Cantinho da Leitura #4 Política também pode ser coisa de criança
Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2021
No quarto episódio do podcast Cantinho da Leitura, política também pode ser coisa de criança. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.
A política está em todos os lugares. E o tema é cada vez mais comum nas conversas dos adultos, principalmente depois da eleição de 2018 e da polarização decorrente. As crianças ficam por perto e começam a fazer perguntas. Como explicar o que faz um presidente? O que é democracia? O que é comunismo? Pois a literatura infantil pode ajudar nessa missão.
BSV Especial Coronavírus #20 O vírus do autoritarismo e a máscara de Bolsonaro
Geórgia Santos
12 de agosto de 2020
Enquanto a gente se protege desse vírus novo, o governo de Jair Bolsonaro infecta a democracia brasileira com um vírus antigo, o do autoritarismo.
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Na última semana, o Vós lançou um documentário em áudio chamado Democracia Infectada, justamente mostrando os traços do autoritarismo de um governo extremamente militarizado e centrado na figura de Bolsonaro
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Passados alguns dias, uma série de eventos corrobora o nosso argumento. Na edição deste mês da Revista Piauí, uma reportagem da jornalista Monica Gugliano reconstrói o dia em que Bolsonaro decidiu intervir no Supremo Tribunal Federal. No dia dois de agosto, reportagem de Raquel Lopes na Folha de São Paulo indica que o governo Bolsonaro tem uma média de uma denúncia de assédio moral por dia por parte de servidores. Eles relatam perseguição ideológica e toda uma sorte de constrangimentos.
Sem contar o dossiê do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre quase 600 servidores públicos ligados a movimentos antifascistas. Tudo isso associado a um comportamento antidemocrático de Jair Bolsonaro que, convenhamos, não é novidade.
Para discutir a desintegração da democracia brasileira, participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox e outros agregadores.
A eleição de Jair Bolsonaro infectou a democracia brasileira com um vírus antigo
O vírus do autoritarismo
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Desde 2013 testemunhamos a fragilização do regime democrático no Brasil. No começo de tudo, as manifestações, depois um derrotado que não admite o resultado das eleições, o que leva a mais manifestações e um golpe institucional. Depois a preferência por um candidato autoritário. Até que chegamos à militarização do governo, mesmo conhecendo a experiência da Ditadura. Tudo isso levou a uma constante perda de direitos, aumento da já profunda desigualdade social e um crescimento da radicalização política no país. Como se não bastasse, em 2020, o mundo é assolado por um vírus novo. O novo coronavírus, que no caso do Brasil acentua os problemas gerados pelo vírus antigo e hoje temos milhares de mortos por completa inaptidão de um governo autoritário e militarizado.
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Vivemos, hoje, em uma democracia infectada
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Produção: Geórgia Santos e Raquel Grabauska. Texto, apresentação e edição: Geórgia Santos. Direção artística e locução: Raquel Grabauska. Trilha Sonora: Gustavo Finkler
Nós pensávamos que o assunto dominante seria o avanço da Covid-19 pelo Brasil, mas não é. O assunto dominante continua sendo Jair Bolsonaro, que está em guerra declarada contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
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Bolsonaro afirma que o STF age contra a liberdade de expressão. Logo ele, que espantou a imprensa do Planalto. Pela primeira vez no período democrático, parte dos veículos da mídia tradicional se recusa a fazer cobertura por falta de segurança
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Esses defensores da liberdade de expressão que acham normal uma ameaça de morte. Como disse Eduardo Bolsonaro em entrevista ao jornalista José Luís Datena, na intimidade, até um pais pode dizer que quer matar o filho.
Que coronavírus, que nada, nem Ministro da Saúde temos. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Democracia em Vertigem: a descoberta de uma citação
Flávia Cunha
17 de janeiro de 2020
Stathis N. Kalyvas pode ser um nome desconhecido para o público brasileiro mas ele é o escritor grego citado por Petra Costa no documentário Democracia em Vertigem. O assunto volta à tona na coluna Voos Literários devido à indicação ao Oscar do filme e também pela descoberta do autor da citação literária que gerou um texto em julho de 2019, data próxima do lançamento de Democracia em Vertigem na Netflix e de uma imensa repercussão nas redes sociais.
A citação literária a que me refiro é:
“Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder.”
Depois de muito pesquisar na Internet e não encontrar o autor da frase impactante, me conformei em escrever um texto reflexivo a respeito dos limites da democracia e das origem da luta de classes, que remete a um período histórico muito anteriores a Karl Marx. Ao repostar esse texto na minha página pessoal no Facebook, no dia da indicação do documentário ao Oscar, um amigo me passou a informação tão procurada. Em uma matéria, a diretora do filme comenta a respeito de quem era o tal escritor grego:
“[Stathis N.] Kalyvas, mudou minha noção de democracia de muitas maneiras. Ele disse: ‘A democracia é o governo do povo’. Mas se as forças do governo não estão realmente governando para o povo, não é realmente democracia.”
O escritor que encantou a diretora de Democracia em Vertigem (e foi alvo da minha obsessão literária em 2019) é atualmente professor na renomada Universidade de Oxford, tendo trabalhado anteriormente em Yale. Tem formação em Ciência Política pelas universidades de Atenas e Chicago. De acordo com seu site pessoal, lançou até o momento 5 livros (nenhum deles com tradução para o português): Civil Wars (2018), Modern Greece: What everyone needs to know (2015) Order, Conflict, Violence (2008), The Logic of Violence in Civil War (2006) e The Rise of Christian Democracy in Europe (2006).
Em seu site pessoal também é possível acessar alguns de seus artigos em inglês. Stathis N. Kalyvas também disponibiliza seu curriculum vitae, no qual consta a informação de que nasceu na Grécia, em 1964. Um autor e pesquisador contemporâneo, portanto. O mais curioso é que na minha busca frenética pela citação referente a “um escritor grego” fiz a suposição de que se trataria de um dos pensadores da Grécia Antiga, berço da democracia.
Termino esse texto com a missão pessoal de ler alguns artigos de Kalyvas em inglês e procurar fazer conexões com o Brasil atual, em que a democracia segue ameaçada diariamente. E fico na torcida pela corrida no Oscar de Democracia em Vertigem. Longe de ser uma especialista em cinema, ainda assim arrisco dizer que o documentário de Petra Costa não deve levar a estatueta, por motivos como estar concorrendo com um filme dirigido por Barack e Michelle Obama. Não entrando no mérito da qualidade técnica do documentário, a verdade é que Democracia em Vertigem atinge o emocional de quem se deixa levar pela narrativa da diretora. E a indicação ao Oscar já é um mérito inegável para a produção brasileira, que segue disponível na Netflix.
O Marco Aurélio Souza é um amigo que eu fiz na vida e no futebol. Nos dois nascemos em Canoas. Nós dois frequentamos o colégio La Salle. Nós dois tivemos aulas com o professor Norberto Neselo que, por sinal, foi também professor dos nossos pais. Nós dois nos formamos em jornalismo. Nós dois trabalhamos na RBS por muitos anos. Eu acabei sendo desligado. E ele foi para Santa Catarina e, de lá, para a São Paulo onde trabalha na Globo e na Sportv. E, depois de muito tempo, resolvemos montar um curso de jornalismo esportivo. Eu cuidando da parte de rádio e, ele, da de TV.
Foi num 20 de setembro, ou melhor, num 21 de setembro, em meio a um feriadão aqui em Porto Alegre, que ministramos o curso no Vós, mas devido a compromissos posteriores – ele tinha uma festa de aniversário e eu, uma transmissão – não conseguimos nos reunir para fazer aquela resenha de avaliação. Isso ficou para o final de semana seguinte, quando ele voltaria a Porto Alegre para o jogo entre Inter e Palmeiras. Dias antes, ele avisou. “Reserva um dia pra gente. Vou tentar levar o Casagrande e o Cléber (Machado) junto.”
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E avisou:
“O Casa é muito engraçado. Vale a noite.”
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E por falar em engraçado, a tal noite já começou errada. A reserva feita antecipadamente numa parrilla da rua São Manoel, que fica em um bairro nobre da capital gaúcha, não foi confirmada. Quando cheguei, o Marco Aurélio, acompanhado do Casagrande e da repórter Gabriela Ribeiro, já estava buscando um Uber para ir para outro lugar. Ofereci meu modesto Kwid para o deslocamento. O problema é que o Casagrande, com aquele tamanhão todo, resolveu ir no banco de trás. Imagina o desconforto dele espremido e o meu com aqueles dois joelhos pressionando o banco do motorista.
Resolvemos ir ao Barranquinho, o irmão mais novo da churrascaria Barranco, uma das mais tradicionais de Porto Alegre. Lá não tem erro. E o Cléber Machado já conhecia a casa. Nos sentamos e o Marco fez o pedido. A Gabriela, que não come carne vermelha, preferiu um frango. Os demais escolheram as especialidades que a casa oferece. Entre elas, o matambre recheado. O matambre, geralmente, não é uma delícia. Mas o de lá é muito bem feito. É macio, bem temperado e um excelente aperitivo. O Casagrande ficou curioso com o prato. Perguntou o que era, como se faz, mas não experimentou. Preferiu as polentinhas e o frango da colega.
O Casão não encarou o matambre, mas sempre foi um cara corajoso […] por ter posicionamento e atitude. Por fugir da marcação que a alienação exerce sobre quase a totalidade dos jogadores do futebol.
Casagrande e a democracia corinthiana. Foto: reprodução
O Casão não encarou o matambre, mas sempre foi um cara corajoso. Não só por escancarar a sua situação de dependente químico e por ter conseguido dar a volta por cima. Mas, para mim, principalmente por ter posicionamento e atitude. Por fugir da marcação que a alienação exerce sobre quase a totalidade dos jogadores do futebol. Por carregar uma bandeira política e aproveitar o enorme carisma e a liderança do Doutor Sócrates para consolidar, lá nos anos 1980, a Democracia Corinthiana.
Nos anos 80, eu ainda era um adolescente “tarado” por futebol e que começava a despertar para a vida política. Estava ainda no que se chamava “segundo grau” do colégio La Salle. Acompanhava o enfraquecimento do governo militar, os chiliques do General Newton Cruz batendo com um bastão nos capôs dos automóveis dos manifestantes em Brasília, as voltas de Brizola e Gabeira, o fim do exílio e a chamada abertura lenta e gradual. Após o golpe miliar, a democracia começava a ser reestabelecida e a ideia de eleições diretas começava a crescer até tomar as ruas como o movimento das “Diretas Já”.
O futebol sempre foi um mundo à parte. Jogador de futebol tem comportamento de diva. Não se envolve em nada. Tudo fica para ser resolvido pelos dirigentes e assessores. Mas no Corinthians entre 1982 e 1984, a situação era diferente.
A Democracia Corinthiana
A inteligência de Sócrates, considerado pelo jornal inglês The Guardian um dos seis atletas mais inteligentes da história, a militância de Wladimir e a rebeldia do jovem Casagrande casaram perfeitamente e formaram o núcleo do movimento batizado pelo publicitátrio Washington Olivetto, vice-presidente de marketing do clube na época, como Democracia Corinthiana.
Com o aval e participação do jovem vice-presidente de futebol, o sociólogo Adílson Monteiro Alves, e com permissão do técnico Mário Travaglini, o movimento cresceu e tomou conta do clube. Envolveu outros nomes como Eduardo Amorim e o uruguaio Daniel González e mexeu com a estrutura do futebol brasileiro. Dirigentes, imprensa, jogadores dos outros clubes e boa parte do público não via aquilo com bons olhos. Para um país acostumado com a censura e a ditadura militar, era pura transgressão. Até poderia ser, mas era também um ensaio para o novo Brasil que muitos e muitos sonhavam.
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Era um exemplo de autogestão que propunha mais liberdade e maior participação nas decisões administrativas do clube
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A temporada de 1981 do Corinthians havia sido terrível. O time terminou em vigésimo-sexto no Brasileiro e em oitavo no Paulista. E como os estaduais serviam como ranking para as vagas do Brasileirão do ano seguinte, o time acabou tendo que disputar a Série B. Mas com a chegada de Casagrande e o fortalecimento da “Democracia Corinthiana”, o ano seguinte foi de muito sucesso. O time chegou às semifinais do Brasileiro e ao título do Paulistão. Sócrates e Casagrande tornaram-se uma dupla dentro e fora de campo.
Casagrande falou de toda sua admiração por Sócrates, que era um exemplo, um ídolo e um amigo. Essa harmonia só foi quebrada quando a direção do clube, em 1983, resolveu trazer o goleiro Emerson Leão. A contratação foi colocada em votação. Sócrates, ao lado da maioria, aprovou o reforço. Casagrande, que preferia apostar no até então titular Solito, disse não e acabou sendo voto vencido.
Entre uma polentinha e outra, Casão contou o episódio das chuteiras brancas. Uma moda que o jovem centroavante introduziu no futebol brasileiro habituado a ver somente chuteiras pretas. Aliás, não foi Casagrande quem descobriu aquele material. Na verdade, foi trazido por Daniel González, que ganhou de presente de um amigo durante as férias nos Estados Unidos. Era uma chuteria desenvolvida para gramados sintéticos. Tinha travas baixas, mas nada que atrapalhasse o rendimento do atacante corinthiano nos gramados naturais.
Logo na chegada, Leão e Casagrande se encontraram e o goleiro disse:
– Moleque, deixa eu ver essas chuteiras.
Leão com uma cara debochada analisoua novidade e concluiu:
– Bacana esse material. Quero ver se ela sabe fazer gol.
Casagrande recolheu as chuteiras e pediu para ver as luvas de Leão e deu o troco.
– Muito boas. Quero ver se elas sabem defender.
Com essas personalidades antagônicas, os dois conviveram apenas um temporada no clube. E apesar de discordar da maneira como as coisas eram decididas, Leão foi extremamente competente e decisivo na conquista do título estadual de 1983. Principalmente nas semifinais contra o Palmeiras, quando, por acaso, alguém do grupo descobriu que o goleiro já estava acertado para jogar no rival no ano seguinte. Casagrande, que fazia uma patrulha constante, chamou Sócrates e os outros líderes do grupo para colocar Leão contra a parede. Afinal, que história é essa?
Leão confirmou que estava acertado com o Palmeiras. Casão, não exatamente com essas palavras, fez uma cobrança dura: ou você defende tudo, ou a gente vai tirar o teu couro. Com duas grandes atuações do goleiro, o Corinthians empatou o primeiro jogo em 1 x 1 e venceu o segundo por 1x 0, passando para a final contra o São Paulo.
Para Leão, a hierarquia no futebol tem o presidente, o técnico e a torcida como o mais importante. Desdenhando da maneira como as coisas eram decididas no Parque São Jorge, o goleiro dizia que a “Democracia Corinthiana” era uma “democracia de três”. Ou seja, tudo era decidido para que Sócrates, Casagrande e Waldimir se sentissem à vontade.
Essa postura convencional e personalista de Leão serviu de contra-ponto ao movimento e também para dar apoio àqueles que não faziam muita questão de participar da “Democracia”. Zenon, outra estrela daquele time, foi um dos jogadores que tinha uma sintonia muito maior com a postura do goleiro. E durante a passagem de Emerson Leão, a “Democracia Corinthiana” teve uma certa oposição interna.
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Mas esse mesmo Leão, mostrou uma outra face que surpreendeu Casagrande. Em 2005, quando o atacante vivia uma crise gerada pela dependência quimica e precisou de internação, o ex-goleiro foi o único colega a visitá-lo.
– Ela ia ao hospital quase todos os dias. E quando não aparecia, mandava recado e perguntava como eu estava – recorda Casagrande
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Leão, nesse momento complicado, foi parceiro. Uma parceria que Casagrande viveu quase sempre com Sócrates. Com o Doutor, Casão engrossou o coro pelas “Diretas Já”, movimento que tomou conta das ruas e cidades do Brasil. Entre 1983 e 1984 foram 32 mega-comícios nas grandes cidades do país. Ao lado dos principais políticos da oposição, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Lula, Mário Covas e Leonel Brizola, a dupla corinthiana reforçava o palanque que tinha Osmar Santos como locutor oficial e a presença de um time de artistas de peso como Chico Buarque, Beth Carvalho, Martinho da Vila e Mário Lago.
A voz das ruas foi transformada numa emenda encaminhada pelo deputado federal mato-grossense Dante de Oliveira. O texto que decidiria a volta das eleições diretas para presidente de república foi para votação na Câmara no dia 25 de abril de 1984. Apesar de toda mobilização popular, não passou. E o governo fez de tudo para garantir que a Emenda Dante Oliveira não fosse aprovada. Alegando uma pane no sistema de abastecimento, a energia foi cortada, o Congresso foi cercado por tropas armadas e os deputados governistas esvaziaram a sessão.
Valorizadíssimo pela participação na Copa do Mundo de 1982 na Espanha, Sócrates estava de saída do Corinthians. Mas, ainda numa última tentativa de mobilizar a torcida e o público, ele condicionou a sua permanência à volta das eleições diretas. Como a emenda foi rejeitada, ele seguiu o seu destino e transferiu-se em 1984 para defender a Fiorentina, na Itália. Sem Sócrates, a “Democracia Corinthiana” deixou de existir. Ainda mais após a saída de Casagrande que, em 1986, também se transferiu para a Europa.
O Marco Aurélio tinha razão. A noite valeu a pena. Para ser completa, só faltou o Casagrande experimentar o matambre recheado.
OUÇA Bendita Sois Vós #36 Os novos modelos autoritários
Geórgia Santos
4 de novembro de 2019
Nesta semana, vamos falar sobre como se constroem os novos modelos autoritários. Eles não começam com golpe, mas com presidentes eleitos democraticamente que, aos poucos, enfraquecem as instituições. Eles acontecem de dentro pra fora. E o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, nem tão aos poucos assim, vem se tornando um exemplo disso – na linha dos governo das Filipinas, Turquia, Rússia e Hungria.
Desde o início do governo ele se posiciona contra as Universidades Federais, contra o Ibama, contra a mídia, contra o STF, e esses são apenas alguns exemplos. E na semana que passou, o descaso pelas instituições ficou mais claro.
O nome “Bolsonaro” surgiu nas investigações do assassinato de Marielle Franco e o presidente foi rápido em desacreditar a imprensa e a polícia. E, como se não bastasse, disse que teve acesso a provas antes da investigação para, segundo ele, evitar que fossem adulteradas.
Quase completando um ano de governo, a exemplo do que fazia nas eleições, Jair Bolsonaro é um risco cada vez maior à democracia brasileira. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol.
OUÇA Bendita Sois Vós #29 A cruzada contra os jornalistas
Geórgia Santos
17 de agosto de 2019
Como não conseguimos ficar uma semana sem falar do governo de Jair Bolsonaro – porque ele simplesmente não deixa -, o Bendita Sois Vós desta semana discute liberdade de imprensa. Mais especificamente a cruzada contra os jornalistas no Brasil e no mundo. Por aqui, o caso mais emblemático é a perseguição aos jornalistas do The Intercept Brasil após a publicação das reportagens da VazaJato. Por isso,conversamos com o editor-executivo do TIB, o jornalista Leandro Demori.
Jair Bolsonaro chegou a insinuar que o jornalista Glenn Greenwald, também do The Intercept Brasil, poderia ser preso. Mas o porta-voz do governo, general Otávio do Rego Barros, confrontado pelo repórter Guilherme Maziero, do Uol, não soube dizer qual crime Glenn Greenwald cometeu.
Para debater o assunto participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Tercio Saccol e Igor Natusch. Na trilha, Vence na Vida Quem diz Sim, com Chico Buarque e Nara Leão.
No episódio desta semana do Bendita Sois Vós, a jornalista Geórgia Santos conversa com os também jornalistas Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol sobre Democracia em Vertigem, o documentário de Petra Costa sobre a escalada da crise política brasileira.
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Mais do que uma análise da produção, há um debate sobre os erros e acertos da cineasta no que tange aos fatos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, e a eleição de Jair Bolsonaro
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Também em pauta está o documentário Brasil em Transe, do jornalista Kennedy Alencar para a BBC. Uma produção que se propõe a explicar os anos que antecedem o atual momento do Brasil.
No Sobre Nós, Raquel Grabauska e Juçara Gaspar interpretam o poema Traduzir-se, de Ferreira Gullar, do livro Na Vertigem do Dia.
O episódio desta semana foi sugerido pela ouvinte Beatriz Costa. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Democracia em Vertigem – a busca por uma citação literária
Flávia Cunha
2 de julho de 2019
“Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder.”
Essa frase de Democracia em Vertigem ficou na minha mente durante dias. Não só pelo conteúdo contundente, mas pela curiosidade gerada ao não citar o nome do autor, um detalhe pequeno em meio a um documentário que tem gerado tanta controvérsia. Petra Costa, diretora e roteirista do filme, tem enfrentado críticas da própria esquerda ao fazer uma análise bem pessoal sobre a política brasileira.
Mas aquela frase havia virado uma obsessão pessoal. Eu precisava descobrir sua autoria, movida pela pura e simples curiosidade.
Em um primeiro momento, achei que seria fácil descobrir a origem da citação. Só jogar no oráculo Google e pronto. Ledo engano. Não havia referências claras a partir das palavras usadas na locução em off. Depois fui para as redes sociais e perguntei para meus amigos se alguém sabia identificar a autoria. Ninguém se arriscava a dizer. Perguntei para formados em Filosofia, Ciência Política, Comunicação… Nenhuma resposta conclusiva.
Então prossegui nas minhas pesquisas solitárias na Internet, tentando achar alguma conexão da Grécia Antiga com a reflexão sobre a democracia precisar ser temida pelos mais favorecidos economicamente para realmente funcionar como sistema político. E fui me deparando com informações interessantes para conectarmos com o Brasil atual.
Filósofos como Sócrates e Platão, por exemplo, eram grandes críticos da Democracia. Isso me surpreendeu, apesar de saber o quanto a democracia grega se diferenciava do modelo democrático atual, ao não incluir como eleitores mulheres, estrangeiros e escravos, por exemplo. Porém, não deixa de ser interessante que grandes filósofos considerassem a aristocracia um regime político mais adequado.
Mas foi nas pesquisas sobre os grandes defensores da democracia grega clássica que deparei com informações mais curiosas. Sólon, um dos legisladores mais famosos de Atenas, promoveu, a partir de 594 a.C., mudanças estruturais como o fim da escravidão por dívidas. Porém, enfrentou críticas tanto dos mais ricos, que não gostaram das alterações propostas, quanto dos mais pobres, que defendiam medidas como a reforma agrária para ter uma sociedade mais igualitária.
No século V a.C., o estadista Péricles foi acusado de populista ao favorecer quem tinha menos dinheiro. Entre suas medidas consideradas populistas, estava a de proporcionar aos pobres entrada gratuita para espetáculos teatrais em Atenas, com o Estado bancando os ingressos. Além disso, tentou colocar em prática leis que favoreciam o acesso das classes mais baixas ao sistema político democrático, o que era proibido por questões financeiras.
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Resumindo:
A luta de classes (acusada por conservadores atuais de de ser uma “invenção marxista”) já existia na Grécia Antiga e filósofos como Sócrates e Platão eram críticos da democracia justamente por considerá-la um regime político propenso a esse tipo de tensão entre ricos e pobres. Políticos que tentavam ajudar os menos favorecidos eram acusados de populistas (Eram? São?). E os ricos tentavam manter seus privilégios, como sempre.
O escritor grego – ainda desconhecido para mim – citado em Democracia em Vertigem, parece ter mesmo razão.
Encerro esse texto com a citação completa de Petra Costa e torcendo para que encontremos esperança em meio à vertigem:
Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder. De pai pra filho, de filho pra neto, de neto pra bisneto e assim sucessivamente. Somos uma república de famílias. Umas controla as mídias, outras, os bancos. Elas possuem a areia, o cimento, a pedra e o ferro. E, de vez em quando, acontece delas se cansarem da democracia, do Estado de Direito. Como lidar com a vertigem de ser lançado em um futuro que parece tão sombrio quanto o nosso passado mais obscuro? O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem ainda mais assustadora de nós mesmos?”