Cantinho da Leitura #4 Política também pode ser coisa de criança
Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2021
No quarto episódio do podcast Cantinho da Leitura, política também pode ser coisa de criança. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.
A política está em todos os lugares. E o tema é cada vez mais comum nas conversas dos adultos, principalmente depois da eleição de 2018 e da polarização decorrente. As crianças ficam por perto e começam a fazer perguntas. Como explicar o que faz um presidente? O que é democracia? O que é comunismo? Pois a literatura infantil pode ajudar nessa missão.
Sete livros para compreender o anarquismo na História e na atualidade
Flávia Cunha
28 de agosto de 2018
Há 91 anos, em agosto de 1927, ocorria um dos julgamentos mais injustos da história da justiça norte-americana. Os anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram condenados à morte, acusados de dois homicídios. Cinquenta anos depois, foi comprovada a inocência dos dois, absolvidos oficialmente pelo governo de Massachusetts.
O processo Sacco & Vanzetti, como ficou mundialmente conhecido, levanta questionamentos que entrelaçam o passado e o presente.
A pena de morte, defendida por muitos no século 21, é mesmo a solução para os problemas de segurança pública no Brasil, com tantas falhas processuais que levam inocentes para a cadeia?
Será que se os réus do julgamento de 1927 não fossem imigrantes e líderes do movimento operário sindical, a opinião pública da época teria apoiado as execuções, mesmo com evidências de que os acusados eram inocentes?
Além disso, por que não se fala sobre o movimento anarquista na grande mídia brasileira, a não ser em operações policiais que tratam os ativistas como criminosos?
Pessoalmente, meu contato inicial com o anarquismo foi singelo. No primeiro livro de memórias de Zelia Gattai, ela lembra de seus descendentes italianos, católicos, por parte de mãe, e anarquistas, na ascedência paterna. No trecho abaixo de Anarquistas Graças a Deus, a escritora recorda uma história familiar, quando seu avô escolhe chamar de Hiena uma de suas tias:
Soubemos então que vovô, anarquista convicto, resolvera dar esse nome à filha visando mais uma afirmação de seus princípios anticlericais.
Fora ao cartório, lá em Florença, onde a menina havia nascido e onde a família vivia, para registrá-la:
– Que nome quer dar à sua filha? – perguntou o escrivão. – Hiena! – declarou o rebelde. O homem pensou não ter compreendido, perguntou novamente: – Qual é o nome? – Hiena! – repetiu o pai da criança, entusiasmado com a reação do tipo; a polêmica desejada estava garantida.
O escrivão ainda tentou dissuadi-lo, não se conformando com tão estapafúrdia decisão:
– Mas, meu senhor! Como pode dar a uma criança inocente o nome de um animal tão repugnante?
– Se o Papa pode ser Leão, por que minha filha não pode ser Hiena? – revidou o velho Gattai que, na época, pouco mais tinha que trinta anos de idade.
A menina foi registrada com o nome de Hiena e Hiena ficou sendo até morrer.”
Sobre o anarquismo na atualidade, vale ressaltar que a Federação Anarquista Gaúcha lançou há poucos dias uma campanha por democracia direta. Saiba detalhes a respeito da iniciativa aqui.
Para saber mais sobre o anarquismo através dos livros, pedimos ao jornalista e anarquista Rodrigo Jacobus indicar 6 obras fundamentais:
Os Grandes Escritos Anarquistas – organização George Woodcock: Esse é um clássico dos clássicos, bom para quem quer iniciar-se no vasto universo anarquista. Um apanhado histórico abrangente, apresentando as ideias mais essenciais das diferentes correntes.
Organismo Econômico da Revolução – A autogestão na Revolução Espanhola – Diego Abad de Santillán: Com enfoque mais econômico, apresenta práticas e reflexões a partir da experiência aplicada ao longo da Guerra Civil Espanhola. Não é muito conhecido, mas é um livro muito bom sobre o assunto, embora um pouco mais pontual.
Notas sobre o Anarquismo– Noam Chomsky: Mais contemporâneo, apresenta uma faceta que nem todos conhecem do respeitado acadêmico Noam Chomsky. Dá um respaldo mais formal ao assunto é um tanto quanto “fora da caixa”, já que, de um modo geral, o meio acadêmico é impregnado com o referencial marxista como modelo epistemológico de teoria crítica.
Lutando na Espanha – George Orwell: O original chama-se Homenagem à Catalunha. Situado na Guerra Civil Espanhola, é basicamente um relato da experiência de Orwell junto aos milicianos. Um tanto quanto jornalístico, com descrições que são simplesmente fantásticas. Na minha humilde opinião, é melhor que o relato de Hemingway em Por quem os sinos dobram. Tem um viés mais literário e por isso vale a leitura, apesar de a temática não ser especificamente relacionada ao anarquismo.
Poder e Domínio – Uma Visão Anarquista – Fábio López López – Livro mais próximo da nossa geração, calcado em reflexões a partir das experiências semelhantes às atuais. Uma baita reflexão com viés mais contemporâneo.
A Desobediência Civil – Henry David Thoreau – Com uma verve bem peculiar, é considerada uma importante referência dentro do ideário anarquista.
O Jovem Karl Marx mantém vaga a cadeira disponível para que uma cinebiografia honrosa do filósofo alemão possa enfeitar as nossas memórias. O filme de Raoul Peck é altamente contraditório no mau sentido, isto é, não no sentido de como a filosofia de Marx pensava o processo da história. Peck filmou uma estátua, não um homem. Não necessariamente por idolatrar Marx, pois não parece ser esse o caso, mas antes por não penetrar o seu pensamento e, neste processo, revelar um Marx menos repleto de jargões. Dificilmente este filme articula a ideia de uma encenação econômica a uma montagem novelística (que parecem ser propostas do cineasta), pois está baseado num ritmo estranho ao próprio objeto de sua investigação.
.
Os primeiros contatos com Engels, apenas modestamente criativos tal como filmados, impossibilitam que os personagens estejam à altura de suas ideias
.
Embora o didatismo seja uma escolha evidente da narração, Peck conduz seu filme movendo situações por atropelos para encaixar flashes das principais (as mais virais) ideias de Marx. Não resolve muito: a gênese do jovem Marx não está lá senão como encarnação publicitária do gênio revolucionário que ele significa para a esquerda mundial, apesar da grande caracterização pessoal que August Diehl dá a seu personagem, como grande ator que é. Publica-se a lenda.
.
É período pleno da Revolução Industrial e lá está tudo o que ela representou e representa: as máquinas aumentam a produtividade do trabalho, produz-se mais riqueza social, mas esta produtividade aniquila os trabalhadores que enfrentam longas jornadas por salários miseráveis e que esta riqueza não fica com eles
.
Engels, Marx, Proudhon, Stirner e outros estão vendo o que Adam Smith e David Ricardo não puderam ver tão claramente pois o objeto de suas pesquisas ainda estava em transformação. O filme expõe estes contatos, as divergências, as ideias teóricas de cada um apenas rapidamente para conseguir estabelecer um corpo básico de sequências, o que é tanto sua força quanto sua fraqueza. Força, pois há um nítido esforço de representar um período central da produção intelectual de Marx dos mais complexos (o da escrita de A Ideologia Alemã, 1845/46, e do Manifesto Comunista, 1848), que talvez pela própria impossibilidade da representação seja disperso e frenético. Fraqueza, pois este frenesi empresta a Marx uma frivolidade cartunesca e, paradoxal que seja, idealista.
Por óbvio, estão lá as críticas aos jovens hegelianos, aos anarquistas (da corrente de Proudhon), aos próprios socialistas; discursos mais ou menos efusivos contra a burguesia, os alentos quantos aos processos revolucionários, a organização de alguns de seus principais textos, a vida familiar com Jenny (sobre quem, aliás, se poderia fazer uma bela peça cinematográfica), enfim, vários momentos constitutivos da trajetória do jovem Marx.
.
Acaba que, diante de tudo o que o filme quer mostrar, muito da força de O Jovem Karl Marx seja apenas picotado, fique de rebote daquilo que a ânsia em construir o mito deseja priorizar
.
Em observação, parece relevante dizer que a expressão dos conceitos e das ideias de Marx são matérias de duro resgate – e o filme muito bem se esquiva de trazer para o cinema um Marx profeta. Se sempre o foram para os marxistas (e talvez principalmente para eles) e para seus detratores célebres (que em grande parte o leram mal), como não haveriam de ser para um singelo cineasta?
Le Jeune Karl Marx, de Raoul Peck, França/Alemanha/Bélgica, 2017. Com August Diehl, Stefan Konarske, Hannah Steele,Vicky Krieps, Olivier Gourmet.