No último final de semana, o Vós participou do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, em Porto Alegre. O evento é uma iniciativa pioneira no Brasil no fomento de discussões atuais sobre um novo momento do jornalismo, em que veículos concebidos em ambiente digital tem mais relevância, além do surgimento de toda uma geração de jornalistas empreendedores. O festival é uma parceria das plataformas Agência Lupa, Agência Pública, BRIO, JOTA, Nexo, Nova Escola, Ponte Jornalismo e Repórter Brasil com o Google News Initiative.
O debate foi centrado nas eleições e foi dividido em três painéis, cada um com três palestrantes: “Os santinhos: o que investigar, como investigar?”, “Corpo a corpo: como novos eixos e perspectivas de cobertura podem renovar a agenda eleitoral?” e “Temos um vencedor: e agora, jornalismo?”. Eu participei da segunda mesa, ao lado da professora Rosane Borges (USP) e da jornalista Flavia Marreiro (El País).
Esse é um tema especialmente caro pra mim porque foi a partir dessa frustração que o Vós nasceu. A partir da frustração de sentir que não havia espaço na mídia tradicional para tratar de forma profunda sobre temas como aborto, encarceramento em massa, violência policial, racismo e outros temas sensíveis e urgentes da nossa sociedade.
Esse é um debate bastante complexo, que, a meu ver, enfrenta um obstáculo social, institucional e o agendamento da grande mídia. Isso porque a desigualdade faz com que os brasileiros tenham demandas que parecem mais urgentes, como a fome e o desemprego. Assim, assuntos como aborto e encarceramento em massa se tornam secundários no imaginários das pessoas, moldado por instituições e pela grande mídia.
É confortável pensar que o jornalismo sempre reflete a realidade, mas a verdade é que são decisões editoriais baseadas em uma série de fatores. Ou seja, é um recorte. E isso faz com que as pessoas enxerguem esse recorte como a realidade, como em um ciclo vicioso. O resultado é que temas desconfortáveis acabam sendo negligenciados. Não são tratados com a importância que merecem. No caso do aborto, como tema de saúde pública, por exemplo.
Penso que a maneira de enfrentar esses obstáculos é se posicionar. Sair de trás do véu da imparcialidade, porque não existe confronto sem posicionamento. Nós fazemos escolhas mesmo que a gente não perceba, melhor que as façamos às claras. Violações aos Direitos Humanos não podem ser tratadas como polêmica, mas como crime. Youtuber que relaciona Mbappé à arrastão não é polêmico, é racista. É preciso dar nome aos bois. Além disso, é preciso mudar o enfoque, é preciso trazer os problemas para a realidade das pessoas a mostrar a urgência desses temas. Forçar empatia.
Entre os convidados desta edição estavam Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, Flávia Marreiro, subeditora do El País, Jineth Prieto, editora do site colombiano La Silla Vacía, Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, Alexandre de Santi, cofundador da Agência Fronteira e Francisco Leali, coordenador na sucursal de Brasília do jornal O Globo.
Ficou curioso? Dá uma olhada em como foram as discussões do Festival 3i.
Programação completa:
Mesa 1 – Os santinhos: o que investigar? Como investigar?
– Leandro Demori (editor-executivo do The Intercept Brasil)
– Taís Seibt (co-fundadora do Filtro Fact-Checking)
– Francisco Leali (coordenador na Sucursal de Brasília de O Globo)
Mediação: Breno Costa (BRIO)
Mesa 2 – Corpo a corpo: como o jornalismo pode renovar a agenda eleitoral
– Rosane Borges (USP)
– Flavia Marreiro (El País)
– Geórgia Santos (Vós)
Mediação: Antônio Junião (Ponte Jornalismo)
Mesa 3 – Temos um vencedor: e agora, jornalismo?
– Alexandre de Santi (editor no The Intercept Brasil e co-fundador da Fronteira)
– Sylvio Costa (diretor do Congresso em Foco)
– Jineth Prieto (editora do La Silla Vacía – Colômbia)
Mediação: Moreno Osório (Farol Jornalismo)
Vós se torna plataforma de jornalismo experimental – saiba o que mudou
Geórgia Santos
31 de março de 2018
Há um ano, o site existe como um portal de jornalismo colaborativo cujo foco é a reflexão sobre os temas mais sensíveis à sociedade. Agora queremos transcender a conversa: o Vós passa a ser uma plataforma de jornalismo experimental.
A página está com um novo visual para atender à demanda do nosso leitor, que espera um design clean em que o conteúdo tenha o verdadeiro destaque. Com os novos espaços, o Vós passa a apresentar formatos e abordagens diferentes. Além das colunas de opinião e informação, serão produzidas reportagens especiais; séries documentais; e podcasts de edição limitada.
O Vós retoma o estilo proposto pelo New Journalism, mesclando a narrativa jornalística com a literária. Dessa forma, apresentamos um produto de qualidade e que preenche uma lacuna deixada pela falta de tempo e recorte editorial dos veículos tradicionais.
Cursos e seminários
Outra novidade do Vós são os cursos, seminários e palestras. O catálogo apresenta dois cursos desenhados especificamente para jornalistas e um seminário destinado a estudantes. Já as palestras na área da comunicação e política são moldadas conforme demanda e público.
OS TRÊS LADOS DO JORNALISMO POLÍTICO tem as eleições de 2018 na mira e cobre as áreas de análise (Ciência Política); reportagem; e assessoria. Início em 2018.
JORNALISMO E SOCIEDADE é inspirado em um curso da Universidade da Califórnia – Berkeley. Mescla as Ciências Sociais com jornalismo investigativo para provocar a mudança social. Início em 2019.
A plataforma foi desenvolvida pela jornalista e cientista política Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata. Hoje, o Vós conta com a parceria da atriz, diretora e produtora Raquel Grabauska, do Grupo Cuidado Que Mancha; dos publicitários Gustavo Mittelmann e Binho Ferronato, da Catraca Filmes; da jornalista, produtora cultural e Mestre em Literatura Flávia Cunha; do crítico de cinema Pedro Henrique Gomes; do cientista político Sacha Nixon; do jornalista e escritor Igor Natusch; e dos jornalistas Airan Albino, Alvaro Andrade, Evelin Argenta, Fernanda Ferrão, Marcelo Nepomuceno, Renata Colombo, Samir Oliveira e Tércio Saccol.
Festa de lançamento
As mudanças foram anunciadas durante coquetel na sede do IAB-RS, em Porto Alegre. Os convidados foram recepcionados pela jornalista Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata, proprietários do Vós. Além da oportunidade de conhecer o projeto em primeira mão, também puderam apreciar a exposição fotográfica Tokyos – Retratos do Cotidiano, de Gustavo Mittelmann, montada especialmente para o evento.
Entre os presentes estavam Giba Assis Brasil e Ana Luiza Azevedo, da Casa de Cinema de Porto Alegre; os jornalistas Cléber Grabauska e Luciano Périco, da Rádio Gaúcha e RBS TV, e Taline Oppitz, do Correio do Povo e Rádio Guaíba; Iraguassu Farias e Márcia Christofoli, da Coletiva.net.
O que vocês pensam sobre o futuro do jornalismo e da comunicação? Já pararam para pensar que a forma como produzimos conteúdo está em profunda transformação e ainda vai mudar muito, mas muito mais, nos próximos anos? Eu já, e decidi compartilhar esse incômodo.
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Fui buscar um curso para abrir a caixola
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Pois bem, quase saí correndo, confesso, já na primeira aula. Meu professor e alguns colegas trataram com a maior naturalidade do mundo a ideia de viver em uma realidade virtual, ter uma casa em que os aparelhos se comunicam e tomam decisões, andar em carros voadores, comer comida impressa e transplantar uma cabeça inteira. Mas não saí correndo. Sou muito curiosa pra isso. Em vez disso, passei a pensar mais nesta tal de disrupção, que parece mais difícil de enxergar na comunicação do que na tecnologia, já que estamos falando de um produto subjetivo.
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Disruptar é ousar, dar um salto em vez de seguir a linha reta da evolução natural das coisas. Mas como inovar ainda mais na forma de se comunicar?
Uma coisa é certa: ouvintes, leitores, internautas e telespectadores, querem muito mais de nós
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Eles não querem simplesmente ser informados. Isso eles têm em segundos, num simples acesso ao Facebook, Twitter ou site de notícias. Precisamos dar aos nosso público o diferencial, o além da informação, algo que pode estar na opinião, na personalização, na análise.
E aí me pergunto: até quando vai durar esta forma de fazer jornalismo, respondendo aquelas seis perguntinhas básicas do lead e pronto? Até quando teremos que nos isentar da análise ou da opinião ou do comentário porque foi assim que aprendemos e é assim que as redações fazem?
Quem está do lado de fora da nossa bolha pode não querer exatamente o que estamos oferecendo. Até que ponto estamos ouvindo nosso consumidor de informação? Espero que vocês compartilhem do mesmo incômodo.
Eu tenho um iPhone. Ainda não deu tempo de riscar a carcaça ou rachar a tela. Mas já deu tempo dele ficar defasado. Com rumores de protótipo do modelo iPhone 8 pulando na timeline, ele está prestes a ficar 3 modelos pra trás. Logo não vai ter mais assistência ou atualizações disponíveis. Obsolescência programada; assustador como o prazo de vida útil de um dispositivo ou bem de consumo é cada vez mais curto. Mas, muito mais assustador é ver que esse conceito se alastrou dos produtos para a sociedade, agravado pela crise dos setores convencionais da economia e a supervalorização das startups – tecnológicas, modernas e… jovens.
Com isso, surge uma nova fase de vida: passamos pela adolescência, temos um intervalo de alguns anos de vida adulta produtiva e logo chegamos à obsolescência; um hiato imposto a ser encarado antes da velhice. Ao passo em que a expectativa de vida aumentou, temos um governo que demanda nossa contribuição até uma idade igualmente mais avançada, porém, do outro lado, temos uma expectativa de utilidade no mercado de trabalho com um limite etário cada vez menor.
Obviamente, por conta da relação de forças entre governo, mercado e você, já sabemos quem vai sair frustrado com essa nova realidade. É uma falácia essa crença de que útil é sinônimo de novo. Na verdade é na coexistência de gerações dentro de um espaço que habita a disrupção.
O vinil e o streaming, a aquarela e o vetorial, 35mm e 4k. Existe um papel fundamental de referência e consistência que não deve ficar de fora dos processos; inclusive, e principalmente, do processo de inovação. É preciso uma carga de conhecimento do que se fez e de como se fez ao longo dos anos, e o que se errou no caminho, para saber fazer um diferente melhor. Existe uma geração que eu considero privilegiada, e da qual faço parte – mesmo que ainda antes dos 40 anos – que viveu boa parte dos processos de inovação das últimas décadas, e que consegue ter a compreensão da importância de todas as etapas e, principalmente, de sua complementaridade.
Existe toda uma construção de raciocínio diferente na criação de um texto datilografado, ou na edição linear de uma ilha VHS. Isso não é saudosismo; e, sim, facilita a vida digitar e apagar e rediagramar, ou trocar o plano do meio quantas vezes quiser. Mas é importante ter o conhecimento e a experiência de ter passado por esses diferentes tipos de raciocínio de construção para saber o que é evolução e o que é involução.
Bastam alguns ciclos temporais dentro de empresas com essa filosofia de juventude produtiva para que esse conhecimento acumulado rume à extinção, trazendo à tona erros recorrentes e outrora ultrapassados. Ou seja, umas poucas gerações pensando em quais as dificuldades de determinado nicho no momento apenas, e as dificuldades históricas desse mesmo nicho vão ressurgir. O resultado vai ser a proliferação da mudança pela mudança, e a inovação vai se tornar um cachorro correndo atrás do próprio rabo.