Do seu gênero

Mulheres também sabem, sabia?

Évelin Argenta
11 de janeiro de 2019

Como as mulheres estão presentes na mídia? Foi para ter uma resposta para essa pergunta que comecei uma pesquisa em busca de trabalhos que retratem como a mulher aparece na imprensa. Trabalho com produção diária de notícias há quase 10 anos (eita!) e foi somente nos últimos dois que comecei a questionar a presença de mulheres como FONTE de informação.

A prevalência masculina nas agendas jornalísticas nem precisa de pesquisa para ser comprovada. Você, amigo jornalista, faça um teste. Pense em uma fonte para falar sobre o discurso do presidente Jair Bolsonaro nas relações internacionais do governo, por exemplo. Se o primeiro nome que veio a sua mente foi um nome feminino, parabéns! É de gente como você que a difusão de conhecimento precisa.

As mulheres são maioria em todos os níveis de ensino e nas bolsas de iniciação científica e mestrado do CNPq. Olhando os dados do próprio CNPq e do Inep percebi que as mulheres representam 57% do público nos cursos de graduação, 55% dos cursos de iniciação científica, 52% dos programas de mestrado e 50% no doutorado. A curva começa a inverter quando o caminho traçado é a docência.

Apesar de serem minoria durante todo o caminho acadêmico, os homens chegam à docência universitária e têm o reconhecimento à pesquisa em menos tempo. Eles lideram 53% dos grupos de pesquisa. Cinquenta e quatro por cento dos professores universitários são homens e 64% das bolsas de produtividade em pesquisa são destinadas aos homens.

Em 2018 eles chegaram ao topo da vida acadêmica aos 50 anos. Elas, aos 55. E a maternidade é apontada como uma das causas do “atraso”. Há uns dois anos, produzindo uma reportagem para retratar o número cada vez maior de mulheres que não queriam ter filhos no Brasil, conversei com a presidente da ONG Artemis, Raquel Marques. Se quiser ouvir a reportagem, ela está aqui 

Depois de uma longa conversa sobre os fatores que levam as mulheres e quererem menos filhos, ela me fez refletir sobre algo que, apesar de óbvio, ainda não tinha aparecido no meu raciocínio. Raquel disse que, normalmente, o ápice profissional das mulheres coincide com o limite biológico para gerar filhos. É que muitas de nós, aos 40 anos, estamos com a seguinte pergunta em mente: “ser a teta das galáxias na minha área ou desacelerar e ter um filho?”

Se a resposta for a primeira, você vai ser julgada como insensível e irresponsável. A Previdência precisa de seus úteros, meninas! Se você escolher a segunda opção, prepare-se. Quando você voltar ao trabalho, precisará concorrer com o seu colega que, na mesma idade que você, não terá que “deixar o trabalho” eventualmente para cuidar da cria. Ah, sim…mesmo que ele seja pai.

É por esse motivo que muitas mulheres são “esquecidas” em suas áreas de trabalho. A ideia de conhecimento foi social e culturalmente ligada ao gênero masculino.  É por isso que as agendas jornalísticas (onde estão as fontes para qualquer assunto) são predominantemente masculinas. Tem dúvida? Então olha só esse estudo feito pelo Global Media Monitoring Project (GMMP), em 2015. O Grupo de Monitoramento Global da Mídia (ufa!) analisou 22.136 relatos transmitidos jornalistas de 2.030 veículos de comunicação em 114 países. É o estudo mundial desse tipo mais recente. O resultado:

  • somente 24% das matérias de rádio, TV ou jornal de 2015 contaram com mulheres como fontes;
  • quando o assunto foi política ou economia, as mulheres representaram apenas 16% das fontes;
  • apenas 35% das notas informativas ou programas diários de televisão retrataram mulheres em 2015;
  • a seleção das fontes para o jornalismo em 2015 se concentrou nos homens. O estudo mostra que a escolha é inclinada à masculinidade ao selecionar personagens e fontes para opinião “especializada” e “testemunhos comuns”;
  • as mulheres mostram suas opiniões em três casos: como mães/donas de casa (13%), quando são apenas moradoras de uma localidade (22%) ou quando são descritas como estudantes (17%);
  • somente 4% das matérias produzidas em 2015 questionaram os estereótipos de gênero;
  • a proporção de mulheres noticiando fatos ficou muito abaixo da paridade nas editorias de política e economia. Somente 31% das notícias que abordam política e 39% das que falam de economia foram produzidas por mulheres;
  • nos noticiários de televisão, as mulheres predominam quando jovens e, conforme a idade aumenta, elas são substituídas por homens. Na faixa dos 65 anos, as mulheres desaparecem totalmente da ancoragem e da reportagem. Os homens continuam.

O estudo, como podem imaginar, é bem mais complexo e proporciona uma série de outros cruzamentos. Se você ficou curioso pode clicar nesse link e ver o levantamento na íntegra. O original é em inglês, mas existe uma versão em espanhol também.

Para contribuir com a discussão, deixo aqui um site que tenho usado muito como referência quando estou buscando uma fonte para falar de determinado assunto. É uma lista organizada por cientistas sociais, comunicadoras, historiadoras e filósofas para mostrar que #MulheresTambémSabem. O banco de dados é super acessível e colaborativo. Ele contém o nome  de professoras, pesquisadoras e profissionais especialistas em uma variedade de áreas das Ciências Sociais, Sociais Aplicadas e Humanidades.

Mulheres Também Sabem: https://www.mulherestambemsabem.com

 

Vós Ativa

Manifesto por mais questionamentos vindos de mulheres

Colaborador Vós
8 de junho de 2017

Por Natália Pegoraro – RP, Empreendedora e sócia na empresa O Amor é Simples 

.

Por que até em ambientes que estimulem a troca de conhecimento a gente se cala

Há sete anos, a ONU lançou sete Princípios de Empoderamento das Mulheres. De lá pra cá, o que mudou?—?no mundo e em nós mesmas?

2017 e nós ainda estamos lutando por um espaço em eventos públicos. Kara Alaimo, professora de Relações Públicas e colunista da Bloomberg, traz dados que beiram o absurdo sobre a dominância masculina em painéis e palestras até quando o tema em questão é sobre nós. E o artigo é de abril deste ano.

É lindo ver movimentos crescentes para que a gente consiga, simplesmente, dividir o espaço. Mas até aí, infelizmente, nenhuma novidade.

Presença feminina em público: muito além de um lugar no palco

Levei quase 30 anos e precisei atravessar o oceano para um curso me fazer entender mais a fundo um fato que me perseguiu a vida inteira: o medo de questionar em público. De fazer perguntas e ‘aparecer’. Num grande resumo: de ser julgada pelo meu interesse.

Via: Huffington Post. (mesmos desafios, menores salários e mais rótulos. Bem-vindo ao nosso universo)

Começou no colégio e meu pânico generalizado de sofrer bullying. Mas quando percebi, era assim desde sempre. Quanta pergunta, comentário, exemplo pertinente eu queria compartilhar e… Silêncio de novo. É complexo ver a série de fatores que a gente considera na hora de executar um simples gesto: é medo de ser julgada pela roupa, pelo tom de voz, pelo cabelo, unhas, entonação e até, veja bem, pelo conteúdo da fala.

Mas eu não via um padrão.

Existe pergunta errada?

Faz 3 semanas que voltei de uma experiência que transformou minha vida pessoal e profissional, o MIT Global Entrepreneurship Bootcamp, que aconteceu em Brisbane/AU.

Mais de 6.000 aplicações de todo o planeta, 120 empreendedores selecionados de mais de 40 países?—?gente incrível e inspiradora, sem contar o time de mentores, professores e painelistas (mais homens que mulheres, cadê a novidade?). Ainda quero fazer um texto só sobre isso: após dormir 15h nos seis dias mais produtivos da minha vida, tem muito insight que preciso colocar pra fora.

Dia após dia, hora após hora, minha cabeça borbulhava e eu perdi a conta de quantas perguntas deixei de fazer em público. Ah, não é relevante. Ah, deixa pra lá. Ah, tô com vergonha.

Via: Government Executive. Nossa personalidade é muito mais julgada que a dos homens; e isso não significa um elogio.

E foi só num papo após o curso, com uma brilhante empreendedora indiana, que a ficha caiu: menos de 20% das perguntas foram feitas por mulheres em um curso praticamente 50/50. Não é uma simples diferença, é um abismo. E, na minha vida, é assim desde sempre: na reunião de trabalho, no universo acadêmico, até na reunião de família.

Durante toda a minha vida eu não estava sozinha. E só agora criei consciência da tristeza dessa dimensão: até em um ambiente que deveria ser menos hostil, mais acolhedor e incentivador da colaboração, a gente se cala. Por quê?

Sua vida, que histórico tem?

Só posso falar por mim?—?até porque pesquisei e não encontrei nenhum estudo que traga algum dado mais concreto nesse sentido: no fundo, meu modus operandi sempre foi um machismo bem intrínseco lá no fundindo de mim: o medo de ser tachada de todo o estereótipo que já sentimos na pele mesmo assim.

“Quando um garoto se afirma, ele é chamado de “líder”. No entanto, quando uma menina faz o mesmo, ela corre o risco de ser considerada “mandona”.

Já começa na infância, como mostra uma das campanhas educativas mais legais sobre o assunto, a #banbossy, que quer empoderar as meninas desde cedo, despertando um sentimento legítimo de liderança.

#questionemais

Tem silêncios piores, mais dolorosos e problemáticos, eu sei. E vitórias maiores para alcançar.

Mas, justamente por isso, vamos começar a questionar mais em público? A dominar um espaço com nosso conteúdo, indo além da nossa mera presença como espectadoras?

Eu criei como desafio pessoal deste ano fazer todas as perguntas em público que eu estiver afim e julgar pertinente. Quero me testar, analisar e ver que diferente Natalia vem depois disso.

Parafraseando este grande movimento, vamos juntas? 🙂