Cléber Grabauska

O homem que trocou a esposa pelo Ronaldinho

Cléber Grabauska
24 de março de 2020
Data da foto: 1998 Ronaldo Gaúcho, do Grêmio, comemorando um gol.
Por mais aleatórios que sejam os rolês do bruxo, ninguém imaginou que Ronaldinho Gaúcho estaria preso no dia do seu 40º aniversário.  Ele e o irmão Assis estão detidos no Paraguai acusados de falsificação de documentos. Uma situação nada agradável para aquele que já teve o mundo aos seus pés, foi um dos melhores e desfilou uma habilidade poucas vezes vista. Coisa de Pelé, Garrincha, Messi, Maradona. Ou seja, de um grupinho seleto. Mas depois que largou o futebol, transformou-se em uma espécie de atração de circo. E agora o circo pegou fogo.
O Ronaldinho com 40 não sei se é muito diferente daquele que eu conheci pessoalmente em 2001, em Osório, numa pelada realizada no campo de futebol sete com grama natural que ficava nas dependências da Juvesa, uma revenda de automóveis FIAT, que ainda hoje existe. A situação criou-se assim. Sílvio Benfica, meu colega de Rádio Gaúcha, era amigo de infância do Sérgio, dono da revenda. E por conta dessa parceria, ele começou a encaminhar os mais chegados para comprar carros lá na Juvesa. Emplacamento, tanque cheio, IPVA grátis,desconto nas prestações…o cliente sempre ganhava uma facilidade. O Benfica aproximou os colegas da Gaúcha, inclusive eu, e conseguiu fazer com que o Assis comprasse um automóvel FIAT para o Ronaldinho lá na Juvesa. Provavelmente, o primeiro carro do futuro melhor do mundo tenha sido adquirido lá.
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Pois, para festejar essa parceria, resolveram marcar um jogo entre a Rádio Gaúcha e o time do Ronaldinho
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Imagine o Ronaldinho, em janeiro de 2001, com toda vitalidade dos seus 19 anos jogando contra uma gurizada que gostava de futebol, mas que não jogava nada. A exceção era o Rafael Colling que, por causa dos seus cabelos ruivos, era chamado de Barão Vermelho. Mas independente da cor dos cabelos, a verdade é que o Colling jogava bem, mesmo, Inclusive, fez muito sucesso na várzea de Montenegro e arrepende-se até hoje de não ter tentado a carreira profissional.
O jogo estava marcado para às sete da noite. Seis e quinze nós já estávamos lá aguardando a chegada do adversário. Chegou sete da noite e nada do Ronaldinho. Sete e meia, e nem sinal. Oito da noite recebemos a informação que a delegação está a caminho. Termina a Voz do Brasil e começa a programação esportiva no rádio.O Show dos Esportes, na Gaúcha, abre com a notícia da contratação do técnico Tite pelo Grêmio. E o novo treinador é colocado na abertura do programa para falar com os apresentadores. Nesse meio tempo, chega a van com o time do Ronaldinho. Dela descem Ronaldinho, Assis, Baidek, Almir, João Antônio, os primos e tios do Ronaldinho, enfim, um elenco muito melhor que o da Gaúcha.
Foto: Grêmio / Divulgação
Com a agilidade costumeira de grande repórter, o Benfica puxa o Ronaldinho e o coloca ao vivo para falar com Tite. os dois trocam algumas palavras e o craque é liberado para iniciar os preparativos para o grande duelo. à aquela altura, Assis já tinha encaminhado a saída do irmão para o Paris Saint Germain, mas o fato ainda não estava consumado.ou seja, o garoto ainda era adorado por todos, inclusive pelos gremistas. E todos queriam um autógrafo ou tirar uma foto ao lado do craque, incluindo o pessoal da rádio.
Começou o jogo e o time da Gaúcha teve um rodízio de goleiros. Foram uns quatro ou cinco. Pois todo mundo queria jogar uns minutinhos para poder dizer que defendeu um chute ou sofreu um gol do Ronaldinho que jogou sem fazer força. Ele brilhou e deixou os parceiros correrem por ele. Por incrível que pareça,o jogo não terminou em goleada. A vitória do time do Ronaldinho foi pela diferença mínima. Tipo 11 a 10 ou 10 a 9.
Todo mundo saiu satisfeito do jogo.Menos o Colling que deixou o gramado de cabeça baixa e resmungando. Vendo aquela cara contrariada, como capitão do time, perguntei o que tinha acontecido e o Barão Vermelho respondeu;
– Não dá pra aguentar esses caras. Fiquem se “fresqueando” só porque é o Ronaldinho. e a gente tivesse caprichado dava para ganhar – desabafou o Colling.
Eu olhei para ele e respondi:
– Peraí, tu acha que a gente iria ganhar do time do Ronaldinho? Tu tá louco. Se nós fizéssemos 100 gols, ele ia lá, na brincadeira, e faria 101. Não tinha como, Colling!!!
Minha explicação não convenceu. O Colling foi para o banho, não falou com ninguém e só se acalmou na hora do churrasco. Estava sentando com o pessoal da Gaúcha e na outra mesa, de frente para ele, os irmãos Moreira, o dono da revenda e o Benfica. Nisso, o Ronaldinho cutuca o Benfica, aponta para o Colling e diz:
– Ô, Sílvio, esse alemão joga bola, hein?
Essa frase fez o mundo do Colling mudar, Imagina ser elogiado pessoalmente pelo Ronaldinho? O craque da Gaúcha não precisava de mais nada. A sua noite estava completa.Ele até esqueceu a derrota de minutos atrás.  Aquela frase dita por Ronaldinho foi como a realização de um sonho. A sua fisionomia se transformou e ele transformou-se em uma outra pessoa.
Tanto é verdade que no dia seguinte, a primeira coisa que ele providenciou foi transformar a foto tirada antes do jogo ao lado do Ronaldinho, num poster gigante. A imagem foi captada num celular rudimentar e a iluminação era precária. e o resultado final não foi muito bom. Azar. Mesmo assim, ele fez o poster, colocou numa moldura e pendurou num lugar nobre da sala exatamente no local onde ficava a foto do seu casamento. Ou seja, o Colling trocou a esposa pelo Ronaldinho.
Cléber Grabauska

Porque eu gosto de Iúra e não de Luan

Cléber Grabauska
15 de dezembro de 2019

Eu me criei numa época em que os times eram montados no esquema 4-3-3. No ataque existiam dois pontas e um centroavante, camisa nove, matador. O meio-campo era muito bem definido. Tinha um médio-volante, camisa cinco, carregador de piano, o homem da marcação. O camisa dez, o maestro, o craque do time. O cara que ditava o ritmo, chamado meia-armador. Nessa função de “pensadores” tínhamos Rivelino, Ademir da Guia, Gérson e Carpegiani. E a camisa oito ficava com o “ponta de lança”, que era um jogador de meio com qualidade de infiltração e talento de artilheiro, como Zico, Pelé e Jair, por exemplo.

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Nem sempre o número indicava a posição. O dez sempre vestiu o diferenciado. E, por isso, Zico e Pelé consagraram a dez e não a oito
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Mas deixando de lado a numerologia e destacando a função, eu sempre admirei e me identifiquei com os jogadores que vestiram a camisa oito. Pois, quase sempre, eles eram aqueles que faziam o trabalho limpo e o trabalho sujo. Ajudavam na marcação e apareciam no ataque para tabelar com o centroavante para achar uma brecha, para furar o bloqueio e entrar na cara do gol.

Me criei admirando camisas oito clássicos como Iúra, Jair, Osvaldo, Cléo e Emerson. Uns mais marcadores, outros mais atacantes. Mas jogadores de fôlego, de entrega e de habilidade. Onde existia um camisa oito, quase sempre existia coração. E também qualidade técnica.

Pois, sem nunca ter vestido a oito, Luan, no 4-3-3 dos anos setenta e oitenta, seria um jogador dessa função. Mas eu não sei se ele vingaria tempos atrás. Digo isso porque vejo muita técnica e muito pouco coração no jogador que está trocando o Grêmio pelo Corinthians.

“Rei da América” em 2017 e principal nome do Grêmio na conquista da Libertadores daquele ano, Luan não conseguiu dar um passo à frente. A sua ausência na lista de Tite para a Copa de 2018 parece ter sido determinante. Nos dois últimos anos , ele não conseguiu evoluir. Estacionou. Quem sabe, até regrediu. Quase foi trocado por Tiago Neves. Acabou ficando em Porto Alegre e perdendo relevância.

A torcida discute a sua saída. Mas poucos ainda acreditam que Luan possa repetir o que fez em 2017. Talvez falte foco. Quem sabe condicionamento físico ou sequência. Mas, acima de tudo, acho que falta a Luan o amor à camisa. Mesmo que ele tenha sido multicampeão pelo Grêmio e que tenha feito mais gols que Renato, Luan nunca fez juras de amor ao Grêmio. Algo bem diferente do que eu vi, por exemplo, em Iúra, que comeu o pão que o diabo amassou, mas teve força e qualidade suficientes para dar a volta por cima e mudar o rumo da história.

Luan pode jogar mais que Iúra, mas os velhos armadores ou pontas de lança tinham muito mais coração que alguns ditos craques de hoje em dia.

Geórgia Santos

Grêmio x Lanus – NÓS jogamos hoje

Geórgia Santos
29 de novembro de 2017

Eduardo Galeano, em Futebol – Ao sol e à sombra, diz que é raro o torcedor que afirma “Meu time joga hoje”. Ele está certo. A um esporte coletivo, não cabe a possessão ou a singularidade. Incumbe, em vez, o pertencimento da primeira pessoa do plural. NÓS jogamos hoje.

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E NÓS, Grêmio, jogamos hoje

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Enquanto aguardo com certa ansiedade e estômago inquieto este 29 de novembro passar, refaço em minha memória a linha do tempo que me avaliza como jogadora número 12. O que vejo não é o primeiro jogo no Olímpico ou na Arena ou a primeira camisa que ganhei. Tampouco o momento em que me dei conta que era gremista, pois sempre fez parte da minha natureza. Não penso nos choros e soluços, nos gritos e desabafos. Nos desaforos e desafogos. Não lembro de quando ganhei autógrafo do time todo em 95; mesmo dia em que o Dinho me fez chorar com sua cara feia, para diversão do meu pai. Não repasso os adesivos enfeitando os cadernos na adolescência em que os títulos desapareceram.

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O que vejo é o banquinho da vó Julia quebrando

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Eu tinha sete anos em 1995 e vivia em Paraí, minha cidade natal. Entretanto, por algum motivo do qual não lembro, viajamos a Porto Alegre naquele 30 de agosto. Meus pais e eu estávamos hospedados na casa da vó Julia e da tia Marta, que tinha uma televisão grande na sala – sala que ficou pequena graças à nossa ocupação. Tralhas à parte, cada um acomodou-se como foi possível. Ao meu pai coube o banquinho branco, baixinho e de pernas frágeis.

O Grêmio entrou no Estádio Atanasio Girardot, em Medellín, com uma grande vantagem de 3 a 1 conquistada no primeiro jogo. Mas futebol é futebol. É aquele ritual imprevisível e estressante, em que as funções naturais do nosso corpo se descompensam tanto quanto as de quem está entre as quatro linhas. E o Atlético Nacional marcou aos 12 minutos de partida. Gol de Aristizábal. Nunca esqueci desse nome.

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Eu já estava fardada, como os outros jogadores, mas ali naquele momento, era como se Felipão tivesse escalado a mim para resolver o jogo, e não Alexandre

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Passei resto do jogo em pé, secando as mãozinhas suadas naquele uniforme com o patrocínio da Renner. Andando de um lado para o outro, como se o time dependesse da minha energia, da minha vitalidade. Eu fazia parte daquele time, eu era o Grêmio. “Este jogador número doze sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem torcida é como dançar sem música.” Eu estava sendo abonada pelas palavras que Galeano nem sabia que escreveria.

Pouco antes do final, aquele Alexandre que era eu sofreu um pênalti. Dinho cobrou e marcou. A América era NOSSA. O árbitro apitou o final da partida e eu pulei no colo do meu pai, que permaneceu sentado no banquinho da vó Julia. Mas era Grêmio demais e o banquinho não aguentou. O pai e eu nos espatifamos no chão, em cima de uma mesinha de centro. A casa quase implodiu de alegria com as gargalhadas da mãe. NÓS tínhamos vencido.

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Futebol, meu povo, não é futilidade. É memória, é afeto, é parceria. É diversidade. É comunidade

E NÓS jogamos hoje

 

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Foto: Revista da CONMEBOL