Voos Literários

Por onde andam as escritoras do presente e do passado?

Flávia Cunha
20 de fevereiro de 2018

Volta e meia, me pego pensando sobre como eu, mesmo sendo mulher e adepta do feminismo, leio poucos textos literários escritos por mulheres. Mas vocês já se perguntaram a razão de, em geral, lermos mais livros escritos por homens? Entre os motivos, eu acredito que esteja o pouco destaque dado à literatura feita por mulheres.

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Um levantamento divulgado no ano passado revelou que no Brasil, desde 1941, as mulheres ganharam só 17% do total de premiações dos maiores eventos literários do país

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Essa matéria também revela que há uma crença de que as escritoras produzem “literatura feminina”, como se fosse uma categoria menos relevante.

Outro dado que me chamou a atenção foi sobre a literatura beat. Eu sempre amei as obras escritas pelos doidos da geração beatnik, em especial Jack Keroauc e seu clássico On The RoadE eu nunca tinha parado para pensar porque não lia textos de mulheres nesse movimento literário. Não existiam ou não ganharam visibilidade? Pois ao ler um texto do sensacional projeto As Minas e a História descobri que existiram, sim, escritoras beatPorque não foram reveladas na época? Observem essa resposta do poeta Gregory Corso:

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“Tinha mulheres sim, eu conheci elas, suas famílias puseram elas em hospícios, foram parar no eletrochoque. Nos anos 50, se você fosse homem, dava para ser rebelde, mas se fosse mulher, a família te interditava.

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Essa matéria traz nomes de cinco escritoras: Elise Cowen (na foto acima com um dos ícones do movimento beat, o escritor Allen Ginsberg), Hettie Jones (que ilustra a capa), Denise Levertov, Joyce Johnson e Diane Di Prima. Para conhecer mais a obra das escritoras dessa época, recomendo a leitura do livro Meninas que Vestiam Preto, à venda aqui.

Em pleno século 21, ainda é muito necessário e louvável quando aparecem iniciativas destinadas a dar visibilidade para as mulheres na literatura. Destaco aqui uma proposta da Editora Calamares, de Minas Gerais, que está selecionando textos para uma Coletânea de Escritoras. Nossa intenção é que essa publicação seja impressa, anual e tenha seu primeiro número lançado em 2018. Para o processo de seleção dos textos que vão compor esse primeiro número, estamos com uma chamada aberta até o dia 15 de março de 2018.” Outras informações sobre a seleção estão aqui.

E, depois de escrever esse texto, coloquei com uma das minhas metas para 2018 ler mais livros escritos por mulheres.

Voos Literários

Clarice Lispector: repórter por mais de um dia

Flávia Cunha
29 de agosto de 2017

Eu já falei por aqui de escritores brasileiros que precisam trabalhar na imprensa para pagar as contas. Participando desse grupo movido pela urgência financeira, está a figura ilustre de Clarice Lispector. Em diversos momentos de sua vida, teve que recorrer a empregos em jornais e revistas, mesmo sendo uma autora de livros prestigiados pela crítica.

Um registro expressivo da escritora como repórter pode ser conferido em Clarice Lispector: Entrevistas. A obra é uma compilação de textos publicados na revista Manchete, nos anos de 1968 e 1969, e também na revista Fatos e Fotos: Gente, em 1976, um pouco antes de falecer.  Entre os entrevistados, grande nomes como Nelson Rodrigues, Emerson Fittipaldi e Ferreira Gullar.

Minha entrevista favorita é com Vinicius de Moraes. Selecionei alguns trechos desse bate-papo entre essas duas personalidades importantes da literatura brasileira, com personalidades distintas porém igualmente marcantes.

A conversa começa já bem descontraída:

– Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música,  porque  você é o nosso menestrel.

Em determinado momento, Clarice decide saber sobre a porção músico do poetinha:

– Fale-me sobre sua música.

– Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.

Depois, a conversa flui para a porção escritor de Vinicius:

– Você sabe que admiro muitos seus poemas, e, mas do que gostar, eu os  amo. O que á a poesia para você?

– Não sei, eu nunca  escrevo poemas abstratos , talvez   seja o modo de tornar a realidade mágica  aos meus próprios olhos.  De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão  mais profunda e consequente mais bela.

Clarice como repórter deixa transparecer seus sentimentos e relata inclusive os instantes de silêncio entre os dois:

Fizemos uma pausa. Ele continuou:

– Tenho tanta ternura pela sua mão queimada…..

( Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.)

O comentário de Vinicius refere-se à sequela de um incêndio que a escritora escapou, em 1966. O fogo começou devido a um cigarro esquecido por ela, que destruiu todo o seu quarto e atingiu sua mão direita, que por pouco não foi amputada.

Para fechar esse texto, mais uma reflexão do poeta da paixão.

Vinicius disse, tomando um gole de uísque:

– […] Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.

A entrevista completa está nesse site.

Para saber mais:

https://claricelispectorims.com.br/

http://www.viniciusdemoraes.com.br/

 

Voos Literários

Mulheres Que Escrevem Sobre Mulheres

Flávia Cunha
18 de abril de 2017

Quantos livros escritos por mulheres você já leu ao longo da vida? Na escola. Para o vestibular. Na faculdade. Na vida. O tema de um curso me despertou essa inquietante questão. Logo eu, feminista. Logo eu, que me preocupo com as questões de gênero. Mas a verdade é que o próprio sistema de ensino favorece o acesso a obras criadas por homens. Tomando como exemplo a lista de leituras obrigatórias do processo seletivo da UFRGS para 2018 traz apenas duas escritoras: Carolina Maria de Jesus, com Quarto de Despejo (uma novidade nessa seleção) e Clarice Lispector, com A Hora da Estrela, que já integrava a lista.

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Por isso me interessei muito pelo tema proposto no curso Mulheres que escrevem sobre mulheres, que aborda escritoras e pesquisadoras que estudam ou escrevem sobre outras autoras

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A ministrante é a jornalista e escritora Priscila Pasko. Ela também é idealizadora, editora e repórter do blog Veredas , espaço que discute e divulga a literatura produzida por mulheres, que pertence ao site Nonada. Priscila também integra o Grupo de Pesquisa Permanente em Literatura de Autoria feminina de Porto Alegre. Também escreve no Tumblr Parece a vida mas é real.

Priscila afirma não cansar de citar a premiada escritora espanhola Antonina Rodrigo: “si no hablamos nosotras de nosotras, quién lo va a hacer?”. Antonina é considerada um ícone da literatura feminista. Escreveu diversos ensaios sobre mulheres, além de estudos históricos e biográficos.

O curso vai abordar genealogia, linhagem e ancestralidade presentes na literatura de autoria feminina, a partir de conceitos criados pela professora e pesquisadora Lélia Almeida, uma das estudiosas abordadas durante a atividade. Também serão analisadas as obras de Virginia Woolf,  Zahidè Muzart, Anna Faedrich, Camila Doval, Nubia Hanciau e Lúcia Maia, entre outras.

Eu fiquei super curiosa para saber quais outras autoras serão debatidas ao longo das três horas de atividade, que vai ser promovida no dia 13 de maio, em Porto Alegre. O curso sera realizado no Clube de Leitores, um novo espaço cultural de Porto Alegre. Para quem se interessou, a inscrição pode ser feita aqui.