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Bendita Sois Vós #73 Pelé, Lula e a história do Brasil

Geórgia Santos
7 de janeiro de 2023

Nesta semana, Pelé, Lula e a Historia do Brasil. Porque entre a última semana de 2022 e os primeiros dias de 2023, todo brasileiro vivo pôde ser testemunha da História.

No dia 29 de dezembro, recebemos a notícia da morte de Edson Arantes do Nascimento, o homem a quem coube ser Pelé. O maior e melhor jogador de futebol de todos os tempos, provavelmente a pessoa mais conhecida do mundo, partiu dizendo love, love, love.

A gente vai falar um pouco sobre o legado de Pelé e o apagamento que inclusive este homem negro sofreu em vida quando teve suas ideias escondidas, fazendo com que o brasileiro não enxergasse o Edson político. E vamos falar da despedida daquele que é sinônimo de Brasil mas que foi, no fundo, o Rei de todo o mundo.

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Foram poucos os jogadores presentes no velório de Pelé, que ocorreu entre os dias dois e três, mas o povo esteve lá

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O mesmo povo que passou a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva no dia primeiro. Em um dia histórico do nosso país, Lula subiu a rampa ao lado da esposa, Janja; do vice, Geraldo Alckmin, que estava com a esposa Lu; e com representantes do povo brasileiro.

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Em um discurso carregado de simbolismo, Lula deu início a um governo de reconstrução e prometeu olhar para este mesmo povo que lhe confiou o posto mais alto da República

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E essa promessa, no que depender do time de ministros, não será vazia. Silvio Almeida, novo ministro dos Direitos Humanos, emocionou o país com um discurso que não poderia ser mais distante de tudo o que o antecessor representou ao longo de quatro anos.

O governo eleito em 2018 acabou. O ex-presidente fugiu. É hora de recomeçar e dar novos contornos à História do Brasil. Vamos em frente.

A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.

Vós Pessoas no Plural · Bendita Sois Vós #73 Pelé, Lula e a história do Brasil
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Todo Dia Oito #2 Maria, O Soldado Medeiros

Geórgia Santos
8 de abril de 2021
Todo dia Oito. Todo dia oito, uma história. Todo dia oito, uma mulher
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No segundo episódio do podcast Todo dia Oito, Maria, O Soldado Medeiros. Em um tempo em que nem o Brasil era independente, Maria Quitéria de Jesus se fez passar por homem para poder ser livre. Para poder desafiar o pai e a sociedade, pegar em armas e entrar para a história. Ela foi a primeira mulher a ingressar no Exército Brasileiro.

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QUEM FAZ

Produção: Vós

Pesquisa: Flávia Cunha e Geórgia Santos

Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha

Direção Artística: Raquel Grabauska

Apresentação e edição: Geórgia Santos

Locução:

Raquel Grabauska como Maria Graham

Angelo Primon como Dom Pedro Primeiro

Participação especial de Cléber Grabauska como José Joaquim de Lima e Silva

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

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Todo dia Oito #1 Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses

Geórgia Santos
8 de março de 2021
Todo dia Oito. Todo dia oito, uma história. Todo dia oito, uma mulher
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No primeiro episódio do podcast, Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses. Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra, favelada, mãe solo de três, escritora brilhante, publicada e traduzida em 14 idiomas. A mulher alta, de pele escura, sorriso quase desconfiado e lenço na cabeça que ousou revelar a realidade do racismo e da desigualdade no Brasil.

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QUEM FAZ

Pesquisa: Flávia Cunha

Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha

Direção Artística: Raquel Grabauska

Apresentação e edição: Geórgia Santos

Locução: Andrea Almeida, como Carolina Maria de Jesus;

Raquel Grabauska, como Clarice Lispector;

Participação especial de Cléber Grabauska como Paulo Mendes Campos

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

 

Cléber Grabauska

Sobre times que viraram espantalhos

Cléber Grabauska
26 de janeiro de 2020

Rogério; Orlando Lelé, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo Wortmann, Bráulio e Edu (o irmão do Zico); Flecha, Luisinho e Gílson Nunes Com essa escalação e comando do técnico Danilo Alvim, o América-RJ, ou melhor, America, sem acento, conquistou o título da Taça Guanabara – o primeiro turno do campeonato do Rio de Janeiro – em 1974. Essa formação entrou para a história mesmo sem ter conquistado o Estadual. E ficou para sempre na minha memória porque foi o meu primeiro time de botão.

America-RJ, em 1974, na conquista da Taça Guanabara.

Mesmo sem ter alcançado nenhum título brasileiro, o América ergue a taça do Torneio dos Campeões, organizado pela CBF, em 1982. Fez uma brilhante campanha no Brasileirão de 1986, terminando em terceiro lugar e sendo eliminado na semifinal pelo São Paulo que acabou tornando-se campeão. O curioso é que, no ano seguinte, veio a Copa União, criada pelo Clube dos Treze, e o America ficou fora da elite. Como protesto, negou-se jogar em qualquer outra divisão. E essa decisão marcou o início do fim. Mesmo com a abnegação de fanáticos dirigentes e torcedores, o time nunca mais foi o mesmo. Nunca retomou o tamanho. Tanto que na recente disputa de duas vagas no Módulo Especial, ficou fora do Carioca, ficando atrás de Portuguesa e Macaé e perdendo uma das duas vagas.

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E sabe do que mais? Eu também não tenho mais o meu time de botão

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Menos glorioso foi o SAAD. O time de São Caetano do Sul disputou o Paulistão de 1974 e depois despencou. Fechou o departamento de futebol profissional, ressurgiu com força no futebol feminino, montou um projeto numa das ligas norte-americanas, mas poucos se lembram de que esteve entre os grandes de São Paulo. Algo parecido aconteceu com o CEUB. O Centro Esportivo Universitário de Brasília tornou-se CEUB Futebol Clube e jogou o Brasileirão de 1973. O time teve uma vida efêmera, mas pelo menos serviu para iniciar a história do futebol no Distrito Federal.

Mais antigo e muito mais glorioso, o Grêmio Esportivo Renner desbancou Grêmio e Inter e faturou o Gauchão de 1954, colocando em evidência o goleiro Valdir de Morais e o meia Ênio Andrade. Mas o time das empresas Renner foi extinto em 1957. Também no Rio Grande do Sul vale a pena resgatar o 15 de Campo Bom. O clube existe desde 1911. Por muito tempo dedicou-se ao futebol amador, mas ganhou notoriedade quando se profissionalizou e, por muito pouco, não fez algo parecido com o Renner. Foi vice-campeão gaúcho em três ocasiões: 2002, 2003 e 2005 e em todas as edições perdeu o título para o Inter. O 15 de Campo Bom, como clube social, continua firme. Já o departamento de futebol profissional tenta se reerguer e existe a possibilidade de disputar a Terceira Divisão em 2020.

Grêmio Esportivo Renner, em 1953

Quem também tenta se reerguer é o São Caetano. O Azulão surgiu em 1981 e, praticamente no mesmo período,  fez um sucesso ainda maior que o 15 de Campo Bom. Foi vice-campeão brasileiro em 2000 e 2001, ficando atrás de Vasco da Gama e Athletico Paranaense. Perdeu a Libertadores de 2002 para o Olímpia. Mas, ao menos, conseguiu garantir o Paulistão de 2004. O time que já teve Adhemar, Mineiro, Marcos Senna, Serginho e tantos outros, foi rebaixado no Paulistão de 2019 e prepara-se agora para encarar a Série A-2.

A “segundona paulista” é também endereço da Portuguesa de Desportos. Longe dos dias de glória, a Lusa tem uma dívida gigantesca e luta pela sobrevivência. Corre o risco inclusive de perder o estádio do Canindé. E nós sabemos que, caso isso aconteça, a história não terá mais volta. Um time que revelou talentos como Félix, Zé Maria, Marinho Perez, Leivinha, Enéias e Dener, atualmente é um rascunho do que já foi. Campeã paulista de 1973, a Portuguesa fez uma final histórica contra o Santos de Pelé e acabou dividindo o título porque o árbitro Armando Marques enganou-se nas cobranças de pênaltis e deu a vitória ao Peixe antes da hora. Em 1985 chegou à final novamente, mas perdeu para o São Paulo. E a sua última grande façanha aconteceu em 1996 quando decidiu o Brasileiro contra o Grêmio e acabou ficando com o vice-campeonato. O time tinha Clemer, Valmir, Emerson, César e Carlos Roberto, Capitão, Gallo, Caio e Zé Roberto, Alex Alves e Rodrigo Fabri.

O inferno da Lusa começou em 2013 quando a equipe, em uma situação muito mal explicada, utilizou o jogador Heverton de forma irregular, perdeu pontos, acabou rebaixada e livrou o Fluminense da Segundona.

Assim como a Portuguesa e o America, o Bangu é um time querido e histórico, Já não tem mais o apoio da fábrica de tecidos que impulsionou o futebol e abriu caminho para a presença de negros e operários no futebol. Não tem também mais ídolos do peso de Domingos da Guia e Zizinho. Também não tem mais o dinheiro do bicheiro Castor de Andrade, patrono do clube, que financiou a montagem da equipe que em 1985 chegou ao vice-campeoanto brasileiro e ao vice carioca. Mas pelo menos mantém o seu lugar na Primeira Divisão do Rio de Janeiro e sonha com dias melhores.

Dias tão promissores como os que vive o Bragantino, ou agora, Red Bull Bragantino. O campeão paulista de 1990 e vice brasileiro de 1991, cedeu seu nome e sua estrutura para montar uma parceria com a multinacional de energéticos que, agora, coloca em prática, aqui no Brasil, o mesmo modelo que utiliza na Europa com o Leipzig, da Alemanha, e o Salzburg, da Áustria. A fase onde brigava com dificuldades para manter-se na Série B do Brasileiro é passado. O projeto montado em Bragança Paulista torna-se o sonho de consumo de praticamente todos os times do futebol brasileiro, e principalmente daqueles que já foram gigantes e hoje são espantalhos que não assustam mais ninguém.

Geórgia Santos

O fim da História

Geórgia Santos
31 de outubro de 2018

Em O Fim da História, Gilberto Gil disse que não acredita que o tempo venha comprovar ou negar que a História possa se acabar. Na poesia, tanto pode findar quanto pode ficar. “Basta ver que um povo derruba um czar e derruba de novo quem pôs no lugar.”

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Mas e se o tempo vier a comprovar que a História se pode negar?

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A exemplo do que fez durante toda a eleição, o presidente eleito do Brasil disse, nas primeiras entrevistas após o resultado, que a população brasileira está começando a entender que não houve ditadura no país. Jair Messias Bolsonaro ainda relativizou a censura aos meios de comunicação do período do regime militar. O “mito” disse que algumas reportagens eram censuradas apenas para evitar o envio de mensagens cifradas para grupos que ofereciam resistência às autoridades. Segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura”.

Ao longo de duas décadas, entre 1964 e 1985, houve suspensão de direitos políticos; não havia eleições para presidente; o Congresso foi fechado; houve restrições à liberdade de imprensa e manifestação; perseguição à oposição; censura à classe artística; exílio forçado; e uma série de outras atrocidades. Os relatos de tortura colhidos pela Comissão da Verdade são assustadores. Choques elétricos, afogamentos, pau-de-arara, cadeira do dragão, estupros, tortura com animais fazem parte de um triste rol de performances desempenhadas pelos militares brasileiros por mais de 20 anos. Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura.”

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Pessoas foram torturadas. Pessoas desapareceram. Pessoas foram assassinadas

Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura”

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O presidente eleito ignora os livros de História para eleger as memórias de um torturador como obra de cabeceira. A Verdade Sufocada – A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça (2006)  foi escrito por Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI, um dos órgãos mais atuantes na repressão política durante a ditadura militar no Brasil. Para historiadores, sociólogos e cientistas políticos, não se pode considerar que o livro ofereça precisão histórica. Dr. Tibiriçá, como era conhecido, foi o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante o regime, em 2008. Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura.” 

O problema em negar a História é que ela é cíclica. Quando se nega a história, ela volta a acontecer. Quando normalizamos autoritarismo e tortura, volta a História e reescreve o capítulo cujo título era pra ser “Nunca Mais”. “Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, “Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, e assim por diante. Tanto faz.

Igor Natusch

Reconstruir o Museu Nacional? Ah, vá.

Igor Natusch
3 de setembro de 2018
Um incêndio de proporções ainda incalculáveis atingiu, no começo da noite deste domingo (2), o Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense

“Não vamos medir esforços para reconstruir o Museu Nacional”

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A frase acima – ou palavras do mesmo efeito – foi dita por diferentes figuras da política brasileira diante do horrendo e desesperador incêndio que consumiu, ontem, o mais antigo e um dos mais importantes polos da história e ciência do país. Figuras como o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já vieram com esse papo.

Para acreditar na sinceridade de propósito dessas declarações, é preciso dispor de uma credulidade de deixar a Velhinha de Taubaté chocada diante de alguém tão ingênuo. Ou os nobres políticos estão milagrosa e subitamente dispostos a dar uma guinada sem paralelos na história de nosso país, ou estão apenas falando como políticos brasileiros costumam falar diante da tragédia, o que é muitíssimo mais provável.

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Ninguém vai reconstruir o Museu Nacional coisa nenhuma

E por vários motivos

Primeiro, porque é impossível. Há, com certeza, gente muitíssimo mais qualificada que eu para listar a quantidade incalculável de itens históricos e pesquisas – inúmeras delas em andamento – arruinadas pelo fogo. E mesmo elas terão dificuldade enorme em dar a real dimensão, absolutamente sufocante e desoladora, de tudo que se perdeu na Quinta da Boa Vista. Não são coisas que se possa reconstruir. Não são objetos empoeirados que alguém possa ter em uma gaveta de casa e doar para o poder público, ou que se possa adquirir em um brique ou brechó. Não existe máquina do tempo para nos ajudar.

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O Museu Nacional, pelo menos em sua maior parte, acabou, e uma grande fatia do que fomos, somos e poderíamos ser está perdida para sempre. Falar em reconstrução é até ofensivo, em semelhante panorama.

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Em segundo lugar, porque os esforços que agora dizem que não medirão já vêm sendo medidos, há décadas, quando se trata de investir na história, na cultura e na ciência do Brasil. Uma reforma – incompleta, mas urgente – do agora extinto Museu Nacional estava orçada em algo como R$ 22 milhões; a manutenção do espaço, com serviços básicos de limpeza e conservação estrutural, não ia muito além dos R$ 520 mil anuais. Mesmo redundante (já que dinheiro para conhecimento, no Brasil, nunca vem), importante frisar que esses valores, meros trocados para o gigantesco orçamento da União, vinham sendo negados ou contingenciados por diferentes governos – em 2018, o museu tinha recebido apenas R$ 54 mil até aqui. O simples fato de a UFRJ, gestora do espaço, estar há décadas às voltas com a falta de repasses federais já nos explica muito do problema que o Museu vivia e que resultou em seu aniquilamento.

Vivemos em um país que limita os já miseráveis gastos com educação por 20 anos, e eu vivo em um estado onde o governo é incansável no esforço de extinguir fundações públicas voltadas à pesquisa, produção e catalogação de conhecimento. O prefeito da cidade atingida pelo desastre demonstra nem saber direito para quê o museu servia, no fim das contas.

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Não existe lobby a favor da ciência no Congresso, não existe bancada das universidades ou gente brigando para incluir pesquisa e conservação no orçamento. Achar que isso tudo mudará de forma mágica é uma pureza de coração da qual, infelizmente, não compartilho.

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Por fim, nenhum político deve ajudar a reconstruir o Museu Nacional porque ninguém se importa, de verdade, com o assunto. Estamos em meio a uma disputa presidencial, e apenas duas candidaturas – Marina Silva (Rede) e a de Lula (PT), que deve ser assumida por Fernando Haddad – trazem propostas para uma política específica voltada a museus. Diante da tragédia, não são poucos os ignorantes que gritam tolices como pedir o fim da Lei Rouanet (responsável por grande fatia dos caraminguás que caem na conta dos museus para reformas e conservação), ou associam a tragédia com as convicções políticas da vez, de forma irresponsável e doentia. O descaso com a ciência e a produção do conhecimento não é exclusividade dos políticos, embora seja uma vergonha que cai fortemente sobre eles: é nossa, também.

Aqui achamos que universitário é vagabundo, que professor não pode fazer greve mesmo ganhando uma merreca, que incentivo à cultura e à ciência é dar dinheiro para gente que só quer mamar nas tetas do governo. Aqui a gente quer tutelar o que se ensina dentro da sala de aula, com um movimento esdrúxulo (Escola Sem Partido) que tem como líder um ator e sub-celebridade que jamais teve qualquer papel em discussões sérias sobre educação. Aqui a gente acha que ciências humanas não são ciência de verdade.

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Não surpreende, no fundo, que o museu mais emblemático do Brasil tenha virado cinzas: é apenas um retrato cruelmente acurado do que boa parte de nós, todos os dias, pede e exige para tudo que se refere a conhecimento nesse país.

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Sei que não sou, nem de perto, o primeiro a sugerir isso. Mas acho que não seria má ideia não reconstruir o Museu Nacional do Rio de Janeiro coisíssima nenhuma. Talvez fosse pedagógico deixar as ruínas do museu lá, ao sabor das intempéries, cobertas de fuligem até que o tempo se encarregasse de derrubá-las de vez. Seria um bom lembrete do nosso descaso por tudo que ele representava, por toda a riqueza que ele trazia dentro de si e permitimos que queimasse numa fogueira de desinteresse, oportunismo e burrice. Não seria uma resposta racional ao horror que testemunhamos, mas nada é racional nesse pesadelo de ignorância e descalabro em que mergulhou o nosso país.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Raquel Grabauska

Casa de ferreiro…

Raquel Grabauska
20 de abril de 2018

Eu escrevo histórias. Histórias para crianças, histórias que ouvi, contos, adoro. Quando estava grávida do meu primeiro filho, imaginava tudo o que ia fazer com ele. Os passeios, as brincadeiras, a bagunça. Mas o que eu mais sonhava mesmo era com as histórias que iria inventar pra ele. Com as histórias que iríamos criar juntos.

Ele nasceu. Brincadeiras, passeios, bagunça. Tudo aconteceu melhor do que eu esperava. Comecei a ler histórias pra ele desde muito cedo. Ele era bebezinho e lembro de uma moça que limpava o aeroporto parar ao meu lado e ficar me observando contar história pra ele. Quando acabei, ela perguntou: “mas ele entende?” Conversei com ela e, no final da conversa, ela confessou: nunca leram pra mim. E ficou ali, ouvindo a história conosco.  Aquilo me comoveu muito e desde esse dia li com mais paixão ainda. Temos uma combinação de ler três histórias por noite.

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Só que a minha tão sonhada vontade de inventar as histórias, nunca passou disso: vontade. A história mesmo,  nunca chegou!

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Meu marido inventa mil histórias. No outro dia, as crianças pedem pra contar a mesma de novo. Ele tenta relembrar, eles vão corrigindo os detalhes esquecidos. Comigo, não sei o que acontece. Até começo a inventar. Nos dias bons, consigo ir até a terceira frase e logo chego ao fim.

Quando escrevo uma história, ela sai rápida, como se já estivesse toda comigo. Ainda bem que eles gostam das histórias lidas pela mamãe e das inventadas pelo papai!

Geórgia Santos

Não quero viver dentro dos meus livros de História

Geórgia Santos
16 de outubro de 2017

Cansei de ouvir pessoas que queriam “ter vivido nos tempos da Ditadura.” Não porque apoiassem, mas porque queriam ter tido a chance de lutar contra o regime, de protestar contra a Guerra do Vietnã, de ter ido à Woodstock, de entrar pra uma guerrilha. E não foram poucos os relatos desse tipo. Na faculdade, pipocavam sempre que se tocava no assunto. Muito romântico. Muito ridículo (desculpem-me, mas é).

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Pois talvez os “saudosistas” tenham uma chance

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Sempre tive fascínio pelas aulas de História. Sem saber das palavras de Heródoto, desde pequena acreditava que era importante conhecermos o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. Sem saber da existência de Marx, acreditava que o passado poderia ser um instrumento de combate às injustiças e desigualdades. Mas nunca quis viver dentro dos livros de História que carregava.

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Estava perfeitamente confortável com o sentimento de distância do passado de autoritarismo

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Verdade que não conseguia conter as lágrimas ao ler sobre o Holocausto. Derretia por dentro ao ler sobre a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e a batalha para acabar com a segregação racial. Ficava hipnotizada com a história da Ditadura Militar brasileira, apesar de não compreender como parte da população fora a favor do golpe – apenas mais tarde soube que era a maioria, muito mais tarde.

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Mas tudo parecia distante, como se tivesse acontecido há séculos

E cá tínhamos a história para evitar que

repetíssemos os mesmos erros

Eu me sentia segura fora dos meus livros de História

 

Ledo engano. Estamos em 2017 e há um grupo de pessoas que acredita que a TERRA É PLANA. Uma exposição de ARTE FOI FECHADA por atentar contra a MORAL E OS BONS COSTUMES. Candidatos à presidência reforçam preconceitos raciais e EXALTAM A TORTURA. Grupos negam a ciência e DUVIDAM DO AQUECIMENTO GLOBAL. RACISMO é justificado. XENOFOBIA é justificada. Homossexualidade é tratada como DOENÇA. Nacionalistas alemães são eleitos para o parlamento com bandeira ANTI-IMIGRAÇÃONo Brasil, clamam por intervenção militar.

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Qualquer semelhança não é coincidência

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Neste ritmo, talvez estejamos mais perto de um regime de exceção do que nossa vã imaginação pudesse imaginar até pouco tempo. Estamos retrocedendo a uma velocidade tão assustadora que me sinto puxada para dentro de meus livros de História, como em um redemoinho sombrio de erros do passado, e ali deparo com o preconceito, com o ódio, com a intolerância, com a ignorância. Não quero ficar aqui dentro.