Dias desses comentei com o namorado de um amigo que já tem filhos grandes sobre o sono que estava sentindo. Contei que meus filhos acordaram váááááááááááárias vezes durante a noite, fazendo com que eu me tornasse um zumbi matinal. Foi quando ele me disse: “Filhos pequenos dão trabalho. Filhos grandes dão dor de cabeça”. Nunca mais parei de pensar nisso. Resolvi aproveitar para me divertir um pouco com o trabalho que os filhos pequenos nos dão.
Às 10h da manhã, o filho menor pede colo para o pai. O objetivo é ver o que tem no armário das comidas. Descobriu um pirulito que jazia escondido. Começa a negociação. O pai não cede. Filho frustrado. Manha, fúria, desgosto. Por fim, desabafo: “Se eu fosse adulto, eu faria o que queria”. Certamente o primeiro ato da sua vida adulta será comer um pirulito às 10h da manhã de um feriado.
Por aqui, quando não deixamos fazer alguma coisa que querem muito, ouvimos coisas terríveis:
– Não vou te convidar pro meu aniversário!
– Não vou te emprestar os meus brinquedos!
– Não gosto mais de ti, só do papai!
– Não gosto mais de ti, só da mamãe!
– Ninguém me entende!
Nada de amor!
Essas duras palavras duram em torno de doze segundos. Daí vem o melhor abraço do mundo. Sempre. E somos novamente convidados para o aniversário. E podemos brincar com seus brinquedos. E eles ficam sabendo que os amamos.
Tenho me sentido frágil. Por vários motivos, tenho me sentido muito frágil. Mas ontem eu me senti forte e fazia muito tempo que não me sentia assim.
Pois acontece que os guris – Benjamin e o Tom, meus filhos de quase 12 e nove anos respectivamente – tiveram aula o dia todo e os dois estavam muito cansados. O menor me contou que o dia tinha sido ruim, e normalmente gosta dos dias. O ápice da ruindade do dia foi quando o melhor amigo, sem querer, deu uma cotovelada no rosto dele. E o pior, “ele não sabe nem pedir desculpas direito”, me disse.
A coisa já não estava fácil quando a gata se esgueirou para trás dele e, como naqueles dias em que acordamos com o pé esquerdo, o pé esquerdo dele pisou na gata acidentalmente e ela reagiu instintivamente retribuindo a pisada no pé dele. Nem marcou o pé, mas a alma, meus amigos, essa doeu. Ele pediu beijo para curar. Ganhou vários. Curamos.
Depois, os três assistimos a um vídeo de uma bobagem que eles estão vendo só para debochar. Quando me contaram o que era, expliquei que achava perda de tempo ver algo que consideram idiota só pra gozação. Mas o maior me disse que aquilo é tão ruim que chega a ficar bom e eu acabei vendo três episódios com eles e agora estou louca para que chegue o fim do dia de hoje para repetirmos o programa. Riso frouxo cura a alma também. Curamos.
O mais velho estava atirado no sofá. Em nove dias, vira oficialmente adolescente – torçam por mim! -, ainda assim, me disse: tu pode ler uma história pra gente? Eu ri. Quase 12 e ama ler. O de nove correu, acendeu a luz e escolheu um livro: A Menina do Cabelo Vermelho, de Lolita Goldschmidt. Ele comparou com o próprio cabelo e se divertiu. Adormeceram me ouvindo. Que super-poder, esse.
Em tempos de ameaças e atentados em escolas, de bueiros abertos para os fascistas saírem, de ódio disseminado por Fake News, uma boa história para ninar os filhos é uma pílula de sanidade e força para qualquer mãe.
Imagem de capa: Pixabay / Montagem com ilustração de Benjamin Grabauska
Neste episódio do podcast Cantinho da Leitura, como falar de eleições com as crianças. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infanto-juvenis e colunista do Vós. O Cantinho da Leitura é um podcast parceiro da Companhia das Letrinhas.
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Falar sobre eleições com as crianças parece ser um grande desafio
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Afinal, muitos adultos não entendem direito o sistema eleitoral e as atribuições de cada cargo, como presidente, deputados, senadores e governadores. Mesmo assim, acreditamos que possa haver caminhos para trabalhar esse assunto com os pequenos, usando alguns recursos como os livros infantis, claro, mas também outras ferramentas, como vídeos, além de muita conversa em família.
Cantinho da Leitura #4 Política também pode ser coisa de criança
Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2021
No quarto episódio do podcast Cantinho da Leitura, política também pode ser coisa de criança. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.
A política está em todos os lugares. E o tema é cada vez mais comum nas conversas dos adultos, principalmente depois da eleição de 2018 e da polarização decorrente. As crianças ficam por perto e começam a fazer perguntas. Como explicar o que faz um presidente? O que é democracia? O que é comunismo? Pois a literatura infantil pode ajudar nessa missão.
Quando li sobre a morte Neil Peart hoje, um turbilhão de memórias surgiu aqui. Quando o meu filho Benjamin tinha perto de dois anos, recebemos num espaço cultural que o Cuidado Que Mancha administrava, o Circo da Silva, um grupo de música para crianças. No elenco havia um polvo baterista. Era fascinante. Das partes boas de ter a mãe administrando um espaço, o Benja pôde ficar tocando bateria com o polvo depois que o espetáculo findou.
Foi amor à primeira baqueta. O guri nunca mais quis parar de tocar. Isso foi em outubro. Em dezembro, ele ganhou uma bateria de presente. Foi mais forte que nós. Mesmo sabendo que eram os nossos ouvidos que iriam passar o dia se arrependendo, ele ganhou a bateria. A única vizinha próxima era surda. Tava tudo sob controle.
Íamos almoçar em um restaurante que oferecia hashis. Logo eram transformados em baquetas. O porta-guradanapos em prato. E logo tava montada a bateria. Ele pedia panos para colocar no cabelo e usar como bandana, pois já tinha sido apresentado ao Neil Peart. Neil pra ele. Já era íntimo.
Com a avó como plateia, ele tocava três horas por dia. Nunca pedimos. Nunca mandamos. Nunca. Ele ia lá. E tocava. Fez lindas aulas com a incrível Biba Meira (que tem um grupo mara de percussão para mulheres, As Batucas). Ele nunca gostou de abraços que não fossem dos pais ou da avó. A Biba abraçava ele. E ele gostava.
Quando ele tinha dois anos e seis meses, a vó morreu. Ele estava fazendo aula de música. Naquela semana, não tocou. Na aula, se aninhou no meu colo, ficou quietinho. Nada soava bem…
E nunca mais tocou. O público dele tinha ido embora. E ele não suportou tocar para mais ninguém.
7/1 – Benja chateou o Tom, que me disse: O benja quebrou meu sentimento;
18/1 – O Tom quer ver algo na TV e não quer que eu saiba. Daí disse: Mamãe, tu pode ir pra outro lugar? Agora a sala de TV tá ocupada pelo Tom;
20/1 – Papai, você pode ficar a noite toda acordado pra ver se eu caminho durante a noite dormindo? Eu te deixo descansar outro dia. Na verdade, quando a pessoa fica a noite sem dormir, fica cansada;
29/1 – O Tom perguntou: por que as mamães são meninas? Eu: Porque sim, só mulher pode ser mãe. Ele: Ai… Eu: Então, a partir de hoje, eu sou o papai! O Benja: Então se tu é o papai, pode ceder mais fácil, né? Eu: Como assim? Benja: Eu pedi pra ver YouTube e tu não deixou. Pedi pro papai e ele deixou;
6/2 – Eu disse pro Tom: Sou apaixonada por ti. E ele: Ai, não quero namorar. Que nojo!
10/2 -Benja pediu um celular pra o Gonza. Pedido negado, explicações dadas, filho conformado: Criança com celular é a mesma coisa que gato comendo bacon;
22/2 – Almoço no Bar do Beto, comemoração do aniversário da Geórgia. Tom patifando. Benja: Mamãe, tu não vai dar educação pra o teu filho mais novo?
24/2 – Quarto dente do Benja que vai! Foi linda a queda do dente! Estávamos no aniversário da Alice, filha da Diva, que é a amiga mais antiga dele. Estávamos brincando os dois e o dente voou!
11/3- Li uma história sobre porco espinho pro Tom. Quase dormindo, ele disse: Mamãe, porco espinho ataca as pessoas? Eu disse: Acho que não, filho. Só se alguém atacá-lo. Tom: Acho que ninguém ataca ele, porque ele tem espetos muito afiados. Que nem minhas unhas agora. Ninguém cortou minhas unhas…
26/3 – Benja olhando o Tom passar manteiga na bolacha: Ai, crescidinho do Benja, já tá usando faca…
28/3 – Benja fez slime no colégio e ficou um pouco duro. Uma colega disse que pasta de dente deixava mole. Ele testou, não funcionou. Conclusão: Mamãe, isso que ela leu da pasta de dentes só pode ser fake news!
31/3 – Benja dizendo nomes de filmes: Caminhada no lugar. Traduzindo: a volta dos que não foram;
12/4 – Hoje aconteceu uma das cenas mais singelas da minha vida. Madrugada, Tom com febre e eu dando homeopatia de 15 em 15 minutos. Quando fui tentar colocar as bolinhas na boca dele, ele, dormindo, deu beijinho na minha mão;
25/4 – Mamãe, não tem a cor azul no arco-íris, sabia? Não, filho. Tem uma linha faltando. E o céu reflete nela. Eu não aprendi isso na aula, é uma teoria, disse o Benja;
27/4- Benja: “Mamãe, acho que tô com febre. Meu saco tá quente. Quando tenho febre, meu saco fica quente”;
8/5 – Tom fez cocô e me chamou para limpar. Abriu o vaso e me mostrou que não tinha nada. “Eu fiz um cocô silencioso”;
7/8 – Benja foi de novo essa semana abordado para ser modelo. Fez aquela cara de “que novidade…”. Ontem ele me disse que queria pensar num jeito de ganhar dinheiro, mas sem ser modelo. Hoje ele viu minhas fotos do ensaio de ontem e me disse: tu tá desfilando como modelo, mamãe?
20/8 – Benja: Mamãe, por que gente idosa é sempre mais simpática? Idosos seriam bons vendedores de lojinha
17/12 – Montando a árvore de Natal, Benja viu os enfeites que minha mãe fez quando ele era pequeno. “Como que a Dadá sabia que eu ia gostar disso depois de grande? Ela devia me amar muito…”
24/12 – Tom quer ver Star Wars no cinema. Classificação, 12 anos. Dissemos que não rola. Ele: tenho um plano secreto… (depois confessou que vai entrar conosco no cinema para ver outro filme e vai pé por pé para a sala onde tá o filme que ele quer)
Hoje foi o primeiro dia de aula do meu filho mais novo. Ele tem cinco anos. Até agora sempre ficou perto de mim.
Vantagens e desvantagens de se ter uma escola de arte …
A escolha da escola para o filho mais velho foi árdua. Sou a mãe chata, o terror de qualquer diretora. Eu quero saber de tudo, reclamo dos pais que estacionem em fila dupla, converso sobre as coisas com as quais não concordo e sobre as que eu concordo também.
Já até mudei ele de escola, até que cheguei em um lugar onde ele foi muito bem recebido. Mais que isso, respeitado. Como ser humano. Como criança. Com um ser que pensa e sente. Agora é a vez de o segundo ir. Mesma escola, claro.
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Essa escola trabalha com multi-idade. As turmas se agrupam de 3 em 3 anos. Então, primeiro, segundo e terceiro ano, juntos. Meus filhos serão colegas
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Terão dois dias de vivencia nessa semana. O menor estava temeroso. Como iria para escola se ele não sabe matemática? O maior, aclamando o irmão. “Se acontecer qualquer coisa, eu te protejo, mano. ” O menor desistindo de ir. O maior achando chato e dizendo que não quer mais que estudem juntos.
Um pai e uma mãe com olhos arregalados. E lá foram eles. Chorei. É claro que chorei. Chorei por sentir tanto amor. Por confiar. Eles cresceram. Eu também cresci hoje. Agradeço a este espaço que permite que eu seja uma mãe chata. E que permite aos meus filhos cresceram no seu tempo.
Na foto: Benjamin e Tom, no primeiro dia de aula do menor
A maternidade é linda. É sim. Mas o que acontece coma gente… Dar conta do filho, de tomar banho, escovar os dentes e seguir vivendo. E para muitas de nós, uma das angústias que surge é o trabalho.
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Como conciliar o trabalho e a maternidade?
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Pois tem uma iniciativa rolando em Porto Alegre que é de uma lindeza. Uma feira de mães empreendedoras organizada por um grupo de mães incríveis. Daniela Garcia, Andressa Gabriele da Silva e Tanise Matheus. O Clube de Mães foi criado por uma mãe que já não participa mais com o intuito de reunir mulheres com filhos de idades parecidas (era algo bem pequeno). Com o crescimento, essa mãe sentiu a necessidade de chamar as amigas para ajudar a moderar o grupo. Uma delas foi a Daniela Garcia, que depois chamou outras e assim por diante. Hoje, o grupo tomou outra proporção e já somos mais de 20mil mães de vários lugares – mas a maior parte é da região Sul.
A feira será no Espaço Cuidado Que Mancha, na Rua Damasco, 162, em Porto Alegre. serve para nos conhecermos pessoalmente e nos reunirmos, além de fomentar os negócios entre mães! As feiras/eventos do Clube de Mães são sempre um sucesso e, apesar de amarmos a função, nem sempre damos conta de organizar esses eventos com a frequência que gostaríamos!
Faz tempo que tenho o hábito de ter comida no carro para quem pede na rua. Nos últimos meses, aumentou muito o número de pedintes. Tenho explicado para os meus filhos o que acontece no mundo. Explicado sobre a desigualdade. Explicado que não julguem. Explicado o impacto de não nascer “no lugar certo”, “na hora certa”.
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Esses dias, eu estava no carro com meu filho de cinco anos. Ele, com a lancheira na mão, disse:
“Mamãe, se a gente encontrar um morador de rua, vou dar meu lanche.”
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Eu quase tive um troço. Achei lindo. Ao mesmo, fiquei triste. Fiquei triste por perceber que ele, com cinco anos, entende tanto desse assunto. E seguiu.
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“Mamãe, ufa que nós temos casa, né?”
“Ufa, filho!”
“Mamãe, porque os moradores de rua não pedem pros trabalheiras fazerem casa pra eles?”
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O que responder depois disso? A lógica dele é perfeita. As pessoas precisam de casa e comida. Me comoveu a sensibilidade desse menino. Quero poder votar em algum político que tenha essa visão de mundo.
Tenho me perguntado muito como vai ser quando os meninos tiverem celular. Meu filho de sete anos perguntou se poderia ter um quando completasse dez. Glup, pensei eu. Fiz cara de que tava preparada pra uma conversa normal e perguntei: porque tu precisa? Ele: porque quase todos os meus colegas têm.
Discurso sobre as diferenças entre as pessoas, os tipos de família, as escolhas. Ressaltando que devemos respeitar as escolhas diferentes, mas que por motivos x, y e x, na nossa era assim.
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Discurso, discurso, discurso. Tem horas que ser mãe dá uma canseira… porque eu não tenho a menor ideia do que responder. Ou se tô fazendo a coisa certa. É sempre aquela sensação de ter pulado de um avião e não saber se o paraquedas vai ou não abrir.
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Enquanto eu falava, meu celular apitou umas 512 vezes. E meu olho queria ir conferir o que tinha acontecido. Era algo importante? Era do trabalho? Era um orçamento? Era? Era?
E daí me enxerguei. Preciso ter uma relação mais saudável com meu telefone. Desativei as notificações do WhatsApp e sou bem mais feliz. Ainda olho bastante, faz parte do meu trabalho. Mas vejo no meu tempo, e não porque o celular mandou eu olhar.