Voos Literários

Clarice Lispector: repórter por mais de um dia

Flávia Cunha
29 de agosto de 2017

Eu já falei por aqui de escritores brasileiros que precisam trabalhar na imprensa para pagar as contas. Participando desse grupo movido pela urgência financeira, está a figura ilustre de Clarice Lispector. Em diversos momentos de sua vida, teve que recorrer a empregos em jornais e revistas, mesmo sendo uma autora de livros prestigiados pela crítica.

Um registro expressivo da escritora como repórter pode ser conferido em Clarice Lispector: Entrevistas. A obra é uma compilação de textos publicados na revista Manchete, nos anos de 1968 e 1969, e também na revista Fatos e Fotos: Gente, em 1976, um pouco antes de falecer.  Entre os entrevistados, grande nomes como Nelson Rodrigues, Emerson Fittipaldi e Ferreira Gullar.

Minha entrevista favorita é com Vinicius de Moraes. Selecionei alguns trechos desse bate-papo entre essas duas personalidades importantes da literatura brasileira, com personalidades distintas porém igualmente marcantes.

A conversa começa já bem descontraída:

– Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música,  porque  você é o nosso menestrel.

Em determinado momento, Clarice decide saber sobre a porção músico do poetinha:

– Fale-me sobre sua música.

– Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.

Depois, a conversa flui para a porção escritor de Vinicius:

– Você sabe que admiro muitos seus poemas, e, mas do que gostar, eu os  amo. O que á a poesia para você?

– Não sei, eu nunca  escrevo poemas abstratos , talvez   seja o modo de tornar a realidade mágica  aos meus próprios olhos.  De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão  mais profunda e consequente mais bela.

Clarice como repórter deixa transparecer seus sentimentos e relata inclusive os instantes de silêncio entre os dois:

Fizemos uma pausa. Ele continuou:

– Tenho tanta ternura pela sua mão queimada…..

( Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.)

O comentário de Vinicius refere-se à sequela de um incêndio que a escritora escapou, em 1966. O fogo começou devido a um cigarro esquecido por ela, que destruiu todo o seu quarto e atingiu sua mão direita, que por pouco não foi amputada.

Para fechar esse texto, mais uma reflexão do poeta da paixão.

Vinicius disse, tomando um gole de uísque:

– […] Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.

A entrevista completa está nesse site.

Para saber mais:

https://claricelispectorims.com.br/

http://www.viniciusdemoraes.com.br/