No último texto, falei sobre o comodismo dos usuários mobile e como isso estava resultando em um formato vertical para os anúncios em vídeo nas redes sociais. Bom, preciso fazer a ressalva de que somos preguiçosos, mas exigentes. E essa segunda característica, algumas vezes, pesa mais. O exemplo mais claro dessa dominância, senti na minha própria pele através dos serviços de assinatura.
É possível fazer uma ressalva dentro da ressalva? Bom, o texto é meu, então… liberdade poética: na verdade nunca fui preguiçoso em se tratando de garimpar filmes, álbuns e literatura para baixar de forma obscura (por pura falta de oferta oficial). Mas, assim como cada um de vocês, também fui seduzido pela facilidade nascida com os distribuidores de conteúdo por assinatura. Abracei o comodismo nas diversas embalagens em que me foi oferecido.
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“Considero uma troca justa: o aplicativo poupa meu esforço de busca na grande rede, e, por por facilitar minha vida, recebe mensalmente uns reais do meu bolso”
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Com essa fórmula, o Netflix se transformou no queridinho da galera. Existe ônus? Existe, claro. Não encontro lá tudo que gostaria de ver; há uma curadoria do conteúdo disponível, seja por entraves com um ou outro estúdio, seja por qualquer outro motivo. Não vem ao caso. O que importa, de fato, é que as restrições são compensadas com opções de qualidade e investimento sério até mesmo em produções próprias. Eu fecho o mês achando que fiz um ótimo negócio.
Essa mesma sensação de compensação ganha decibéis de realidade cada vez que a estrada é longa e o churrasco pede trilha sonora. É como ter desenvolvido um superpoder musical, de escutar praticamente tudo que eu quiser na hora que quiser. O Spotify só tem um desafeto aqui em casa, e não é o Apple Music, que não faz nada além de gerar meia dúzia de playlists temáticas. A mágoa fica por conta do iPad e seus 160gb de músicas engavetadas para o esquecimento.
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A Amazon me traiu
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Mas já me senti enganado, traído e desconsolado por quem eu menos imaginava. Amazon, sua falsa! Anos passei invejando os americanos com seus kindles e ar pseudo-intelectual nos parques e metrôs. Sim, essa coluna toda é para tratar, de forma quase terapêutica, da minha desilusão e das feridas abertas pelo Kindle Unlimited. Me atirei de cabeça logo que o serviço passou a ser oferecido no Brasil. Esperando, ávido, por novos títulos para matar a minha demanda reprimida.
Com o passar dos meses, no entanto, essa espera foi se transformando em abatimento até que não me restou outra chance senão abandonar precocemente um relacionamento que nascera repleto de sonhos de um futuro juntos. Não me restara dúvidas de que eu tinha caído por uma bonitinha mas ordinária assinatura. Uma bonita embalagem, de boa família, mas recheada de folhetins sabrinescos, autoajudas de quinta categoria e meia dúzia de clássicos escolares. Cerca de 50 mil títulos em português para fazer volume apenas. Tudo que era bom, que era lançamento ou que era interessante de fato, eu tinha que comprar fora do plano Unlimited.
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“Abandonei a comodidade da relação por me sentir feito de idiota”
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Tive uma recaída na rede. Passei a buscar tudo que não encontrava no meu relacionamento Kindle: bons livros de grandes autores e editoras respeitáveis, e revistas dos mais variados temas e procedências. Abandonei a comodidade da relação por me sentir feito de idiota. Amazon, o problema não sou eu, é você.
Escuta o que vou te dizer pra não acabar os dias sozinha: mais importante que o tamanho do acervo é o entretenimento que proporciona. Investe um tempinho, paga uns bons drinks e usa esse mesmo papinho que tu usou comigo pra convencer as editoras que é mais vantajoso pra todos ganhar no volume de vendas, encorpar o sistema de assinatura mensal com conteúdo gratuito e se tornar uma referência de fato e por merecimento, do que ganhar um pouco mais por vendas avulsas e esparsas em um país sem o hábito de leitura. Quem sabe, daí, rola um revival entre nós.
