Igor Natusch

Vídeos de Michel Temer são o abraço de um homem tóxico

Igor Natusch
6 de setembro de 2018

Os recentes vídeos de Michel Temer falando de candidatos à presidência surgiram de forma tão inesperada que ficou difícil, em um primeiro momento, entender o que havia por trás deles. O primeiro, destinado a Geraldo Alckmin, poderia trazer algumas leituras nas entrelinhas, já que muito se referia a partidos da base aliada do atual presidente – que podem, quem sabe, estar em polvorosa com a aparente dificuldade do tucano em decolar nas pesquisas. Veio um segundo, agora chamando o PSDB às caras pela parceria de governo que, agora, tenta a todo custo ignorar, e aí a leitura ganhava outros contornos: poderia ser um grito para não ser abandonado na estrada, ou talvez uma ação calculista para confundir os potenciais eleitores do ex-governador de São Paulo.

Mas aí surge um terceiro vídeo, no qual Michel Temer lança críticas pouco lógicas contra o vice-que-deve-virar-cabeça-de-chapa-do-PT Fernando Haddad. “Leia a Constituição. Tome cuidado, Haddad”, diz ele, por razões que talvez só ele entenda, e todas as tentativas de uma leitura estratégica ou calculista para tais manifestações vão pro espaço.

Trata-se, pura e simplesmente, de orgulho ferido. Temer está passando recibo, para usarmos termos mais populares. O presidente do Brasil está, pura e simplesmente, dodói.

Michel Temer é, hoje, um proscrito. Uma figura tóxica, com quem ninguém deseja ser visto, que ninguém gosta muito de ter por perto.  Seu governo já é um zumbi, e não é de agora – em certo sentido, é assim praticamente desde o início, quando áudios comprometedores o associaram a condutas claramente criminosas, situação da qual só se livrou ao abrir a guaiaca de forma escandalosa. Foi vassalo do próprio Congresso, atropelado em pautas que veste como suas, mas das quais herda a impopularidade e nada mais.

E de impopularidade Temer entende: bateu recordes negativos em pesquisas, sendo execrado por quase a totalidade dos brasileiros. É visto, de forma generalizada, como um traidor que conspirou contra Dilma Rousseff e que, uma vez alçado ao posto que a ela pertencia, esmerou-se em salvar a própria pele e implantar medidas que fizeram ainda mais dura a vida de brasileiros e brasileiras.

Ninguém gosta de Michel Temer – e ele sabe disso tão bem quanto todo mundo, se não ainda melhor.

A situação é tão curiosa que Henrique Meirelles, candidato da situação, simplesmente ignora o governo que representa em seus espaços de campanha. Menciona mais o ex-presidente Lula (que acusa o atual governo de golpe, e que está preso) do que Temer, de quem era ministro até dias atrás. É de se pensar que palavras carinhosas terá Michel Temer a dizer sobre seu candidato presidencial, que ostensivamente finge que o atual governo não existe e recusa-se a colocar o rosto do ex-vice em um panfleto sequer.

Temer é um homem vaidoso. E o rancor que o consome quando sente-se desprezado já rendeu outras situações tragicômicas, como no famoso “verba volant, scripta manent” que mandou para Dilma. Solitário em seu castelo, recebendo desprezo de seus parceiros de artimanhas recentes, viu-se consumido pelo orgulho ferido – e passou a cuspir fel nas redes sociais, em falas cuja linguagem escorreita mal consegue disfarçar a revolta figadal que as motiva.

Se Collor, em tempos idos, pediu que não o deixassem só, Michel Temer adota uma variante amarga: não me deixarão sozinho coisíssima nenhuma. Mesmo que queiram.

A correção (para não dizer a decência) de um presidente ficar dando recadinhos, em plena campanha eleitoral, aos que concorrem para substituí-lo é altamente questionável, mas isso pouco importa em um país cuja política já abandonou qualquer ideia de rito ou civilidade. Trata-se do abraço do homem tóxico, disposto a envenenar o futuro político de todos que dele tentam se escapar. 

E a verdade é que, embora pareça ter pouco de estratégia, o magoado rompante de Temer tem, sim, consequências políticas. Mesmo porque, ao menos no que se refere ao PSDB e seus aliados de momento, as críticas podem ser patéticas, mas estão longe de serem injustas. Geraldo Alckmin já tratou de responder, tanto em público quanto nas redes, às acusações do atual presidente – sinal inequívoco de que entende, e muito bem, o quão danosa essa conexão pode ser à sua já claudicante candidatura. Em um cenário onde a chance de Alckmin ir ao segundo turno parece distante, o recado de Temer pode soar de forma peculiar aos ouvidos de partidos como PP, PTB e DEM – que ainda estão gravitando em torno do cadavérico governo Temer, mesmo aliados à chapa do tucano, e certamente estudam movimentos em uma campanha que, em cerca de um mês, já pode estar no segundo round.

Foto: Reprodução /Twitter

Igor Natusch

No fundo, Michel Temer sabe que não melhorou

Igor Natusch
24 de maio de 2018
O presidente Michel Temer participa do evento Governo Digital: Rumo a um Brasil Eficiente, no Palácio do Planalto.

O governo de Michel Temer tem utilizado, desde o início, um discurso bem menos de convencimento e muito mais de construção de realidade. Nas falas e nos materiais de divulgação, os últimos dois anos foram uma sequência gloriosa de sucessos, onde tudo melhora a olhos vistos e os olhos que não enxergam, bem, estão com má vontade e não querem enxergar. Trata-se de uma variação da profecia auto-realizável: o elogio auto-confirmatório, que se legitima até mesmo a partir da rejeição dos demais. Uma auto-estima daquelas, vamos combinar.

O problema, por óbvio, é que os acontecimentos nem sempre se moldam tão bem assim ao discurso.

A crise envolvendo a escalada quase diária do preço dos combustíveis (e que resultou numa greve-locaute que já coloca alguma das principais cidades brasileiras em animação suspensa) é, com todas as suas particularidades, mais um sintoma dessa divergência entre argumento e prática. Qualquer um que, ontem, usasse as ferramentas de pesquisa do Twitter poderia ver a hashtag #avançamos – incentivada pelo governo federal como forma de espalhar sua mensagem de quase euforia – lado a lado com notícias cada vez mais alarmantes de rodovias bloqueadas, transportes entrando em colapso por falta de combustível, postos de gasolina elevando preços a valores próximos dos R$ 10. Uma incongruência que chegava a ser tragicômica, com ênfase no trágico.

Em termos de prática política, Michel Temer faz um governo velho, muito velho. Submeteu o país à própria salvação política, em uma farra de emendas parlamentares totalmente contrária ao discurso pretensamente austero de colocar das contas públicas nos eixos. Promoveu, a toque de caixa, uma reforma trabalhista totalmente submissa aos interesses dos grandes detentores de capital, acelerando e multiplicando uma fragmentação/precarização das forças de trabalho que não tem (e nem parece disposto a ter) nenhum plano para minimizar. Assinou, por impulso e desespero político, uma intervenção na segurança do Rio de Janeiro que só trouxe incerteza e mais insegurança, com direito ao revoltante assassinato de uma vereadora no meio da rua. Apega-se a indicadores econômicos imprecisos para enxergar o copo sempre meio cheio, quase transbordando na verdade, e exaltar a chama da recuperação onde se pode ver, no máximo, uma fumacinha. E fala dessas coisas ao país como se fosse fácil iludir as massas ignorantes, sem dinheiro no bolso, trabalhando em condições cada vez piores, com angústia e medo do futuro. Ou como se a opinião delas simplesmente não tivesse qualquer importância.

Queria reeleger-se, Michel Temer. Tão embevecido estava com as próprias histórias gloriosas, e tão temeroso se encontra das consequências de ficar sem cargo eletivo, que achou que poderia reeleger-se. E externou esse desejo, conseguindo gerar apenas um dos mais inusitados casos de vergonha alheia do recente cenário político brasileira.

No fundo, Michel Temer sabe que quase nada melhorou coisíssima nenhuma, mas foi na repetição de ilusões e discursos vazios que sua gestão construiu seu quebradiço castelo, e a ela pretende apegar-se até o fim. Pela manhã, seu fiel escudeiro Carlos Marun criticava a imprensa por assumir que Temer desistiria de ser candidato; à tarde, o próprio ex-vice anunciava que estava abrindo caminho para Henrique Meirelles, que deve ser o nome do MDB na eleição que, ao que parece, se avizinha. Um auto-engano, diga-se, ao qual a própria legenda não se constrange em recorrer: depois de conseguir, com surpreendente sucesso, fingir que não tinha nada a ver com o governo petista ao qual se aliou durante anos a fio e no qual ocupou inúmeros ministérios, agora corrige a má imagem tirando uma letrinha da sigla, como o cidadão que tinge o cabelo e acha que voltou a ser jovem por passe de mágica.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Igor Natusch

Um STF amigo do rei não é capaz de proteger a democracia

Igor Natusch
14 de março de 2018

Ninguém precisa simpatizar com o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para concordar com ele sobre o patético encontro da presidente do STF, Cármen Lúcia, com o presidente da República, Michel Temer. Segundo ele, o papo informal entre ambos, ocorrido no último final de semana, causa “perplexidade“. Está certo: é de deixar qualquer um perplexo, mesmo.

Claro que os nomes máximos do Executivo e do Judiciário podem (muitas vezes devem) se encontrar para discutir questões de interesse nacional. Mesmo que o presidente tenha contra si acusações graves e enfrente uma inédita quebra de sigilo bancário durante o mandato, ele ainda é o presidente e tem obrigações que exigem uma interlocução com o Supremo.

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O que não dá para engolir é que isso seja feito sem a liturgia que um encontro entre poderes exige – e que se mostra ainda mais indispensável em uma situação de incerteza profunda sobre os rumos da nação.

 

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Quem não gostaria de sentar na sala de estar da ministra Cármen Lúcia e discutir questões de seu interesse em um ambiente informal, talvez desfrutando de café recém-passado e bolinhos de chuva? Terão os advogados do ex-presidente Lula, que tanto pleiteiam uma definição sobre o cumprimento de penas em segunda instância, a perspectiva de uma acolhida tão calorosa? A Sepúlveda Pertence, integrante da defesa de Lula e igualmente interessado nos desdobramentos na alta corte, Cármen Lúcia dedicou a formalidade de um encontro de gabinete, ao final de uma manhã de meio de semana, sem salamaleques ou intimidades exageradas.

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Está totalmente correta, é claro. Errada esteve antes, ao aparecer sorridente ao lado de Michel Temer dentro da própria casa.

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Aliás, a insistência de Cármen Lúcia em não pautar a resolução sobre o imbróglio em torno do cumprimento de penas de segunda instância merece um parênteses. Finge firmeza, a ministra, ao dizer que não se dobra a pressões, que evita um comportamento casuístico. Não é igualmente casuístico deixar de discutir uma questão absolutamente central para a segurança jurídica do País, apenas para não causar a impressão de estar favorecendo uma figura pública? Não será preocupante (para não dizer catastrófico) deixar uma incerteza dessas pendendo sobre todos, manter um cenário onde ninguém sabe direito se o condenado em segunda instância ainda pode recorrer em liberdade ou não, apenas porque se quer bancar o jogo do sério com os defensores do pré-candidato?

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Não é firmeza: é teimosia, e talvez possa ser coisa pior. Coloca o Brasil em uma panela de pressão, de forma perigosa e potencialmente insustentável.

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Quando a presidente do STF recebe o mandatário da Nação em sua casa, fora do horário de expediente, para um dedo de prosa a portas fechadas, está passando um recado horroroso para os brasileiros. E está reforçando a leitura coletiva de que o Supremo é um clube de amigos, severo apenas com os que estão do lado de fora, caloroso e sorridente com os integrantes de seu círculo de poder. Ou alguém é ingênuo ao ponto de achar que a troca de ideias entre Cármen e Temer tratou somente da intervenção no Rio e da situação dos presídios, sem entrar no tema do inquérito sobre as propinas da Odebrecht, que envolve diretamente o presidente?

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Se os temas eram formais e republicanos, o que impedia a discussão durante o expediente? Ou será que a agenda da presidente do Supremo é cheia de coisas mais importantes do que conversar com o líder do Executivo, ou vice-versa?

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Uma alta corte que, de guardiã da Constituição, transformou-se em editora e reescritora da mesma, ao ponto de abrir margem para coisas juridicamente complicadíssimas, como achar que trânsito em julgado pode acontecer antes de todas as esferas recursais estarem esgotadas. Um STF que, ao invés de ser uma constância em tempos difíceis, transformou-se em ator da crise, em uma força que intensifica conflitos e amplia a sensação geral de incerteza e desalento. Uma casa que julga para um diferente do que julga para outro, ao ponto de submeter a própria Cármen Lúcia a um dos momentos mais vexatórios de sua carreira jurídica, que vai à imprensa antecipar juízos e opinar sobre questões em aberto sem constrangimento, que reveza a agilidade de um puma com a lerdeza de um caramujo dependendo de quem está na berlinda.

Quem poderá, diante de semelhante lista de problemas, dizer que o STF é confiável, que sobre os seus não paira dúvida, que é possível contar com ele para ser a rocha sólida em tempos de caótica fluidez? E que democracia poderá sobreviver quando não se confia naquela que deveria ser a voz serena, que se faz ouvir apenas quando tudo o mais fraqueja, que protege a lei maior como bem mais precioso? O que nos resta quando o STF não se constrange em aparecer como amigo do rei, colocando a estabilidade e a própria Justiça em risco?

Foi nesse cenário, e em nenhum outro, que Cármen Lúcia acenou sorridente ao lado de Michel Temer no fim de semana. Pelo jeito, até os ateus terão que pedir que Deus proteja o Brasil, porque essa tarefa o STF não dá pinta de que vá cumprir.

Foto: TV Globo/Reprodução

Geórgia Santos

Em nome do povo brasileiro, não

Geórgia Santos
26 de outubro de 2017

A Câmara dos Deputados rejeitou, na noite passada (25), a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer (PMDB). Desta vez, o presidente foi acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução da justiça. Foram 251 votos a favor do relatório da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que recomendava o arquivamento da denúncia. Outros 233 votaram pelo prosseguimento das investigações, dois se abstiveram e 25 não compareceram.

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Os indícios contra Temer são mais do que robustos, especialmente após gravação em que o atual presidente negocia subornos com o dono da JBS, Joesley Batista

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Mas gravação nenhuma foi suficiente para abalar o poder de Michel Temer, que apesar de ter perdido parte do apoio, segue firme no Palácio do Planalto. Essa força surpreende inclusive a imprensa internacional. O jornal britânico The Guardian publicou, na semana passada, uma reportagem em que questiona os motivos que fazem com que ele permaneça presidente. Afinal, mesmo com sinais de recuperação econômica, o custo social das reformas é bastante alto – sem falar na portaria do trabalho escravo.

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Em nome do povo brasileiro, não

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Às vésperas da votação, o governo federal liberou o dobro de emendas em comparação com os meses anteriores. Como se não bastasse, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos homens da tropa de choque de Temer, foi flagrado com uma planilha intitulada “Propostas do Ministério da Agricultura” em que constam os campos “município”, “órgão”, “objeto” e “valor”. O parlamentar analisava a planilha, com uma caneta na mão, ao mesmo tempo em que conferia as presenças no painel de votação. Enquanto há suspeitas de que o repasse esteja associado à votação, Perondi garantiu ao portal GaúchaZH que eram demandas de prefeitos. O modus operandi, porém, não é novidade. Na ocasião da votação da primeira denúncia, o Planalto liberou mais de R$ 1 bilhão.

O que impressiona é a distância entre o a realidade e o discurso dos deputados. Mesmo que 97% da população desaprove o governo Temer, os parlamentares insistem em dizer que votam em nome do povo brasileiro. Abaixo, veja algumas das justificativas dos deputados que votaram a favor do presidente:

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“O presidente precisa responder à justiça, mas não agora”

(Domingos Sávio, PSDB-MG)

“Para que o país volte a ter paz”

(Heráclito Fortes, PSB-PI)

“Deixem o homem trabalhar”

(Wladimir Costa, SD-PA)

“Voto pela retomada econômica”

(João Carlos Bacelar, PR-BA)

“A favor do Brasil que dá certo”

(Alceu Moreira, PMDB-RS)

“Quadrilha organizada é do PT e os puxadinhos dali, voto sim”

(Laerte Bessa, PR-DF)

“Essa denúncia é frágil, inapta, pior do que a primeira. Voto com consciência de que o direito tem que ser preservado”

(Celso Russomano, PRB-SP)

“Perguntei aos meus seguidores quem eles gostariam que investigasse Temer, o Supremo Tribunal Federal ou o juiz Sérgio Moro. Pediram Moro. E pra o juiz Sérgio Moro julgá-lo, só em primeiro de janeiro de 2019”

(Marco Feliciano, PSC-SP)

“Quem quebrou o país foi o PT, e o Temer esta tentando recuperá-lo”

(Renato Molling, PP-RS)

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Mas não, não foi em nome do povo brasileiro, foi em nome de um projeto de governo que se solidifica com o arquivamento da denúncia. Além de estabilizar a relação do Planalto com a base, mesmo que ela precise ser alimentada com frequencia. E enquanto Temer alimenta os aliados, a falta de confiança do povo alimenta a gana por soluções autoritárias – algo que pode trazer graves consequências no próximo ano.

Foto: Beto Barata/PR

Igor Natusch

O estranho caso do editorial que ama mais Temer do que a realidade

Igor Natusch
4 de outubro de 2017
Brasília - Presidente Michel Temer durante pronunciamento sobre a liberação do PIS-Pasep, no Palácio do Planalto (Valter Campanato/Agência Brasil)

Um dos principais memes da semana acabou tendo origem inesperada: o Estado de São Paulo, um dos mais tradicionais jornais do País. Diante de pesquisas que colocam Temer como míseros 5% de aprovação (o mais baixo índice de um presidente desde a redemocratização), um editorial do citado veículo partiu para uma defesa apaixonada de dar inveja ao casal mais inseparável, atribuindo os índices ora a pesquisas que “não encontram correspondência na realidade”, ora à desinformação que “campeia nestes tempos de fake news”. Contraditórias em si mesmas (afinal, a pesquisa identifica ou não a opinião supostamente desinformada das pessoas?), as duas alegações estão na mesma frase do citado editorial – sinal inequívoco de que o objetivo (proteger o presidente) chegou bem antes dos argumentos no texto em questão.

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Hoje em dia, afirmar que Michel Temer é impopular é quase elogiá-lo: ele é, na verdade, execrado pela quase totalidade da população brasileira

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Já tivemos inclusive pesquisa onde, pela margem de erro, sua popularidade poderia ser abaixo de zero entre jovens até 24 anos; a mais recente, do Datafolha, é quase positiva em comparação. Valendo lembrar que, quando Dilma Rousseff bateu nos 7%, o próprio Michel Temer disse a empresários que era “difícil” para qualquer presidente concluir o mandato em semelhantes condições.

De fato, difícil é. O próprio Temer, praticamente escorraçado pela população que governa, ainda tem uma segunda denúncia contra si, que exigirá ainda mais articulação (troca de favores?) no Congresso para não avançar – a primeira, como já sabemos, foi uma farra daquelas. Ainda assim, não é nada impossível, tanto que os prognósticos são, no momento, mais favoráveis à permanência de Temer no trono do que à sua destituição. E a impopularidade, longe de travar suas ações, não impediu que medidas notoriamente impopulares avançassem serelepes pelo Congresso, prontas para dificultar ainda mais a vida de todos nós.

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Não precisa ser o sábio da montanha para entender que a voz das ruas, mesmo que estivesse pulsando de indignação, não seria suficiente para liquidar o governo Temer – da mesma forma que não é necessário um doutorado em ciência política para concluir que não foram as ruas que apertaram o botão que ejetou Dilma da cadeira

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Tanto na época quanto agora, são outros elementos que atuam no sentido de forçar ou inviabilizar uma decisão – e boa parte deles são compreensíveis ao ler o cômico editorial do Estadão, que faz parecer que estamos diante de um estadista revolucionário, não de um governante soterrado em denúncias graves e que precisa abrir a guaiaca para garantir que não será processado.

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Há um sentimento de wishful thinking que perpassa todas as frases do citado editorial. Mais do que demonstrar a suposta injustiça dos índices, o Estadão parece ansioso para legitimar os próprios dados que utiliza, como se fosse preciso tornar os próprios argumentos convincentes antes de elencá-los

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Ou seja, para ser convencido pelo texto, é preciso acreditar que os dados econômicos fornecidos pelo próprio governo são verdades gravadas em pedra, que os escândalos de corrupção são menos graves e não guardam relação direta com os dos governos petistas (ignorando, claro, que Michel Temer foi duas vezes vice de Dilma Rousseff), que a leitura de que o país é contra o presidente, mesmo alicerçada em numerosas pesquisas, é “simplista” e um “óbvio despautério” e por aí vai. Mais que apreço à lógica e à leitura da realidade, é preciso ter fé, acreditar que o governo não fracassa, que a economia toma fôlego para disparar, que o Brasil não mergulha em um abismo de ilegitimidade política poucas vezes vislumbrado em sua história.

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Para um pequeno núcleo (produtores e exportadores de matéria-prima bruta, sistema financeiro, as multinacionais favorecidas com generosas isenções e perdões de dívida) o governo não fracassa. Mas também não dá para dizer que triunfa amplamente, já que parte fundamental da tarefa era trazer alguma estabilidade ao País, e ninguém poderá dizer que isso está acontecendo

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E a ojeriza a Temer é um sinal de que o povo não está na rua, mas que essa ausência não reflete de forma alguma em aprovação ou mesmo indiferença útil. Se não está tudo bem (e parece claro que não está), é preciso gritar aos ventos que está tudo bem, que estamos na trilha certa, e nada disso precisa ser verdade: basta que seja gritado mais alto que o resto, que seja capaz de deixar a verdade inconveniente um pouco menos audível, visível e incômoda.

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Quem acha que o editorial do Estadão está tentando convencer o conjunto da sociedade está, bem provavelmente, errando o foco

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Talvez caibam nos dedos das mãos os leitores que efetivamente interessam ao donos do jornal, claramente engajado que estão em vender a leitura mais interessante ao governo que ora ocupa o trono em Brasília. Não sou eu ou você que precisamos acreditar que as pesquisas, antes tão importantes para derrubar Dilma, agora não valem nada: são os que estão gostando de alguns aspectos do governo, e que precisam continuar gostando, para que os patos não voltem às avenidas e as mesmas pesquisas, por um passe de mágica, voltem a ser importantíssimas.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Igor Natusch

Marchezan segue a trilha do conflito, e abre caminho para coisa pior

Igor Natusch
2 de agosto de 2017
Foto: Luciano Lanes / PMPA

Entrando em seu oitavo mês de mandato, Nelson Marchezan Jr. tem deixado bem clara a disposição de seguir uma trilha de conflito, com poucas margens para conciliação. E o faz de uma forma não necessariamente truculenta, jogando com o imaginário de seu eleitorado cativo e consolidando, ao invés de enfraquecer, a imagem de pessoa dinâmica e dedicada a soluções, sem concessões e sem desperdício de tempo. Não é o único a adotar tal fórmula, nem o mais destacado, muito menos um inovador – mas seu exemplo é útil para entender alguns aspectos (bastante preocupantes, creio eu) da política atual.

Na última semana, a prefeitura de Porto Alegre lançou uma série de projetos e ideias que mudam radicalmente aspectos importantes da relação da população com a cidade.

Eliminar a gratuidade da segunda passagem de ônibus, propor que idosos e estudantes paguem mais do que hoje pagam para se deslocar, legalizar a deplorável prática do parcelamento de salários, aumentar os valores do IPTU, entregar à iniciativa privada serviços de água e esgoto – tudo isso proposto com pouca ou nenhuma discussão prévia com a sociedade.

Algumas dessas mudanças contradizem declarações dos tempos de campanha, outras sequer haviam sido ventiladas antes de virarem projetos de lei. E tudo que as sustenta é um slogan simplificador, muito mais vago do que parece: a afirmação de que estamos em grave crise financeira e é preciso agir rápido para que as coisas não fiquem ainda piores. É uma agenda que nunca foi exposta às claras, nem mesmo aos vereadores da base aliada, que periga virar lei sem que se conheça suas implicações e sem que haja certeza que a cidade concorda com ela. Ilegal não é, por certo, mas não é nada transparente.

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Diante de críticas que, certas ou erradas, nada têm de desonestas ou ilegítimas, a resposta de Marchezan e de sua gestão tem sido fomentar um confronto permanente, ainda que edulcorado com toques de populismo de internet

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Ao fazer vídeos dançando e editar decretos fictícios que, em meio ao pretenso bom humor, trazem críticas pouco veladas aos oponentes políticos, o prefeito opta por angariar simpatia ao invés de convencer no embate de ideias. Não se dirige à população, mas sim ao grupo que o elegeu, reforçando os elementos de aproximação entre eles – em especial os que remetem à antipatia contra os inimigos de esquerda.

Todo questionamento à atual gestão é imediatamente arremessado aos pecados de gestões anteriores e/ou de inimigos comuns, quando não atribuído diretamente a uma desonestidade, política ou intelectual, de quem traz as questões. Em certo sentido, a campanha eleitoral não acaba nunca – e se a necessidade de escolher um lado está sempre presente, anula-se a ideia de governar para todos, já que a oposição nunca abandona o cenário político.

Repito: Marchezan não é o criador dessas coisas, tampouco um inovador nesse sentido. É, para o bem e para o mal, só mais um. Ou é muito diferente o que João Dória tem feito sistematicamente em São Paulo, parecendo mais preocupado com Lula e o PT do que com a cidade que governa? É muito diferente do que José Ivo Sartori faz no Rio Grande do Sul, propondo extinção de fundações sem jamais explicar o benefício que tal medida traria e tentando arrancar da população o direito de decidir, em plebiscito, se topa ou não vender suas principais estatais? Diferencia-se tanto assim das medidas de Michel Temer na esfera federal, promovendo a toque de caixa e sem debate prévio drásticas mudanças na legislação sob a alegação de que é preciso “modernizar” para “retomar o desenvolvimento”?

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No coração da dita democracia brasileira crescem práticas que são pouquíssimo democráticas. E elas se multiplicam na medida em que há uma falência de princípios importantes para a democracia: a transparência, o debate, a coletividade

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Na medida em que o processo eleitoral deixa de ser uma escolha coletiva e passa a ser uma mera legitimação de grupo, andamos rumo à exceção. E dizer isso não é dizer que Marchezan, ou Dória, ou Temer (ou mesmo Lula, por exemplo, que andou por trilhas semelhantes em vários momentos e parece seduzido pela ideia de fazê-lo uma vez mais) são fascistas ou autocratas. Eles apenas estão, desejosos ou não, conscientemente ou não, pavimentando o terreno. Entenderam, de forma consciente ou instintiva, o caldo de cisões do nosso tempo, e o usam a favor de suas agendas. Se não temos certeza de como agir diante disso tudo, que ao menos não nos falte o alerta: isso pode nos criar problemas bem maiores do que um prefeito querendo governar sozinho.

Foto: Luciano Lanes / PMPA

Voos Literários

“Toma lá, da cá” (na política e na literatura)

Flávia Cunha
11 de julho de 2017

O que uma eleição fictícia na Academia Brasileira de Letras na década de 1940 tem a ver com o cenário político atual no Brasil? As tramóias de bastidores para conseguir obter resultados favoráveis.

O enredo do livro Farda, Fardão, Camisola de Dormir, de Jorge Amado, é uma crítica ao período do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Com a morte de um poeta libertário, abre-se a vaga na Academia. Forças conservadoras tentam alçar um coronel à vaga de Imortal. O trecho da obra revela as barganhas entre o militar em questão e um integrante do Judiciário para obter a vitória na eleição:

“Impossível candidato de maior prestígio, contando com o apoio das figuras mais poderosas do regime, com trânsito livre… Tão livre assim? Haverá quem queira discutir, torcer o nariz, argumentando com as posições políticas do candidato, mas nenhum irá além do resmungo, terminando todos por engolir a pílula e comparecer com o 29 voto. Eleição líquida e certa.

[…]

Ah! depois colher a merecida recompensa: a primeira vaga no Supremo Tribunal Federal, pois, como se sabe, uma mão lava a outra. Toma lá a Academia, coronel, dá cá o Supremo.

[…]

— Candidato único? Acha possível, querido amigo?”

Os elementos mostrados no diálogo ficcional criado por Jorge Amado podem ser comparados a diversos episódios recentes. Para ficar nos últimos acontecimentos, o que se pode dizer da troca de integrantes na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para tentar garantir um resultado que favoreça Michel Temer?

Até o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB), considerou a atitude questionável.

Aguardemos os próximos episódios da tragicomédia no Planalto Central. Sem deixar de lado o senso crítico, o jeito é rir. Para não chorar. De raiva.

Voos Literários

A máquina do tempo de Temer

Flávia Cunha
4 de julho de 2017

Vocês repararam que, há alguns meses, a Rússia voltou a ser notícia? Primeiro, foram as “ligações perigosas” entre o presidente norte-americano Donald Trump e o governo russo. Depois, o nosso interino por aqui, o Michel Temer, em meio à crise que ameaça sua própria permanência no governo, resolve ir até Moscou. Daí surge a volta ao passado: Temer chamou os empresários russos de soviéticos.

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Lembrando que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas acabou lá em 1991, com a renúncia do último líder soviético, Mikhail Gorbachev, em meio a turbulências políticas

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Para quem pouco conhece o panorama russo atual, sugiro a leitura do romance policial O Fantasma de Stálin, escrito pelo norte-americano Martin Cruz Smith. O ponto de partida do enredo é a suposta aparição do espírito do ex-governante Joseph Stálin pelos túneis do metrô de Moscou. Aliás, a foto que ilustra esse texto é do metrô de Moscou, conhecido como Palácio Subterrâneo. Tem paredes de mármore, teto alto, candelabros, mosaicos, esculturas e decorações em alto-relevo. Foi inaugurado justamente por Stálin, em 1935.

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Voltando ao livro, o protagonista é o investigador Arkady Renko, que acredita que o fantasma é um teatro para fins políticos, que tem como objetivo reacender uma nostalgia latente no povo russo

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O jornal britânico Daily Express, na época do lançamento da obra, considerou o enredo “um retrato visceral da Rússia moderna em todo seu esplendor e decadência”.

Confiram um trecho:

“Rumo a Tver, Arkady deixou Moscou e entrou na Rússia.

Nada de Mercedes, nem Bolshoi, nem sushi, nem mundo pavimentado; em vez disso, lama, gansos, maçãs caindo de uma carroça. Nada de belas casas em comunidades fechadas, mas chalés divididos com gatos e galinhas. Nada de bilionários, mas homens vendendo jarras na estrada porque a fábrica de cristal onde trabalhavam não tinha dinheiro para pagá-los, então pagava-os com mercadorias, fazendo de cada homem um comerciante que segurava uma jarra com uma das mãos e espantava moscas com a outra.

Para um dia de inverno, o clima estava anormalmente quente, mas Arkady dirigia o veículo de vidros fechados por causa da poeira que os caminhões levantavam. O Zhiguli não tinha ar condicionado nem rádio, mas o motor podia funcionar à base de vodca se necessário. De tempos e tempos, a terra era tão plana que o horizonte abria-se como um leque, e prado e lodaçais se estendiam em todas as direções. Uma estrada de terra se ramificava por um punhado de chalés e uma igreja que parecia um bolo de Páscoa inclinado, emoldurada por bétulas.

[…] As aldeias no caminho estavam definhando, esvaziadas pela evacuação em massa dos jovens, que iam para Tver, para Moscou ou para São Petersburgo em vez de sofrer o que Marx chamara de “a idiota vida rural”.

O contraponto interessante que pode ser feito é a leitura de outra obra do mesmo escritor norte-americano, também situada em Moscou, mas na década de 1980, em que a KGB está em plena ação. Parque Gorki fez um grande sucesso na época e foi parar nas telonas como O Mistério no Parque Gorky, estrelado por William Hurt.

E a Rússia não deve sair tão cedo das manchetes mundiais. Tirando a aproximação com Trump, ainda teremos a Copa do Mundo do ano que vem por lá. Se Michel Temer sobreviver no cargo até lá, é bom aprender que soviéticos só fazem parte mesmo é do passado.

Igor Natusch

Fala de Michel Temer não é sobre Deus, mas sobre quem pode mantê-lo vivo

Igor Natusch
28 de junho de 2017
Brasília - O presidente Michel Temer fez um pronunciamento no qual contestou a denúncia apresentada ontem (26) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Hoje, a política brasileira é um atoleiro, onde cada passo nos deixa mais cobertos de constrangimento e, por mais que andemos, parece impossível avançar. A cada minuto extra sendo governados por Michel Temer, um presidente acusado pelo Procurador-Geral da República de crime comum, cometido no exercício do mandato, mais fundo pisamos no barro pútrido, mais desastrosa se torna nossa jornada pela infâmia política.

E essa inundação parece ter alcançado um nível especialmente alto com o surreal pronunciamento de Temer, concedido na tarde de terça-feira, 27 de junho de 2017. Uma fala assustadora em vários níveis, que vão muito além do insólito “não sei como Deus me colocou aqui” – uma frase tão cara de pau que já virou meme, com toda justiça.

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Antes de tudo, um desafio de compreensão se impõe. A quem, no fim das contas, Michel Temer desejava falar?

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Ao povo brasileiro, junto ao qual goza de uma impopularidade quase sem paralelos no Brasil democrático, certamente que não. Afinal, em nenhum momento dirigiu ao povo palavras de tranquilidade, esperança ou convicção – aliás, quase poderíamos dizer que não dirigiu ao povo palavra alguma. Ao alto empresariado, talvez? Mas de que jeito, se mencionou as tão trombeteadas reformas apenas de passagem, se não trouxe nenhum indicativo de melhora econômica, sequer um dividendo positivo de sua tragicômica viagem para Rússia e Noruega foi capaz de enumerar?

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Pretendendo vender a imagem de estadista ultrajado por acusações falsas, Temer só fez desnudar sua incapacidade de liderar um Estado. Ou existe qualquer coisa de líder em alguém que, diante da angústia de uma nação, dedica toda a sua fala a, mal e porcamente, defender a si mesmo?

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Nada disso: o discurso de Temer só faz sentido quando se olha para o Congresso Nacional. É a ele, ou ao que resta de apoio dentro dele, que Temer dirigiu suas palavras de frágil defesa, ao mesmo tempo que posicionou-se de forma clara em uma guerra contra o Ministério Público e a Polícia Federal. “Querem parar o país”, disse o presidente, e ao dizer tal coisa falava não ao detentores do poder econômico, mas aos deputados e senadores que podem salvá-lo da investigação no Supremo. Estou com vocês, é isso que Temer quis dizer, o tempo todo, com tal ânsia que a mal-disfarçada mensagem saltava o tempo todo para fora das entrelinhas. Estou com vocês, meu inimigo é o mesmo, estejam comigo e juntos lutemos até o fim. Querem parar o país, ora pois.

Só assim faz sentido a ausência de justificativas ou perspectivas, as ilações que comete enquanto diz que não as cometeria, os torpes comentários sobre Rodrigo Janot, o procurador Marcelo Miller e a JBS. Não explica o conteúdo de sua conversa com Joesley Batista, não justifica ter sido flagrado em mentira sobre a viagem de jatinho com um “bandido notório”, não faz mais que tergiversar sobre a gravação que, segundo perícia da PF, não foi adulterada como alega. Não entra nesses méritos simplesmente porque não é essa sua estratégia.

A luta é outra: parar de derreter no Congresso, onde até companheiros de sigla (e não estou falando de Renan Calheiros) não se constrangem mais em avacalhá-lo publicamente.

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Sem a maioria na Câmara e no Senado, Temer não tem nada – e fala grosso para tentar deter a debandada, demonstrar que está pronto para brigar por si e, por tabela, em nome deles

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Chama uma claque um tanto patética para aplaudi-lo (com direito a ridículos gritos de “bravo!” por parte de Darcísio Perondi) e elogia o “quórum suficiente para uma sessão na Câmara”, agradecendo pelo “apoio extremamente espontâneo”. É falso e patético, mas não é desprovido de função.

O cadáver político que é Michel Temer vem apodrecendo em público desde a revelação devastadora da gravação feita por Joesley. Já são 40 dias em que sua presença é um misto de infâmia, desaforo e constrangimento. A disposição, evidente quando diz que a denúncia é “uma ficção” calcada em “provas armadas”, é insistir em submeter o país a uma presença que quase ninguém tolera mais, sem brandir sequer as tais reformas estruturantes como desculpa. A briga é para salvar a pele, e a instituições que funcionem no raio que as parta. Curioso perceber que, em meio a tanta dissimulação e delírio, a fala de Michel Temer não deixa de ter uma distorcida forma de sinceridade.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Igor Natusch

O governo Michel Temer é um cadáver que não apodrece

Igor Natusch
31 de maio de 2017
er Campanato/Agência Brasil

O governo Michel Temer tenta brincar de Lázaro. Esteve imensamente morto, logo depois da devastadora gravação de sua conversa com Joesley Batista, e continua bastante morto desde então – afinal, não conseguiu sair da defensiva, passa os seus dias a rebater acusações e demonstra fragilidade absoluta no trato com o Congresso, sendo incapaz de evitar que os agregados discutam a partilha do espólio, mesmo antes do capitão dar o grito de abandonar o navio. O país está paralisado, a economia definha, as instituições funcionam com a harmonia e a fluidez de um moedor de carne enferrujado.

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Ainda assim, está se dando com o cadavérico governo Temer um estranho fenômeno: ao mesmo tempo que decompõe-se de forma visível, suas feições ganham uma cor mais viva, sua aparência dá ligeiros sinais de melhora, a carcaça esquenta ao invés de esfriar. Enquanto morre, dá sinais de que pode reviver. Como explicar tal coisa?

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Na verdade, quem enxerga esses tempos de incerteza em termos de Michel Temer está visualizando apenas uma parcela do todo. Ninguém quer realmente que Temer sobreviva politicamente, possivelmente nem ele próprio: a batalha é para manter vivo um grupo político, que se alastra por alguns partidos, e que chegou a poder menos por estratégia e muito mais por senso de oportunidade. Ter o poder é ter dívidas caras a pagar e pouca margem para perdões ou parcelamentos. Basta olhar para Lula e Dilma para entender o peso dessa afirmação.

Michel Temer e sua entourage chegaram ao Planalto assumindo uma tarefa clara: estabilizar a economia e entregar as reformas encomendadas não apenas pelo sistema financeiro, mas pelo alto empresariado e pelos barões do agronegócio, entre outros. Atingir essa meta é mais do que uma prerrogativa do atual governo: é um dever inalienável para qualquer um desse grupo que deseje ter futuro na política.

Como se vê, a dificuldade para cumprir a missão é cada vez maior. E os recentes acontecimentos não ajudaram muito um presidente que, antes dos áudios, já tinha uma popularidade ridícula e necessitava rastejar diante de deputados para aprovar, mesmo nas primeiras votações, suas polêmicas iniciativas.

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Em meio a essas duas urgências – a de salvar o projeto delineado e também o próprio pescoço – a conta que Michel Temer e seus aliados fiéis fazem é em termos de calendário. Cada dia que passa é um pequeno respiro, um passo de bebê para fora da área de tempestade.

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Por isso já é possível ver estratégias para arrastar o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE por, pelo menos, 120 dias. Por isso o esforço de garantir que Osmar Serraglio não volte ao Congresso, mantendo o suplente (e potencial delator) Rocha Loures com mandato em vigor. Por isso é reforçada, em todas as oportunidades disponíveis e até mesmo em algumas criadas especialmente para esse fim, que a agenda de reformas continua, que o presidente está firme, que o país não pode parar. Por isso Rodrigo Maia, um dos integrantes dessa construção, já deu sinais claros de que arquivará ou sentará indefinidamente em todas as propostas de impeachment que chegarem em seu caminho.

Na panela de pressão que cozinha o ex-vice, a esperança de seus parceiros é que o gás do fogão acabe antes que a carne esteja no ponto para servir. É uma engenharia difícil, mas não inviável – ainda mais em um cenário onde vários setores tentam diminuir a intensidade do fogo, e os grupos capazes de colocar mais chamas em ação ainda buscam a melhor maneira de acender os fósforos. A briga mais importante está ali, no entorno do fogão. É para lá que me parece mais conveniente olhar.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil