Bendita Sois Vós #81 Os patriotas que não gostam do Brasil
Geórgia Santos
30 de novembro de 2022
Nesta semana, a gente vai falar dos patriotas que odeiam o Brasil. Porque no álbum de figurinhas dos defensores da pátria, é possível encontrar de tudo um pouco, menos alguém que goste do nosso país.
A Copa do Mundo está on fire, o Pombo tá com tudo e o Brasilzão já está classificado para as oitavas de final. Mas contrariando a história do país do futebol, há um grupo de brasileiros que resolveu boicotar a Seleção. Não, não é o povo que tava usando camiseta vermelha há um mês, é justamente o grupo que sequestrou a Amarelinha.
Os patriotas que estão acampados em frente aos quartéis se recusam a assistir aos jogos da Seleção, boicotam o time do Brasil e já até orientam a não usar mais o manto amarelo ouro – que neste ano não é ouro, é um amarelo frio que eu, particularmente, amei. Pois é, os patriotas estão boicotando a Seleção nacional.
.
Mas não é só isso, olhando bem, já reparou que eles detestam o Brasil?
.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Nesta semana, o que fazer com o multiverso Bolsonarista?
Passadas três semanas da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda há meia dúzia de gatos pingados em frente aos quartéis. Mas antes fossem meia dúzia os que acreditam em teorias da conspiração e contos estapafúrdios sobre o presente e o futuro do Brasil.
Se em 2018 o ápice do ridículo era a mamadeira de piroca, agora fica até difícil de escolher o delírio coletivo favorito. Há quem pense que Lula morreu e foi substituído por um andróide controlado por um álien. Ou que Bolsonaro morreu e reencarnou em Lula. Há quem acredite que Trump vai salvar a nossa pátria. Ou que ao se colocar o celular na cabeça é possível enviar mensagens aos ETs.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Nesta semana, a violência da e na política brasileira e o horror a que as mulheres estão submetidas nesse país. E não é culpa da polarização.
No último final de semana, em Foz do Iguaçu, no Paraná, um apoiador de Bolsonaro invadiu uma festa de aniversário e matou o guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda, de 50 anos a tiros.
.
O agente foi assassinado no salão de festas de uma associação, na frente da própria família
.
Marcelo estava tendo uma festa temática do PT. Imagens de Lula, estrelas, muito vermelho. Foi quando o policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho entrou no local gritando: “aqui é Bolsonaro!”. A polícia ainda investiga se o assassinato teve viés político.
Pra tirar o dele da reta, o presidente da República teve a cara de pau de telefonar pra família de Marcelo. O guarda que foi assassinado pelo posicionamento político tem familiares bolsonaristas e eles se dispuseram a ouvir Bolsonaro, que até então não tinha prestado condolências e se disse vítima da mídia.
.
Autoridades e políticos culpam a radicalização, a polarização, mas a gente vai discutir isso. Ou melhor, questionar isso
.
E como se não bastasse, um anestesista foi preso no Rio de Janeiro após estuprar uma mulher DURANTE o parto. O anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, foi preso em flagrante.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha e Tércio Saccol.Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Mentiras e falta de engajamento ameaçam vacinação infantil no país
.
Por Flávia Cunha, Geórgia Santos e Tércio Saccol (Última atualização em 15/11/22)
Imagine uma criança com fortes dores de cabeça, fadiga persistente, dores nas articulações, problemas respiratórios de toda a sorte, erupções na pele e palpitações cardíacas. É desesperador. Trata-se de um quadro consistente com os sintomas do que se chama de Covid longa. Cientistas da University College de Londres (UCL), no Reino Unido, foram os primeiros a oferecer uma definição padronizada para esta condição. Segundo ele, é um conjunto de sintomas que prejudicam o bem-estar físico, mental ou social das crianças e persistem por pelo menos 12 semanas após o primeiro teste positivo para covid-19. Algo bastante diferente de um resfriado leve ou gripezinha. E este nem é o pior cenário, afinal, a doença pode matar.
Segundo dados do grupo Observa Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Covid-19 matou duas crianças com menos de cinco anos por dia no país. Ao todo, 599 crianças nessa faixa etária faleceram pela Covid-19 em 2020. E em 2021, quando a letalidade aumentou em toda a população, o número de vítimas infantis saltou para 840. Isso sem contabilizar os dados deste ano.
“Perder uma só criança para uma doença que tem vacina, é uma imensa tragédia”, desabafa Akira Homma, assessor científico sênior de Bio-Manguinhos/Fiocruz. E por essa lógica, sensível e precisa, o Brasil testemunha imensas tragédias todos os dias, porque já há imunizantes disponíveis e, mesmo assim, muitos pais se recusam a vacinar seus filhos. E o problema é ainda maior do que se imagina, porque não é apenas a vacina contra a Covid que vem caindo de popularidade. A cobertura vacinal para doenças já erradicadas cai de maneira expressiva há alguns anos. Os motivos são múltiplos, mas, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, a desinformação encabeça a lista.
“A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião que eu quero dar para você aqui: a minha filha de 11 anos não será vacinada. E você vai vacinar teu filho? Contra algo que o jovem, por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que tá por trás disso? Qual é o interesse da Anvisa por trás disso daí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina, é pela sua vida?”
Jair Bolsonaro, 2022
Desde que o debate sobre a vacinação infantil contra a Covid começou, o governo federal manifestou ressalvas e críticas ao imunizante para crianças. Mesmo seis meses depois da imunização de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid ter sido aprovada pela ANVISA, quase 40% deste público não tomou sequer a primeira dose. Isso de acordo com os dados do próprio Ministério daSaúde. “Quando uma autoridade também fala sobre o problema de vacinação, quando uma autoridade da República fala que quem se vacinar vai virar crocodilo, tem uma população que segue a liderança. É um prejuízo à saúde pública enorme”, ressalta Akira Homma.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações e membro do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, Juarez Cunha, analisa que esses discursos institucionais e o acirramento da polarização contribuem para diminuir a confiança da população nos imunizantes. “A polarização acabou gerando uma desconfiança na ciência. Isso nunca tinha sido visto. Tanto que assim, a cobertura vacinal de primeira dose contra a Covid no Brasil não chega a 65%. Quantos não internaram? Em quantos não foi feito o diagnóstico? O nosso número de óbitos em crianças e adolescente é 15 vezes maior, por Covid, do que as crianças americanas. Uma doença que já é considerada imunoprevenível para formas graves”, diz.
E mesmo que a vacina contra a Covid tenha gerado um debate mais visível, principalmente por causa das mais de 671 mil vidas perdidas, o fenômeno é bem mais amplo.
Há vários elementos que contribuem para aumentar o poder da desinformação para além do emissor, e um deles é a velocidade com que podemos trocar mensagens sem qualquer filtro, turbinando o acesso às versões dos fatos e não aos fatos. É possível que você tenha encontrado mais desinformação especificamente sobre vacinação infantil do que sobre própria vacinação em geral. A publicitária Clarissa Barreto, de 43 anos deparou com muitas mentiras nas redes sociais. Mas a mãe do Rafael, que tem oito anos, se assustou mais com o que ouviu pessoalmente. “Eu acho que na primeira vez que eu ouvi falar que alguém era anti-vacina, o meu filho tinha a mesma idade do filho dessa pessoa e ela não era “anti” todas as vacinas, ela era contra algumas vacinas específicas, porque rolava uma Fake News de que causava autismo, enfim. E eu não sabia que ela era anti-vacina e ela me pediu uma indicação de pediatra. Eu passei para minha pediatra e daí a minha pediatra atendeu ela e no final a pessoa disse que não queria vacinar o filho com algumas vacinas. Eu lembro que a minha pediatra disse que deveria existir o nome de “filicídio” para isso. Porque tu não querer vacinar o teu filho é tu expor o teu filho à morte”, disse.
Pois o termo filicídio existe e se refere justamente ao pai ou mãe que mata o próprio filho ou ao ato em si. Mas pode parecer uma expressão forte demais para quem não percebe a gravidade do problema. Certamente soa como injusta aos pais que são levados a crer que estão protegendo os seus filhos.
A reportagem conversou com alguns pais e mães que não quiseram vacinar os próprios filhos em off, por isso eles não serão identificados, mas a resposta mais comum é que os filhos não serão cobaias de imunizantes experimentais, embora não seja o caso da vacina contra a Covid, que já passou dessa fase e foi aprovada pelos órgãos competentes. Outro argumento é uma espécie de pesagem de prós e contras. Esses pais entendem que os riscos da vacinação são maiores que os riscos da doença, ignorando o fato de que milhares de crianças já morreram em função do coronavírus e nenhuma faleceu em decorrência da vacinação.
No caso específico da Covid, na avaliação do médico Fabrizio Mota, que atua como supervisor médico do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre, há um erro estratégico na comunicação. “Acho que na pediatria, o primeiro aspecto é que foi feito uma análise incorreta do impacto da doença nas crianças. Sempre, desde o início da pandemia, olhava-se os números das crianças proporcionalmente a dos adultos e idosos. E a gente não pode fazer isso, é um erro de análise muito grave. E todos nós fizemos. A gente deveria olhar a mortalidade infantil pela Covid não comparando com idoso, mas sim mortalidade infantil causada pelo vírus da influenza, pelo adenovírus, pelos outros vírus respiratórios ou outras doenças infecciosas em pediatria. E quando a gente olha esses números, eu comparei os números da Covid em crianças abaixo de 5 anos no ano passado, 2021, com a média de óbitos que a gente tinha por influenza e eu vi que a gente tinha em média três a cinco óbitos anuais no Estado do Rio Grande do Sul, abaixo de cinco anos. E quando a gente olha a Covid em 2021, a gente teve em torno de 14 óbitos nessa faixa etária.”
E essa ameaça, esse senso de que a doença pode efetivamente afetar a nossa vida é algo importante para nos manter mobilizados. Se por um lado a Covid se manteve como uma pauta ativa nos noticiários, outras doenças ficaram um pouco de lado. Além disso, tem o valor investido na comunicação. Um dado levantado pelo site Repórter Brasil junto ao governo mostrou que em 2021 o governo gastou 52% a menos nas campanhas da gripe e multivacinação do que no ano anterior. “As campanhas de vacinação não tem sido apoiadas por campanhas de informação que sejam suficientemente agressivas. Eu não sei se a palavra agressiva é muito forte, mas suficientemente fortes e específicas a convencer a população para se vacinar”, diz o Dr. Akira Homma.
Mas tem mais. Constância é uma variável enorme para a efetividade dessas campanhas, como lembra Patrícia Blanco, Presidente do Instituto Palavra Aberta, que busca promover educação midiática e acesso a informação. Segundo ela, novos pais, com novas visões de educação, surgem a cada momento. Ou seja, as conquistas de informação não estão simplesmente dadas. “Comunicação é constância”, pontua Patrícia, indicando que quando o assunto é comunicação de interesse público, não se pode considerar que o problema está resolvido.
“Todo dia nascem novas pessoas, todo dia a gente tem novas gerações de pais de mães que chegam e que começam a se questionar. E a gente baixou a guarda no momento em que não poderia baixar, porque a gente via crescer o número de movimentos anti-vacina”, explicou. Baixou-se a guarda a partir de uma ideia de que a população brasileira já tinha uma cultura vacinal apropriada, propícia para receber esse processo de vacinação, que aceitava a vacinação como sendo mandatória, mas era uma ilusão. Segundo o Dr. Akira Homma, a cobertura vacinal vem caindo no Brasil há anos. “A queda da vacinação já estava acontecendo há uns cinco anos. A pandemia só acentuou essa queda.” Ou seja, a Covid não é o nascedouro dessa queda dos dados, é só mais um contexto modificador.
O movimento de desinformação acentua uma queda já verificada nos últimos anos nos índices vacinais entre crianças
.
Juarez Cunha, que atua na Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e na Sociedade Brasileira de Imunizações explica alguns fatores que são fundamentais para consolidar esse contexto. São chamados de os três Cês: Complacência, Conveniência e Confiança
.
“Complacência se refere às doenças que as pessoas não conhecem, não viram, justamente porque foram vacinadas e daí elas acham que não precisam se vacinar ou vacinar seus filhos. Então esse é um exemplo da pólio e do sarampo, que acabou voltando pelas baixas coberturas vacinais. Conveniência é mais relacionado com a estrutura física da nossa rede, dos nossos quase 40 mil postos de vacinação, salas de vacinação que a gente chama no Brasil. Estrutura física, horário de atendimento e Recursos Humanos. Então, a gente teve uma desvalorização dos nossos profissionais da rede. A pandemia deu uma segurada nisso porque a tendência é que com certeza seria mais desvalorizada e mais sucateado, o nosso SUS e o nosso PNI. E a Confiança passa muito pelo produto. Então tu tem que ter confiança na eficácia e na segurança. E tu tem que saber explicar isso. Agora, a confiança, no meu ponto de vista, dos três cês, é o que mais se abalou com tudo isso. Porque, infelizmente, de 2019 para cá, não interessa mais a posição da ciência. Ou tu é a favor ou tu é contra, dependendo do que que tu acredita em termos políticos, em termos de polarização.”
João Henrique Rafael é analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP Ribeirão Preto. Ele coordena a União Pró-Vacina, que é um grupo que articula governos, órgãos da sociedade civil e institutos para pensar atividades justamente para combater a desinformação sobre vacinas. Embora o grupo tenha sido criado em 2019, as análises sobre grupos que espalhavam desinformação sobre a vacina se potencializaram mais durante a pandemia. João Henrique nos lembra que há diferentes eixos que nortearam esse grupo e sustentaram o alcance dessas mensagens, alcançando pais e educadores e afetando as vacinas para crianças. O Facebook e os grupos foram o principal locus de desinformação, uma espécie de polo de monitoramento.
“O primeiro eixo a gente chamou de ideológico, que foi fomentado com esse novo movimento anti-vacina inglês, que é a questão de associar a vacina com autismo, de vacinas com doença. Então tem um grupo de pessoas na internet que acreditam e eles não se importam com evidência, eles têm para eles que a verdade é essa. E aí você tem todo um leque de eixos de informação, até que a vacina é um agente para diminuir população. Então você começa a misturar outras narrativas e desinformação conspiracionista. Ou até a parte mais prática, que é aquela das Big Pharmas que querem lucrar, então a vacina deixaria as pessoas doente para depois vender. Mas são pessoas que o interesse delas é esse, elas foram convencidas e começam a entrar numa espiral e cada vez mais consumir nesse tipo de conteúdo e vão reforçando as suas crenças e querem convencer os outros, como se fossem salvadores. Só eles conhecem essa grande verdade. Eles precisam libertar. Algo quase religioso e fundamentalista.”
Mas nem tudo é paixão ideológica. Há também um eixo comercial. “São aqueles sites e aquele pessoal que sabe que o jogo da internet é baseado em clique. Então se tem pessoas que consomem conteúdo anti-vacina, eu fabrico. O cara entra no meu site, clica e eu vendo anúncios. Eu ganho com anúncios. Então junto com o eixo ideológico vem esse eixo muito forte comercial em sites como Natural News, coisas assim. Onde você já tem as versões americanas e o pessoal estava tentando emplacar no Brasil”, explica João Henrique.
Mas o eixo ideológico é o principal motivador de consumo, pelo menos. É evidente que o aspecto “político” passou a guiar o debate sobre os ditos efeitos da vacina, primeiro entre adultos e depois para crianças. “A pandemia foi politizada. A ciência acabou sendo politizada nesse sentido de você ter lados”, disse ele. “A gente ficou muito preocupado, porque se as plataformas não tomassem nenhuma medida, se nada ocorresse, na hora que as vacinas estivessem prontas, a percepção da população sobre ela seria muito ruim.” E foi.
Esse cenário investigado pela União Pró-Vacina sofreu uma transformação, sobretudo diante da extinção de grupos e vídeos considerados inadequados ou propagadores de mentiras por plataformas de redes sociais. Isso mais recentemente. Só que o estrago feito, ainda tem eco. Um estudo de 2019 da Sociedade Brasileira de Imunizações e da Avaaz mostrou que dois em cada três brasileiros acreditam em pelo menos uma afirmação imprecisa sobre vacinação.
Pesquisa Avaaz /SBim mostra que mais de dois terços dos adultos já acreditaram em alguma desinformação sobre a vacina
.
Quando falamos de vacinação infantil, a ressalva cresce ainda mais, já que os apelos emocionais buscam sensibilizar pais e responsáveis semeando dúvidas e conspirações
.
Um dos pais que conversou com a reportagem, mas pediu para não ser identificado se refere justamente a esse apelo emocional. Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, ele passou a consumir conteúdo online que lança dúvidas sobre a segurança da vacina. “Essa vacina é experimental e os riscos são muito grandes, eu não sei o que pode acontecer com ela no futuro. Eu ali coisas que falam até em infertilidade”. A filha dele já contraiu o novo coronavírus pelo menos duas vezes e apresenta alguns sintomas de Covid longa.
O historiador João de Los Santos, de 46 anos, é pai da Bibiana, de seis, e não entende quem aposta com a vida dos filhos dessa maneira. “Infelizmente, o que eu vejo é que muitas pessoas, mesmo pessoas de classe média, como eu, com acesso a todos os recursos, duvidam. E eu tive inclusive o relato de uma mãe de um ex-colega da minha filha que estava na dúvida se o filho ia ser vacinado ou não. Isso que minha filha já estava prestes a tomar a segunda dose. Isso acaba me espantando muito, porque a gente chegou num nível de ignorância que está botando a nossa saúde em risco”, desabafa. E isso é verdade não apenas para a Covid, mas para uma série de outras doenças.
“Isso é muito ruim para a população porque aumenta a população suscetível e aumenta a possibilidade de ter de volta outras doenças imunopreveníveis. Muitas delas causam mortes, causam mortes de crianças. Quando não causa morte, causa sequelas. Causa dor, causa sofrimento, causa custo. Então é uma situação que nós estamos vivendo, de baixa cobertura vacinal que a gente tem que trabalhar, toda sociedade tem que ser trabalhada pra reverter”, explica o Dr. Akira Homma. Para se ter uma ideia, no ano passado só 60% das crianças foram vacinadas contra a Hepatite B, Tétano, Difteria e Coqueluche. Contra o Sarampo, Caxumba e Rubéola o índice foi menor que 75%. E a meta, nesses casos, é de mais de 90%.
Segundo o Dr. Akira Homma, além da desinformação, há outro elemento para essa baixa. “A vacinação vem caindo de popularidade, ou de importância no contexto da vida brasileira porque o povo não vê mais doença”, diz. O médico infectologista Pediátrico Fabrizio Mota, que também é membro da Sociedade Rio-Grandenses de Infectologia e da Sociedade de Pediatria do Rio Grande Do Sul concorda. “A gente que vive hoje nos anos 2020 não conviveu com varíola, com surtos absurdos de meningite no final da décadas de 70, a gente não conviveu com poliomielite causando sequelas nas pessoas, a gente não conviveu com sarampo causando óbito em crianças. Quem hoje tem seus 30, 40 anos e preza de uma boa saúde é porque já pegou um calendário vacinal extenso. E quem nasce hoje, o calendário que é feito nos postos de saúde é extremamente privilegiado. Então essa falsa impressão de que não existe o risco porque a gente vê poucos casos começa a fazer com que as pessoas procurem menos a vacinação, porque elas não têm risco.”
.
Mas há risco. O fato é que os antígenos bacterianos, virais que causam doenças continuam circulando. “Então você deixa de vacinar e está criando população desprotegida. E nós estamos sob ameaça da volta de doenças imunopreveníveis”, alerta o Dr. Akira Homma
.
O infectopediatria Fabrizio Mota, traz uma perspectiva importante para começar a mudar o cenário. “Toda vez que algo começa, as pessoas vem: não é para entrar em Pânico. Mas eu acho que já desmobiliza. Como não entrar em pânico? Nós temos que ter um certo pânico porque vai fazer a gente prestar atenção, para nos organizarmos para suspeitar rapidamente de um caso. Os hospitais já tem que ter um fluxo. Não pode esperar chegar o primeiro caso suspeito para alguém ligar às 10:00 da noite para um infectologista. Eu acho que essa falta de pânico, essa falta de medo de sarampo, por exemplo, a gente tem 70% de cobertura vacinal. É um piscar de olhos pra gente ter um grande surto no país.”
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações e membro do Comitê De Infectologia Da Sociedade De Pediatria, Juarez Cunha concorda que sim, a comunicação precisa melhorar, mas a polarização é que é um risco perene. “A perspectiva, a curto e médio prazo, é de um alerta muito importante. O Brasil atualmente é considerado um dos países de altíssimo risco para retorno de pólio. E nós estamos com um risco muito elevado porque as nossas coberturas vacinais estão baixas. Então, apesar dos esforços que a gente tá fazendo, a gente tá em reuniões quase que permanentes com o próprio Ministério da Saúde, sociedades científicas, Organização Mundial de Saúde, todo mundo tá discutindo isso porque a gente precisa reverter. Nós temos um projeto agora junto com Fiocruz que é a reconquista das coberturas vacinais.
Patricia Blanco, que preside o Instituto Palavra Aberta, lembra que nas campanhas e ações, a organização já tem adotado estratégias para driblar essa visão polarizada, que por vezes promove a desinformação contra a vacina infantil antes mesmo da análise de informações existentes. “É um desafio, porque na sociedade polarizada, colocar rótulos é para você inibir o debate. Então quando você rotula determinadas instituições como sendo o direito de esquerda ou comunista ou conservadora ou capitalista, você acaba inibindo o debate. E o que a gente tenta é trazer a discussão para fora do ambiente partidarizado. Os fatos são deixados de lado por crenças e ideologias. E o que a gente tem que trazer é o seguinte, olha vamos analisar a questão factual.
Além das campanhas institucionais, no entanto, é reforçada a importância de estimular a comunicação sobre o assunto não apenas por especialistas, mas influenciadores, artistas e comunicadores que sejam capazes de combater desinformação. Isso porque parte dos jovens não consome mais veículos de comunicação tradicionais, tampouco se interessa por meios convencionais de conscientização. Quem fez esse exemplo foi uma associação chamada Mães E Pais Pela Democracia, que vinha percebendo, entre outras coisas, o avanço do discurso anti-ciência e o risco para as crianças. Aline Kerber, que integra o grupo, lembra inclusive de um movimento de desinformação em uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. “Em Novo Hamburgo, tinha carro andando com com Fake News, dizendo que a vacina era experimental e que os filhos seriam cobaias, que não deixassem fazer. Então a gente explicita a problemática. E, sinceramente, nunca vi algo tão contundente, que tenha dado tão “certo”, com tantos danos causados, como foi a questão da vacinação infantil da Covid.”
Aline acrescenta que muitas escolas ficaram temerosas de enfrentar a desinformação, isso por conta da polarização. “Muitas escolas foram censuradas, muitos professores censurados por não poder tratar do tema da vacinação, porque virou uma pauta ideológica”, conta.
Fato é que a prevenção de doenças e a proteção conferida pela vacina é de valor inestimável e nós não podemos abrir mão dessa proteção. Doenças como rubéola, varíola, poliomielite e sarampo foram eliminadas há anos, mas a volta dessas doenças tem um potencial muito grande por causa da população suscetível que recusa vacina. E o grupo “Mães e pais pela Democracia” mostrou que dá para fazer mais de onde estamos.
Produção: Geórgia Santos, Flavia Cunha e Tércio Saccol
Roteiro e apresentação: Tércio Saccol
Edição: Tércio Saccol
Trilha sonora original: Gustavo Finkler
Motociatas, o conservadorismo brasileiro sobre rodas
Flávia Cunha
13 de julho de 2021
Motociatas parecem ser o fenômeno bolsonarista de 2021. Já é a quinta vez que o presidente sem partido Jair Bolsonaro usa desse recurso: a convocação de integrantes de motoclubes para passeios exibicionistas. No último final de semana, a motociata foi realizada em Porto Alegre, cidade de onde escrevo esse texto. E, talvez pela proximidade geográfica com tamanha estupidez, esta manifestação sobre rodas me entristeceu mais do que as outras.
Pensando de forma racional, a adesão ao ato em apoio a Bolsonaro foi ínfima, se comparada a manifestações de repúdio ao presidente. Porém, a verdade é que depois de tantas denúncias de irregularidades na condução da pandemia, parece um contrassenso que ainda existam pessoas demonstrando apoio a este governo. E por quê motociclistas estariam dispostos a isso?
O histórico do motoqueiro rebelde
Para começo de conversa, os apoiadores de Bolsonaro pertencem a associações, os chamados motoclubes. Esses grupos estabeleceram-se com mais força no Brasil em 1980 e 1990, muitas décadas depois de o motociclismo ter se consolidado nos Estados Unidos. Porém, foi a ficção a responsável por reforçar, no imaginário popular, a figura do motociclista como um rebelde em busca de liberdade e de uma vida fora dos padrões. Além disso, alguns episódios de violência também contribuíram para marginalizar o movimento. Olhando a superfície, parece não haver uma relação entre quem usa a moto como um estilo de vida e o bolsonarismo, tão imbuído de conservadorismo e falsa moral.
Masculinidade hegemônica
Mas, ao pesquisarmos o comportamento da maioria dos integrantes dos motoclubes brasileiros, passamos a entender melhor a existência das motociatas pró-Bolsonaro. No livroIsso é coisa pra macho – Masculinidades e Encontros Motociclísticos, o mestre em Antropologia Social Kleber Lopes da Silva reflete sobre os modelos conservadores presentes nos motoclubes mais tradicionais, citados em seu texto como “M.C.”:
“Estes modelos abarcam em sua essência comportamentos que ditam o conservador e o tradicional pautados em uma masculindade heteronormativa, a valorização de atributos socialmente reconhecidos como masculinos, como a racionalidade, a virilidade e mesmo a violência, são performatizados o tempo todo, base conceitual para composição dos M.C. tradicionais e para a maioria dos encontros de motociclistas. Os semblantes fechados, os braços cruzados, sempre em pé com olhares desconfiados, fazem parte dos comportamentos, principalmente, dos integrantes dos M.C. tradicionais que frequentam os encontros.”
Bolsonarismo e Fascismo
Além disso, não podemos deixar de destacar o simbolismo fascista do uso de motos em manifestações políticas. Sem dúvida, o mais famoso ícone do conservadorismo sobre rodas é Benito Mussolini. Dentro dessa perspectiva, um livro que nos ajuda a entender esta relação é A linguagem fascista, de Carlos Piovezani e Emilio Gentile. Na obra, são comparados os discursos de Mussolini e Bolsonaro, contextualizados aos cenários políticos da Itália e do Brasil, com a devida perspectiva histórica.
Já o livro Bolsonarismo: teoria e prática, organizado por Carlos Savio Teixeira e Geraldo Tadeu Monteiro, destaca a relação entre Bolsonaro e Donald Trump. Vale lembrar que o ex-presidente norte-americano contou com o apoio de motociclistas conservadores desde sua posse.
Motoboys antifascistas
Por fim, é importante assinalar a diferença entre os motociclistas apoiadores de Bolsonaro e os motoboys. Ao contrário de quem usa motos de luxo para passeio, os trabalhadores são, em sua maioria, contrários ao governo. Já abordamos o tema nesta coluna aqui.
Para demonstrar essa diferença de alinhamento ideológico, uma ação alternativa foi realizada em Porto Alegre durante o ato pró-Bolsonaro. Motofretistas distribuíram refeições e arrecadaram cestas básicas, ajudando quem passa dificuldades durante a pandemia. Enquanto isso, o presidente transitiva pela capital gaúcha com seus apoiadores sem um objetivo específico, apenas parecendo celebrar os milhares de mortos pela covid-19.
Esta semana foi marcada por falas polêmicas do ministro da Economia, Paulo Guedes, em uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar. No momento em que a pandemia se aproximava da marca oficial de 400 mil mortos no Brasil, o ministro julgou adequado falar que:
“Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 (anos). Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar.”
Dias depois da reunião, que teve o conteúdo divulgado nas redes sociais, nova fala controversa de Paulo Guedes vinha à tona, dessa vez atacando o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O ministro relatou, em tom de piada, que o filho do porteiro do seu prédio tirou zero em todas as provas e ainda assim conseguiu o financiamento. Mais adiante, durante o encontro, fez novas criticas:
“Deram bolsa para quem não tinha nenhuma capacidade. Botaram todo mundo… Exageraram.”
Como de costume, os argumentos de Paulo Guedes são carregados de preconceito, como na famosa fala sobre as empregadas domésticas irem à Disney. Esta declaração foi proferida antes mesmo da pandemia e da situação econômica do Brasil estar tão complicada como agora. Considero importante identificar as origens do pensamento de Paulo Guedes, que é seguido fervorosamente por Jair Bolsonaro, que briga com todos os ministros, menos com o “posto Ipiranga”.
Preconceito etário?
Em relação à fala de Guedes sobre o envelhecimento da população brasileira, poderíamos pensar ser esse um preconceito em relação à velhice, o etarismo. Indo por essa linha de raciocínio, a idade do próprio ministro tornaria o comentário dele um contrassenso. Já que, do alto dos seus 71 anos, ele faz parte da chamada terceira idade.
De qualquer forma, para contrariar Paulo Guedes e sermos um povo cada vez mais longevo – desde que com saúde e renda suficiente para a sobrevivência – sugiro a leitura de Os segredos da longevidade. Com o autoexplicativo subítulo “um verdadeiro manual para ser saudável e viver mais por meio da alimentação, da medicina preventiva e do equilíbrio do seu organismo”, a obra é de autoria do médico Edmond Saab.
Preconceito com a nova classe média?
Prosseguindo na investigação da origem do discurso preconceituoso de Guedes, podemos pensar em preconceito com a mobilidade social. Um das formas de se alcançar a ascensão social é através do ingresso dos trabalhadores no meio universitário. Para aprofundar esse tema, um livro interessante é A nova classe média brasileira – necessidades, anseios e valores, de Guilherme Caldas de Castro.
Ódio aos mais pobres?
Mas as raízes do discurso de ódio de Paulo Guedes e de todo o governo Bolsonaro parecem ir além disso. Seria uma espécie de raiva dos pobres, por existirem e “darem trabalho” ao Estado, que precisa lidar com sua presença incômoda. Nesse sentido, a obra Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia me parece bastante adequada para entender este conceito e procurar fazer conexões com o pensamento bolsonarista.
Em entrevista ao El País, a autora deste livro, a filósofa espanhola Adela Cortina, explica:
“Em sociedades como as nossas, organizadas em torno da ideia de contrato em qualquer das esferas sociais, o pobre […] não tem nada de interessante para oferecer em troca, e, portanto, não tem capacidade de contratar.”
Aversão aos mais pobres
O termo aporofobia, que seria o medo ou aversão aos pobres, foi criada pela própria filósofa e escolhido como a palavra do ano em 2017, pela Fundación del Español Urgente. Também foi incorporado, na mesma época, ao Diccionario de la lengua española. No meu ponto de vista, a aporofobia poderia ser um dos motivos da elite econômica brasileira ainda apoiar o governo Bolsonaro, mesmo com a escassez de vacinas contra a covid-19, por exemplo.
Manifestações da extrema direita
Não seria à toa, portanto, que neste feriado de 1º de maio manifestantes em possantes SUVs foram às ruas de diversas cidades brasileiras. Suas pautas, porém, eram diferentes das habituais reivindicações por mais emprego e renda, como seria o esperado no Dia do Trabalhador. Esses protestos preferiram ser uma manifestação aberta de apoio a Bolsonaro. Além disso, defendiam o voto impresso nas eleições de 2022 e a volta da ditadura militar, entre outras pautas sem o menor sentido.
Apropriação dos protestos
Para além das manifestações em si, esse grupo parece estar satisfeito pela apropriação das manifestações do dia 1º de maio, que historicamente têm um protagonismo da esquerda brasileira e das centrais sindicais. Porém, é sempre bom lembrar que apoderar-se do Dia do Trabalhador e inverter a lógica das pautas de reivindicações não é novidade no Brasil. O primeiro a fazer isso foi Getúlio Vargas, que trocou o nome do feriado para Dia do Trabalho. Também usou a simbolismo da data a favor de seu governo, criando o Ministério do Trabalho justamente neste dia, em 1930.
Até quando os mais pobres apoiarão Bolsonaro
Nesse sentido, a apropriação parece semelhante. Getúlio, no entanto, sempre buscou dar algo em troca do esvaziamento da luta dos trabalhadores. Como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943. Já o governo Bolsonaro dá pouca contrapartida aos mais pobres. Mesmo o auxílio emergencial, criado em função da pandemia, passou de R$ 600,00 para uma média de R$ 150,00. Dessa forma, resta saber até quando os eleitores das camadas mais empobrecidas da população ainda vão dar sustentação a Bolsonaro. A elite, pelo jeito, seguirá dando apoio, haja vista as patéticas manifestações deste final de semana.
BSV Especial Coronavírus #34 E o vencedor das eleições foi o centrão
Geórgia Santos
2 de dezembro de 2020
Um retorno ao domínio do centrão. Agora sim, o processo de eleições municipais foi finalizado no Brasil após a votação do segundo turno em diversas cidades do país. Quanto aos resultados em algumas capitais, pouca ou nenhuma surpresa. Eduardo Paes venceu Crivellano Rio de Janeiro, Sebastião Melo venceu Manuela Dávila em Porto Alegre, Bruno Covas venceu Guilherme Boulos em São Paulo.
.
DEM, MDB e PSDB. Parece que o centrão foi o grande vencedor de 2020
Participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
BSV Especial Coronavírus #32 Bolsonaro e as eleições municipais
Geórgia Santos
18 de novembro de 2020
Bolsonaro está caindo? Chegamos a esse episódio ainda assimilando os resultados do primeiro turno das eleições municipais no Brasil. Um pouco de ressaca, talvez, mas com todos os votos coitadinhos. [Piscadela pra aos amigos dos states.] E com todos os votos contados, testemunhados a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas. Apenas UM dos 78 candidatos com Bolsonaro no nome da urna foi eleito no Brasil. Dica: ele administra o Twitter do Presidente.
.
Como diz o Sensacionalista, candidato a síndico do Vivendas da Barra apoiado por Bolsonaro perde a eleição. É uma piadinha, tá gente, mas diz muito
.
A outra boa notícia do último domingo é a eleição da diversidade nas Câmaras Municipais. Candidatas mulheres, trans, candidatas e candidatos negros. Além de partidos como PSOL registrando um crescimento interessante. A esquerda conseguiu se renovar, o Bolsonarismo, ao que tudo indica, não.
.
Mas essa derrota do Bolsonaro também tem limites
.
Afinal de contas, há segundo turno em inúmeras capitais e cidades brasileiras. E na maioria desses locais, o Bolsonarismo segue firme e forte. Sebastião Melo, do MDB, em Porto Alegre, é um desses representantes. Ele disputa a prefeitura com Manuela Dávila, do PCdoB. No Rio de Janeiro, o atual prefeito Marcelo Crivella, do Republicanos, também conseguiu avançar e disputa com Eduardo Paes, do DEM. Em outros lugares, porém, a coisa muda de figura. Em São Paulo, por exemplo, a gente tem Guilherme Boulos, do PSOL, no segundo turno. Ele disputa com Bruno Covas, do PSDB. Deixando pra trás Mamãe Falhei, ou melhor, Mamãe falei, do Patriota, e Joyce Hasselman, do PSL.
Participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
As manifestações a favor da democracia no Brasil trouxeram à tona o conceito do antifascismo. As bandeirinhas antifas tomaram conta das redes sociais e logo houve um movimento de parte da esquerda para criticar a troca de cores ou questionar se determinadas pessoas são mesmo antifascistas. Percebendo a minha falta de conhecimento teórico a respeito do assunto, fui pesquisar a literatura disponível a respeito. E o livro Antifa – O Manual Antifascista, lançado no Brasil em 2019 pela editora Autonomia Literária, me pareceu a obra ideal para quem quer obter informações confiáveis e descomplicadas sobre um tema tão atual. O autor é Mark Bray, um historiador que foca suas pesquisas na área de direitos humanos, terrorismo e radicalismo político na Europa Moderna e um dos organizadores do movimento Occupy Wall Street.
EM BUSCA DE RESPOSTAS
De cara, já obtive resposta para a minha principal dúvida: o que nos torna antifascistas? De acordo com o autor, basta sermos contrários a ideais fascistas, como nacionalismo, supremacia branca e misoginia. Sendo assim, fica fácil flagrarmos os antifas de fachada. Quem relativiza o racismo e não enxerga o racismo estrutural, está fora. Os defensores do machismo como vitimização das mulheres, também. Xenófobos, idem.
E O SIMBOLISMO DA BANDEIRA?
Com a palavra, Mark Bray:
Alguns grupos antifas são mais marxistas, enquanto outros são mais anarquistas e antiautoritários. Nos EUA, a maioria tem sido anarquista ou antiautoritário desde o surgimento da antifa moderna sob o nome de AntiRacist Action (Ação Antirracista, ou ARA) no final dos anos oitenta. Até certo ponto, a predominância de uma facção sobre a outra pode ser percebida pelo logotipo na bandeira do grupo: se a bandeira vermelha está na frente do preto ou vice-versa (ou se ambas as bandeiras são pretas). Em outros casos, uma das duas bandeiras pode ser substituída pela bandeira de um movimento de libertação nacional ou uma bandeira negra pode ser emparelhada com uma bandeira roxa, para representar a antifa feminista, ou uma bandeira rosa para a antifa queer etc. Apesar de tais diferenças, os antifas que entrevistei concordaram que essas distinções ideológicas costumam ser incluídas em um acordo estratégico mais abrangente sobre como combater o inimigo comum.”
REALIDADE BRASILEIRA
No prefácio à edição brasileira da obra, escrito pelos pesquisadores Acácio Augusto e Matheus Marestoni, há o alerta de que o livro foi escrito refletindo a realidade norte-americana e europeia, a partir de 71 entrevistas feitas com integrantes do movimento antifascista. Porém, não há dúvidas que o assunto é pertinente para os brasileiros:
“No Brasil, por exemplo, muito tem se debatido nos últimos meses sobre Jair Bolsonaro ser ou não fascista. Todavia, a denominação é a que menos importa, pois sabemos que, no limite, o fascismo é a última razão de qualquer política de Estado. Além disso, no caso do recém-eleito presidente do Brasil, ele apenas expressa e vocaliza questões comuns que características próprias da sociedade brasileira média: a misoginia, o racismo tropical e o nacionalismo ridículo submisso à influência dos EUA nos países da América do Sul. Então, Bolsonaro é um fascista e o bolsonarismo é uma versão tropical da alt-right planetária.”
ANTIFASCISMO COTIDIANO
Seguindo na leitura de Antifa – O Manual Antifascista, no capítulo 6 podemos ter dicas práticas de como combater o fascismo tropical, principalmente em tempos de pandemia, quando muitos têm receio de sair às ruas. Outra dúvida sanada é sobre a obrigatoriedade do enfrentamento físico com fascistas:
“A grande maioria das táticas antifascistas não envolve nenhuma violência física. Os antifascistas realizam pesquisas sobre a extrema-direita on-line, pessoalmente e, às vezes, por meio de infiltração; empurram os meios culturais para repudiá-los, pressionam chefes para demiti-los e exigem que casas noturnas cancelem shows, conferências e reuniões; eles organizam eventos educacionais, grupos de leitura, de treinamento, torneios esportivos para arrecadação de fundos; eles escrevem artigos, folhetos e jornais, pregam cartazes e fazem vídeos; eles apoiam refugiados e imigrantes, defendem os direitos reprodutivos e enfrentam de forma constante a brutalidade policial.
Mas também é verdade que alguns deles quebram a cara de nazistas e não se desculpam por isso.”
O tema do antifascismo também foi abordado em um episódio especial do podcast Bendita Sois Vós.