Reporteando

Vamos compartilhar um incômodo?

Renata Colombo
31 de outubro de 2017

O que vocês pensam sobre o futuro do jornalismo e da comunicação? Já pararam para pensar que a forma como produzimos conteúdo está em profunda transformação e ainda vai mudar muito, mas muito mais, nos próximos anos? Eu já, e decidi compartilhar esse incômodo.

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Fui buscar um curso para abrir a caixola

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Pois bem, quase saí correndo, confesso, já na primeira aula. Meu professor e alguns colegas trataram com a maior naturalidade do mundo a ideia de viver em uma realidade virtual, ter uma casa em que os aparelhos se comunicam e tomam decisões, andar em carros voadores, comer comida impressa e transplantar uma cabeça inteira. Mas não saí correndo. Sou muito curiosa pra isso. Em vez disso, passei a pensar mais nesta tal de disrupção, que parece mais difícil de enxergar na comunicação do que na tecnologia, já que estamos falando de um produto subjetivo.

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Disruptar é ousar, dar um salto em vez de seguir a linha reta da evolução natural das coisas. Mas como inovar ainda mais na forma de se comunicar?

Uma coisa é certa: ouvintes, leitores, internautas e telespectadores, querem muito mais de nós

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Eles não querem simplesmente ser informados. Isso eles têm em segundos, num simples acesso ao Facebook, Twitter ou site de notícias. Precisamos dar aos nosso público o diferencial, o além da informação, algo que pode estar na opinião, na personalização, na análise.

E aí me pergunto: até quando vai durar esta forma de fazer jornalismo, respondendo aquelas seis perguntinhas básicas do lead e pronto? Até quando teremos que nos isentar da análise ou da opinião ou do comentário porque foi assim que aprendemos e é assim que as redações fazem?

Quem está do lado de fora da nossa bolha pode não querer exatamente o que estamos oferecendo. Até que ponto estamos ouvindo nosso consumidor de informação? Espero que vocês compartilhem do mesmo incômodo.

Voos Literários

Quais as razões por trás de um suicídio?

Flávia Cunha
25 de julho de 2017

“Olá, meninos e meninas. Quem fala aqui é Hannah Baker. Ao vivo e em estéreo. [..] Sem promessa de retorno. Sem bis. E, desta vez, sem atender aos pedidos da platéia. […] Espero que vocês estejam prontos, porque vou contar aqui a história da minha vida. Mais especificamente, por que ela chegou ao fim. E, se estiver escutando estas fitas, você é um dos motivos. […] Não vou dizer qual fita tem a ver com sua participação na história. Mas, não precisa ter medo. Se você recebeu essa caixinha bonitinha, seu nome vai aparecer…Eu prometo. Afinal, uma garota morta não mentiria. Espera aí! Isso está parecendo uma piada. Por que uma garota morta não mentiria? Resposta: porque ela não pode mais falar!”

Esse é um do trecho do livro 13 Reasons Why (traduzido no Brasil como Os 13 Porquês), do escritor Jay Asher. A série, baseada nessa obra, virou um grande sucesso no Netflix e recebeu elogios e críticas nas redes sociais. 

Na comparação do livro com a série, o que dá para dizer é que o personagem Clay é mais atrativo na obra literária do que a sua transposição para o seriado. No livro, não tem aquela bobagem dele demorar um tempão para ouvir as fitas gravadas por Hannah. Essa escolha do roteiro achei uma falha grave, porque desperta uma certa irritação em quem está assistindo. Porém, o seriado amplia os pontos de vista do livro, restritos a Clay e Hannah, o que considerei um ponto positivo. Esse texto traz uma análise bem detalhada dessa comparação.

Em relação ao debate suscitado a respeito do suicídio, houve defesas e críticas a 13 Reasons Why. A verdade é que o suicídio é um dos tabus da nossa sociedade. A Renata Colombo comentou nesse texto aqui do Vós como é difícil tratar do assunto no jornalismo. Recentemente, o tema voltou aos noticiários por conta da morte do vocalista do Linkin Park. Quando é uma celebridade, não tem como o jornalismo fingir que essa morte não existiu, como acontece com cidadãos comuns.

Acredito que pela questão da ética jornalística praticamente impedir essa abordagem, resta à ficção tratar desse tabu. Afinal, como fingir que as mortes por essa causa não existem, quando a Organização Mundial de Saúde já alertou que esse problema de saúde pública é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo?

Na minha opinião, o único demérito de 13 Reasons Why é não focar no claro problema de depressão da protagonista da história. O livro e o seriado acabam sendo sobre quais as motivações da personagem para tirar a própria vida e, consequentemente, sobre as pessoas que seriam responsáveis pelo seu suicídio. A depressão não é pontuada como a verdadeira causa.

Ainda assim, acho que a abordagem do tema do suicídio é válida, ainda mais para um público adolescente, que passa pela instabilidade natural dessa fase da vida e que ainda pode enfrentar os tormentos do bullying, como Hannah.

Reporteando

Precisamos (?) ser mais versáteis

Renata Colombo
6 de junho de 2017

Sou contratada como repórter. É o que mais gosto e melhor sei fazer como jornalista. Seria muito feliz sendo repórter o resto da vida. Porém, de uns tempos pra cá venho observando que o mercado nem sempre nos leva pelo caminho mais romântico ou nem sempre conseguimos conduzir nossa carreira por ele. Precisamos ser, digamos assim, mais versáteis.

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A gente amadurece e é surpreendido a cada passo. Se descobre também. Vê que tem outros talentos. E isso também pode ser legal.

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Digo isso não pra jogar a toalha, mas porque as coisas estão mudando muito e toda esta movimentação das “placas jornalísticas” desperta o vulcão da reflexão sobre a necessidade de sermos cada vez mais versáteis e, no bom linguajar popular, “pau pra toda obra”. Um exemplo: a figura do repórter especial tem sido extinta aos poucos. Não encontramos mais nas redações um cara destacado somente para grandes matérias ou coberturas especiais.

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O repórter que consegue fazer pautas mais trabalhadas é o mesmo que apurou ocorrência policial a semana toda e que fez bico na produção quando o colega foi para o departamento médico.

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Outro exemplo: as editorias estão sendo extintas. O enxugamento das redações provoca a pulverização das pautas conforme a demanda e a equipe. Hoje eu cubro economia, amanhã me pautam para meio ambiente. Provoca também dança das cadeiras, o que nem sempre agrada a gregos e troianos. Mais um exemplo: oportunidades diferentes/inéditas surgem conforme o andar da carruagem. Quando menos se espera, vem o convite para cobrir uma editoria aqui, uma ancoragem ali, uma função nova acolá.

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Aproveitar estas janelas pode ser uma forma de descobrir novos talentos e aptidões.

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Último exemplo: a boa notícia desta movimentação é que ela abre espaço, e muito, para iniciativas e projetos inovadores dentro do jornalismo. Enquanto a mídia convencional está encolhendo, uma mídia ousada, em tempo real, também confiável, às vezes até bem segmentada, está crescendo.

Volto a dizer: não sou a favor de jogar a toalha e desistir de toda a estratégia inicial de jogo, mas voto na versatilidade. Aproveitar novas oportunidades não é perda de tempo. E repórter que é repórter vai ser sempre, porque isso tá no sangue.

Reporteando

Silêncio também é furo jornalístico

Renata Colombo
18 de maio de 2017
(Brasília - DF, 18/05/2017) Pronunciamento do Presidente da República, Michel Temer, à imprensa. Foto: Alan Santos/PR

Vocês estão assistindo, meus caros, de camarote no cenário político brasileiro, a um exemplo do que chamamos de preservar o sigilo da fonte. Durante cerca de um mês, pelo menos cinco  instituições diferentes compartilharam das mesmas informações enquanto uma ação da Polícia Federal – nunca antes vista – estava em curso. NINGUÉM vazou sequer uma frase sem sentido. NADA veio a público até o momento certo.

Procuradoria-geral da República (Ministério Público Federal), Supremo Tribunal Federal, delatores da JBS, advogados da JBS, o jornalista Lauro Jardim. O que eles têm em comum? Guardaram um grande segredo durante o tempo necessário para que a operação Lava Jato chegasse ao presidente Michel Temer, ao senador Aécio Neves e a outros políticos do alto clero do governo federal.

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O segredo garantiu que a PF tivesse tempo para colocar carimbos em notas para pagamento de propina e chip rastreador nas malas, para que a corrupção transcorresse da forma mais tranquila possível para os envolvidos – sim, é isso mesmo

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Isso é muito raro, muito. Na maioria das vezes nós, repórteres, somos ansiosos, queremos garantir o furo jornalístico, não admitimos perder. Infernizamos a vida de advogados e assessores para conseguir vazar uma mísera informaçãozinha e eles fazem o mesmo conosco. Porém, segurar a ansiedade também nos permite contar histórias como esta e escrever uma nova versão do Brasil. Porque este livro está um pouco empoeirado, precisando de uma limpeza.

Foto: Alan Santos/PR
Reporteando

Checagem não é um palavrão

Renata Colombo
2 de maio de 2017
Marcos Santos/USP Imagens Tecnologia da informação

Jornalistas, repórteres e editores são seres humanos normais, e não robôs dotados de informação programada, caso ainda haja alguma dúvida. Aquele combinado de informações que chega até as pessoas foi escrito e apurado (guarde estas palavras: apuração e checagem) por uma pessoa como eu, como você, que erra, se confunde e, ao mesmo tempo, também tem ideias brilhantes.

 

Por que digo isto? Porque a apuração é o princípio mais básico dos básicos para um jornalista

Conheci, ao longo da carreira, muito repórter que divulgava informações que não havia apurado – que fazia uma reportagem com base em outros veículos, sem perguntar nada para fonte alguma. Conheci editor e produtor mais preocupado com o imediatismo da notícia do que com a divulgação correta da história. Conheci plantonista que matou o cara errado porque não checou duas vezes o que estava escrevendo.

 

 O problema é que, às vezes, o errado vira norma e a gente se vê no meio do turbilhão de equívocos

 

Em uma dessas situações, preocupada em não divulgar o que não havia apurado, me neguei a ler certa informação no ar – era uma notícia dada por outro veículo e da qual eu não tinha nenhuma confirmação com minhas fontes. Comprei uma briga por causa disso, mas dormi tranquila e aliviada. Horas depois da desavença, veio a publicação de uma errata a respeito da nota que não li. A informação estava equivocada.

 

O colega que errou era um repórter como eu, não era um robô com um big data no cérebro. Não sei se faltou checagem ou houve outro problema, essas coisas acontecem. Mas sei que se eu não me preocupasse com apuração, duas pessoas teriam errado

 

Me arrependo da briga? Lógico que não. Comprarei outras como esta? Óbvio que sim. Para o ouvinte, leitor ou telespectador, o que vale é o que chega até ele. A errata não tem garantia. Para ele fica a imagem de um jornalista confiável ou não. E não quero ser a segunda opção, já tem muitos por aí.

Reporteando

A fonte deve ser preservada

Renata Colombo
21 de fevereiro de 2017

Ao longo da carreira, jornalistas passam por maus bocados e situações que preferem não lembrar. Somos agredidos, ameaçados, chantageados. Nós, mulheres, frequentemente assediadas. Há algo em nosso trabalho que faz com que as pessoas pensem que somos propriedade delas, ou algo do tipo. Coisas de poder. Sem contar na pressão para divulgarmos nossas fontes. Parecem esquecer que a fonte deve ser preservada. E não sou eu que estou dizendo, é a Constituição Federal.

Mas em meio a tanta coisa desagradável, temos nossos momentos de diversão. E, sim, rimos muito também.

Eu era uma repórter iniciante, uma “foca”, como chamamos no linguajar jornalístico. Era meados de 2009 e eu produzia uma reportagem dessas de prestação de serviços na área da saúde. Não lembro se era sobre gripe, vacinação ou falta de leitos em hospitais – algo bastante comum em Porto Alegre, infelizmente. Mas lembro que era para ser uma matéria trivial, cotidiana da cidade. Como já trabalhava em rádio há um tempo, tinha muitas fontes em hospitais e de profissionais da área e não era difícil o acesso às pessoas, na maioria das vezes. Então liguei para um médico “bam-bam-bam” pedindo uma entrevista para aquela tarde mesmo. Tinha que fechar a reportagem até o fim do dia.

“Dei início a entrevista e tudo corria tudo muito bem até que o telefone captou um ruído estranho vindo de dentro do consultório silencioso do médico”

Estávamos preparados, o operador na mesa de áudio e eu, que já estava no estúdio. Tudo estava certo. Até a hora de a gravação começar.  Dei início a entrevista e tudo corria tudo muito bem até que o telefone captou um ruído estranho vindo de dentro do consultório silencioso do médico. O operador e eu fechamos todos os microfones e tivemos ataques de risos. Daqueles fiasquentos, mesmo, de encher o olho de lágrimas e coisa e tal. Foi difícil finalizar. A conclusão a que chegamos é de que também era para ser silencioso o pum que o doutor deixou escapar.

Sim, ele soltou um peido, mesmo. No meio da gravação. E tão alto que conseguimos ouvir.

Guardo a gravação até hoje, mas é claro que, como sempre no jornalismo, não revelo a fonte nem sob tortura. É muito importante preservar as fontes.

Reporteando

Jornalista vende (?)

Renata Colombo
14 de fevereiro de 2017

Eu sou fã do jornalismo. A essa altura, penso que é alto que já  ficou bastante claro. Acho uma das profissões mais fantásticas e necessárias. E não somente porque é a minha, mas porque penso que cumpre um papel importante na vida em sociedade. Quando coloco algo aqui mais negativo ou reflexivo não é porque sou algum tipo de mensageira do apocalipse ou uma pessimista compulsiva.  Aliás, que fique claro, se tem algo que eu não faço é reclamar. Mas algumas curiosidades nesta vida reporteira chamam atenção. E às vezes não é algo positivo.

“Já vi jornalista vendendo marmita, brigadeiro, suco, salada de fruta, roupas, obras de arte, e por aí vai”

Que o glamour do jornalismo é totalmente  ilusório não se tem dúvidas, afinal, o colega homenageado ou premiado é o mesmo que pisou no barro, no cocô e voltou fedendo a fumaça. Mas uma coisa que tem crescido nas redações e vai além das agruras naturais da profissão é o famoso “bico”. Já vi jornalista vendendo marmita, brigadeiro, suco, salada de fruta, roupas, obras de arte, e por aí vai. Tudo para engordar o porquinho no final do mês, já que nosso salário não acompanha a inflação há muitos anos.

Piso salarial do jornalista

Para se ter uma ideia, o piso de jornalista no Rio Grande do Sul (entre os mais baixos do país) é de R$ 2.231,69 em Porto Alegre e R$ 1.900,34 no interior do Estado. Diria que é a média do país. No Brasil, nos estados em que o piso é definidos, os valores variam de R$ R$ 1.115,44 para jornalistas do interior do Rio de Janeiro (sim, acredite) a R$ 3.254,92 no Paraná.

Nem sei dizer se é simplesmente um direito do jornalista ganhar salários melhores de maneira geral, porque, afinal, precisamos nos sustentar como qualquer outra classe trabalhadora, ou se passa um merecimento por tanta dedicação e sacrifício a que somos submetidos diariamente, por ser da natureza da profissão. Afinal, não existe jornalista mais ou menos, este não se cria. Nessa profissão o mergulho é de cabeça.

E precisamos é garantir o plano de saúde em caso de afogamento.

Reporteando

O adorável risco de recomeçar

Renata Colombo
12 de setembro de 2016

Quando digo a mim mesma que não seria outra coisa na vida que não jornalista, o frio na barriga é um dos motivos. Nem tudo na profissão são flores, quase nada na verdade. A gente ganha mal na maioria das vezes, sofre boicotes, se frustra, ouve mais nãos do que sins. Mas tem sensações que compensam e nos levam à realização pessoal e profissional tão grandes, de desafiar a si mesmo, de provocar uma mudança real no mundo, que a balança equilibra. O que é ruim já não é mais tão péssimo. O que é bom fica ainda mais ótimo. E não, isso não é um texto de autoajuda. É o relato de alguém que virou a vida de cabeça para baixo pra descer de novo a montanha russa e faria de novo e de novo.

Quando falo em desafio, falo em risco, em ter coragem, em ir até o fim, em não sossegar até conseguir, em provar, contestar, não se contentar, não se acomodar, se orgulhar. Isso não se aplica somente no dia-a-dia ou em uma apuração. Este comportamento vale para a vida, afinal vida de repórter passa da porta da redação, é na verdade do lado de fora dela. 
Quando falo que vale para a vida é porque a profissão e a vida neste caso se misturam. O jornalismo anda ao lado, a notícia assopra num ouvido, a desconfiança sussurra no outro. Mas ele anda descuidado. Os reporteiros andam apressados, ansiosos, preguiçosos, desovam tudo antes de sentir aquele frio na barriga que falei lá em cima. Sabe quando parece que borboletas dançam lindamente no estômago? É isso. Poucas coisas na vida da gente fazem sentir isso. Temos que cuidar disso. Estamos aqui pra falar e cuidar disso.