Há dez anos, eclodia um dos principais ciclos de protesto da história da democracia brasileira. As Jornadas de Junho de 2013 são um marco na política do país. Um divisor de águas, podemos dizer. O que começou com um protesto pela redução no preço da passagem do transporte público culminou em uma das maiores mobilizações populares que o Brasil já viu.
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A essa altura, já sabemos que não foi apenas por 20 centavos, mas há muito a entender
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Os protestos fizeram bem pra o país? Ou foram responsáveis por todo o mal do mundo? Aqui, a gente acredita que não foi nem uma coisa, nem outra. Mas reconhecendo que é um assunto complexo – e com a intenção de cultivas essas complexidades -, vamos dedicar dois episódios ao tema.
Na semana que vem, a gente vai contar pra vocês das nossas experiências pessoas em lados diversos. Cobrindo, reportando, estudando e, ainda, o lado de quem estava dentro do governo. Mas antes disso, a gente traz uma análise técnica sobre as Jornadas de Junho. Vamos conversar com o professor Marcelo Kunrath Silva, do departamento de Sociologia da UFRGS.
E já que o dia pede, vamos falar sobre a indicação e sabatina de Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Apresentação de Geórgia Santos e participação de Igor Natusch – e Flávia Cunha na Palavra da Salvação. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
No dia em que ela morreu, eu retirei aquele livro da laranja da estante em que separo as obras por cor – uma pequena obsessão que não combina em nada com minha falta de organização. Rita Lee, uma autobiografia (2016), é absolutamente deliciosa. Uma ode honestíssima à própria liberdade escrita por uma mulher que foi esplendorosa, cantou demais, foi louca, fez muita merda, compôs lindamente, sofreu bastante, cuidou dos seus, desafiou poderosos, amou e amou e amou.
Recentemente, ela disse que o compêndio de capa cor de laranja era uma despedida da “persona ritalee”. Mas como que para manter a transparência, ela deixou no papel Outra autobiografia. “Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”, diz ela em trecho do livro, divulgado quando anunciou o lançamento da nova obra. Pois o lançamento foi agendado para 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, também conhecido como hoje.
Ainda não li, mas está lá, na caneta da moça, os detalhes do tratamento contra um câncer de pulmão – cujo tumor ela descobriu em 2021, durante a pandemia, e apelidou de Jair – que acabou encurtando a vida da rainha do rock brasileiro.
Eu não sei se gosto desse título ou rótulo, como queiram, de rainha do rock brasileiro, atribuído subjetivamente em manchetes e lides que anunciavam sua morte, em 08 de maio deste ano. Não que ela não mereça o posto, óbvio que merece. Ninguém mais poderia ocupar esse lugar. Mas é que me parece impreciso. Aliás, em uma entrevista à revista Rolling Stone, em novembro de 2022, ela disse que achava cafona.
Imagem: Reprodução
Por isso, decidi me embrenhar em uma empreitada hercúlea e ingrata de tentar definir Rita Lee. Busquei uma resposta a partir do que ela disse sobre si ao longo dos anos. Lógico que falhei em encontrar UMA palavra que fosse suficiente, mas também fui esperta no processo e isso rendeu uma belíssima lista. Procurei em em entrevistas, canções, nos livros e em alguns dos mais engraçados tuítes da história desse país. Sim, tuítes. Como o de primeiro de agosto de 2011:
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“Já disse e repito: não me levem a sério, sou falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.”
Que figura. Mas não ficaria bem escrever algo como: “Morre Rita Lee, uma falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.” Então continuei.
“E eu lá sou mulher de fazer back-up? Perdi tudo, foda-se eu. Ao atualizar o Iphone eu perdi tudo. Inclusive tudo mesmo. Véia jumenta.”
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Isso também pegaria mal. Mas que é a cara dela, isso é. Alguém que em um belo dia resolveu fazer tudo o que queria fazer, libertando-se de uma vida vulgar e tendo o prazer de ser quem se é. Alguém que era Rita; Rito, o menino baiano; mutante; romântica; menina; mulher; Ritinha; neném que só sossega com beijinho; ovelha negra; baby; erva venenosa; caso sério; ciumenta; guerrilheira; ladra de botas; justiceira; caminhante noturna; ladra de anéis; Gininha; mulher macunaíma; Miss Brasil 2000; luz del fuego; Rita Lica; fruta; Madame Lee; filha; Adelaide Adams; maçã; traficante de colar de LSD; TV Lesão; folclore; irmã; cigarra; Lita Ree; pergunta; ex-AA; fofa; ex-NA; perseguida; licor; ex-presidiária; injustiçada; uma cantora sutil; feminista; feminina; louca; pau pra toda obra; cantora; compositora; instrumentista; vaca; mais macho que muito homem; rainha do próprio tanque; pagu indignada no palanque; porra louca; véia; vaidosa; paulista; paulistana; com nervos de aço; fazedora de barulho; falsa; vovó; Aníbal; corinthiana; chata; viciada em uva-passa; sharon stone; mãe; rolling stone; cabrinha; caprichosa; capricórnia; rainha; esposa; Deus; todas as mulheres do mundo; semente. Semente. Semente.
É realmente difícil definir Rita Lee e, talvez, o prosaico Rainha do Rock atenda melhor às necessidade da mídia tradicional que precisa comunicar ao grande público o tamanho de uma grande mulher. Mas eu não quero desistir, assim como não quero ceder à escolha editorial do G1. Decido, então, recorrer a ele.
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“O Roberto é a Rita também, a Rita é o Roberto também. Em vida ou em morte, tanto em uma circunstância quanto em outra, eu continuo sendo ela e ela continua sendo eu.”
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Roberto de Carvalho é o grande amor de Rita Lee e talvez a única pessoa com autoridade para dizer aos brasileiros quem ela é. Em uma entrevista ao Fantástico, no dia seguinte ao enterro da cantora, ele lembrou da parceira como alguém cheia de vida, de criatividade, de alegria. Ele disse que ela era iluminada.
Está dito, então. Rita é luz.
Mas, por via das dúvidas, vou ler o novo livro em busca das outras personas da rainha fragmentada.
Bendita Sois Vós #80 Chuva de CPIs e a cassação de um deputado aí
Geórgia Santos
17 de maio de 2023
Nesta semana, chuva de CPIs. E a cassação de um deputado, aí.
Depois do sucesso – de audiência – da CPI da Covid, o Brasil testemunha agora uma chuva das famigeradas Comissões Parlamentares de Inquérito. Acertei no Plural? Algumas muito recomendadas, outras com pouco ou nenhum fundamento e ainda as que já nascem sem futuro.
Nesta semana, apenas, a Câmara está às voltas com a CPI das Apostas Esportivas – na categoria das muito recomendadas; com a CPI do MST, na categoria das sem fundamento; e com a CPI das Americanas, que já nasce morta, tadinha. Isso sem falar na CPI do Golpe, que ninguém mais sabe se quer.
A gente conversa, então, sobre as possibilidades de cada CPI e sobre a imensa chance de a oposição dar um tiro no pé ao mirar no Movimento dos Sem-Terra. Afinal, a tentativa de virar o jogo sobre o oito de janeiro já não está funcionando e toda a semana é uma lapada diferente de Flávio Dino e outros membros do governo.
E a cereja do bolo é a surpresa da terça, que foi quase um sextou. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, por unanimidade, o pedido de cassação do mandato de Deltan Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato e ex-deputado, segundo a rápida Wikipédia. Mas eterno fazedor de Power Points. E ainda tem depoimento do Bolsonaro. E baixou o preço da gasolina e do gás.
A apresentação é de Geórgia Santos. Marcelo Nepomuceno participa do debate e Flávia Cunha traz a Palavra da Salvação. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Bendita Sois Vós #73 Pelé, Lula e a história do Brasil
Geórgia Santos
7 de janeiro de 2023
Nesta semana, Pelé, Lula e a Historia do Brasil. Porque entre a última semana de 2022 e os primeiros dias de 2023, todo brasileiro vivo pôde ser testemunha da História.
No dia 29 de dezembro, recebemos a notícia da morte de Edson Arantes do Nascimento, o homem a quem coube ser Pelé. O maior e melhor jogador de futebol de todos os tempos, provavelmente a pessoa mais conhecida do mundo, partiu dizendo love, love, love.
A gente vai falar um pouco sobre o legado de Pelé e o apagamento que inclusive este homem negro sofreu em vida quando teve suas ideias escondidas, fazendo com que o brasileiro não enxergasse o Edson político. E vamos falar da despedida daquele que é sinônimo de Brasil mas que foi, no fundo, o Rei de todo o mundo.
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Foram poucos os jogadores presentes no velório de Pelé, que ocorreu entre os dias dois e três, mas o povo esteve lá
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O mesmo povo que passou a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva no dia primeiro. Em um dia histórico do nosso país, Lula subiu a rampa ao lado da esposa, Janja; do vice, Geraldo Alckmin, que estava com a esposa Lu; e com representantes do povo brasileiro.
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Em um discurso carregado de simbolismo, Lula deu início a um governo de reconstrução e prometeu olhar para este mesmo povo que lhe confiou o posto mais alto da República
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E essa promessa, no que depender do time de ministros, não será vazia. Silvio Almeida, novo ministro dos Direitos Humanos, emocionou o país com um discurso que não poderia ser mais distante de tudo o que o antecessor representou ao longo de quatro anos.
O governo eleito em 2018 acabou. O ex-presidente fugiu. É hora de recomeçar e dar novos contornos à História do Brasil. Vamos em frente.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Nesta semana, o diploma. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, foi diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em uma cerimônia que foi especialmente emocionante para o petista, que compartilhou o diploma com todos aqueles que defendem a democracia.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, muito aplaudido, reafirmou o compromisso do tribunal com a proteção do sistema democrático e garantiu, sem mensagens subliminares ou meias palavras, que não haverá anistia para golpistas. “Essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da Democracia e do Estado de Direito contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e contra o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, garanto serão integralmente responsabilizados”, disse o ministro Moraes.
Durante a tarde, quando ocorreu a diplomação de Lula, havia meia dúzia de gatos pingados uniformizados insistindo no golpe. Nada demais. Mas à noite, viu-se outra coisa nas ruas de Brasília: bolsonaristas radicais tentaram invadir a sede da Polícia Federal (PF) e atearam fogo em ônibus e carros particulares.
Até o momento em que esse podcast foi gravado, não há informações sobre prisões. Tampouco de alguma ação por parte do poder público federal para conter os atos golpistas. O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, diz que todos serão responsabilizados.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Bendita Sois Vós #81 Os patriotas que não gostam do Brasil
Geórgia Santos
30 de novembro de 2022
Nesta semana, a gente vai falar dos patriotas que odeiam o Brasil. Porque no álbum de figurinhas dos defensores da pátria, é possível encontrar de tudo um pouco, menos alguém que goste do nosso país.
A Copa do Mundo está on fire, o Pombo tá com tudo e o Brasilzão já está classificado para as oitavas de final. Mas contrariando a história do país do futebol, há um grupo de brasileiros que resolveu boicotar a Seleção. Não, não é o povo que tava usando camiseta vermelha há um mês, é justamente o grupo que sequestrou a Amarelinha.
Os patriotas que estão acampados em frente aos quartéis se recusam a assistir aos jogos da Seleção, boicotam o time do Brasil e já até orientam a não usar mais o manto amarelo ouro – que neste ano não é ouro, é um amarelo frio que eu, particularmente, amei. Pois é, os patriotas estão boicotando a Seleção nacional.
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Mas não é só isso, olhando bem, já reparou que eles detestam o Brasil?
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A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Nesta semana, o que fazer com o multiverso Bolsonarista?
Passadas três semanas da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda há meia dúzia de gatos pingados em frente aos quartéis. Mas antes fossem meia dúzia os que acreditam em teorias da conspiração e contos estapafúrdios sobre o presente e o futuro do Brasil.
Se em 2018 o ápice do ridículo era a mamadeira de piroca, agora fica até difícil de escolher o delírio coletivo favorito. Há quem pense que Lula morreu e foi substituído por um andróide controlado por um álien. Ou que Bolsonaro morreu e reencarnou em Lula. Há quem acredite que Trump vai salvar a nossa pátria. Ou que ao se colocar o celular na cabeça é possível enviar mensagens aos ETs.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Nesta semana, o governo do Brasil. O novo normal – ou o velho normal. E ainda, o futuro dos movimentos golpistas.
Pouco mais de duas semanas desde o resultado da eleição, o incumbente Jair Bolsonaro segue desaparecidos. Há relatos de que estaria com uma infecção na perna e mesmo deprimido. Fato é que não atua como presidente do Brasil desde o dia 30 de outubro. Mas não há vácuo no poder, não. Já temos um novo governo Lula.
A transição comandada por Geraldo Alckmin é entediante como deve ser e um excelente retorno à normalidade. Sem agressividade, ofensas ou abusos, sem misoginia, homofobia ou pura e simples grosseria. Há problemas a se apontar? Sim. Problemas normais, uma lufada de ar fresco.
Quanto à Lula, é a estrela da COP-27, no Egito. Não que o presidente eleito já não esteja envolvido em polêmicas, está. Alguns questionamentos são válidos, como a carona em avião de empresário. Outros, como o custo da roupa de Janja, apenas um indicativo de que vida de Lula não será moleza daqui para frente. Ainda assim, estamos aqui discutindo a sugestão do novo presidente de a COP de 2025 ser realizada na Amazônia, e não a recomendação de se fazer cocô dia sim, dia não.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Pintou um clima? Temos certeza de que todo mundo viu ou ouviu falar do vídeo de Jair Bolsonaro que circulou pelas redes sociais na última semana.
Na sexta-feira (14), Bolsonaro disse a um podcast:
“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto […] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas… Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”, disse o presidente.
Na madrugada de domingo pra segunda, Bolsonaro fez uma live nas redes sociais para se defender. Ele disse que as declarações sobre o encontro com as meninas foram deturpadas. Que foi um encontro gravado e inclusive transmitido pela CNN. Só que o tal encontro era com mulheres venezuelanas, sim, em um centro de apoio, mas nada tinha a ver com prostituição.
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Então ou ele mentiu sobre ser o mesmo encontro ou mentiu sobre ser um caso de prostituição infantil. De todo modo, NADA justifica dizer COM NATURALIDADE que pintou um clima com meninas de 14 e 15 anos
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No domingo, o ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, proibiu que o PT associasse a frase dita por Bolsonaro com pedofilia. E aqui a gente tem uma discussão sobre desinformação, sobre contextualização, sobre falsa equivalência e sobre vale-tudo eleitoral.
E ainda falamos de imparcialidade no jornalismo. Uns 50 centavos sobre uma profissão que existe para defender, entre outras coisas, os direitos humanos e a democracia.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.