Vós Ativa

O fim de uma era?

Colaborador Vós
1 de novembro de 2019

Por Gustavo Chagas

Cercado por dois gigantes de 210 e 45 milhões de habitantes, o Uruguai está acostumado com a coadjuvância. Não foi diferente no domingo, 27 de outubro. Enquanto os argentinos iam às urnas para eleger o peronista Alberto Fernández contra Mauricio Macri, atraindo as atenções do continente, os orientales também realizavam eleições presidenciais. A discrição do Uruguai e de sua população de 3,5 milhões de pessoas contrasta com a agitação vivida pela América do Sul neste ano de 2019. Até o Chile entrou em erupção, depois de Paraguai, Equador e Bolívia – sem contar os instáveis Brasil e Venezuela, além da economicamente dramática Argentina.

Os uruguaios vivem um momento de relativa tranquilidade econômica, social e política. O PIB cresce há 16 anos, contrariando o comportamento de seus vizinhos. Em 2004, por exemplo, o principal problema que as pessoas apontavam no país era o desemprego. Enquanto quase a metade da população tinha essa preocupação naquela época, hoje apenas 14% elege a falta de trabalho como um problema no Uruguai.

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O recorte temporal de uma década e meia não é por acaso

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Foi em 2005 que a Frente Ampla, coalizão de partidos de esquerda, assumiu o poder em um país marcado pela dualidade entre blancos e colorados. O partido de Tabaré Vázquez e José “Pepe” Mujica quebrou uma sequência de mais de 150 anos de alternância entre dois perfis de direita, uma conservadora e rural e outra liberal e urbana, cujas práticas mais as aproximam do que as separam. A experiência bem sucedida da esquerda no poder começou mais cedo, com o próprio Vázquez assumindo a prefeitura da capital, Montevidéu, em 1990 (desde então, a FA nunca deixou o comando da cidade). Se construiu uma era de respeito às instituições, de avanços no campo dos direitos humanos e de desenvolvimento num continente onde direita e esquerda deixam a desejar em alguns (ou todos) os quesitos.

Coube justamente ao último intendente de Montevidéu defender o bom legado frenteamplista. O engenheiro Daniel Martínez foi escolhido para representar a bandeira de esquerda em eleições sem precedentes na história uruguaia.

A renovação de quadros foi interessante. O senador Lacalle Pou (filho do ex-presidente Lacalle) teve que enfrentar o magnata Juan Sartori nas primárias do Partido Nacional (blanco). Nascido no Uruguai, mas radicado na Europa, Sartori voltou ao país se dizendo o outsider capaz de revolucionar a política local, mesmo com os suspeitos auxílios da família russa de sua esposa, cujo pai é dono do clube de futebol Monaco, e do estrategista miamense-venezuelano JJ Rendón, especialista em fake news. No Partido Colorado, o Chicago boy Ernesto Talvi desbancou o octogenário ex-presidente Julio María Sanguinetti nas prévias. A grande surpresa, no entanto, foi a candidatura do ex-comandante do Exército Guido Manini Ríos. Preso por reclamar da previdência dos militares e depois demitido por criticar o Judiciário pela condenação de criminosos da ditadura militar, o general entrou na política como um crítico da esquerda (não confundi-lo com Bolsonaro, Manini Rios está mais para Mourão).

Postulantes em campo e eleitores nas urnas, a eleição de domingo não foi uma surpresa. As pesquisas acertaram a liderança de Martínez, que fechou com 39% dos votos. Lacalle Pou, com seus 28%, vai ao segundo turno. O candidato de direita já recebeu o apoio dos derrotados Talvi e Manini Ríos, que marcaram 12% e 11% respectivamente.

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Um simples (e simplório) exercício matemático nos permite supor que, com a soma dos votos opositores à Frente Ampla, Lacalle Pou será o novo presidente do Uruguai. Alguns fatores podem ser determinantes nos debates decisivos até o segundo turno
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A segurança (ou falta de) foi o ponto de maior fragilidade no último ciclo da FA no governo. Os números de homicídios aumentaram em 35% no ano passado e política flexível sobre a maconha ainda divide o país. No entanto, a reforma constitucional proposta pela oposição que criava uma força policial militar no país e que previa até a prisão perpétua para alguns crimes foi rejeitada pela população.

A ver também o papel de lideranças importantes, como Mujica, que voltou à política e foi eleito senador, e Vázquez, que enfrenta um câncer de pulmão. Outro ponto interessante é o fator Bolsonaro. O presidente brasileiro declarou preferência a Lacalle Pou. Será mais uma bola fora do Mick Jagger? O próprio Lacalle rejeitou o apoio, dizendo não ser correto que um líder estrangeiro influencie a eleição de outro país. Além de ter noção dos limites institucionais, o candidato tem noção do que pode sofrer com o toque do Midas al revés. Manini Ríos, o militar, também criticou Bolsonaro pela intromissão.

Com o governo da Frente Ampla em xeque, estamos diante do fim de uma era de esquerda no Uruguai? No dia 24 de novembro, finalmente, os discretos vizinhos do Prata serão protagonistas na América do Sul.

Foto: Divulgação

Vós Ativa

ARTE-ENFRENTAMENTO

Colaborador Vós
22 de abril de 2018

Por Ticiano Paludo

O mundo sempre mudou rápido. Hoje, essa rapidez parece hiper-acelerada. Nosso dia continua tendo 24 horas, a semana 7 dias. Graças à hiper-conectividade disponível em nossos bolsos, um mundo tão grande, tão vibrante, escapa ao nosso olhar, e isso é inevitável. A economia da atenção cobra o seu preço. Sentimo-nos tontos diante de tantas opções. A distração é perversa. Uma ansiedade crescente assola a todos diante de uma miríade de estímulos que gritam por nosso envolvimento profundo. Essa atenção cada vez mais volátil acelera nosso coração e nos angustia. Se estou aqui, não estou lá, e nem acolá. E a grama do vizinho, mesmo que nem sempre seja tão mais verde do que o nosso olhar dá conta, nos deixa com a impressão de que o momento passou, de que perdemos a oportunidade de ver mais, sempre mais.

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E uma pergunta brota: estamos mesmo vendo as coisas ou só zapeando através de nossos traiçoeiros sentidos, superficialmente, nesse mar tão (des)interessante?

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Nos últimos dias, deparei com esses questionamentos num dos campos pelo qual sou apaixonado e vivo intensamente: a arte, mais especificamente, a arte musical. O nosso mundo interno parece tão disposto e saudável em rapidamente deglutir o entretenimento, e tão preguiçoso e resistente à arte. Duchamp já colocou em xeque o significado da arte. Tentar laçá-la de um só golpe parece uma tarefa ingrata. E de fato é. Mas depois de décadas trabalhando com ela, lecionando sobre ela, me atrevo a dizer: a principal diferença entre a arte e o entretenimento é que na arte existe um combate, um enfrentamento. No entretenimento, não. É claro que o entretenimento pode levantar questionamentos, mas em um mundo cada vez mais hedonista e avesso aos questionamentos despolarizados, o entretenimento parece ofuscar e esmagar a arte, que luta heroicamente para se sobressair pelas beiradas. Afinal, em uma época em que os ansiolíticos nos dizem que é proibido sofrer, como pode um enfrentamento triunfar?

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Quando a obra de arte é confundida com o lixo, e nele vai parar, me parece muito uma questão de que o combate foi aniquilado por ignorância e por falta de preparo para a batalha.

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A dita alta cultura deveria ser explanada como um território fértil a ser explorado, mas que exige preparo para seu entendimento e exploração, e não como um instrumento ideológico que coloca, de um lado, os iniciados, e de outro, a massa (in)capaz de compreende-la. Mesmo para quem está acostumado a entrar no diálogo reflexivo proposto pelos artistas, quanto mais provocativa e menos óbvia for a obra, mais irá exigir dos espectadores, mais tende à fuga.

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Entre fugir do combate e enfrentar a arte

Ouvi, recentemente, o novo álbum de um dos maiores artistas de nosso tempo: Jack White. “Boarding House Reach” é, sem dúvida, a obra mais densa de White, até então. Seus álbuns anteriores, e seu trabalho com o White Stripes, sempre demonstraram um vigor e uma primazia assertivos, mas nessa nova incursão, ele parece ter se superado. Me dediquei a fazer uma primeira audição imersiva, de cabo a rabo. Ao final, pensei: mas que diabos é isso? As músicas são de difícil compreensão. Estará ele promovendo uma overdose estética que simplesmente quer chocar pelo excesso e pela imprecisão?

Então, me coloquei a pensar e vi que eu estava fugindo do combate, do enfrentamento, saindo pelo fácil caminho da negação, da rejeição, do desprezo. Muni-me de um esforço intelectual e ouvi, em sequência, novamente, todas as faixas, uma a uma, procurando imergir naquele espectro que me escapava à audição. O resultado? Como já inferi, consegui furar uma barreira recorrente e invisível do preconceito (e é isso que é um preconceito, um conceito, muitas vezes mal lido, a priori) e me deixei levar pela obra. Corri para o combate.

Enfrentei a obra e o artista, mesmo diante de sua incompreensível magnitude. E me deliciei. E vi o que não havia visto, e senti o que não me permitira sentir. E por fim, compreendi a provocação e me curvei diante dela. Adianto que a audição não é fácil, é tensa, de uma densidade voraz em diversos momentos. Não é um álbum de canções, e um discurso estético de enfrentamento, uma busca de novas narrativas. E, ao final, vi que a luta valeu a pena. E quem vence esse tipo de conflito? Ambos vencemos, eu por poder me permitir a ir além e mergulhar, despido de pudores, naquela salada sonora complexa e alucinante; e ele, por ter me mostrado que a arte mais profunda é dolorosa, é arte-enfrentamento.

Ticiano Paludo é músico, compositor e produtor musical. Doutor em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS, coordena a Especialização em Produção Musical: comunicação e entretenimento na mesma universidade. E gosta de um enfrentamento. Mail: ticiano.paludo@gmail.com

Vós Ativa

Vós se torna plataforma de jornalismo experimental – saiba o que mudou

Geórgia Santos
31 de março de 2018

Há um ano, o site existe como um portal de jornalismo colaborativo cujo foco é a reflexão sobre os temas mais sensíveis à sociedade. Agora queremos transcender a conversa: o Vós passa a ser uma plataforma de jornalismo experimental.

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Novo visual, novos formatos

Fotos: Kátia Bressane

A página está com um novo visual para atender à demanda do nosso leitor, que espera um design clean em que o conteúdo tenha o verdadeiro destaque. Com os novos espaços, o Vós passa a apresentar formatos e abordagens diferentes. Além das colunas de opinião e informação, serão produzidas reportagens especiais; séries documentais; e podcasts de edição limitada.

O Vós retoma o estilo proposto pelo New Journalism, mesclando a narrativa jornalística com a literária. Dessa forma, apresentamos um produto de qualidade e que preenche uma lacuna deixada pela falta de tempo e recorte editorial dos veículos tradicionais.

Cursos e seminários

Outra novidade do Vós são os cursos, seminários e palestras. O catálogo apresenta dois cursos desenhados especificamente para jornalistas e um seminário destinado a estudantes. Já as palestras na área da comunicação e política são moldadas conforme demanda e público.

OS TRÊS LADOS DO JORNALISMO POLÍTICO tem as eleições de 2018 na mira e cobre as áreas de análise (Ciência Política); reportagem; e assessoria. Início em 2018.

JORNALISMO E SOCIEDADE é inspirado em um curso da Universidade da Califórnia – Berkeley. Mescla as Ciências Sociais com jornalismo investigativo para provocar a mudança social. Início em 2019.

FAKE NEWS – COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS NA INTERNET é um seminário oferecido a estudantes de Ensino Médio e universitários.
Gustavo Mittelman (Catraca Filmes), Raquel Grabauska (Cuidado Que Mancha), Binho Ferronatto
(Catraca Filmes), Geórgia Santos (Vós) e Emerson Zapata (Vós). Foto: Kátia Bressane

Equipe

A plataforma foi desenvolvida pela jornalista e cientista política Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata. Hoje, o Vós conta com a parceria da atriz, diretora e produtora Raquel Grabauska, do Grupo Cuidado Que Mancha; dos publicitários Gustavo Mittelmann e Binho Ferronato, da Catraca Filmes; da jornalista, produtora cultural e Mestre em Literatura Flávia Cunha; do crítico de cinema Pedro Henrique Gomes; do cientista político Sacha Nixon; do jornalista e escritor Igor Natusch; e dos jornalistas Airan Albino, Alvaro Andrade, Evelin Argenta, Fernanda Ferrão, Marcelo Nepomuceno, Renata Colombo, Samir Oliveira e Tércio Saccol.

Festa de lançamento

As mudanças foram anunciadas durante coquetel na sede do IAB-RS, em Porto Alegre. Os convidados foram recepcionados pela jornalista Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata, proprietários do Vós. Além da oportunidade de conhecer o projeto em primeira mão, também puderam apreciar a exposição fotográfica Tokyos – Retratos do Cotidiano, de Gustavo Mittelmann, montada especialmente para o evento.

Exposição Tokyos – Retratos do Cotidiano, de Gustavo Mittelmann (Foto: Kátia Bressane)

Entre os presentes estavam Giba Assis Brasil e Ana Luiza Azevedo, da Casa de Cinema de Porto Alegre; os jornalistas Cléber Grabauska e Luciano Périco, da Rádio Gaúcha e RBS TV, e Taline Oppitz, do Correio do Povo e Rádio Guaíba; Iraguassu Farias e Márcia Christofoli, da Coletiva.net.

Confira as fotos do evento

Fotos: Kátia Bressane

Vós Ativa

A tradição de violência no estado mais politizado do Brasil

Colaborador Vós
29 de março de 2018
Porto Alegre - RS , 20/09/2010; Desfile Civico-Militar Farroupilha de 20 de setembro, na avenida Edivaldo Pereira Paiva(Beira-Rio), em Porto Alegre. Foto: Paula Fiori / Palacio Piratini

Por Eduardo Amaral, jornalista

Cresceu nas últimas semanas o orgulho gaúcho pela truculência. Tudo porque um grupo de velhos coronéis resolveu demonstrar todo o respeito que tem pela democracia durante visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao estado. Confrontaram apoiadores com armas na cintura, apedrejaram ônibus e pessoas e “deram de relho” em quem se opusesse. A Caravana Lula pelo Sul seguiu e foi alvo de tiros no Paraná. O fato surpreendeu, mas não é tão distante da nossa realidade.

Detesto dizer a vocês, leitores, mas atirar contra adversários políticos é uma constante dos municípios gaúchos

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Tradição de violência

A primeira vez em que deparei com a truculência política foi em Trindade do Sul, município localizado no norte do RS. Ainda adolescente, resolvi fazer uma visita a uma amiga que acabara de se mudar para aquela bucólica e, aparentemente, pacata cidade. Era período eleitoral. Qual não foi minha surpresa ao saber que dois grupos distintos se reuniram no centro da cidade e o confronto acabou com um orgulhoso defensor de seu candidato disparando, sem nenhum pudor, contra os adversários políticos.

Outra oportunidade para ver como funciona a política no interior foi no pleito de 2016, quando eu atuava em um jornal no Vale do Taquari. No município de Encantado, quando correu a notícia de que um grupo de homens armados chegara à cidade fazendo questão de mostrar as armas para quem quisesse ou não vê-las. Todos eles se hospedaram no hotel que pertencia ao candidato a vice de uma das chapas. O grupo foi detido e, graças à falta de discrição, foi possível evitar que algo mais grave acontecesse. O que mais me surpreendeu neste caso foi a frase do promotor eleitoral quando entrei em contato com ele para esclarecer o caso. “Eu mesmo já fui ameaçado quando ia votar.”

Minha última experiência com a violência política foi no ano passado, quando trabalhava na cidade de Paraí, na Serra Gaúcha. Uma eleição suplementar foi convocada e não demorou para eu entender como as coisas funcionam no município quando o assunto é política. Logo nos primeiros relatos, soube que o filho de um dos candidatos havia sido ameaçado, com uma arma na boca. A nova eleição não acalmou os ânimos e não demorou muito para um novo atentado com armas. Os militantes que trabalhavam para os candidatos se encontraram no centro da cidade, na praça, no meio da tarde, e demonstraram toda a tolerância política entre eles com duas armas sendo sacadas e tiros atingindo os rivais.

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O estado mais politizado do país

Em nenhum desses casos houve morte. Em todos esses casos, porém, escutei relativização. Quase a normalização das ações criminosas no chamado “estado mais politizado do país.” A verdade é que o Rio Grande do Sul nunca foi tão politizado como se diz, mas sim um lugar repleto de animosidade e ódio, nem sempre escondidos. É justamente devido a este cenário coronelista que a reação à chegada do ex-presidente não surpreende, faz apenas lamentar que o RS não consiga abandonar velhos e péssimos costumes.

Envoltos na própria arrogância, os gaúchos passaram anos negando a realidade, sem conseguir olhar para si e admitir as artimanhas de poderosos para manter sua força política

Nós poderíamos aproveitar este momento para olhar para a sociedade gaúcha e perceber como este histórico modelo político tem nos levado ao atraso e tem grande influência nos problemas do estado. Mas isso não vai acontecer. Infelizmente, por tudo que se viu até agora, não será esta a chaga utilizada para expurgar velhas práticas, muito pelo contrário.

Até aqui vimos um Poder Judiciário que se calou diante dos atos de violência cometidos contra os manifestantes pró-Lula. O Ministério Público, tão afoito para fiscalizar torcidas organizadas (mesmo em outros países), parece achar natural que um grupo armado distribua “relhaços” naqueles dos quais discordam.

Os políticos intimamente vinculados ao agronegócio fizeram questão  de justificar e aplaudir as agressões. Inclusive o deputado federal Jeronimo Goergoen (PP), que tem se empenhado para votar e aprovar o projeto que torna as ações do MST e do MTST em terroristas. Semanas atrás, o parlamentar mostrou toda a indignação com o fato de os grupos bloquearem estradas e queimarem pneus, o que ele chama de “atitudes criminosas”. Curiosamente, o deputado parece ter mudado de ideia quando questionado sobre o comportamento dos contrários a Lula, que fizeram exatamente a mesma coisa durante a passagem do ex-presidente. De acordo com Goergen, o petista apenas recebeu o troco pelo que “provocou”. Postura semelhante teve a colega de partido de Goergen, a senador Ana Amélia Lemos, que em um evento interno do partido parabenizou os homens que “colocaram para correr” os defensores do petista.

Pelo visto, os dois mandaram às favas o respeito às instituições democráticas e ao debate civilizado, tudo para não desagradar seus potenciais eleitores

A postura cínica de políticos, seja de qual espectro for, não é nenhuma novidade, afinal, o cinismo e a política andam umbilicalmente ligados. Porém, espera-se sempre o mínimo de decência de quem está no poder, um pingo de respeito aos seres humanos que militam em lados opostos e, principalmente, pelo regime pelo qual foram eleitos. Entretanto, os “progressistas” preferiram imitar a irresponsabilidade de um pré-candidato à presidência, aquele que desrespeita a democracia elogiando torturadores do regime militar.

Enquanto isso, o Rio Grande do Sul se coloca na vanguarda do atraso e segue orgulhoso de façanhas nem um pouco nobres. Mais uma vez, as façanhas de nossa terra são um modelo apodrecido e lamentável, e podemos ver os políticos deste estado apoiando um período tenebroso que está por vir.

 

Foto: Paula Fiori / Palacio Piratini

Vós Ativa

Manifesto por mais questionamentos vindos de mulheres

Colaborador Vós
8 de junho de 2017

Por Natália Pegoraro – RP, Empreendedora e sócia na empresa O Amor é Simples 

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Por que até em ambientes que estimulem a troca de conhecimento a gente se cala

Há sete anos, a ONU lançou sete Princípios de Empoderamento das Mulheres. De lá pra cá, o que mudou?—?no mundo e em nós mesmas?

2017 e nós ainda estamos lutando por um espaço em eventos públicos. Kara Alaimo, professora de Relações Públicas e colunista da Bloomberg, traz dados que beiram o absurdo sobre a dominância masculina em painéis e palestras até quando o tema em questão é sobre nós. E o artigo é de abril deste ano.

É lindo ver movimentos crescentes para que a gente consiga, simplesmente, dividir o espaço. Mas até aí, infelizmente, nenhuma novidade.

Presença feminina em público: muito além de um lugar no palco

Levei quase 30 anos e precisei atravessar o oceano para um curso me fazer entender mais a fundo um fato que me perseguiu a vida inteira: o medo de questionar em público. De fazer perguntas e ‘aparecer’. Num grande resumo: de ser julgada pelo meu interesse.

Via: Huffington Post. (mesmos desafios, menores salários e mais rótulos. Bem-vindo ao nosso universo)

Começou no colégio e meu pânico generalizado de sofrer bullying. Mas quando percebi, era assim desde sempre. Quanta pergunta, comentário, exemplo pertinente eu queria compartilhar e… Silêncio de novo. É complexo ver a série de fatores que a gente considera na hora de executar um simples gesto: é medo de ser julgada pela roupa, pelo tom de voz, pelo cabelo, unhas, entonação e até, veja bem, pelo conteúdo da fala.

Mas eu não via um padrão.

Existe pergunta errada?

Faz 3 semanas que voltei de uma experiência que transformou minha vida pessoal e profissional, o MIT Global Entrepreneurship Bootcamp, que aconteceu em Brisbane/AU.

Mais de 6.000 aplicações de todo o planeta, 120 empreendedores selecionados de mais de 40 países?—?gente incrível e inspiradora, sem contar o time de mentores, professores e painelistas (mais homens que mulheres, cadê a novidade?). Ainda quero fazer um texto só sobre isso: após dormir 15h nos seis dias mais produtivos da minha vida, tem muito insight que preciso colocar pra fora.

Dia após dia, hora após hora, minha cabeça borbulhava e eu perdi a conta de quantas perguntas deixei de fazer em público. Ah, não é relevante. Ah, deixa pra lá. Ah, tô com vergonha.

Via: Government Executive. Nossa personalidade é muito mais julgada que a dos homens; e isso não significa um elogio.

E foi só num papo após o curso, com uma brilhante empreendedora indiana, que a ficha caiu: menos de 20% das perguntas foram feitas por mulheres em um curso praticamente 50/50. Não é uma simples diferença, é um abismo. E, na minha vida, é assim desde sempre: na reunião de trabalho, no universo acadêmico, até na reunião de família.

Durante toda a minha vida eu não estava sozinha. E só agora criei consciência da tristeza dessa dimensão: até em um ambiente que deveria ser menos hostil, mais acolhedor e incentivador da colaboração, a gente se cala. Por quê?

Sua vida, que histórico tem?

Só posso falar por mim?—?até porque pesquisei e não encontrei nenhum estudo que traga algum dado mais concreto nesse sentido: no fundo, meu modus operandi sempre foi um machismo bem intrínseco lá no fundindo de mim: o medo de ser tachada de todo o estereótipo que já sentimos na pele mesmo assim.

“Quando um garoto se afirma, ele é chamado de “líder”. No entanto, quando uma menina faz o mesmo, ela corre o risco de ser considerada “mandona”.

Já começa na infância, como mostra uma das campanhas educativas mais legais sobre o assunto, a #banbossy, que quer empoderar as meninas desde cedo, despertando um sentimento legítimo de liderança.

#questionemais

Tem silêncios piores, mais dolorosos e problemáticos, eu sei. E vitórias maiores para alcançar.

Mas, justamente por isso, vamos começar a questionar mais em público? A dominar um espaço com nosso conteúdo, indo além da nossa mera presença como espectadoras?

Eu criei como desafio pessoal deste ano fazer todas as perguntas em público que eu estiver afim e julgar pertinente. Quero me testar, analisar e ver que diferente Natalia vem depois disso.

Parafraseando este grande movimento, vamos juntas? 🙂

Vós Ativa

Brasil x Paraguai: “Ô, bicha!”

Colaborador Vós
29 de março de 2017
Divulgação CBF

Por Jonatha Bittencourt, jornalista

Arena Corinthians, 28 de março de 2017. Pouco mais de 40 mil pessoas foram ao estádio para acompanhar mais um clássico do futebol sul-americano: Brasil e Paraguai, jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, na Rússia.

Dentro de campo: três a zero para a seleção canarinho com direito a classificação para a Copa. Fora dele: mais uma derrota

Perdi as contas de quantas vezes o goleiro paraguaio foi alvo de xingamentos homofóbicos. Saí de lá com o estômago embrulhado. A cada tiro de meta, um “ôôôô…” surgia como se fosse um murmúrio em meio à multidão. O grito ganhava força e, assim que o jogador adversário tocava na bola, um estrondoso “bicha” ecoava pela Arena Corinthians.

Não estou acostumado a ir a jogos de futebol e como estava a passeio em São Paulo pensei que seria uma boa oportunidade para ver pela primeira vez a seleção do meu país entrar em campo. Mas saí com o coração ferido. O relativo bom futebol dentro das quatro linhas do gramado e a estrutura interessante da Arena não serviram para muita coisa, não.

O locutor do estádio usou duas vezes o microfone para recomendar à torcida que não dirigisse ofensas aos jogadores do Paraguai. Nas duas únicas ocasiões, a vaia surgiu como resposta ensurdecedora. Ousei aplaudir, o que deixou algumas pessoas constrangidas ao meu redor.

Na garganta, um grito entalado: “SOU BICHA, MAS NÃO TE DEI O DIREITO DE ME USAR COMO VAIA. VÊ SE ME RESPEITA!”

Afinal de contas, fui equiparado a uma vaia, a um xingamento. Na visão de considerável parte da torcida, classificar o goleiro como “bicha”, um gay, era depreciação.

Todos os dias, apesar das conquistas baseadas em muita luta, lágrimas e sangue, o Brasil perde ao discriminar LGBTs. Estádios de futebol, alguns com maior evidência nesse sentido, continuam sendo um recanto intocado de discriminação. Um lugar para extravasar o ódio com o aval de milhares ao redor.

A criança que assistia calada os coros de “bicha” porque seu pai não gritava junto passou a insultar o goleiro assim que ouviu, bem ao seu lado, alguém muito familiar vaiar o locutor que clamava por respeito. E assim caminha a humanidade. E assim funciona a máquina do preconceito, da dor, da exclusão.