Raquel Grabauska

Morte e vida

Raquel Grabauska
7 de setembro de 2018

Meu filho maior (sete anos) começou a sentir medo da morte. Da própria morte. Ouviu algo no noticiário do rádio do carro e ficou impressionado. Foi uma das poucas vezes em que me senti tão incapacitada para orientá-lo. Só consigui abraçar e dizer que é assim, mesmo.

As mortes precoces sempre rondaram minha família. Eu cresci com esse medo. Minha mãe era refugiada de guerra. Família dissipada, um tio morto em terras distantes, outro ficou por lá enquanto a família fugiu para sobreviver. Um outro tipo de morte.

Hoje, sete de setembro, é a data de nascimento da minha mãe. Antes de ter filho, meu maior medo era o da morte dela. Perdi o meu pai aos 17 anos – ele tinha 47. Quase a minha idade agora. É assustador pensar que daqui três anos terei vivido mais que meu pai. Já tenho mais tempo de vida sem pai do que com ele. Haja terapia. E nem com terapia.

Aniversário da minha mãe sem ela. Pelo quinto ano. O pai nos dava a sensação de estrutura. Quando ele se foi, a casa se desorganizou. Tivemos que reaprender tudo.

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Quando a mãe se foi, o coração se desorganizou
E de um jeito…
Não tem mais aquela sopinha no dia de gripe. Não tem mais aquele abraço nos dias em que se está pequeno demais pro tamanho do mundo. Não tem não mais aquele olhar dizendo que tudo vai dar certo

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Então meu filho, hoje não consigo conversar contigo sobre a morte. Vou tentar te falar do amor que fica. Da panqueca que aprendi a fazer. Das risadas e brincadeiras que minha mãe me ensinou. Da força para viver em dias não tão bons. A morte vai vir. Não quero pensar nisso. (Haja terapia). Quero ser tua mãe o maior tempo que eu puder. Quero que tua vida seja boa, pra te fazer tu sorrir ao lembrar quando não estiver mais aqui.

* Sobre a ilustração, pedi ao Benjamin que desenhasse sobre o medo que tem sentido. Ele não quis. Insisti um pouco, dizendo que se ele desenhasse, poderíamos olhar pro medo juntos. Ele não quis. Disse que queria desenhar uma coisa feliz. Que assim seja.

Catraqueanas

A vida imita a vida

Gustavo Mittelmann
26 de março de 2018

Tal qual o jornalismo, mas em proporções um pouco diferentes, a produção de vídeo nos coloca em contato com realidades e culturas distintas. A gente aprende quase sempre. E, algumas vezes, olhando de fora, percebe coisas que chocam pela incapacidade das pessoas juntarem A e B. Por que estou falando isso? Bom, a introdução é um pouco genérica, mas é importante para falar de uma situação muito específica. Há uns meses, produzimos um trabalho na área de saúde de abrangência nacional, o que nos levou a algumas viagens. Nessa ocasião, vivi os dois extremos.

Em Santarém (PA), me encantei e pude perceber a beleza e simplicidade de um povo que vive, depende e valoriza o rio

Por outro lado, estive em Goiânia. Por essas questões de horários de voo, acabei com um dia livre na cidade logo ao chegar. Na recepção do hotel, ao perguntar de programações para se fazer na cidade, me surpreendi com a existência de um complexo arquitetônico e cultural ímpar: o Centro Cultural Oscar Niemeyer. É pra lá que vou, claro! Papo de Uber, pra saber mais a respeito, o motorista não tinha certeza de qual era a entrada do complexo e tudo o que sabia é que o pessoal se juntava no estacionamento para andar de skate.

O que ele não sabia, e nem a recepcionista do hotel, e que só descobrimos ao chegar lá é que o complexo estava fechado e permaneceria assim por meses

Frustrado, pego outro Uber para voltar. Vamos em busca de outra programação, mas tudo o que consigo dele e de outros funcionários do hotel é saber que há dois shoppings na cidade com “boas” atrações (além do ar-condicionado no calor absurdo): um deles oferece pista de kart para correr, e o outro, batalha com armas laser. O orgulho das pessoas e o nível de informação a respeito, em comparação ao caso do Centro Cultural, me impressiona. Volto pro hotel, almoço e vou dormir.

No dia seguinte, partimos, eu e o Baiano – Diretor de Fotografia do trabalho – para gravar na UTI do SUS no hospital da cidade. Lá, internado em coma, um jovem de 19 anos vítima de um tiro na cabeça. Estava andando de moto quando foi fechado por um carro. Encostou ao lado no semáforo e bateu na lataria para chamar a atenção.

Arrancou ao abrir o sinal e foi baleado por trás, pelo motorista do carro

Eu dormi na minha tarde livre, por falta de programas culturais para fazer na cidade. As crianças, jovens e adolescentes de lá, por outro lado, passaram a tarde apostando corridas motorizadas e atirando uns nos outros por diversão. A vida imita a vida, mas as pessoas parecem não acordar para essa obviedade.

Foto: Santarém, Pará /  Gustavo Mittelmann