Geórgia Santos

Uma tentativa vã, mas bonita, de definir Rita Lee

Geórgia Santos
22 de maio de 2023

No dia em que ela morreu, eu retirei aquele livro da laranja da estante em que separo as obras por cor – uma pequena obsessão que não combina em nada com minha falta de organização. Rita Lee, uma autobiografia (2016), é absolutamente deliciosa. Uma ode honestíssima à própria liberdade escrita por uma mulher que foi esplendorosa, cantou demais, foi louca, fez muita merda, compôs lindamente, sofreu bastante, cuidou dos seus, desafiou poderosos, amou e amou e amou.

Recentemente, ela disse que o compêndio de capa cor de laranja era uma despedida da “persona ritalee”. Mas como que para manter a transparência, ela deixou no papel Outra autobiografia. “Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”, diz ela em trecho do livro, divulgado quando anunciou o lançamento da nova obra. Pois o lançamento foi agendado para 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, também conhecido como hoje.

Ainda não li, mas está lá, na caneta da moça, os detalhes do tratamento contra um câncer de pulmão – cujo tumor ela descobriu em 2021, durante a pandemia, e apelidou de Jair – que acabou encurtando a vida da rainha do rock brasileiro.

Eu não sei se gosto desse título ou rótulo, como queiram, de rainha do rock brasileiro, atribuído subjetivamente em manchetes e lides que anunciavam sua morte, em 08 de maio deste ano. Não que ela não mereça o posto, óbvio que merece. Ninguém mais poderia ocupar esse lugar. Mas é que me parece impreciso. Aliás, em uma entrevista à revista Rolling Stone, em novembro de 2022, ela disse que achava cafona.

Imagem: Reprodução

Por isso, decidi me embrenhar em uma empreitada hercúlea e ingrata de tentar definir Rita Lee. Busquei uma resposta a partir do que ela disse sobre si ao longo dos anos. Lógico que falhei em encontrar UMA palavra que fosse suficiente, mas também fui esperta no processo e isso rendeu uma belíssima lista. Procurei em em entrevistas, canções, nos livros e em alguns dos mais engraçados tuítes da história desse país. Sim, tuítes. Como o de primeiro de agosto de 2011:

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“Já disse e repito: não me levem a sério, sou falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.”

Que figura. Mas não ficaria bem escrever algo como: “Morre Rita Lee, uma falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.” Então continuei.

“E eu lá sou mulher de fazer back-up? Perdi tudo, foda-se eu. Ao atualizar o Iphone eu perdi tudo. Inclusive tudo mesmo. Véia jumenta.”

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Isso também pegaria mal. Mas que é a cara dela, isso é. Alguém que em um belo dia resolveu fazer tudo o que queria fazer, libertando-se de uma vida vulgar e tendo o prazer de ser quem se é. Alguém que era Rita; Rito, o menino baiano; mutante; romântica; menina; mulher; Ritinha; neném que só sossega com beijinho; ovelha negra; baby; erva venenosa; caso sério; ciumenta; guerrilheira; ladra de botas; justiceira; caminhante noturna; ladra de anéis; Gininha; mulher macunaíma; Miss Brasil 2000; luz del fuego; Rita Lica; fruta; Madame Lee; filha; Adelaide Adams; maçã; traficante de colar de LSD; TV Lesão; folclore; irmã; cigarra; Lita Ree; pergunta; ex-AA; fofa; ex-NA; perseguida; licor; ex-presidiária; injustiçada; uma cantora sutil; feminista; feminina; louca; pau pra toda obra; cantora; compositora; instrumentista; vaca; mais macho que muito homem; rainha do próprio tanque; pagu indignada no palanque; porra louca; véia; vaidosa; paulista; paulistana; com nervos de aço; fazedora de barulho; falsa; vovó; Aníbal; corinthiana; chata; viciada em uva-passa; sharon stone; mãe; rolling stone; cabrinha; caprichosa; capricórnia; rainha; esposa; Deus; todas as mulheres do mundo; semente. Semente. Semente.

É realmente difícil definir Rita Lee e, talvez, o prosaico Rainha do Rock atenda melhor às necessidade da mídia tradicional que precisa comunicar ao grande público o tamanho de uma grande mulher. Mas eu não quero desistir, assim como não quero ceder à escolha editorial do G1. Decido, então, recorrer a ele.

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“O Roberto é a Rita também, a Rita é o Roberto também. Em vida ou em morte, tanto em uma circunstância quanto em outra, eu continuo sendo ela e ela continua sendo eu.”

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Roberto de Carvalho é o grande amor de Rita Lee e talvez a única pessoa com autoridade para dizer aos brasileiros quem ela é. Em uma entrevista ao Fantástico, no dia seguinte ao enterro da cantora, ele lembrou da parceira como alguém cheia de vida, de criatividade, de alegria. Ele disse que ela era iluminada.

Está dito, então. Rita é luz.

Mas, por via das dúvidas, vou ler o novo livro em busca das outras personas da rainha fragmentada.

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Imagem de capa: Reprodução / Instagram

PodCasts

Todo Dia Oito #9 Francisca, a pianista que veio do futuro

Geórgia Santos
8 de novembro de 2021

No nono episódio do podcast, Francisca, a pianista que veio do futuro. Chiquinha Gonzaga foi a primeira pianista de choro do Brasil; a primeira mulher a reger uma orquestra no país; a primeira compositora de ritmos populares; e, muito provavelmente, a primeira “moça de boa família” a se integrar à boemia. E como alguém que não pertence ao tempo em que está, tornou-se um alvo da sociedade empertigada que vivia às voltas de aparência.

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OUÇA

Uma criação do Vós

Produção: Flávia Cunha, Geórgia Santos e Raquel Grabauska

Pesquisa: Flávia Cunha

Roteiro: Flávia Cunha e Geórgia Santos

Apresentação e edição: Geórgia Santos

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

Ao longo do episódio, você ouviu algumas das canções de Chiquinha Gonzaga, que estão em domínio público. A gravação faz parte de disco da Casa Edison gravado entre 1911 e 1912 com o Grupo Chiquinha Gonzaga.

PodCasts

OUÇA Bola na Rede #1 Futebol e música

Geórgia Santos
11 de fevereiro de 2020

No primeiro podcast do Bola na Rede, o Sarau do Futebol, Cléber Grabauska aborda relação do esporte bretão com a música.

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Com textos de Chico Buarque, Nelson Motta, Eduardo Bueno e Eduardo Galeano, um passeio pela paixão de Lupicínio Rodrigues, Wilson Simonal, Jorge Ben e tantos outros que homenagearem o filó e os seus melhores com uma canção
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O convidado especial dessa edição é o jornalista Beto Xavier, autor do livro “O Futebol no País da Música”, da Panda Books. Participam Richard Serraria, Júnior Maicá e Geórgia Santos. O podcast do bola na rede é gravado ao vivo, em Porto Alegre.

Você também pode ouvir o podcast no Anchor, Spotify e, em breve, em outras plataformas de streaming. Direção: Raquel Grabauska; Técnica: Marcos Vaz; Edição: Fane Weber; Produção: Vós. 

 

 

Raquel Grabauska

Meu filho ex-baterista

Raquel Grabauska
11 de janeiro de 2020

Quando li sobre a morte Neil Peart hoje, um turbilhão de memórias surgiu aqui. Quando o meu filho Benjamin tinha perto de dois anos, recebemos num espaço cultural que o Cuidado Que Mancha administrava,  o Circo da Silva, um grupo de música para crianças. No elenco havia um polvo baterista. Era fascinante. Das partes boas de ter a mãe administrando um espaço, o Benja pôde ficar tocando bateria com o polvo depois que o espetáculo findou.

Foi amor à primeira baqueta. O guri nunca mais quis parar de tocar. Isso foi em outubro. Em dezembro, ele ganhou uma bateria de presente. Foi mais forte que nós. Mesmo sabendo que eram os nossos ouvidos que iriam passar o dia se arrependendo, ele ganhou a bateria. A única vizinha próxima era surda. Tava tudo sob controle.

Íamos almoçar em um restaurante que oferecia hashis. Logo eram transformados em baquetas. O porta-guradanapos em prato. E logo tava montada a bateria. Ele pedia panos para colocar no cabelo e usar como bandana, pois já tinha sido apresentado ao Neil Peart. Neil pra ele. Já era íntimo.

Com a avó como plateia, ele tocava três horas por dia. Nunca pedimos. Nunca mandamos. Nunca. Ele ia lá.  E tocava. Fez lindas aulas com a incrível Biba Meira (que tem um grupo mara de percussão para mulheres, As Batucas). Ele nunca gostou de abraços que não fossem dos pais ou da avó. A Biba abraçava ele. E ele gostava.

Quando ele tinha dois anos e seis meses, a vó morreu. Ele estava fazendo aula de música. Naquela semana, não tocou. Na aula, se aninhou no meu colo, ficou quietinho. Nada soava bem…
E nunca mais tocou. O público dele tinha ido embora. E ele não suportou tocar para mais ninguém.

Raquel Grabauska

Pra quem fazemos cultura?

Raquel Grabauska
14 de dezembro de 2018

Das primeiras coisas que lembro da infância, era minha mãe cantando pra eu dormir. Meus irmãos cantando pra eu crescer. Os livros que fui aprendendo a amar. Os quadros que eu não saberia pintar. Tem um filme que se chama Um dia sem mexicanos. Todos os mexicanos desaparecem de uma cidade americana, na Califórnia, e não há quem faça o trabalho pesado. Pensa num dia sem arte. Tua vida sem música, sem filme, sem, sem, sem…

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A arte está em tudo, o tempo todo. E porque não se valoriza isso? Porque sempre se acha o ingresso caro? Porque se pergunta se criança paga um ingresso em um espetáculo infantil? Porque acusam artista de vagabundo?

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Segundo dados atuais do IBGE, o orçamento da Lei Rouanet representa apenas  0,3% da renúncia fiscal da união, produzindo 400% de retorno e incremento pra cadeia produtiva. As atividades culturais e criativas já representam 2,6 do PIB do país. Vagabundos?

Ontem estava olhando um Edital da Petrobrás, em que pretendo inscrever um trabalho. Esse projeto vai ser para os teus filhos, para os filhos dos outros, para os filhos de quem não conhecemos. E li um comentário (nunca leio comentários, mas ontem, idiotamente eu li). O super mega inteligente e sensível escreveu: pra que arte? Outro: e continuamos pagando R$ 5,00 a gasolina. E outro: enquanto os hospitais estão sem recursos, essa bobagem…

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Sério que a arte faz todo esse mal?
Não seria o contrário? Tenta. Tenta ficar sem arte. 

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Essa semana lançamos um projeto no Catarse, sistema de financiamento coletivo. Não estamos esperando o governo ou um milagre. Contamos com nós mesmos e com quem aprecia e respeita a arte. Se puder, colabora. Senão puder colaborar, compartilha. E seguimos!

Geórgia Santos

Dia de amor em tempos de cólera

Geórgia Santos
12 de junho de 2018

As caixas de comentários de portais de notícias quaisquer fazem parecer que estamos presos em um romance de realismo fantástico. Exceto a parte do amor e com cólera a sobrar. E definitivamente sem a poesia de García Márquez. Em Baioque, Chico Buarque canta que odeia e adora numa mesma oração. Nós também, eu acho. O problema é que entre a possiblidade de expressão de ira e a devoção, ficamos com a primeira. E abraçamos e acariciamos e protegemos e resguardamos o direito de expressar esse ódio como se nossa alma se alimentasse disso, dependesse disso. Sem que percebamos, as redes sociais tornam-se receptáculos de toda a sorte de fel, sem destinatário e destinado a todos.

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Mas tem um dia em que o amor parece suplantar  o ódio na internet

Hoje

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Tudo indica que os tempos de cólera descansam e o Dueto transforma em amor e paz. Sim, é uma data instituída por um publicitário que queria aquecer o mercado no mês de junho. Azar. Colou. E se há quem se renda ao consumismo, há quem celebre o amor. Aquele amor que consta nos autos, signos e búzios. Aquele amor que está num anúncio, num cartaz ou no espelho. Aquele amor abençoado pelo evangelho e protegido pelos orixás. Aquele amor dos autos, teses, tratados e dados oficiais. Aquele amor de bulas e dogmas. Aquele amor de karma, carne, lábios e novela. Aquele amor que acredita em ciganas, profetas e conselhos. Aquele amor que desafia projetos, mapas e a ciência. Amor seguro, pichado no muro.

Não sei se sei falar de amor, mas Chico Buarque me ajuda. E nessa ajuda ele atualizou o Dueto e, com alento, garante que amor e paz também estão no Google, no Twitter, no WhatsApp, Instagram, Snapchat. No Face. E se o destino insistir em provar o contrário, danem-se minhas palavras e as dele. Hoje é dia de amor e paz.

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Vós Ativa

ARTE-ENFRENTAMENTO

Colaborador Vós
22 de abril de 2018

Por Ticiano Paludo

O mundo sempre mudou rápido. Hoje, essa rapidez parece hiper-acelerada. Nosso dia continua tendo 24 horas, a semana 7 dias. Graças à hiper-conectividade disponível em nossos bolsos, um mundo tão grande, tão vibrante, escapa ao nosso olhar, e isso é inevitável. A economia da atenção cobra o seu preço. Sentimo-nos tontos diante de tantas opções. A distração é perversa. Uma ansiedade crescente assola a todos diante de uma miríade de estímulos que gritam por nosso envolvimento profundo. Essa atenção cada vez mais volátil acelera nosso coração e nos angustia. Se estou aqui, não estou lá, e nem acolá. E a grama do vizinho, mesmo que nem sempre seja tão mais verde do que o nosso olhar dá conta, nos deixa com a impressão de que o momento passou, de que perdemos a oportunidade de ver mais, sempre mais.

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E uma pergunta brota: estamos mesmo vendo as coisas ou só zapeando através de nossos traiçoeiros sentidos, superficialmente, nesse mar tão (des)interessante?

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Nos últimos dias, deparei com esses questionamentos num dos campos pelo qual sou apaixonado e vivo intensamente: a arte, mais especificamente, a arte musical. O nosso mundo interno parece tão disposto e saudável em rapidamente deglutir o entretenimento, e tão preguiçoso e resistente à arte. Duchamp já colocou em xeque o significado da arte. Tentar laçá-la de um só golpe parece uma tarefa ingrata. E de fato é. Mas depois de décadas trabalhando com ela, lecionando sobre ela, me atrevo a dizer: a principal diferença entre a arte e o entretenimento é que na arte existe um combate, um enfrentamento. No entretenimento, não. É claro que o entretenimento pode levantar questionamentos, mas em um mundo cada vez mais hedonista e avesso aos questionamentos despolarizados, o entretenimento parece ofuscar e esmagar a arte, que luta heroicamente para se sobressair pelas beiradas. Afinal, em uma época em que os ansiolíticos nos dizem que é proibido sofrer, como pode um enfrentamento triunfar?

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Quando a obra de arte é confundida com o lixo, e nele vai parar, me parece muito uma questão de que o combate foi aniquilado por ignorância e por falta de preparo para a batalha.

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A dita alta cultura deveria ser explanada como um território fértil a ser explorado, mas que exige preparo para seu entendimento e exploração, e não como um instrumento ideológico que coloca, de um lado, os iniciados, e de outro, a massa (in)capaz de compreende-la. Mesmo para quem está acostumado a entrar no diálogo reflexivo proposto pelos artistas, quanto mais provocativa e menos óbvia for a obra, mais irá exigir dos espectadores, mais tende à fuga.

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Entre fugir do combate e enfrentar a arte

Ouvi, recentemente, o novo álbum de um dos maiores artistas de nosso tempo: Jack White. “Boarding House Reach” é, sem dúvida, a obra mais densa de White, até então. Seus álbuns anteriores, e seu trabalho com o White Stripes, sempre demonstraram um vigor e uma primazia assertivos, mas nessa nova incursão, ele parece ter se superado. Me dediquei a fazer uma primeira audição imersiva, de cabo a rabo. Ao final, pensei: mas que diabos é isso? As músicas são de difícil compreensão. Estará ele promovendo uma overdose estética que simplesmente quer chocar pelo excesso e pela imprecisão?

Então, me coloquei a pensar e vi que eu estava fugindo do combate, do enfrentamento, saindo pelo fácil caminho da negação, da rejeição, do desprezo. Muni-me de um esforço intelectual e ouvi, em sequência, novamente, todas as faixas, uma a uma, procurando imergir naquele espectro que me escapava à audição. O resultado? Como já inferi, consegui furar uma barreira recorrente e invisível do preconceito (e é isso que é um preconceito, um conceito, muitas vezes mal lido, a priori) e me deixei levar pela obra. Corri para o combate.

Enfrentei a obra e o artista, mesmo diante de sua incompreensível magnitude. E me deliciei. E vi o que não havia visto, e senti o que não me permitira sentir. E por fim, compreendi a provocação e me curvei diante dela. Adianto que a audição não é fácil, é tensa, de uma densidade voraz em diversos momentos. Não é um álbum de canções, e um discurso estético de enfrentamento, uma busca de novas narrativas. E, ao final, vi que a luta valeu a pena. E quem vence esse tipo de conflito? Ambos vencemos, eu por poder me permitir a ir além e mergulhar, despido de pudores, naquela salada sonora complexa e alucinante; e ele, por ter me mostrado que a arte mais profunda é dolorosa, é arte-enfrentamento.

Ticiano Paludo é músico, compositor e produtor musical. Doutor em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS, coordena a Especialização em Produção Musical: comunicação e entretenimento na mesma universidade. E gosta de um enfrentamento. Mail: ticiano.paludo@gmail.com

Raquel Grabauska

Música de gente grande pra todo mundo ouvir

Raquel Grabauska
9 de março de 2018

Uma das muitas coisas boas que aprendi com meus irmãos mais velhos foi ouvir música. Mais que tudo, ouvir música boa. Eu lembro da sensação de confiança que eu tinha. O que eles ouviam, eu sabia que deveria parar e ouvir também. Cantava as músicas muitas vezes sem nem fazer ideia do que tava sendo dito.

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Como foi com a Rita Lee: “se a Débora quer que o Gregor lhe pegue”

Essa era a minha versão, cantada com todo o entusiasmo.

A dela era: “se a Deborah Kerr que o Gregory Peck”

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Muitas dessas músicas boas faço questão de mostrar aos meus filhos. Flutuo feliz e emocionada quando vejo eles gostando e cantando também. Acho que a mais óbvia de todas, mas que figura em todas as listas é O Leãozinho. E segue:

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Mestre Jonas, de Sá e Guarabyra
A Lenda do Pégaso, de Moraes Moreira e Jorge Mautner
O Vira – ou, na nossa versão, “O gato preto cruzou a estrada”
Vida de Cachorro – também conhecida por nós como “Vamos embora cachorrinho”
Peixinhos do Mar, do Milton Nascimento – melhor chamada de “Quem me ensinou a nadar”
Borboleta, de Marisa Monte – mais fofamente conhecida por “Borboleta pequenina”
Pombo Correio, do Moraes Moreira
Acabou Chorare, dos Novos Baianos

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Recentemente descobri essa de DaniBlack feat. Milton Nascimento

Voos Literários

Clarice Lispector: repórter por mais de um dia

Flávia Cunha
29 de agosto de 2017

Eu já falei por aqui de escritores brasileiros que precisam trabalhar na imprensa para pagar as contas. Participando desse grupo movido pela urgência financeira, está a figura ilustre de Clarice Lispector. Em diversos momentos de sua vida, teve que recorrer a empregos em jornais e revistas, mesmo sendo uma autora de livros prestigiados pela crítica.

Um registro expressivo da escritora como repórter pode ser conferido em Clarice Lispector: Entrevistas. A obra é uma compilação de textos publicados na revista Manchete, nos anos de 1968 e 1969, e também na revista Fatos e Fotos: Gente, em 1976, um pouco antes de falecer.  Entre os entrevistados, grande nomes como Nelson Rodrigues, Emerson Fittipaldi e Ferreira Gullar.

Minha entrevista favorita é com Vinicius de Moraes. Selecionei alguns trechos desse bate-papo entre essas duas personalidades importantes da literatura brasileira, com personalidades distintas porém igualmente marcantes.

A conversa começa já bem descontraída:

– Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música,  porque  você é o nosso menestrel.

Em determinado momento, Clarice decide saber sobre a porção músico do poetinha:

– Fale-me sobre sua música.

– Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.

Depois, a conversa flui para a porção escritor de Vinicius:

– Você sabe que admiro muitos seus poemas, e, mas do que gostar, eu os  amo. O que á a poesia para você?

– Não sei, eu nunca  escrevo poemas abstratos , talvez   seja o modo de tornar a realidade mágica  aos meus próprios olhos.  De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão  mais profunda e consequente mais bela.

Clarice como repórter deixa transparecer seus sentimentos e relata inclusive os instantes de silêncio entre os dois:

Fizemos uma pausa. Ele continuou:

– Tenho tanta ternura pela sua mão queimada…..

( Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.)

O comentário de Vinicius refere-se à sequela de um incêndio que a escritora escapou, em 1966. O fogo começou devido a um cigarro esquecido por ela, que destruiu todo o seu quarto e atingiu sua mão direita, que por pouco não foi amputada.

Para fechar esse texto, mais uma reflexão do poeta da paixão.

Vinicius disse, tomando um gole de uísque:

– […] Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.

A entrevista completa está nesse site.

Para saber mais:

https://claricelispectorims.com.br/

http://www.viniciusdemoraes.com.br/

 

Glow

Clitóris ou Ovário?

Fernanda Ferrão
22 de junho de 2017
Clipe música Lalá da cantora Karol Conka Clipe música Lalá da cantora Karol Conka

Se quiser, clique e leia ouvindo: Karol Conka – Lalá

Sabe o boquete? Sabe, né? Já parou para pensar que não existe uma palavra equivalente para sexo oral em mulheres? A Karol Conka pensou. A rapper paranaense de 30 anos é uma das mulheres símbolo do que chamamos de terceira onda do feminismo. O último lacre foi lançado na primeira semana de junho: a música Lalá. O termo foi criado pela própria Karol.

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Sexo oral feminino é ‘lalá’

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É claro que o clipe foi lançado acompanhado de “””””””polêmica”””””””. Afinal, tem muita gente para dar pitaco em todo e qualquer assunto relacionado ao feminino. A equipe que criou o vídeo lindo que acompanha a música é composta apenas por mulheres. O vídeo tem quase dois milhões e meio de visualizações.

Camila Cornelsen e Vera Egito dividiram a direção. Camila teve sua conta extinta e foi bloqueada do Instagram depois de postar 01 minuto do vídeo em seu perfil. Vera, em conversa com a Dani Arrais, do Don’t Touch My Moleskine, disse:

“Na celebrada música brasileira – poderia dizer de todo o mundo também – o sujeito do desejo é masculino e o objeto desse desejo é feminino tradicionalmente. Mas agora a moça bonita que vem, não passa. Ela fica e fala do que está afim. Deixa claro também quais são suas vontades, preferências, e toma o eu lírico do tesão pra si. Karol é essa mulher inteligente, de personalidade, independente e corajosa. Ela é linda também. Provavelmente o rosto mais simétrico que eu já filmei, impressionante. Linda em qualquer enquadramento. Mas já é tempo do atributo da beleza não ser mais o principal ao se falar de uma mulher. Especialmente uma mente criativa como Karol Conká. Foi de uma honra e de uma felicidade enormes realizar esse trabalho para ela. Especialmente ao lado da Camila Cornelsen, minha mana fotógrafa inspiração e apoio pro meu trabalho e pra minha vida. ‘Direitos de prazer iguais’, clama Karol. É isso aí. Celebremos esses novos tempos. Não tem retrocesso. Desse lugar de fala a gente não sai mais.”. Punto y basta.

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Nos dias seguintes ao lançamento, Karol postou frames e imagens do clipe sempre lembrando o quanto tem sido atacada apenas por falar de um assunto que incomoda aqueles que estão acostumados a dominarem todos os cenários: os homens.

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Eu poderia falar muitas outras coisas sobre este assunto, falar das conversas que tenho com amigas, sempre cheias de relatos de homens que não conhecem o corpo feminino e de como o pudor imposto pela sociedade faz com que essas mulheres que reclamam dos homens muitas vezes nem saibam instruí-los. Porém, deixo aqui apenas a íntegra da letra escrita por Conka. Te juro que vais entender do que estamos falando! #melambelá

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Lalá – Karol Conka

Lá lá lá

Moleque mimado bolado que agora chora
Só porque eu mandei ajoelhar
Fazer um lalá por várias horas

Ele disse por aí que era o tal
Pega geral e apavora
Seduzi pra conferir
E percebi que era da boca pra fora

Dá pra perceber que existem vários
Falam demais, fingem que faz
Chega a ser hilário
Mal sabe a diferença de um clitóris pra um ovário
Dedilham ao contrário
Egoístas criando um orgasmo imaginário

Pouco importa pra ele se você também tá satisfeita
Esses caras ainda não aprenderam que 10 minutos é desfeita
Nem a bomba que toma não aguenta o molejo da lomba
Se desmonta, tem medo e no final só me desaponta

Já fico arrependida
Seca, desacreditada e fria
Desse jeito desanima
Quero ser bem atendida

O que me anima é a habilidade na lambida
Malícia, muita saliva enquanto eu queimo uma sativa

Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe, me dê uma lambida lá

É inacreditável, eles ficam sem ação
Quando a gente sabe o que quer e já mete a pressão
Tem que saber fazer se não gera contradição
Direitos de prazer iguais, mais compreensão

Isso daqui não tá de enfeite
Dá um jeito, se ajeite
Sem ser fake, então vai se deite
Se eu quero, respeite

O clima deixa de ser quente, confundiu minha mente
Falam de mais, quando chega na hora a ação não é equivalente
Nem vem, sou apenas mais uma com experiência e sabe quem tem
Vejo vários convencidos achando que no final mandou bem

Minhas amigas concordam também
Vocês podem ir mais além
Sem dedicação espantam um harém

Curvem-se, encostem os lábios na flor
Quebra esse tabu, isso não é nenhum favor

O que me anima é a habilidade na lambida
Malícia, muita saliva
Enquanto eu queimo uma sativa

Lá lá lá
Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe
Me dê uma lambida lá
Lá lá lá
Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe
Me dê uma lambida lá