Vós Ativa

Manifesto por mais questionamentos vindos de mulheres

Colaborador Vós
8 de junho de 2017

Por Natália Pegoraro – RP, Empreendedora e sócia na empresa O Amor é Simples 

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Por que até em ambientes que estimulem a troca de conhecimento a gente se cala

Há sete anos, a ONU lançou sete Princípios de Empoderamento das Mulheres. De lá pra cá, o que mudou?—?no mundo e em nós mesmas?

2017 e nós ainda estamos lutando por um espaço em eventos públicos. Kara Alaimo, professora de Relações Públicas e colunista da Bloomberg, traz dados que beiram o absurdo sobre a dominância masculina em painéis e palestras até quando o tema em questão é sobre nós. E o artigo é de abril deste ano.

É lindo ver movimentos crescentes para que a gente consiga, simplesmente, dividir o espaço. Mas até aí, infelizmente, nenhuma novidade.

Presença feminina em público: muito além de um lugar no palco

Levei quase 30 anos e precisei atravessar o oceano para um curso me fazer entender mais a fundo um fato que me perseguiu a vida inteira: o medo de questionar em público. De fazer perguntas e ‘aparecer’. Num grande resumo: de ser julgada pelo meu interesse.

Via: Huffington Post. (mesmos desafios, menores salários e mais rótulos. Bem-vindo ao nosso universo)

Começou no colégio e meu pânico generalizado de sofrer bullying. Mas quando percebi, era assim desde sempre. Quanta pergunta, comentário, exemplo pertinente eu queria compartilhar e… Silêncio de novo. É complexo ver a série de fatores que a gente considera na hora de executar um simples gesto: é medo de ser julgada pela roupa, pelo tom de voz, pelo cabelo, unhas, entonação e até, veja bem, pelo conteúdo da fala.

Mas eu não via um padrão.

Existe pergunta errada?

Faz 3 semanas que voltei de uma experiência que transformou minha vida pessoal e profissional, o MIT Global Entrepreneurship Bootcamp, que aconteceu em Brisbane/AU.

Mais de 6.000 aplicações de todo o planeta, 120 empreendedores selecionados de mais de 40 países?—?gente incrível e inspiradora, sem contar o time de mentores, professores e painelistas (mais homens que mulheres, cadê a novidade?). Ainda quero fazer um texto só sobre isso: após dormir 15h nos seis dias mais produtivos da minha vida, tem muito insight que preciso colocar pra fora.

Dia após dia, hora após hora, minha cabeça borbulhava e eu perdi a conta de quantas perguntas deixei de fazer em público. Ah, não é relevante. Ah, deixa pra lá. Ah, tô com vergonha.

Via: Government Executive. Nossa personalidade é muito mais julgada que a dos homens; e isso não significa um elogio.

E foi só num papo após o curso, com uma brilhante empreendedora indiana, que a ficha caiu: menos de 20% das perguntas foram feitas por mulheres em um curso praticamente 50/50. Não é uma simples diferença, é um abismo. E, na minha vida, é assim desde sempre: na reunião de trabalho, no universo acadêmico, até na reunião de família.

Durante toda a minha vida eu não estava sozinha. E só agora criei consciência da tristeza dessa dimensão: até em um ambiente que deveria ser menos hostil, mais acolhedor e incentivador da colaboração, a gente se cala. Por quê?

Sua vida, que histórico tem?

Só posso falar por mim?—?até porque pesquisei e não encontrei nenhum estudo que traga algum dado mais concreto nesse sentido: no fundo, meu modus operandi sempre foi um machismo bem intrínseco lá no fundindo de mim: o medo de ser tachada de todo o estereótipo que já sentimos na pele mesmo assim.

“Quando um garoto se afirma, ele é chamado de “líder”. No entanto, quando uma menina faz o mesmo, ela corre o risco de ser considerada “mandona”.

Já começa na infância, como mostra uma das campanhas educativas mais legais sobre o assunto, a #banbossy, que quer empoderar as meninas desde cedo, despertando um sentimento legítimo de liderança.

#questionemais

Tem silêncios piores, mais dolorosos e problemáticos, eu sei. E vitórias maiores para alcançar.

Mas, justamente por isso, vamos começar a questionar mais em público? A dominar um espaço com nosso conteúdo, indo além da nossa mera presença como espectadoras?

Eu criei como desafio pessoal deste ano fazer todas as perguntas em público que eu estiver afim e julgar pertinente. Quero me testar, analisar e ver que diferente Natalia vem depois disso.

Parafraseando este grande movimento, vamos juntas? 🙂

Vós Ativa

Brasil x Paraguai: “Ô, bicha!”

Colaborador Vós
29 de março de 2017
Divulgação CBF

Por Jonatha Bittencourt, jornalista

Arena Corinthians, 28 de março de 2017. Pouco mais de 40 mil pessoas foram ao estádio para acompanhar mais um clássico do futebol sul-americano: Brasil e Paraguai, jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, na Rússia.

Dentro de campo: três a zero para a seleção canarinho com direito a classificação para a Copa. Fora dele: mais uma derrota

Perdi as contas de quantas vezes o goleiro paraguaio foi alvo de xingamentos homofóbicos. Saí de lá com o estômago embrulhado. A cada tiro de meta, um “ôôôô…” surgia como se fosse um murmúrio em meio à multidão. O grito ganhava força e, assim que o jogador adversário tocava na bola, um estrondoso “bicha” ecoava pela Arena Corinthians.

Não estou acostumado a ir a jogos de futebol e como estava a passeio em São Paulo pensei que seria uma boa oportunidade para ver pela primeira vez a seleção do meu país entrar em campo. Mas saí com o coração ferido. O relativo bom futebol dentro das quatro linhas do gramado e a estrutura interessante da Arena não serviram para muita coisa, não.

O locutor do estádio usou duas vezes o microfone para recomendar à torcida que não dirigisse ofensas aos jogadores do Paraguai. Nas duas únicas ocasiões, a vaia surgiu como resposta ensurdecedora. Ousei aplaudir, o que deixou algumas pessoas constrangidas ao meu redor.

Na garganta, um grito entalado: “SOU BICHA, MAS NÃO TE DEI O DIREITO DE ME USAR COMO VAIA. VÊ SE ME RESPEITA!”

Afinal de contas, fui equiparado a uma vaia, a um xingamento. Na visão de considerável parte da torcida, classificar o goleiro como “bicha”, um gay, era depreciação.

Todos os dias, apesar das conquistas baseadas em muita luta, lágrimas e sangue, o Brasil perde ao discriminar LGBTs. Estádios de futebol, alguns com maior evidência nesse sentido, continuam sendo um recanto intocado de discriminação. Um lugar para extravasar o ódio com o aval de milhares ao redor.

A criança que assistia calada os coros de “bicha” porque seu pai não gritava junto passou a insultar o goleiro assim que ouviu, bem ao seu lado, alguém muito familiar vaiar o locutor que clamava por respeito. E assim caminha a humanidade. E assim funciona a máquina do preconceito, da dor, da exclusão.