Catraqueanas

A Obsolescência Programada das Pessoas

Gustavo Mittelmann
15 de maio de 2017

Eu tenho um iPhone. Ainda não deu tempo de riscar a carcaça ou rachar a tela. Mas já deu tempo dele ficar defasado. Com rumores de protótipo do modelo iPhone 8 pulando na timeline, ele está prestes a ficar 3 modelos pra trás. Logo não vai ter mais assistência ou atualizações disponíveis. Obsolescência programada; assustador como o prazo de vida útil de um dispositivo ou bem de consumo é cada vez mais curto. Mas, muito mais assustador é ver que esse conceito se alastrou dos produtos para a sociedade, agravado pela crise dos setores convencionais da economia e a supervalorização das startups – tecnológicas, modernas e… jovens.

Com isso, surge uma nova fase de vida: passamos pela adolescência, temos um intervalo de alguns anos de vida adulta produtiva e logo chegamos à obsolescência; um hiato imposto a ser encarado antes da velhice. Ao passo em que a expectativa de vida aumentou, temos um governo que demanda nossa contribuição até uma idade igualmente mais avançada, porém, do outro lado, temos uma expectativa de utilidade no mercado de trabalho com um limite etário cada vez menor.

Obviamente, por conta da relação de forças entre governo, mercado e você, já sabemos quem vai sair frustrado com essa nova realidade. É uma falácia essa crença de que útil é sinônimo de novo. Na verdade é na coexistência de gerações dentro de um espaço que habita a disrupção.

O vinil e o streaming, a aquarela e o vetorial, 35mm e 4k. Existe um papel fundamental de referência e consistência que não deve ficar de fora dos processos; inclusive, e principalmente, do processo de inovação. É preciso uma carga de conhecimento do que se fez e de como se fez ao longo dos anos, e o que se errou no caminho, para saber fazer um diferente melhor. Existe uma geração que eu considero privilegiada, e da qual faço parte –  mesmo que ainda antes dos 40 anos – que viveu boa parte dos processos de inovação das últimas décadas, e que consegue ter a compreensão da importância de todas as etapas e, principalmente, de sua complementaridade.

Existe toda uma construção de raciocínio diferente na criação de um texto datilografado, ou na edição linear de uma ilha VHS. Isso não é saudosismo; e, sim, facilita a vida digitar e apagar e rediagramar, ou trocar o plano do meio quantas vezes quiser. Mas é importante ter o conhecimento e a experiência de ter passado por esses diferentes tipos de raciocínio de construção para saber o que é evolução e o que é involução.

Bastam alguns ciclos temporais dentro de empresas com essa filosofia de juventude produtiva para que esse conhecimento acumulado rume à extinção, trazendo à tona erros recorrentes e outrora ultrapassados. Ou seja, umas poucas gerações pensando em quais as dificuldades de determinado nicho no momento apenas, e as dificuldades históricas desse mesmo nicho vão ressurgir. O resultado vai ser a proliferação da mudança pela mudança, e a inovação vai se tornar um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Catraqueanas

Não faça o que você gosta; faça o que você gosta dar certo

Gustavo Mittelmann
20 de março de 2017
Man in small conference room with whiteboard notes

Essa coluna é pra tentar ser atual falando de dez anos atrás. Uma provocação que surgiu a partir da visita que recebemos de uma turma de jornalismo da Unisinos. Perdi a conta do número de vezes que fomos convidados a falar da produtora, mostrando nossos trabalhos e processos de produção. Coisas que respondia sem piscar; que câmera, quanto de luz, formato de arquivo e assim por diante.

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Dessa vez não. Em uma tarde, refletimos, fomos questionados e nos questionamos coisas que, se tivessem sido abordadas há uma década, certamente teriam nos levado por rumos diferentes

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Pela primeira vez, falamos como empreendedores e não produtores audiovisuais. Mas é lógico que uma coisa está atrelada à outra. Sim, falando agora, é o que parece, mas há 10 anos queríamos apenas fazer o que gostávamos: vídeos. “Joguei tudo para o alto e fui fazer o que gostava”. Certo? Não.

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Ah, então é errado fazer o que se gosta? Preciso ser eternamente infeliz em um emprego que me pague as contas? Amigo, nem uma coisa nem outra

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Primeiro, porque hoje em dia só vai existir algum grau de estabilidade em determinados cargos públicos. De resto, pode escrever: uma hora você vai pra rua. Então esqueça a infelicidade eterna. Em segundo lugar, não é errado fazer o que se gosta; errado é encarar isso de forma aventureira, sem planejamento ou visão de negócios. Fizemos isso há 10 anos atrás? Fizemos. E te digo, se a produtora resistiu por dez anos e cresceu até chegarmos onde estamos hoje é porque, ao longo da caminhada fomos assumindo posturas e atitudes que, parando para pensar agora, são chamadas de Empreendedorismo.

Nós gostamos de fazer vídeos, mas precisamos fazer planilhas, devemos traçar planos estratégicos e não podemos nos dar ao luxo de não controlar de perto a relação com clientes e fornecedores.

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Mas, com tanta coisa chata, não deixa de ser fazer o que se gosta? Não, não deixa. Porque, se além de todas essas obrigações administrativas, ao invés de fazer vídeo, eu tivesse optado por abrir uma pizzaria, com certeza eu não teria aguentado passar por tudo que passamos pra chegar até aqui

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Entenda de uma vez por todas: as startups bilionárias não são chamadas de unicórnios porque ter uma é como viver um conto de fadas, mas sim porque são mitos. Há quem diga que viu, mas não deve levar mais uma mão cheia de anos para vermos que eram apenas cavalos paraguaios travestidos. Não acredite em mágica. Empreender não é um manifesto no Youtube. Trabalho e consistência devem ter a mesma dimensão ou mais que a paixão. Modelo Google? Outra lição aprendida na marra: ter uma mesa de sinuca na empresa em meio a uma crise mundial, como foi a de 2009, realmente não ajuda a encontrar saídas.

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O empreendedorismo está visceralmente ligado à Indústria Criativa. Mas o “criativo” diz respeito aos processos e produtos. Ao passo em que a inovação precisa estar presente, a consistência de planejamento e administração são ainda mais indispensáveis

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Então esqueça o unicórnio. Olhe para a sua empresa como um patinho feio. Esteja preparado para a realidade mais dura. Conte com a sorte, mas não dependa só dela. Seja competente, mas tenha planejamento. Descobri tarde, mas a tempo, que era um empreendedor. Agora, as coisas andam cada vez mais no rumo certo. Mas fica aquela dúvida: há 10 anos atrás, se tivéssemos enxergado isso de largada, seríamos um embrião pré-histórico de uma startup, quando fazíamos conteúdo online antes da grande maioria de Produtoras? Ou não teríamos encarado a aventura? Laura Andrade, da Olha Lá, tem um conselho interessante a respeito: só empreenda se você não consegue fazer outra coisa. A Laura é empreendedora.