Cléber Grabauska

Maradona entre o céu e o inferno

Cléber Grabauska
26 de novembro de 2020

Eu não sei se Maradona vai para o céu ou para o inferno. Caso seja enviado ao Paraíso, certamente fará reivindicações e reclamará da rotina e dos horários. Assim como fez na Copa de 1986, quando encarou os cartolas da FIFA afirmando que era desumano obrigar os jogadores a atuarem ao meio-dia do escaldante verão mexicano. Não é coincidência que Maradona só batia com a esquerda. Caso vá para o outro lado, porém, talvez aceite sem contestações, afinal, Maradona sempre foi pouco convencional.  Mas se não gostar, também vai dar um jeito. Provavelmente com um maravilhoso drible no capeta – uma “gambeta” como dizem os argentinos. Uma gambeta no capeta e sairá de lá dando risada e dançando daquele jeito estranho e engraçado com que costumava bailar.

Eu não sei se Maradona vai para o céu ou para o inferno. Mas sei que ele nunca teve medo.  Desafiou muito mais que adversários. Desafiou as regras dentro e fora de campo, desafiou a gravidade, desafiou a divindade e a humanidade. Desafiou a todos. E para desgosto dos conservadores, também desfilou. Desfilou ao lado de Fidel Castro com a tatuagem de Che em um braço, um boné verde oliva na cabeça e um charuto na boca.

.

Durante muito tempo, brasileiros e argentinos discutiram quem era maior: Pelé ou Maradona. Mas isso não importa, agora. Aliás, as duas coisas que mais me sensibilizaram sobre Maradona foram ditas por brasileiros.

Uma delas pelo Careca, o “Carecôni”, que tinha seus gols do Nápoli narrados nas animadas manhãs do campeonato italiano pelo Silvio Luiz. O Careca foi um monstro e só não foi maior porque uma lesão o tirou da Copa de 1982 quando seria titular no lugar do Serginho. E esse brasileiro, que fez dupla com el pibe de oro no Napoli de 1986 até 1981, disse que Maradona foi o maior que ele viu jogar. E  nessa comparação com Pelé, ele não vestiu a amarelinha: “Pelé era mais completo, praticamente perfeito. Sabia chutar de direita, de esquerda e cabecear. Maradona era fantástico, um cara de circo. O que ele fazia com uma perna só era brincadeira. Ele não tinha perna direita e não sabia cabecear. Então, imagina se ele tivesse tudo isso”.

Já Casagrande enxerga o outro lado da vida do argentino. Casão também conhece o pesadelo da dependência química e se emocionou durante um depoimento ao vivo no dia da morte de Maradona. Por perceber que o argentino passou pelo mesmo que ele e teve uma trajetória brilhante e gigantesca mutilada: “Eu me tratei e sempre fiquei revoltado com quem estava ao redor dele, porque quem está do lado dele, está vendo que está indo para o fundo do poço, se destruindo. E ninguém fez alguma coisa para evitar o que aconteceu hoje. Para mim, é muito duro. Fico chocado pela perda de um grande jogador, por um cara que eu conheci, gostava muito e por ser um dependente químico.”

.

Eu não sei se Maradona vai para o céu ou para o inferno. Talvez transite entre os dois como fez em vida. Afinal, ele esteve no paraíso quando venceu a Copa do México marcando o gol com a mão de Deus. E o inferno ele viu quando a performance de alto nível foi encurtada por causa das drogas.  De todo modo, o rei Pelé parece ter a resposta:

“Um dia, eu espero que possamos jogar bola juntos no Céu”, disse ele.

.

Eu não sei, mas espero que ele esteja em um lugar especial reservado aos gênios do futebol. Talvez um lugar em que possa encontrar Garrincha, o anjo das pernas tortas que sucumbiu ao álcool. Um lugar em que possa encontrar Cruijff, que morreu em função de um câncer no pulmão por causa do cigarro. E Puskas, que não sei se tinha algum vício delirante, mas, certamente, como bom húngaro, gostava de uma vodka ou de um bom charuto. Espero que ele os encontre em um lugar reservado aos semideuses que só não foram perfeitos porque eram humanos. E que bom que eram humanos. De outra forma,  não seriam eles.

Como disse Victor Hugo Morales após narrar o segundo gol de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986: “Obrigado, Deus, pelo futebol, por Maradona e por essas lágrimas.”

.

*Montagem com foto de David Cannon/Allsport/Getty Images/Hulton Archive

Cléber Grabauska

O homem que trocou a esposa pelo Ronaldinho

Cléber Grabauska
24 de março de 2020
Data da foto: 1998 Ronaldo Gaúcho, do Grêmio, comemorando um gol.
Por mais aleatórios que sejam os rolês do bruxo, ninguém imaginou que Ronaldinho Gaúcho estaria preso no dia do seu 40º aniversário.  Ele e o irmão Assis estão detidos no Paraguai acusados de falsificação de documentos. Uma situação nada agradável para aquele que já teve o mundo aos seus pés, foi um dos melhores e desfilou uma habilidade poucas vezes vista. Coisa de Pelé, Garrincha, Messi, Maradona. Ou seja, de um grupinho seleto. Mas depois que largou o futebol, transformou-se em uma espécie de atração de circo. E agora o circo pegou fogo.
O Ronaldinho com 40 não sei se é muito diferente daquele que eu conheci pessoalmente em 2001, em Osório, numa pelada realizada no campo de futebol sete com grama natural que ficava nas dependências da Juvesa, uma revenda de automóveis FIAT, que ainda hoje existe. A situação criou-se assim. Sílvio Benfica, meu colega de Rádio Gaúcha, era amigo de infância do Sérgio, dono da revenda. E por conta dessa parceria, ele começou a encaminhar os mais chegados para comprar carros lá na Juvesa. Emplacamento, tanque cheio, IPVA grátis,desconto nas prestações…o cliente sempre ganhava uma facilidade. O Benfica aproximou os colegas da Gaúcha, inclusive eu, e conseguiu fazer com que o Assis comprasse um automóvel FIAT para o Ronaldinho lá na Juvesa. Provavelmente, o primeiro carro do futuro melhor do mundo tenha sido adquirido lá.
.
Pois, para festejar essa parceria, resolveram marcar um jogo entre a Rádio Gaúcha e o time do Ronaldinho
.
Imagine o Ronaldinho, em janeiro de 2001, com toda vitalidade dos seus 19 anos jogando contra uma gurizada que gostava de futebol, mas que não jogava nada. A exceção era o Rafael Colling que, por causa dos seus cabelos ruivos, era chamado de Barão Vermelho. Mas independente da cor dos cabelos, a verdade é que o Colling jogava bem, mesmo, Inclusive, fez muito sucesso na várzea de Montenegro e arrepende-se até hoje de não ter tentado a carreira profissional.
O jogo estava marcado para às sete da noite. Seis e quinze nós já estávamos lá aguardando a chegada do adversário. Chegou sete da noite e nada do Ronaldinho. Sete e meia, e nem sinal. Oito da noite recebemos a informação que a delegação está a caminho. Termina a Voz do Brasil e começa a programação esportiva no rádio.O Show dos Esportes, na Gaúcha, abre com a notícia da contratação do técnico Tite pelo Grêmio. E o novo treinador é colocado na abertura do programa para falar com os apresentadores. Nesse meio tempo, chega a van com o time do Ronaldinho. Dela descem Ronaldinho, Assis, Baidek, Almir, João Antônio, os primos e tios do Ronaldinho, enfim, um elenco muito melhor que o da Gaúcha.
Foto: Grêmio / Divulgação
Com a agilidade costumeira de grande repórter, o Benfica puxa o Ronaldinho e o coloca ao vivo para falar com Tite. os dois trocam algumas palavras e o craque é liberado para iniciar os preparativos para o grande duelo. à aquela altura, Assis já tinha encaminhado a saída do irmão para o Paris Saint Germain, mas o fato ainda não estava consumado.ou seja, o garoto ainda era adorado por todos, inclusive pelos gremistas. E todos queriam um autógrafo ou tirar uma foto ao lado do craque, incluindo o pessoal da rádio.
Começou o jogo e o time da Gaúcha teve um rodízio de goleiros. Foram uns quatro ou cinco. Pois todo mundo queria jogar uns minutinhos para poder dizer que defendeu um chute ou sofreu um gol do Ronaldinho que jogou sem fazer força. Ele brilhou e deixou os parceiros correrem por ele. Por incrível que pareça,o jogo não terminou em goleada. A vitória do time do Ronaldinho foi pela diferença mínima. Tipo 11 a 10 ou 10 a 9.
Todo mundo saiu satisfeito do jogo.Menos o Colling que deixou o gramado de cabeça baixa e resmungando. Vendo aquela cara contrariada, como capitão do time, perguntei o que tinha acontecido e o Barão Vermelho respondeu;
– Não dá pra aguentar esses caras. Fiquem se “fresqueando” só porque é o Ronaldinho. e a gente tivesse caprichado dava para ganhar – desabafou o Colling.
Eu olhei para ele e respondi:
– Peraí, tu acha que a gente iria ganhar do time do Ronaldinho? Tu tá louco. Se nós fizéssemos 100 gols, ele ia lá, na brincadeira, e faria 101. Não tinha como, Colling!!!
Minha explicação não convenceu. O Colling foi para o banho, não falou com ninguém e só se acalmou na hora do churrasco. Estava sentando com o pessoal da Gaúcha e na outra mesa, de frente para ele, os irmãos Moreira, o dono da revenda e o Benfica. Nisso, o Ronaldinho cutuca o Benfica, aponta para o Colling e diz:
– Ô, Sílvio, esse alemão joga bola, hein?
Essa frase fez o mundo do Colling mudar, Imagina ser elogiado pessoalmente pelo Ronaldinho? O craque da Gaúcha não precisava de mais nada. A sua noite estava completa.Ele até esqueceu a derrota de minutos atrás.  Aquela frase dita por Ronaldinho foi como a realização de um sonho. A sua fisionomia se transformou e ele transformou-se em uma outra pessoa.
Tanto é verdade que no dia seguinte, a primeira coisa que ele providenciou foi transformar a foto tirada antes do jogo ao lado do Ronaldinho, num poster gigante. A imagem foi captada num celular rudimentar e a iluminação era precária. e o resultado final não foi muito bom. Azar. Mesmo assim, ele fez o poster, colocou numa moldura e pendurou num lugar nobre da sala exatamente no local onde ficava a foto do seu casamento. Ou seja, o Colling trocou a esposa pelo Ronaldinho.
Cléber Grabauska

Sobre times que viraram espantalhos

Cléber Grabauska
26 de janeiro de 2020

Rogério; Orlando Lelé, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo Wortmann, Bráulio e Edu (o irmão do Zico); Flecha, Luisinho e Gílson Nunes Com essa escalação e comando do técnico Danilo Alvim, o América-RJ, ou melhor, America, sem acento, conquistou o título da Taça Guanabara – o primeiro turno do campeonato do Rio de Janeiro – em 1974. Essa formação entrou para a história mesmo sem ter conquistado o Estadual. E ficou para sempre na minha memória porque foi o meu primeiro time de botão.

America-RJ, em 1974, na conquista da Taça Guanabara.

Mesmo sem ter alcançado nenhum título brasileiro, o América ergue a taça do Torneio dos Campeões, organizado pela CBF, em 1982. Fez uma brilhante campanha no Brasileirão de 1986, terminando em terceiro lugar e sendo eliminado na semifinal pelo São Paulo que acabou tornando-se campeão. O curioso é que, no ano seguinte, veio a Copa União, criada pelo Clube dos Treze, e o America ficou fora da elite. Como protesto, negou-se jogar em qualquer outra divisão. E essa decisão marcou o início do fim. Mesmo com a abnegação de fanáticos dirigentes e torcedores, o time nunca mais foi o mesmo. Nunca retomou o tamanho. Tanto que na recente disputa de duas vagas no Módulo Especial, ficou fora do Carioca, ficando atrás de Portuguesa e Macaé e perdendo uma das duas vagas.

.

E sabe do que mais? Eu também não tenho mais o meu time de botão

.

Menos glorioso foi o SAAD. O time de São Caetano do Sul disputou o Paulistão de 1974 e depois despencou. Fechou o departamento de futebol profissional, ressurgiu com força no futebol feminino, montou um projeto numa das ligas norte-americanas, mas poucos se lembram de que esteve entre os grandes de São Paulo. Algo parecido aconteceu com o CEUB. O Centro Esportivo Universitário de Brasília tornou-se CEUB Futebol Clube e jogou o Brasileirão de 1973. O time teve uma vida efêmera, mas pelo menos serviu para iniciar a história do futebol no Distrito Federal.

Mais antigo e muito mais glorioso, o Grêmio Esportivo Renner desbancou Grêmio e Inter e faturou o Gauchão de 1954, colocando em evidência o goleiro Valdir de Morais e o meia Ênio Andrade. Mas o time das empresas Renner foi extinto em 1957. Também no Rio Grande do Sul vale a pena resgatar o 15 de Campo Bom. O clube existe desde 1911. Por muito tempo dedicou-se ao futebol amador, mas ganhou notoriedade quando se profissionalizou e, por muito pouco, não fez algo parecido com o Renner. Foi vice-campeão gaúcho em três ocasiões: 2002, 2003 e 2005 e em todas as edições perdeu o título para o Inter. O 15 de Campo Bom, como clube social, continua firme. Já o departamento de futebol profissional tenta se reerguer e existe a possibilidade de disputar a Terceira Divisão em 2020.

Grêmio Esportivo Renner, em 1953

Quem também tenta se reerguer é o São Caetano. O Azulão surgiu em 1981 e, praticamente no mesmo período,  fez um sucesso ainda maior que o 15 de Campo Bom. Foi vice-campeão brasileiro em 2000 e 2001, ficando atrás de Vasco da Gama e Athletico Paranaense. Perdeu a Libertadores de 2002 para o Olímpia. Mas, ao menos, conseguiu garantir o Paulistão de 2004. O time que já teve Adhemar, Mineiro, Marcos Senna, Serginho e tantos outros, foi rebaixado no Paulistão de 2019 e prepara-se agora para encarar a Série A-2.

A “segundona paulista” é também endereço da Portuguesa de Desportos. Longe dos dias de glória, a Lusa tem uma dívida gigantesca e luta pela sobrevivência. Corre o risco inclusive de perder o estádio do Canindé. E nós sabemos que, caso isso aconteça, a história não terá mais volta. Um time que revelou talentos como Félix, Zé Maria, Marinho Perez, Leivinha, Enéias e Dener, atualmente é um rascunho do que já foi. Campeã paulista de 1973, a Portuguesa fez uma final histórica contra o Santos de Pelé e acabou dividindo o título porque o árbitro Armando Marques enganou-se nas cobranças de pênaltis e deu a vitória ao Peixe antes da hora. Em 1985 chegou à final novamente, mas perdeu para o São Paulo. E a sua última grande façanha aconteceu em 1996 quando decidiu o Brasileiro contra o Grêmio e acabou ficando com o vice-campeonato. O time tinha Clemer, Valmir, Emerson, César e Carlos Roberto, Capitão, Gallo, Caio e Zé Roberto, Alex Alves e Rodrigo Fabri.

O inferno da Lusa começou em 2013 quando a equipe, em uma situação muito mal explicada, utilizou o jogador Heverton de forma irregular, perdeu pontos, acabou rebaixada e livrou o Fluminense da Segundona.

Assim como a Portuguesa e o America, o Bangu é um time querido e histórico, Já não tem mais o apoio da fábrica de tecidos que impulsionou o futebol e abriu caminho para a presença de negros e operários no futebol. Não tem também mais ídolos do peso de Domingos da Guia e Zizinho. Também não tem mais o dinheiro do bicheiro Castor de Andrade, patrono do clube, que financiou a montagem da equipe que em 1985 chegou ao vice-campeoanto brasileiro e ao vice carioca. Mas pelo menos mantém o seu lugar na Primeira Divisão do Rio de Janeiro e sonha com dias melhores.

Dias tão promissores como os que vive o Bragantino, ou agora, Red Bull Bragantino. O campeão paulista de 1990 e vice brasileiro de 1991, cedeu seu nome e sua estrutura para montar uma parceria com a multinacional de energéticos que, agora, coloca em prática, aqui no Brasil, o mesmo modelo que utiliza na Europa com o Leipzig, da Alemanha, e o Salzburg, da Áustria. A fase onde brigava com dificuldades para manter-se na Série B do Brasileiro é passado. O projeto montado em Bragança Paulista torna-se o sonho de consumo de praticamente todos os times do futebol brasileiro, e principalmente daqueles que já foram gigantes e hoje são espantalhos que não assustam mais ninguém.

Cléber Grabauska

Porque eu gosto de Iúra e não de Luan

Cléber Grabauska
15 de dezembro de 2019

Eu me criei numa época em que os times eram montados no esquema 4-3-3. No ataque existiam dois pontas e um centroavante, camisa nove, matador. O meio-campo era muito bem definido. Tinha um médio-volante, camisa cinco, carregador de piano, o homem da marcação. O camisa dez, o maestro, o craque do time. O cara que ditava o ritmo, chamado meia-armador. Nessa função de “pensadores” tínhamos Rivelino, Ademir da Guia, Gérson e Carpegiani. E a camisa oito ficava com o “ponta de lança”, que era um jogador de meio com qualidade de infiltração e talento de artilheiro, como Zico, Pelé e Jair, por exemplo.

.
Nem sempre o número indicava a posição. O dez sempre vestiu o diferenciado. E, por isso, Zico e Pelé consagraram a dez e não a oito
.

Mas deixando de lado a numerologia e destacando a função, eu sempre admirei e me identifiquei com os jogadores que vestiram a camisa oito. Pois, quase sempre, eles eram aqueles que faziam o trabalho limpo e o trabalho sujo. Ajudavam na marcação e apareciam no ataque para tabelar com o centroavante para achar uma brecha, para furar o bloqueio e entrar na cara do gol.

Me criei admirando camisas oito clássicos como Iúra, Jair, Osvaldo, Cléo e Emerson. Uns mais marcadores, outros mais atacantes. Mas jogadores de fôlego, de entrega e de habilidade. Onde existia um camisa oito, quase sempre existia coração. E também qualidade técnica.

Pois, sem nunca ter vestido a oito, Luan, no 4-3-3 dos anos setenta e oitenta, seria um jogador dessa função. Mas eu não sei se ele vingaria tempos atrás. Digo isso porque vejo muita técnica e muito pouco coração no jogador que está trocando o Grêmio pelo Corinthians.

“Rei da América” em 2017 e principal nome do Grêmio na conquista da Libertadores daquele ano, Luan não conseguiu dar um passo à frente. A sua ausência na lista de Tite para a Copa de 2018 parece ter sido determinante. Nos dois últimos anos , ele não conseguiu evoluir. Estacionou. Quem sabe, até regrediu. Quase foi trocado por Tiago Neves. Acabou ficando em Porto Alegre e perdendo relevância.

A torcida discute a sua saída. Mas poucos ainda acreditam que Luan possa repetir o que fez em 2017. Talvez falte foco. Quem sabe condicionamento físico ou sequência. Mas, acima de tudo, acho que falta a Luan o amor à camisa. Mesmo que ele tenha sido multicampeão pelo Grêmio e que tenha feito mais gols que Renato, Luan nunca fez juras de amor ao Grêmio. Algo bem diferente do que eu vi, por exemplo, em Iúra, que comeu o pão que o diabo amassou, mas teve força e qualidade suficientes para dar a volta por cima e mudar o rumo da história.

Luan pode jogar mais que Iúra, mas os velhos armadores ou pontas de lança tinham muito mais coração que alguns ditos craques de hoje em dia.

Cléber Grabauska

Os gringos colocaram o futebol brasileiro na psiquiatria

Cléber Grabauska
2 de dezembro de 2019

Engana-se quem acha que a derrota de 7 x 1 para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014 tenha iniciado um revolução no futebol brasileiro. Nada disso. Na época, existiam duas explicações. A safra era ruim e vergonhosa e goleada era resultado da desorganização da CBF, envolvida em vários escândalos financeiros.

.

Técnico estrangeiro? Intercâmbio? Nem pensar. A gente não precisa, dizia-se

.

 

Numa tentativa de moralizar o futebol brasileiro, José Maria Marin, o sucessor de Ricardo Teixeira, trouxe Dunga. A qualidade não melhorou e os resultados continuaram sendo ridículos. E a Seleção seguiu desmoralizada. Correndo risco de não garantir vaga para a Copa do Mundo de 2018, o estudioso e bem prepardo Tite foi chamado em 2016 por Marco Polo Del Nero para salvar a pátria. A resposta do novo treinador foi espetacular. O time cresceu, novos talentos surgiram e o Brasil terminou as eliminatórias sul-americanas em primeiro lugar e com classificação antecipada. Veio a Copa da Rússia e, mesmo que Tite não tenha derrotado nenhuma equipe europeia na fase de preparação, acreditava-se que teríamos chances de sonhar com o título. Afinal, contávamos com a inteligência de Tite e o talento de Neymar. Chegamos somente até às quartas de final. Um “nó tático” aplicado no primeiro tempo pela Bélgica nos tirou do Mundial e reacendeu a discussão sobre o tipo de futebol que praticamos aqui.

.
Nesse período que abrange as Copas de 2014 e 2018 culpamos basicamente a CBF pelos erros da nossa seleção e pelo declínio do nosso futebol

.

Precisaram chegar, primeiro, o argentino Jorge Sampaoli, e, depois, o português Jorge Jesus para se perceber que é possível fazer um futebol diferente e de muito mais qualidade em relaçao àquele que estávamos habituados e ver no Campeonato Brasileiro. Sim, diferente porque Sampaoli pegou um Santos sem dinheiro e, com um grupo modesto, inclusive perdendo o garoto Rodrygo, deu um padrão de jogo que coloca o Peixe numa valorosa disputa de segundo lugar com o milionário Palmeiras. E diferente também porque Jorge Jesus pegou um supertime que não decolava com Abel Braga e colocou o Flamengo no topo da América do Sul e do Brasil com as conquistas da Libertadores e Brasleirão.

O sucesso do Flamengo de Jesus fez do Palmeiras a sua mais recente vítima. A derrota de 3 x 1 no último domingo e a diferença de onze pontos na tabela fizeram o presidente palmeirense mudar de planos, demitir o técnico Mano Menezes (há apenas três meses no cargo) e também Alexandre Mattos, que estava há cinco anos como diretor de futebol. Pelo dinheiro que investe e que já investiu desde a chegada do patrocínio da Crefisa, o Palmeiras conquistou muito pouco. No ano passado, quando se disse que, após as eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores, o título do Brasileiro era obrigação, os palmeirenses não gostaram muito. Talvez, agora, olhando onde o Flamengo chegou, eles reconsiderem isso.

O surpreendente da coletiva do presidente Maurício Galiotte é que ele disse o futebol vive uma transformação e que o Palmeiras precisa adotar um modelo diferente. Que o futebol vive em transformação isso existe há bastante tempo. Quanto ao projeto novo, me parece que o Palmeiras seguirá os passos de Santos e Flamengo e buscará um técnico de fora para alcançar um patamar que nem Felipão, nem Mano conseguiram. Em outras palavras dá para dizer que o Palmeiras entendeu que não é mais o único rico do futebol brasileiro. O Flamengo, com um aporte financeiro crescente, tem um tendência de crescimento e manutenção daquilo que já alcançou. E para superar o time da Gávea, é preciso encontrar alguém que consiga mudar o estilo de jogo que o Verdão vinha apresentando há basante tempo.

Possivelmente, o novo comandante do Palmeiras seja um técnico de fora. Pode ser até mesmo Jorge Sampaoli que não deve ficar no Santos. O fato é que no mercado local, as opções foram reduzidas. Pouca gente se destaca. Pouca gente apresenta um trabalho inovador. Daria para citar Renato Portaluppi, Thiago Nunes, Rogério Ceni e um renascido Vanderlei Luxemburgo. Nem mesmo os outrora elogiados Fernando Diniz e Roger Machado conseguem manter o rótulo de inovadores.

.

O Brasileirão de 2019 precisa ser destacado por ser o momento em que o futebol brasileiro deu o braço a torcer e entendeu que o intercâmbio é salutar

.

Novas ideias e conceitos fazem muito bem para os nossos times, nossos treinadores e agora também para nossos dirigentes. Quem ainda discordar disso, precisa ser internado para tratamento. O trabalho de Jorge Jesus e Sampaoli colocou o futebol brasileiro contra a parede. Pôs em questionamento o modelo que os consagrados Felipão, Mano e Abel Braga, por exemplo, utilizavam para aqui. O nível subiu. E a cobrança em cima dos nossos técnicos também. O intercâmbio vai crescer e só poderemos dizer que esse ciclo estará completo quando, ao mesmo tempo em que os nossos clubes busquem técnicos de fora, os europeus e argentinos também se interessem pelos técnicos brasileiros.

 

Cléber Grabauska

Casagrande e o matambre recheado

Cléber Grabauska
17 de novembro de 2019

O Marco Aurélio Souza é um amigo que eu fiz na vida e no futebol. Nos dois nascemos em Canoas. Nós dois frequentamos o colégio La Salle. Nós dois tivemos aulas com o professor Norberto Neselo que, por sinal, foi também professor dos nossos pais. Nós dois nos formamos em jornalismo. Nós dois trabalhamos na RBS por muitos anos. Eu acabei sendo desligado. E ele foi para Santa Catarina e, de lá, para a São Paulo onde trabalha na Globo e na Sportv. E, depois de muito tempo, resolvemos montar um curso de jornalismo esportivo. Eu cuidando da parte de rádio e, ele, da de TV.

Foi num 20 de setembro, ou melhor, num 21 de setembro, em meio a um feriadão aqui em Porto Alegre, que ministramos o curso no Vós, mas devido a compromissos posteriores – ele tinha uma festa de aniversário e eu, uma transmissão – não conseguimos nos reunir para fazer aquela resenha de avaliação. Isso ficou para o final de semana seguinte, quando ele voltaria a Porto Alegre para o jogo entre Inter e Palmeiras. Dias antes, ele avisou. “Reserva um dia pra gente. Vou tentar levar o Casagrande e o Cléber (Machado) junto.”

.

E avisou:

“O Casa é muito engraçado. Vale a noite.”

.

E por falar em engraçado, a tal noite já começou errada. A reserva feita antecipadamente numa parrilla da rua São Manoel, que fica em um bairro nobre da capital gaúcha, não foi confirmada. Quando cheguei, o Marco Aurélio, acompanhado do Casagrande e da repórter Gabriela Ribeiro,  já estava buscando um Uber para ir para outro lugar. Ofereci meu modesto Kwid para o deslocamento. O problema é que o Casagrande, com aquele tamanhão todo, resolveu ir no banco de trás. Imagina o desconforto dele espremido e o meu com aqueles dois joelhos pressionando o banco do motorista.

Resolvemos ir ao Barranquinho, o irmão mais novo da churrascaria Barranco, uma das mais tradicionais de Porto Alegre. Lá não tem erro. E o Cléber Machado já conhecia a casa. Nos sentamos e o Marco fez o pedido. A Gabriela, que não come carne vermelha, preferiu um frango. Os demais escolheram as especialidades que a casa oferece. Entre elas,  o  matambre recheado. O matambre, geralmente, não é uma delícia. Mas o de lá é muito bem feito. É macio, bem temperado e um excelente aperitivo. O Casagrande ficou curioso com o prato. Perguntou o que era, como se faz,  mas não experimentou. Preferiu as polentinhas e o frango da colega.

O Casão não encarou o matambre, mas sempre foi um cara corajoso […] por ter posicionamento e atitude. Por fugir da marcação que a alienação exerce sobre quase a totalidade dos jogadores do futebol.

Casagrande e a democracia corinthiana. Foto: reprodução

O Casão não encarou o matambre, mas sempre foi um cara corajoso. Não só por escancarar a sua situação de dependente químico e por ter conseguido dar a volta por cima. Mas, para mim, principalmente por ter posicionamento e atitude. Por fugir da marcação que a alienação exerce sobre quase a totalidade dos jogadores do futebol. Por carregar uma bandeira política e aproveitar o enorme carisma e a liderança do Doutor Sócrates para consolidar, lá nos anos 1980, a Democracia Corinthiana.

Nos anos 80, eu ainda era um adolescente “tarado” por futebol e que começava a despertar para a vida política. Estava ainda no que se chamava “segundo grau” do colégio La Salle. Acompanhava o enfraquecimento do governo militar, os chiliques do General Newton Cruz batendo com um bastão nos capôs dos automóveis dos manifestantes em Brasília, as voltas de Brizola e Gabeira, o fim do exílio e a chamada abertura lenta e gradual. Após o golpe miliar, a  democracia começava a ser reestabelecida e a ideia de eleições diretas começava a crescer até tomar as ruas como o movimento das “Diretas Já”.

O futebol sempre foi um mundo à parte. Jogador de futebol tem comportamento de diva. Não se envolve em nada. Tudo fica para ser resolvido pelos dirigentes e assessores. Mas no Corinthians entre 1982 e 1984, a situação era diferente.

 

A Democracia Corinthiana

A inteligência de Sócrates, considerado pelo jornal inglês The Guardian um dos seis atletas mais inteligentes da história, a militância de Wladimir e a rebeldia do jovem Casagrande casaram perfeitamente e formaram o núcleo do movimento batizado pelo publicitátrio Washington Olivetto, vice-presidente de marketing do clube na época, como Democracia Corinthiana.

Com o aval e participação do jovem vice-presidente de futebol, o sociólogo Adílson Monteiro Alves, e com permissão do técnico Mário Travaglini, o movimento cresceu e tomou conta do clube. Envolveu outros nomes como Eduardo Amorim e o uruguaio Daniel González e mexeu com a estrutura do futebol brasileiro. Dirigentes, imprensa, jogadores dos outros clubes e boa parte do público não via aquilo com bons olhos. Para um país acostumado com a censura e a ditadura militar, era pura transgressão. Até poderia ser, mas era também um ensaio para o novo Brasil que muitos e muitos sonhavam.

.
Era um exemplo de autogestão que propunha mais liberdade e maior participação nas decisões administrativas do clube
.

A temporada de 1981 do Corinthians havia sido terrível. O time terminou em vigésimo-sexto no Brasileiro e em oitavo no Paulista. E como os estaduais serviam como ranking para as vagas do Brasileirão do ano seguinte, o time acabou tendo que disputar a Série B. Mas com a chegada de Casagrande e o fortalecimento da “Democracia Corinthiana”, o ano seguinte foi de muito sucesso. O time chegou às semifinais do Brasileiro e ao título do Paulistão. Sócrates e Casagrande tornaram-se uma dupla dentro e fora de campo.

Casagrande falou de toda sua admiração por Sócrates, que era um exemplo, um ídolo e um amigo. Essa harmonia só foi quebrada quando a direção do clube, em 1983, resolveu trazer o goleiro Emerson Leão. A contratação foi colocada em votação. Sócrates, ao lado da maioria, aprovou o reforço. Casagrande, que preferia apostar no até então titular Solito, disse não e acabou sendo voto vencido.

Entre uma polentinha e outra, Casão contou o episódio das chuteiras brancas. Uma moda que o jovem centroavante introduziu no futebol brasileiro habituado a ver somente chuteiras pretas. Aliás, não foi Casagrande quem descobriu aquele material. Na verdade, foi trazido por Daniel González, que ganhou de presente de um amigo durante as férias nos Estados Unidos. Era uma chuteria desenvolvida para gramados sintéticos. Tinha travas baixas, mas nada que atrapalhasse o rendimento do atacante corinthiano nos gramados naturais.

Logo na chegada, Leão e Casagrande se encontraram e o goleiro disse:

– Moleque, deixa eu ver essas chuteiras.

Leão com uma cara debochada analisoua novidade e concluiu:

– Bacana esse material. Quero ver se ela sabe fazer gol.

Casagrande recolheu as chuteiras e pediu para ver as luvas de Leão e deu o troco.

– Muito boas. Quero ver se elas sabem defender.

Com essas personalidades antagônicas, os dois conviveram apenas um temporada no clube. E apesar de discordar da maneira como as coisas eram decididas, Leão foi extremamente competente e decisivo na conquista do título estadual de 1983. Principalmente nas semifinais contra o Palmeiras, quando, por acaso, alguém do grupo descobriu que o goleiro já estava acertado para jogar no rival no ano seguinte. Casagrande, que fazia uma patrulha constante, chamou Sócrates e os outros líderes do grupo para colocar Leão contra a parede. Afinal, que história é essa?

Leão confirmou que estava acertado com o Palmeiras. Casão, não exatamente com essas palavras, fez uma cobrança dura: ou você defende tudo, ou a gente vai tirar o teu couro. Com duas grandes atuações do goleiro, o Corinthians empatou o primeiro jogo em 1 x 1 e venceu o segundo por 1x 0, passando para a final contra o São Paulo.

Para Leão, a hierarquia no futebol tem o presidente, o técnico e a torcida como o mais importante. Desdenhando da maneira como as coisas eram decididas no Parque São Jorge, o goleiro dizia que a “Democracia Corinthiana” era uma “democracia de três”. Ou seja, tudo era decidido para que Sócrates, Casagrande e Waldimir se sentissem à vontade.

Essa postura convencional e personalista de Leão serviu de contra-ponto ao movimento e também para dar apoio  àqueles que não faziam muita questão de participar da “Democracia”. Zenon, outra estrela daquele time, foi um dos jogadores que tinha uma sintonia muito maior com a postura do goleiro. E durante a passagem de Emerson Leão, a “Democracia Corinthiana” teve uma certa oposição interna.

.
Mas esse mesmo Leão, mostrou uma outra face que surpreendeu Casagrande. Em 2005, quando o atacante vivia uma crise gerada pela dependência quimica e precisou de internação, o ex-goleiro foi o único colega a visitá-lo.
– Ela ia ao hospital quase todos os dias. E quando não aparecia, mandava recado e perguntava como eu estava – recorda Casagrande
.

 

Leão, nesse momento complicado, foi parceiro. Uma parceria que Casagrande viveu quase sempre com Sócrates. Com o Doutor, Casão engrossou o coro pelas “Diretas Já”, movimento que tomou conta das ruas e cidades do Brasil. Entre 1983 e 1984 foram 32 mega-comícios nas grandes cidades do país. Ao lado dos principais políticos da oposição, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Lula, Mário Covas e Leonel Brizola, a dupla corinthiana reforçava o palanque que tinha Osmar Santos como locutor oficial e a presença de um time de artistas de peso como Chico Buarque, Beth Carvalho, Martinho da Vila e Mário Lago.

A voz das ruas foi transformada numa emenda encaminhada pelo deputado federal mato-grossense Dante de Oliveira. O texto que decidiria a volta das eleições diretas para presidente de república foi para votação na Câmara no dia 25 de abril de 1984. Apesar de toda mobilização popular, não passou. E o governo fez de tudo para garantir que a Emenda Dante Oliveira não fosse aprovada. Alegando uma pane no sistema de abastecimento, a energia foi cortada, o Congresso foi cercado por tropas armadas e os deputados governistas esvaziaram a sessão.

Valorizadíssimo pela participação na Copa do Mundo de 1982 na Espanha, Sócrates estava de saída do Corinthians. Mas, ainda numa última tentativa de mobilizar a torcida e o público, ele condicionou a sua permanência à volta das eleições diretas. Como a emenda foi rejeitada, ele seguiu o seu destino e transferiu-se em 1984 para defender a Fiorentina, na Itália. Sem Sócrates, a “Democracia Corinthiana” deixou de existir. Ainda mais após a saída de Casagrande que, em 1986, também se transferiu para a Europa.

O Marco Aurélio tinha razão. A noite valeu a pena. Para ser completa, só faltou o Casagrande experimentar o matambre recheado.

 

Foto capa: José Pinto

Geórgia Santos

A Copa do Mundo e a perspectiva das coisas

Geórgia Santos
27 de junho de 2018

Talvez a gente dê muita importância à Copa do Mundo. Não sei mensurar o valor adequado a se dispensar a esse tipo de evento.

.

Para poucos, não significa absolutamente nada;

Para alguns, redenção;

Para tantos, é desafogo;

Para outros, paixão;

Para muitos, apenas entretenimento;

Para quem gosta muito de futebol, é tudo isso junto;

.

Eu gosto muito de futebol. Eu adoro assistir à Copa do Mundo. Eu adoro ver o Brasil em campo. Eu adoro ver a seleção canarinho erguer a taça – estou com saudades, inclusive. Azar. Eu adoro assistir ao efeito que esse torneio causa nas pessoas.

.

Especialmente porque tudo é uma questão de perspectiva

.

Se, para um brasileiro pentacampeão, erguer a taça é um dever. Para um panamenho, a vitória é outra. É a primeira vez que o Panamá participa da Copa do Mundo e o seu torcedor soube aproveitar a honra como poucos. Tanto é assim que, no jogo contra a Inglaterra, o gol do zagueiro Baloy foi celebrado como se já não tivesse levado seis gols do adversário. O pé direito de Felipe Baloy foi a redenção do estreantes, que comemoraram o gol como se fosse um título.

Photo by Maja Hitij – FIFA/FIFA via Getty Images)

Baloy chorou, foi abraçado pelos companheiros, abraçado pela torcida, abraçado pela família e entrou para a história como o estreante mais velho a marcar em Copas – 37 anos e 120 dias.

Algo parecido aconteceu com o Peru, de volta à Copa depois de 36 anos. Já eliminado, venceu a Austrália por 2 a 0. O último gol dos peruanos em um Mundia foi marcado em 1982, na Espanha. A última vitória aconteceu quatro anos antes, na Argentina. Foi somente agora, em 2018, na Rússia, que o desafogo chegou nos pés de Carrillo e Guerrero.

E além da redenção e desafogo dos panamenhos e peruanos, temos a paixão dos argentinos, que comoveu até mesmo os maiores rivais; a alegria dos senegaleses; o contentamento dos islandeses; a esperança dos iranianos; o desolamento dos alemães; o conforto dos sul-coreanos; o temor dos mexicanos; o susto dos portugueses; a fé dos nigerianos; a tranquilidade dos belgas; a surpresa dos croatas; e a lista segue.

Mas daqui a pouco tem Brasil e, de minha parte, Brasil em campo é tudo isso junto. É uma questão de perspectiva.

(Photo by Jamie Squire – FIFA/FIFA via Getty Images)

Geórgia Santos

Entenda por que esporte é lugar de política, sim

Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2018

Tiago Leifert escreveu, em artigo para a revista GQ, que “Evento esportivo não é lugar de manifestação política”. Foi profundamente infeliz. Simples assim. Em apenas um texto, o jornalista ignora o significado de política e cidadania e, ao mesmo tempo, nega a História.

.

“Olhando por todos os lados, não vejo motivos para politizar o esporte”

(Tiago Leifert)

.

Estas 12 palavras são um resumo justo da ignorância que o texto inteiro transmite. Imediatamente após ler, minha memória foi inundada por imagens que todos já vimos em algum momento de nossas efêmeras e insignificantes existências.

(Ullstein Bild / Getty Images)

A amizade entre o medalhista olímpico Jesse Owens e o alemão Luz Long fez cair o queixo de Adolf Hitler. Owens foi o atleta negro que ganhou quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Luz o abraçou diante de milhares de pessoas, entre elas milhares que acreditavam na superioridade dos arianos. Entre elas Adolf Hitler. Aquele abraço foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse em um evento esportivo daquela magnitude.


(Riccardo Gazzaniga /Arquivo / San Francisco Globe)

Uma das cenas mais emblemáticas da história da Olimpíada foi protagonizada no México, em 1968. Tommie Smith e John Carlos, atletas dos 200m rasos que ficaram com as medalhas de ouro e bronze, respectivamente, ergueram os punhos fechados durante a execução do hino nacional. O gesto havia sido consagrado pelo movimento dos Panteras Negras, que combatia a discriminação racial nos Estados Unidos na década de 60. Eles foram expulsos daquela edição dos jogos, condenados pela imprensa e por parte da população branca americana. Ainda assim, foram e são considerados heróis na luta pelos direitos civis dos negros norteamericanos. Aquele gesto foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse um evento esportivo daquela magnitude.

(Arquivo/Clube dos Cinco)

No Brasil, a Democracia Corinthiana revolucionou o futebol em plena Ditadura Militar. Decisões importantes eram tomadas por meio do voto igualitário dos membros do clube, inclusive decisões sobre a liberdade para expressar opiniões políticas. O movimento foi liderado por Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. Entre 1980 e 1984, o clube adotou a autogestão, quitou suas dívidas e ainda deixou U$ 3 milhões em caixa. A Democracia Corinthiana foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo daquela magnitude.

(Divulgação / Libretos)

Mais próximo, quem não lembra da Coligay, do Grêmio, a primeira torcida formada exclusivamente por homossexuais. Era pura ousadia em plena Ditadura. Em 1977, Volmar Santos fundou a falange que chamava atenção por dar um grito de liberdade em um meio que, até hoje, é extremamente homofóbico e machista. O jornalista Léo Gerchmann relatou a história desses caras incríveis no livro “Coligay – Tricolor e de todas as cores”. A Coligay foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo de tamanho magnitude.

E estes foram apenas os que lembrei de memória. Sem falar em Colin Kaepernik, jogador da NFL que se ajoelhou durante a execução do hino dos EUA como forma de protesto pela forma como os negros são perseguidos e mortos pela polícia do país. O jornalista acha que foi um erro, porque o atleta está desempregado. Pelo menos a revista para a qual ele escreve não concorda.

                                                                                                                                                                                                                                                                                      (Reprodução)

Leifert fala que não acha “justo justo ele (o atleta) hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais”. Ai. Política não é uma causa pessoal, por mais que nossos representantes nos façam acreditar que seja. Política é algo maior que partidos ou tendências ideológicas pessoais. Política está relacionada justamente com a vida em sociedade da qual o indivíduo e o esporte fazem parte. Falando de um regime democrático, política garante que todos expressem suas diferenças e conflitos sem que isso seja um problema.

Os eventos esportivos atingem milhares de pessoas e precisam ser usados com a responsabilidade que grandes audiências trazem. Isso pode ser negativo? Pode. No Brasil, já tivemos o péssimo exemplo da ditadura interferindo no Campeonato Brasileiro. O livro “Onde a Arena vai mal, um time no nacional”, de Daniel Araújo dos Santos, conta a história de como os militares utilizavam o Brasileirão como manobra para atrair adeptos ao partido que estava no poder. Sem falar no uso da Seleção Brasileira de 1970 para promover o regime. Por essas e outras, o esporte precisa estar aberto à resistência, assim como todas as esferas públicas da vida em sociedade em uma democracia.

.

Leifert diz:

“Acho também que temos de respeitar os espaços destinados à diversão, senão nosso mundo vai ficar ainda mais maluco”

“Tem muita coisa contaminada por aí. Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão”

.

O nome disso é alienação, amigo