Catraqueanas

A vida imita a vida

Gustavo Mittelmann
26 de março de 2018

Tal qual o jornalismo, mas em proporções um pouco diferentes, a produção de vídeo nos coloca em contato com realidades e culturas distintas. A gente aprende quase sempre. E, algumas vezes, olhando de fora, percebe coisas que chocam pela incapacidade das pessoas juntarem A e B. Por que estou falando isso? Bom, a introdução é um pouco genérica, mas é importante para falar de uma situação muito específica. Há uns meses, produzimos um trabalho na área de saúde de abrangência nacional, o que nos levou a algumas viagens. Nessa ocasião, vivi os dois extremos.

Em Santarém (PA), me encantei e pude perceber a beleza e simplicidade de um povo que vive, depende e valoriza o rio

Por outro lado, estive em Goiânia. Por essas questões de horários de voo, acabei com um dia livre na cidade logo ao chegar. Na recepção do hotel, ao perguntar de programações para se fazer na cidade, me surpreendi com a existência de um complexo arquitetônico e cultural ímpar: o Centro Cultural Oscar Niemeyer. É pra lá que vou, claro! Papo de Uber, pra saber mais a respeito, o motorista não tinha certeza de qual era a entrada do complexo e tudo o que sabia é que o pessoal se juntava no estacionamento para andar de skate.

O que ele não sabia, e nem a recepcionista do hotel, e que só descobrimos ao chegar lá é que o complexo estava fechado e permaneceria assim por meses

Frustrado, pego outro Uber para voltar. Vamos em busca de outra programação, mas tudo o que consigo dele e de outros funcionários do hotel é saber que há dois shoppings na cidade com “boas” atrações (além do ar-condicionado no calor absurdo): um deles oferece pista de kart para correr, e o outro, batalha com armas laser. O orgulho das pessoas e o nível de informação a respeito, em comparação ao caso do Centro Cultural, me impressiona. Volto pro hotel, almoço e vou dormir.

No dia seguinte, partimos, eu e o Baiano – Diretor de Fotografia do trabalho – para gravar na UTI do SUS no hospital da cidade. Lá, internado em coma, um jovem de 19 anos vítima de um tiro na cabeça. Estava andando de moto quando foi fechado por um carro. Encostou ao lado no semáforo e bateu na lataria para chamar a atenção.

Arrancou ao abrir o sinal e foi baleado por trás, pelo motorista do carro

Eu dormi na minha tarde livre, por falta de programas culturais para fazer na cidade. As crianças, jovens e adolescentes de lá, por outro lado, passaram a tarde apostando corridas motorizadas e atirando uns nos outros por diversão. A vida imita a vida, mas as pessoas parecem não acordar para essa obviedade.

Foto: Santarém, Pará /  Gustavo Mittelmann

Catraqueanas

Ser relevante pra quem?

Gustavo Mittelmann
12 de junho de 2017

Estou passando por uma daquelas datas balizadoras de angústias e projeções. A produtora está completando dez anos e reacendendo a sensação do incômodo em mim. Pra quem acha isso ruim, pra quem não gosta de perder o sono, lamento dizer, mas esses marcos são fundamentais, por sua capacidade de gerar autocrítica. Essa inquietude é que faz a roda girar.

Dessa década andando como nossas próprias pernas – e dando inúmeros tropeços – colocamos a nossa cara para um sem número de produções. Mas fomos relevantes? Para saber essa resposta, é preciso definir uma forma de medir relevância. Bom, se estamos falando em medir, significa que são números que vão me dizer o quão relevante fomos e somos.

Seria o alcance orgânico dos nossos vídeos o fator determinante? Views, compartilhamentos ou outros dados analíticos de redes sociais? Não creio. Isso pode me dizer que conseguimos atiçar a curiosidade das pessoas ou alcançar um nível estético e narrativo que desperta interesse.

Quem sabe a relevância esteja no tamanho dos clientes que conseguimos trabalhar, e na substancialidade dos orçamentos para os projetos desenvolvidos? Isso é essencial, ou não teríamos chegado aos dez anos. Mas é engrenagem, não relevância.

Talvez seja preciso esmiuçar um pouco mais o questionamento; mais do que ser relevante, me inquieta a dúvida de ter sido relevante PRA QUEM?

Mais algumas viradas na cama e tenho a certeza que a resposta não é “para os seguidores”, “para os clientes” ou “para o gerente do banco”. Não diretamente, ao menos. Possivelmente por reflexo ou consequência. Esse tipo de relevância, para terceiros, é efêmero e serve perigosamente de alimento para um monstro chamado ego.

Em tempos de Analytics, os dados realmente determinantes são o número de vezes em que deitei com frio na barriga repassando cada detalhe da produção do dia seguinte; o número de insights de melhores planos no meio do sono, ou cada vez que levantei determinado a fazer o meu melhor naquele projeto.

É isso, somos relevantes; pra mim. E é isso que importa no final das contas. É ter um propósito, e se reinventar dentro dele a cada dia, para que a inquietude perdure por mais uma década.

Imagem: br.freepik.com/fotos-gratis/retrovisor-da-mulher-triste-ao-lado-da-janela_974075.htm

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A Obsolescência Programada das Pessoas

Gustavo Mittelmann
15 de maio de 2017

Eu tenho um iPhone. Ainda não deu tempo de riscar a carcaça ou rachar a tela. Mas já deu tempo dele ficar defasado. Com rumores de protótipo do modelo iPhone 8 pulando na timeline, ele está prestes a ficar 3 modelos pra trás. Logo não vai ter mais assistência ou atualizações disponíveis. Obsolescência programada; assustador como o prazo de vida útil de um dispositivo ou bem de consumo é cada vez mais curto. Mas, muito mais assustador é ver que esse conceito se alastrou dos produtos para a sociedade, agravado pela crise dos setores convencionais da economia e a supervalorização das startups – tecnológicas, modernas e… jovens.

Com isso, surge uma nova fase de vida: passamos pela adolescência, temos um intervalo de alguns anos de vida adulta produtiva e logo chegamos à obsolescência; um hiato imposto a ser encarado antes da velhice. Ao passo em que a expectativa de vida aumentou, temos um governo que demanda nossa contribuição até uma idade igualmente mais avançada, porém, do outro lado, temos uma expectativa de utilidade no mercado de trabalho com um limite etário cada vez menor.

Obviamente, por conta da relação de forças entre governo, mercado e você, já sabemos quem vai sair frustrado com essa nova realidade. É uma falácia essa crença de que útil é sinônimo de novo. Na verdade é na coexistência de gerações dentro de um espaço que habita a disrupção.

O vinil e o streaming, a aquarela e o vetorial, 35mm e 4k. Existe um papel fundamental de referência e consistência que não deve ficar de fora dos processos; inclusive, e principalmente, do processo de inovação. É preciso uma carga de conhecimento do que se fez e de como se fez ao longo dos anos, e o que se errou no caminho, para saber fazer um diferente melhor. Existe uma geração que eu considero privilegiada, e da qual faço parte –  mesmo que ainda antes dos 40 anos – que viveu boa parte dos processos de inovação das últimas décadas, e que consegue ter a compreensão da importância de todas as etapas e, principalmente, de sua complementaridade.

Existe toda uma construção de raciocínio diferente na criação de um texto datilografado, ou na edição linear de uma ilha VHS. Isso não é saudosismo; e, sim, facilita a vida digitar e apagar e rediagramar, ou trocar o plano do meio quantas vezes quiser. Mas é importante ter o conhecimento e a experiência de ter passado por esses diferentes tipos de raciocínio de construção para saber o que é evolução e o que é involução.

Bastam alguns ciclos temporais dentro de empresas com essa filosofia de juventude produtiva para que esse conhecimento acumulado rume à extinção, trazendo à tona erros recorrentes e outrora ultrapassados. Ou seja, umas poucas gerações pensando em quais as dificuldades de determinado nicho no momento apenas, e as dificuldades históricas desse mesmo nicho vão ressurgir. O resultado vai ser a proliferação da mudança pela mudança, e a inovação vai se tornar um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Catraqueanas

Origem, Identidade e os dois lados do muro

Gustavo Mittelmann
4 de abril de 2017

Esse espaço deveria falar de inovação, tecnologias, audiovisual e internet. E eu tinha um texto pronto para postar ontem relacionando os grandes telões verticais ao lado do palco no Lollapalooza e a coluna que escrevi no dia 13 de fevereiro falando dessa tendência. Mas ontem o metrô explodiu na Rússia, e achei que já estava na hora de falar sobre um assunto que vem martelando na minha cabeça há algum tempo. Hoje, o ataque químico na Síria me fez ter certeza de que preciso falar de algo mais relevante; que não interessa se as telas estão de pé, se os corpos estão deitados no chão.

“Me identifiquei com ele na difícil posição de ter orgulho das origens e, ao mesmo tempo não me identificar com a comunidade na qual deveria estar inserido”

Há alguns meses, participei de um encontro de 20 anos da formatura da minha turma do Colégio Israelita Brasileiro de Porto Alegre. Saí de lá tomado por frustrações e questionamentos. Lembrei do meu avô, que, há quase um século, saiu de uma de nossas sinagogas dizendo que jamais colocaria os pés lá de novo, porque aquilo se tratava de negócios e não de religião. Me identifiquei com ele na difícil posição de ter orgulho das origens e, ao mesmo tempo não me identificar com a comunidade na qual deveria estar inserido. E não só por observar essa aspiração quase maçônica de funcionamento.

Cegueira unilateral

Antes que você se pergunte qual a relação da minha crise de identidade com os atentados, eu explico: está no ódio, na intolerância, na falta de senso de justiça e na cegueira unilateral. É absolutamente inadmissível que a segunda geração depois dos guetos e do holocausto se posicione de forma confortável do lado fora do muro. É revoltante ver um médico judeu pedir uma estátua ao invés de condenação para outro médico, soldado do exército israelense, que atirou contra a cabeça de um palestino ferido e rendido.

“O dever de todo judeu dessa e de todas as próximas gerações é questionar; é destruir os muros e romper as barreiras”

É desencorajador ver estes, que são descendentes como eu, louvarem o muro de Gaza, o muro de Trump ou qualquer outra forma concreta ou abstrata de segregação. Ao contrário do que ouvi das mesmas pessoas da minha turma, não é dever moral de todo judeu defender o Estado de Israel. O dever de todo judeu dessa e de todas as próximas gerações é questionar; é destruir os muros e romper as barreiras. É enxergar a questão territorial como tal, e não como uma disputa religiosa, porque não é.

Não nos regozijemos, vaidosos, com os milhões de russos, milhares de etíopes e judeus de outras nacionalidades acolhidos por Israel. Um povo tantas vezes expatriado tem que ter a humanidade de olhar para os outros e não apenas para si; perceber que também está negando pátria a seres humanos.

Não sejamos arrogantes de achar que o fato de ter os Estados Unidos como padrinho e financiador desde o surgimento, faz com que Israel seja sempre e indubitavelmente o lado certo. Este é o lado que interessa a eles até o momento. Como assim já foram Saddam Hussein e até mesmo o Estado Islâmico. Questionemos. Sempre.

“A bagagem que carregamos deve nos fazer aprender e crescer, e não ser desculpa para replicar qualquer malefício que tenhamos sofrido”

Eu tenho muito orgulho de onde venho mas, para mim, e certamente pro meu avô, judaísmo não é um pacote ideológico, político ou territorial. De fato, não considero nem mesmo o aspecto religioso do judaísmo o principal. O que deveria nos unir são os mais de cinco mil anos de uma cultura de superação, aceitação, integração e diálogo. A bagagem que carregamos deve nos fazer aprender e crescer, e não ser desculpa para replicar qualquer malefício que tenhamos sofrido. A história está feita, mas o futuro é nossa responsabilidade. Por isso, repito: eu tenho muito orgulho de onde venho; mas não gosto do caminho que estão seguindo. Afinal, não existe lado certo em um muro.

Catraqueanas

Não faça o que você gosta; faça o que você gosta dar certo

Gustavo Mittelmann
20 de março de 2017
Man in small conference room with whiteboard notes

Essa coluna é pra tentar ser atual falando de dez anos atrás. Uma provocação que surgiu a partir da visita que recebemos de uma turma de jornalismo da Unisinos. Perdi a conta do número de vezes que fomos convidados a falar da produtora, mostrando nossos trabalhos e processos de produção. Coisas que respondia sem piscar; que câmera, quanto de luz, formato de arquivo e assim por diante.

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Dessa vez não. Em uma tarde, refletimos, fomos questionados e nos questionamos coisas que, se tivessem sido abordadas há uma década, certamente teriam nos levado por rumos diferentes

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Pela primeira vez, falamos como empreendedores e não produtores audiovisuais. Mas é lógico que uma coisa está atrelada à outra. Sim, falando agora, é o que parece, mas há 10 anos queríamos apenas fazer o que gostávamos: vídeos. “Joguei tudo para o alto e fui fazer o que gostava”. Certo? Não.

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Ah, então é errado fazer o que se gosta? Preciso ser eternamente infeliz em um emprego que me pague as contas? Amigo, nem uma coisa nem outra

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Primeiro, porque hoje em dia só vai existir algum grau de estabilidade em determinados cargos públicos. De resto, pode escrever: uma hora você vai pra rua. Então esqueça a infelicidade eterna. Em segundo lugar, não é errado fazer o que se gosta; errado é encarar isso de forma aventureira, sem planejamento ou visão de negócios. Fizemos isso há 10 anos atrás? Fizemos. E te digo, se a produtora resistiu por dez anos e cresceu até chegarmos onde estamos hoje é porque, ao longo da caminhada fomos assumindo posturas e atitudes que, parando para pensar agora, são chamadas de Empreendedorismo.

Nós gostamos de fazer vídeos, mas precisamos fazer planilhas, devemos traçar planos estratégicos e não podemos nos dar ao luxo de não controlar de perto a relação com clientes e fornecedores.

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Mas, com tanta coisa chata, não deixa de ser fazer o que se gosta? Não, não deixa. Porque, se além de todas essas obrigações administrativas, ao invés de fazer vídeo, eu tivesse optado por abrir uma pizzaria, com certeza eu não teria aguentado passar por tudo que passamos pra chegar até aqui

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Entenda de uma vez por todas: as startups bilionárias não são chamadas de unicórnios porque ter uma é como viver um conto de fadas, mas sim porque são mitos. Há quem diga que viu, mas não deve levar mais uma mão cheia de anos para vermos que eram apenas cavalos paraguaios travestidos. Não acredite em mágica. Empreender não é um manifesto no Youtube. Trabalho e consistência devem ter a mesma dimensão ou mais que a paixão. Modelo Google? Outra lição aprendida na marra: ter uma mesa de sinuca na empresa em meio a uma crise mundial, como foi a de 2009, realmente não ajuda a encontrar saídas.

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O empreendedorismo está visceralmente ligado à Indústria Criativa. Mas o “criativo” diz respeito aos processos e produtos. Ao passo em que a inovação precisa estar presente, a consistência de planejamento e administração são ainda mais indispensáveis

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Então esqueça o unicórnio. Olhe para a sua empresa como um patinho feio. Esteja preparado para a realidade mais dura. Conte com a sorte, mas não dependa só dela. Seja competente, mas tenha planejamento. Descobri tarde, mas a tempo, que era um empreendedor. Agora, as coisas andam cada vez mais no rumo certo. Mas fica aquela dúvida: há 10 anos atrás, se tivéssemos enxergado isso de largada, seríamos um embrião pré-histórico de uma startup, quando fazíamos conteúdo online antes da grande maioria de Produtoras? Ou não teríamos encarado a aventura? Laura Andrade, da Olha Lá, tem um conselho interessante a respeito: só empreenda se você não consegue fazer outra coisa. A Laura é empreendedora.

Catraqueanas

Amor e desilusão na Distribuição de conteúdo por assinatura

Gustavo Mittelmann
27 de fevereiro de 2017

No último texto, falei sobre o comodismo dos usuários mobile e como isso estava resultando em um formato vertical para os anúncios em vídeo nas redes sociais. Bom, preciso fazer a ressalva de que somos preguiçosos, mas exigentes. E essa segunda característica, algumas vezes, pesa mais. O exemplo mais claro dessa dominância, senti na minha própria pele através dos serviços de assinatura.

É possível fazer uma ressalva dentro da ressalva? Bom, o texto é meu, então… liberdade poética: na verdade nunca fui preguiçoso em se tratando de garimpar filmes, álbuns e literatura para baixar de forma obscura (por pura falta de oferta oficial). Mas, assim como cada um de vocês, também fui seduzido pela facilidade nascida com os distribuidores de conteúdo por assinatura. Abracei o comodismo nas diversas embalagens em que me foi oferecido.
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“Considero uma troca justa: o aplicativo poupa meu esforço de busca na grande rede, e, por por facilitar minha vida, recebe mensalmente uns reais do meu bolso”

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Com essa fórmula, o Netflix se transformou no queridinho da galera. Existe ônus? Existe, claro. Não encontro lá tudo que gostaria de ver; há uma curadoria do conteúdo disponível, seja por entraves com um ou outro estúdio, seja por qualquer outro motivo. Não vem ao caso. O que importa, de fato, é que as restrições são compensadas com opções de qualidade e investimento sério até mesmo em produções próprias. Eu fecho o mês achando que fiz um ótimo negócio.
Essa mesma sensação de compensação ganha decibéis de realidade cada vez que a estrada é longa e o churrasco pede trilha sonora. É como ter desenvolvido um superpoder musical, de escutar praticamente tudo que eu quiser na hora que quiser. O Spotify só tem um desafeto aqui em casa, e não é o Apple Music, que não faz nada além de gerar meia dúzia de playlists temáticas. A mágoa fica por conta do iPad e seus 160gb de músicas engavetadas para o esquecimento.
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A Amazon me traiu

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Mas já me senti enganado, traído e desconsolado por quem eu menos imaginava. Amazon, sua falsa! Anos passei invejando os americanos com seus kindles e ar pseudo-intelectual nos parques e metrôs. Sim, essa coluna toda é para tratar, de forma quase terapêutica, da minha desilusão e das feridas abertas pelo Kindle Unlimited. Me atirei de cabeça logo que o serviço passou a ser oferecido no Brasil. Esperando, ávido, por novos títulos para matar a minha demanda reprimida.
Com o passar dos meses, no entanto, essa espera foi se transformando em abatimento até que não me restou outra chance senão abandonar precocemente um relacionamento que nascera repleto de sonhos de um futuro juntos. Não me restara dúvidas de que eu tinha caído por uma bonitinha mas ordinária assinatura. Uma bonita embalagem, de boa família, mas recheada de folhetins sabrinescos, autoajudas de quinta categoria e meia dúzia de clássicos escolares. Cerca de 50 mil títulos em português para fazer volume apenas. Tudo que era bom, que era lançamento ou que era interessante de fato, eu tinha que comprar fora do plano Unlimited.
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“Abandonei a comodidade da relação por me sentir feito de idiota”

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Tive uma recaída na rede. Passei a buscar tudo que não encontrava no meu relacionamento Kindle: bons livros de grandes autores e editoras respeitáveis, e revistas dos mais variados temas e procedências. Abandonei a comodidade da relação por me sentir feito de idiota. Amazon, o problema não sou eu, é você.
Escuta o que vou te dizer pra não acabar os dias sozinha: mais importante que o tamanho do acervo é o entretenimento que proporciona. Investe um tempinho, paga uns bons drinks e usa esse mesmo papinho que tu usou comigo pra convencer as editoras que é mais vantajoso pra todos ganhar no volume de vendas, encorpar o sistema de assinatura mensal com conteúdo gratuito e se tornar uma referência de fato e por merecimento, do que ganhar um pouco mais por vendas avulsas e esparsas em um país sem o hábito de leitura. Quem sabe, daí, rola um revival entre nós.
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Minha Verdade Sobre Vídeos Caiu; E Caiu De Pé

Gustavo Mittelmann
13 de fevereiro de 2017

Chega um dia na vida em que nossas verdades caem por terra. Há pouco, passei por uma situação dessas. Não, eu não estava errado; eu fiquei errado. Novos momentos trazem novas verdades, subvertem a ordem e convertem o outrora errado, ou disruptivo, em regra.

Por isso, cá estou, um arrogantão que já postou gifs debochando de quem gravava vídeos com o celular de pé, tendo que admitir que, além de ser válido, o formato vertical se tornou o melhor pro anunciante, ao menos quando estamos falando de redes sociais. Por quê? Eu explico.

Mais da metade das pessoas tem acessado as redes prioritariamente através dos seus aplicativos para smartphones. Estamos falando de dispositivos verticais por essência, com usuários cada vez mais exigentes com relação à experiência. Faz sentido demandar dele um esforço físico para ter a experiência certa de um vídeo que, na maioria das vezes, ele não pediu para assistir? As pessoas são espectadoras preguiçosas. Essa é uma verdade que não mudou desde a época de ouro da TV aberta. Por isso, os veículos retardaram tanto a entrada da tecnologia de controle remoto no Brasil; o público assistia, passivo, aos comerciais para não ter o esforço de ir até o televisor trocar de canal. E mais: ao gerar uma ação você também gera uma distração, interrompendo a experiência imersiva dos usuários.

“No Snap, os anúncios em vídeos verticais já estão sendo 9 vezes mais efetivos que os horizontais. Já no Facebook, os primeiros resultados já apontam para uma eficiência 3 vezes maior”

Claro que minha verdade não caiu sozinha. Teve muita gente grande que se deu conta disso antes e ajudou a derrubá-la. Facebook, Instagram (e Stories), Snapchat e Twitter eliminaram as barras laterais pretas dos vídeos verticais e expandiram sua visualização com aproveitamento de tela. Com algumas peculiaridades, claro, como a proporção 3:2 do Facebook.

Os resultados já começaram a aparecer: no Snap, os anúncios em vídeos verticais já estão sendo 9 vezes mais efetivos que os horizontais. Já no Facebook, os primeiros resultados já apontam para uma eficiência 3 vezes maior. É o que podemos chamar de um negócio win-win-adapt. Os dois primeiros a vencer com esses números são os anunciantes. Logicamente, com os anunciantes empolgados com tamanha efetividade e anunciando mais, Mark e companhia estão rindo à toa também.

Por fim – no último elo dessa corrente – estou eu, estão as outras produtoras e estão as agências, nos virando de cabeça pra cima e, mais uma vez, tendo de nos adaptar, reciclar, e evoluir linguagem e técnicas. Tudo isso para você ver mais anúncios e se incomodar menos, sem nem perceber.

*Dados: socialmediatoday.com

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(Ainda) há relação entre (falta de) qualidade e verdade?

Gustavo Mittelmann
12 de setembro de 2016

Hoje em dia, internet praticamente significa vídeo, e vice-versa. Passa dos 86% o total de internautas brasileiros que assistem a vídeos online. A mudança não é apenas de mídia, plataforma. Linguagem e estética também passaram por uma forte adaptação. Como figuras de destaque nessa nova onda millenial da comunicação, estão os Youtubers. Uma câmera no celular, um quarto de cenário e uma ideia de fama na cabeça. E não é que deu certo? Milhares, ou milhões, de fãs e seguidores depois, o que começou não como opção, mas como solução para viabilizar a produção com limitações de verba, equipamentos e conhecimento técnico, acabou se tornando uma prisão. O público associou essa estética caseira à sensação de verdade, vida real – e se identificou.

De fato, era isso mesmo; a gurizada mostrava como jogava aquele game, como se maquiava, o que comprava e o que gostava. Fisgou a toda uma geração. E às marcas também. Estas, passaram a querer inserir seus produtos nos vídeos daqueles. Eles, ficaram tentados a ter uma renda bem maior à proporcionada apenas pelas visualizações do Youtube.

Os games, as maquiagens, as compras e as viagens começam a se transformar em presentes. E mais, acompanhados de substanciosos cachês. Daria pra comprar uma câmera melhorzinha, um microfone, quem sabe até um quarto novo, em um apartamento novo. Mas se a coisa ficar bonita e produzida, para onde vão os seguidores (e, junto, as marcas e o dinheiro que elas colocam que poderia bancar tudo isso)?

A partir desse ponto, vemos o que era solução, se transformar em opção. Mais do que isso, passa a ser quase uma interpretação. O pensamento dominante é fingir que continua caseiro e humilde, para o público fingir que continua achando que é verdadeiro. Faz de conta que era esse jogo mesmo que eu ia comprar; que é a opção mais legal. Que esse é o BB Cream que cobre melhor as manchas, que é o perfume que eu procuro sempre pra comprar parcelado na Renner e que eu sempre quis conhecer a NASA, mais do que a Disney. Vai mais longe: faz de conta que fui eu mesmo quem escreveu esse livro que todo adolescente vai comprar e quase nenhum vai ler de fato.

E assim, vemos surgir uma geração de garotos-propaganda travestidos de influenciadores. E um mercado fracamente disfarçado de verdade, mas que, por conveniência, os interlocutores fingem não ver. O quarto virou mercado negro.