foi proferida antes mesmo da pandemia e da situação econômica do Brasil estar tão complicada como agora. Considero importante identificar as origens do pensamento de Paulo Guedes, que é seguido fervorosamente por Jair Bolsonaro, que briga com todos os ministros, menos com o “posto Ipiranga”.
Preconceito etário?
Em relação à fala de Guedes sobre o envelhecimento da população brasileira, poderíamos pensar ser esse um preconceito em relação à velhice, o etarismo. Indo por essa linha de raciocínio, a idade do próprio ministro tornaria o comentário dele um contrassenso. Já que, do alto dos seus 71 anos, ele faz parte da chamada terceira idade.
De qualquer forma, para contrariar Paulo Guedes e sermos um povo cada vez mais longevo – desde que com saúde e renda suficiente para a sobrevivência – sugiro a leitura de Os segredos da longevidade. Com o autoexplicativo subítulo “um verdadeiro manual para ser saudável e viver mais por meio da alimentação, da medicina preventiva e do equilíbrio do seu organismo”, a obra é de autoria do médico Edmond Saab.
Preconceito com a nova classe média?
Prosseguindo na investigação da origem do discurso preconceituoso de Guedes, podemos pensar em preconceito com a mobilidade social. Um das formas de se alcançar a ascensão social é através do ingresso dos trabalhadores no meio universitário. Para aprofundar esse tema, um livro interessante é A nova classe média brasileira – necessidades, anseios e valores, de Guilherme Caldas de Castro.
Ódio aos mais pobres?
Mas as raízes do discurso de ódio de Paulo Guedes e de todo o governo Bolsonaro parecem ir além disso. Seria uma espécie de raiva dos pobres, por existirem e “darem trabalho” ao Estado, que precisa lidar com sua presença incômoda. Nesse sentido, a obra Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia me parece bastante adequada para entender este conceito e procurar fazer conexões com o pensamento bolsonarista.
Em entrevista ao El País, a autora deste livro, a filósofa espanhola Adela Cortina, explica:
“Em sociedades como as nossas, organizadas em torno da ideia de contrato em qualquer das esferas sociais, o pobre […] não tem nada de interessante para oferecer em troca, e, portanto, não tem capacidade de contratar.”
Aversão aos mais pobres
O termo aporofobia, que seria o medo ou aversão aos pobres, foi criada pela própria filósofa e escolhido como a palavra do ano em 2017, pela Fundación del Español Urgente. Também foi incorporado, na mesma época, ao Diccionario de la lengua española. No meu ponto de vista, a aporofobia poderia ser um dos motivos da elite econômica brasileira ainda apoiar o governo Bolsonaro, mesmo com a escassez de vacinas contra a covid-19, por exemplo.
Manifestações da extrema direita
Não seria à toa, portanto, que neste feriado de 1º de maio manifestantes em possantes SUVs foram às ruas de diversas cidades brasileiras. Suas pautas, porém, eram diferentes das habituais reivindicações por mais emprego e renda, como seria o esperado no Dia do Trabalhador. Esses protestos preferiram ser uma manifestação aberta de apoio a Bolsonaro. Além disso, defendiam o voto impresso nas eleições de 2022 e a volta da ditadura militar, entre outras pautas sem o menor sentido.
Apropriação dos protestos
Para além das manifestações em si, esse grupo parece estar satisfeito pela apropriação das manifestações do dia 1º de maio, que historicamente têm um protagonismo da esquerda brasileira e das centrais sindicais. Porém, é sempre bom lembrar que apoderar-se do Dia do Trabalhador e inverter a lógica das pautas de reivindicações não é novidade no Brasil. O primeiro a fazer isso foi Getúlio Vargas, que trocou o nome do feriado para Dia do Trabalho. Também usou a simbolismo da data a favor de seu governo, criando o Ministério do Trabalho justamente neste dia, em 1930.
Até quando os mais pobres apoiarão Bolsonaro
Nesse sentido, a apropriação parece semelhante. Getúlio, no entanto, sempre buscou dar algo em troca do esvaziamento da luta dos trabalhadores. Como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943. Já o governo Bolsonaro dá pouca contrapartida aos mais pobres. Mesmo o auxílio emergencial, criado em função da pandemia, passou de R$ 600,00 para uma média de R$ 150,00. Dessa forma, resta saber até quando os eleitores das camadas mais empobrecidas da população ainda vão dar sustentação a Bolsonaro. A elite, pelo jeito, seguirá dando apoio, haja vista as patéticas manifestações deste final de semana.
BSV Especial Coronavírus #52 O povo morrendo e Bolsonaro derretendo
Geórgia Santos
7 de abril de 2021
No Brasil em que morrem mais de quatro mil pessoas por dia em função da Covid-19, o presidente da República, Jair Bolsonaro, faz graça.No Brasil em que morrem mais de quatro mil pessoas por dia em função da Covid-19, o presidente da República, Jair Bolsonaro, diz que não vai ter lockdown.
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Mas o Brasil em que morrem mais de quatro mil pessoas por dia em função da Covid-19, temosos primeiros sinais de que Jair Bolsonaro pode estar derretendo, abrindo espaço para o centrão e implorando para não ser abandonado pelos fascistóides que o apoiaram até aqui
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Alguns indícios apontam para esta tendência.As já discutidas trocas nos ministérios, o fato de que Bolsonaro está atrás de Lula nas pesquisas eleitorais, os novos ministros da Saúde e das Relações Exterioresfalando “coisas normais”, e o imbróglio do orçamento, em que ele precisa agradar o Centrão. O problema é que tem santo demais pra pouca missa. E não esqueçamos que Paulo Guedes pode cair.
Tudo isso no país em que morrem mais de quatro mil pessoas por dia e a preocupação do governo é que os empresários possam furar a fila e conseguirem vacina antes dos grupos prioritários.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
BSV Especial Coronavírus #23 Queda do PIB, 4 anos do golpe e eleições
Geórgia Santos
2 de setembro de 2020
A queda do PIB fez com que o episódio desta semana fosse uma espécie de viagem no tempo. Isso porque a economia brasileira sofreu um tombo recorde, com uma queda história de 9,7% no segundo trimestre. Assim, o Brasil voltou ao patamar de 2009. O desempenho é parecido com o de países ricos durante a pandemia de coronavírus, mas, por aqui, também é reflexo da falta de liderança. O resultado ainda impactou diretamente na decisão do presidente Jair Bolsonaro, que resolveu prorrogar o auxilio emergencial com redução de 50%. Agora, o benefício será de R$300 reais, pago em quatro parcelas até o final do ano.
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Parece, afinal, que não bastava “tirar a Dilma”
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Aliás, nesta semana, dia 31 de agosto, fez quatro anos do golpe jurídico e institucional que tirou Dilma Rousseff do poder, em 2016. Algumas das repercussões desse evento ainda podem ser observadas hoje. Porém, talvez o momento exija uma guinada de discurso por parte da esquerda.
E do passado a gente dá pulinho no futuro porque as eleições municipais estão chegando e já mostram uma rearticulação das direitas brasileiras em torno de Bolsonaro. Quem sabe mostrando algo que pode acontecer em 2022. Afinal, já tem crítico arrependido, não é mesmo, governador Ronaldo Caiado?
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox e outros agregadores.
BSV Especial Coronavírus #22 Flordelis, porrada na boca e Fahrenheit 451 à la Paulo Guedes
Geórgia Santos
28 de agosto de 2020
Apesar de a pandemia continuar e o número de mortes aumentar de forma constante, o presidente Jair Bolsonaro precisa dar explicações sobre os cheques que a primeira-dama recebeu de Fabricio Queiroz. Um repórter do jornal O Globo perguntou porque Michele Bolsonaro recebeu 89 mil do ex-assessor da família, mas o presidente não só não respondeu como não gostou. Disse que a vontade era encher a boca do jornalista de porrada.
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Então, nos nos unimos ao coro que se formou nas redes sociais – e fora dela – e perguntamos: Presidente Jair Bolsonaro, porque a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabricio Queiroz?
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Essa reação de Bolsonaro é o retrato da ignorância. Bolsonaro é o retrato da IGNORÂNCIA. E agora, como se não bastasse tudo o que ele faz, fica claro que ele quer que todos sejamos ignorantes. Afinal, a proposta de reforma tributária do governo federal prevê cobrança de contribuição para o setor de livros. Calcula-se uma alíquota de 12% para novo imposto.
Com a taxação, os livros ficarão cada vez menos acessíveis. Uma espécie de Fahrenheit 451 à la Paulo Guedes, que diz que só a elite consome livros no Brasil. Para falar sobre o tema, a entrevistada desta semana é Rita Lenira Bittencourt, doutora em literatura e professora de letras da UFRGS.
O episódio ainda fala sobre o caso escabroso que envolve a deputada Flordelis, suspeita de ser a mandante do assassinato do Pastor Anderson, que fora seu filho adotivo, depois genro e, por fim, marido. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox e outros agregadores.
O Brasil de Paulo Guedes sonha em excluir ainda mais
Igor Natusch
13 de fevereiro de 2020
O ministro da Economia, Paulo Guedes, faz palestra de encerramento do Seminário de Abertura do Legislativo de 2020
Um dos aspectos mais insuportáveis do governo Bolsonaro é o modo como ele nos abriga a tratar sempre dos mesmos assuntos. É uma consequência natural de qualquer processo humano movido pelo recalque: por mais que se disfarce a ideia fixa detrás de discursos elaborados e tergiversações diversas, a mancha suja está sempre na mente. O recalcado não consegue esquecer o foco de seu rancor nem quando toma um copo d’água: é o que é, ou pelo menos aquilo em que permitiu a si mesmo se transformar.
Paulo Guedes não é exatamente um recalcado. Possivelmente o seja em alguns ou vários aspectos, é claro: porém, não é em nome de sua mágoa individual que comete frases odiosas como a que comemora a alta do dólar, dizendo que isso de empregada doméstica viajar para a Europa já tinha virado bagunça. É em nome do recalque alheio, isso sim.
O ministro da Economia sabe que, no imaginário brasileiro, existir é ter alguma coisa. E que essa distinção passa também pelo não-ter dos outros: se eu ganho ou tenho um pouco mais, eu tenho alguma ascendência sobre os que menos (ou nada) têm.
É por isso, por exemplo, que os auto-proclamados patriotas desprezam tudo que remeta ao “povão”: o povo é pobre, e ser pobre é personificar tudo que não presta, em mais de um sentido. Para alguém que vive a ilusão de ser rico um dia, o pobre é tudo de que se quer distância. Se uma empregada doméstica (uma serviçal, uma lacaia!) se torna capaz de juntar uns trocados e planejar uma viagem, a fronteira fica mais tênue. O que se acha alguma coisa fica mais próximo daqueles que não têm direito a nada, apenas a serem pobres e morrer.
O governo Bolsonaro joga desde o início com esse ressentimento. E Paulo Guedes sempre esteve nesse barco: a diferença é que agora está se sentindo mais à vontade para usar o ódio de classe como cartada de legitimação.
É um discurso cruel. E que dá à política econômica um papel ativo na construção da grande ilusão, no resgate da pátria que sempre esteve lá e, ao mesmo tempo, nunca existiu. Não pode restar dúvida de para qual lado se espera que a economia cresça, nesse caso.
O Brasil reacionário segue excludente, mas sente saudades de excluir ainda mais. E Guedes diz: excluiremos. Essa festa danada de pobre achar que é gente vai acabar. Podem deixar com a gente.
Ninguém pode abraçar uma perversidade tão explícita e achar que não é perverso. Pode fingir não ser, e talvez até engane algumas – ou muitas – pessoas. Mas a perversidade estará lá, como uma mancha que estraga o vermelho da maçã, podridão que consome de dentro para fora.
No episódio de hoje, o assunto é Parasita. Sim, o filme vencedor do Oscar é pauta do nosso podcast de política, mas somente porque o ministro Paulo Guedes resolveu introduzir o termo na política nacional. Durante palestra na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, ele defendeu a necessidade de uma reforma administrativa para resolver a situação de estados que gastam mais do que arrecadam.
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Mas, ao criticar os reajustes automáticos de salários de funcionários públicos, ele errou a mão e comparou esses servidores a parasitas
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Depois de gerar uma repercussão negativa, o ministro da economia do governo de Jair Bolsonaro lamentou ter tido a fala tirada do contexto. Segundo nota divulgada na sexta-feira, dia 7, ele se referiu a situações específicas de estados e municípios que tem despesas comprometidas.
Mas mesmo que Guedes queira esquecer do episódio, isso não vai acontecer tão cedo. Porque na noite de ontem, o grande vencedor do Oscar de 2020 foi o filme… Parasita. A obra do sul-coreano Bong Joon-Ho propõe uma trama entre duas classes antagônicas e irreconciliáveis, como diz o nosso colunista de cinema, Pedro Henrique Gomes.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.