Eu já falei por aqui de escritores brasileiros que precisam trabalhar na imprensa para pagar as contas. Participando desse grupo movido pela urgência financeira, está a figura ilustre de Clarice Lispector. Em diversos momentos de sua vida, teve que recorrer a empregos em jornais e revistas, mesmo sendo uma autora de livros prestigiados pela crítica.
Um registro expressivo da escritora como repórter pode ser conferido em Clarice Lispector: Entrevistas. A obra é uma compilação de textos publicados na revista Manchete, nos anos de 1968 e 1969, e também na revista Fatos e Fotos: Gente, em 1976, um pouco antes de falecer. Entre os entrevistados, grande nomes como Nelson Rodrigues, Emerson Fittipaldi e Ferreira Gullar.
Minha entrevista favorita é com Vinicius de Moraes. Selecionei alguns trechos desse bate-papo entre essas duas personalidades importantes da literatura brasileira, com personalidades distintas porém igualmente marcantes.
A conversa começa já bem descontraída:
– Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música, porque você é o nosso menestrel.
Em determinado momento, Clarice decide saber sobre a porção músico do poetinha:
– Fale-me sobre sua música.
– Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
Depois, a conversa flui para a porção escritor de Vinicius:
– Você sabe que admiro muitos seus poemas, e, mas do que gostar, eu os amo. O que á a poesia para você?
– Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos , talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e consequente mais bela.
Clarice como repórter deixa transparecer seus sentimentos e relata inclusive os instantes de silêncio entre os dois:
Fizemos uma pausa. Ele continuou:
– Tenho tanta ternura pela sua mão queimada…..
( Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.)
O comentário de Vinicius refere-se à sequela de um incêndio que a escritora escapou, em 1966. O fogo começou devido a um cigarro esquecido por ela, que destruiu todo o seu quarto e atingiu sua mão direita, que por pouco não foi amputada.
Para fechar esse texto, mais uma reflexão do poeta da paixão.
Vinicius disse, tomando um gole de uísque:
– […] Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
A entrevista completa está nesse site.
Para saber mais:
https://claricelispectorims.com.br/
http://www.viniciusdemoraes.com.br/
