Por Jonatha Bittencourt, jornalista
Arena Corinthians, 28 de março de 2017. Pouco mais de 40 mil pessoas foram ao estádio para acompanhar mais um clássico do futebol sul-americano: Brasil e Paraguai, jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, na Rússia.
Dentro de campo: três a zero para a seleção canarinho com direito a classificação para a Copa. Fora dele: mais uma derrota
Perdi as contas de quantas vezes o goleiro paraguaio foi alvo de xingamentos homofóbicos. Saí de lá com o estômago embrulhado. A cada tiro de meta, um “ôôôô…” surgia como se fosse um murmúrio em meio à multidão. O grito ganhava força e, assim que o jogador adversário tocava na bola, um estrondoso “bicha” ecoava pela Arena Corinthians.
Não estou acostumado a ir a jogos de futebol e como estava a passeio em São Paulo pensei que seria uma boa oportunidade para ver pela primeira vez a seleção do meu país entrar em campo. Mas saí com o coração ferido. O relativo bom futebol dentro das quatro linhas do gramado e a estrutura interessante da Arena não serviram para muita coisa, não.
O locutor do estádio usou duas vezes o microfone para recomendar à torcida que não dirigisse ofensas aos jogadores do Paraguai. Nas duas únicas ocasiões, a vaia surgiu como resposta ensurdecedora. Ousei aplaudir, o que deixou algumas pessoas constrangidas ao meu redor.
Na garganta, um grito entalado: “SOU BICHA, MAS NÃO TE DEI O DIREITO DE ME USAR COMO VAIA. VÊ SE ME RESPEITA!”
Afinal de contas, fui equiparado a uma vaia, a um xingamento. Na visão de considerável parte da torcida, classificar o goleiro como “bicha”, um gay, era depreciação.
Todos os dias, apesar das conquistas baseadas em muita luta, lágrimas e sangue, o Brasil perde ao discriminar LGBTs. Estádios de futebol, alguns com maior evidência nesse sentido, continuam sendo um recanto intocado de discriminação. Um lugar para extravasar o ódio com o aval de milhares ao redor.
A criança que assistia calada os coros de “bicha” porque seu pai não gritava junto passou a insultar o goleiro assim que ouviu, bem ao seu lado, alguém muito familiar vaiar o locutor que clamava por respeito. E assim caminha a humanidade. E assim funciona a máquina do preconceito, da dor, da exclusão.
