Data da foto: 1998
Ronaldo Gaúcho, do Grêmio, comemorando um gol.
Por mais aleatórios que sejam os rolês do bruxo, ninguém imaginou que Ronaldinho Gaúcho estaria preso no dia do seu 40º aniversário. Ele e o irmão Assis estão detidos no Paraguai acusados de falsificação de documentos. Uma situação nada agradável para aquele que já teve o mundo aos seus pés, foi um dos melhores e desfilou uma habilidade poucas vezes vista. Coisa de Pelé, Garrincha, Messi, Maradona. Ou seja, de um grupinho seleto. Mas depois que largou o futebol, transformou-se em uma espécie de atração de circo. E agora o circo pegou fogo.
O Ronaldinho com 40 não sei se é muito diferente daquele que eu conheci pessoalmente em 2001, em Osório, numa pelada realizada no campo de futebol sete com grama natural que ficava nas dependências da Juvesa, uma revenda de automóveis FIAT, que ainda hoje existe. A situação criou-se assim. Sílvio Benfica, meu colega de Rádio Gaúcha, era amigo de infância do Sérgio, dono da revenda. E por conta dessa parceria, ele começou a encaminhar os mais chegados para comprar carros lá na Juvesa. Emplacamento, tanque cheio, IPVA grátis,desconto nas prestações…o cliente sempre ganhava uma facilidade. O Benfica aproximou os colegas da Gaúcha, inclusive eu, e conseguiu fazer com que o Assis comprasse um automóvel FIAT para o Ronaldinho lá na Juvesa. Provavelmente, o primeiro carro do futuro melhor do mundo tenha sido adquirido lá.
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Pois, para festejar essa parceria, resolveram marcar um jogo entre a Rádio Gaúcha e o time do Ronaldinho
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Imagine o Ronaldinho, em janeiro de 2001, com toda vitalidade dos seus 19 anos jogando contra uma gurizada que gostava de futebol, mas que não jogava nada. A exceção era o Rafael Colling que, por causa dos seus cabelos ruivos, era chamado de Barão Vermelho. Mas independente da cor dos cabelos, a verdade é que o Colling jogava bem, mesmo, Inclusive, fez muito sucesso na várzea de Montenegro e arrepende-se até hoje de não ter tentado a carreira profissional.
O jogo estava marcado para às sete da noite. Seis e quinze nós já estávamos lá aguardando a chegada do adversário. Chegou sete da noite e nada do Ronaldinho. Sete e meia, e nem sinal. Oito da noite recebemos a informação que a delegação está a caminho. Termina a Voz do Brasil e começa a programação esportiva no rádio.O Show dos Esportes, na Gaúcha, abre com a notícia da contratação do técnico Tite pelo Grêmio. E o novo treinador é colocado na abertura do programa para falar com os apresentadores. Nesse meio tempo, chega a van com o time do Ronaldinho. Dela descem Ronaldinho, Assis, Baidek, Almir, João Antônio, os primos e tios do Ronaldinho, enfim, um elenco muito melhor que o da Gaúcha.
Foto: Grêmio / Divulgação
Com a agilidade costumeira de grande repórter, o Benfica puxa o Ronaldinho e o coloca ao vivo para falar com Tite. os dois trocam algumas palavras e o craque é liberado para iniciar os preparativos para o grande duelo. à aquela altura, Assis já tinha encaminhado a saída do irmão para o Paris Saint Germain, mas o fato ainda não estava consumado.ou seja, o garoto ainda era adorado por todos, inclusive pelos gremistas. E todos queriam um autógrafo ou tirar uma foto ao lado do craque, incluindo o pessoal da rádio.
Começou o jogo e o time da Gaúcha teve um rodízio de goleiros. Foram uns quatro ou cinco. Pois todo mundo queria jogar uns minutinhos para poder dizer que defendeu um chute ou sofreu um gol do Ronaldinho que jogou sem fazer força. Ele brilhou e deixou os parceiros correrem por ele. Por incrível que pareça,o jogo não terminou em goleada. A vitória do time do Ronaldinho foi pela diferença mínima. Tipo 11 a 10 ou 10 a 9.
Todo mundo saiu satisfeito do jogo.Menos o Colling que deixou o gramado de cabeça baixa e resmungando. Vendo aquela cara contrariada, como capitão do time, perguntei o que tinha acontecido e o Barão Vermelho respondeu;
– Não dá pra aguentar esses caras. Fiquem se “fresqueando” só porque é o Ronaldinho. e a gente tivesse caprichado dava para ganhar – desabafou o Colling.
Eu olhei para ele e respondi:
– Peraí, tu acha que a gente iria ganhar do time do Ronaldinho? Tu tá louco. Se nós fizéssemos 100 gols, ele ia lá, na brincadeira, e faria 101. Não tinha como, Colling!!!
Minha explicação não convenceu. O Colling foi para o banho, não falou com ninguém e só se acalmou na hora do churrasco. Estava sentando com o pessoal da Gaúcha e na outra mesa, de frente para ele, os irmãos Moreira, o dono da revenda e o Benfica. Nisso, o Ronaldinho cutuca o Benfica, aponta para o Colling e diz:
– Ô, Sílvio, esse alemão joga bola, hein?
Essa frase fez o mundo do Colling mudar, Imagina ser elogiado pessoalmente pelo Ronaldinho? O craque da Gaúcha não precisava de mais nada. A sua noite estava completa.Ele até esqueceu a derrota de minutos atrás. Aquela frase dita por Ronaldinho foi como a realização de um sonho. A sua fisionomia se transformou e ele transformou-se em uma outra pessoa.
Tanto é verdade que no dia seguinte, a primeira coisa que ele providenciou foi transformar a foto tirada antes do jogo ao lado do Ronaldinho, num poster gigante. A imagem foi captada num celular rudimentar e a iluminação era precária. e o resultado final não foi muito bom. Azar. Mesmo assim, ele fez o poster, colocou numa moldura e pendurou num lugar nobre da sala exatamente no local onde ficava a foto do seu casamento. Ou seja, o Colling trocou a esposa pelo Ronaldinho.
Katia Suman . comunicação alternativa e maternidade real
Flávia Cunha
14 de maio de 2019
Trabalhar e ser mãe não é fácil em pleno século 21. Agora vocês imaginem ser mãe solo na década de 1980, tendo um trabalho “mutcho loco”: ser apresentadora de rádio de uma das emissoras mais transgressoras e criativas do Brasil, a Ipanema FM. Eu conheço a Katia Suman de vista do mundo da comunicação e não foi exatamente uma surpresa ela falar sobre maternidade em seu excelente livro Katia Suman e os diários secretos da rádio Ipanema FM. A contundência do relato é que me impactou profundamente, mesmo eu não tendo vivenciado a maternidade.
O trecho abaixo é uma transcrição do livro e eu mantenho o estilo de escrita da radialista, que não usa letras maiúsculas:
em 1985 eu engravidei de um cara com quem eu tinha uma história. alguma coisa aconteceu dentro de mim, algo muito intenso e definitivo, e eu quis muito ter aquele filho. eu, que nunca tinha pensado em ser mãe, muito menos mãe solteira, naquele momento eu não tive nenhuma dúvida. eu tinha 28 anos.
meu filho nasceu em casa em fevereiro de 86, no ap pra onde eu tinha me mudado um mês antes. nesse momento a rádio engrenava um caminho que a levou a grandes índices de audiência e a uma inserção decisiva nos corações e mentes da galera jovem.
meu filho não teve pai e isso de alguma forma marca uma pessoa para sempre. as marcas do abandono e da rejeição são profundas e não há nada que eu possa fazer. eu poderia acrescentar que o pai do meu filho foi um grande idiota omisso, um grande e desprezível irresponsável sem noção, mas suponho que aqui não seja o local adequado. na verdade eu achei que daria conta do recado sozinha, mas, nao foi bem assim. ele até me apoiou na decisão de ter o filho mas na prática mandou um solene ‘te vira’, o que foi ainda pior, porque nem clareza da situação eu tinha. na linguagem de hoje das redes sociais é mais fácil de explicar: o cara mandou um #tamojunto sqn.
eu não tinha a menor noção da complexidade envolvida no ato de educar uma criança. eu trabalhava muito e num certo momento voltei a estudar. com a rádio crescendo e a demanda de trabalho e a responsabilidade também, resulta que o playground foi a rádio e antes mesmo dele completar 9 anos já sabia operar o equipamento todo, rodar as músicas, os comerciais, ligar o microfone. enquanto eu estava no ar, nos finais de semana, ele ficava no outro lado do aquário, na técnica com o operador.
essa é uma espécie de lenda doméstica: começo da década de 90, ainda não tínhamos computadores, os CDs novos adquiridos pela rádio eram catalogados pela ordem de chegada e não por ordem alfabética,e isso dificultava muito a busca. e quem era a pessoa que sabia a numeração praticamente de cor dos milhares de discos da discoteca da rádio? o bruno, no auge dos seus 6, 7 anos de idade. de vez em quando alguém ligava para a minha casa para perguntar para o bruno, que número era o disco tal e ele dizia o número na hora.
no brasil apesar de quase metade das famílias (40% segundo o ibge) serem comandadas e sustentadas por mulheres, ainda há preconceito contra mães solo. trabalhar, bancar a estrutura toda, organizar a casa, com tudo que envolve isso, providenciar babás, bons colégios, plano de saúde e estudar. essa sou eu desde 1986. aliás, em 2018 continuo fazendo as mesmas coisas, continuo sustentando a casa, trabalhando e estudando. só não preciso mais de babá, porque a minha filha menor, barbara, que já nasceu em outro momento da minha vida, está com 17 anos. quando falam em ‘empoderamento’ feminino acho que é disso que se trata.”
É bom deixar claro que o ponto central do livro não é a trajetória pessoal da radialista. O relato baseia-se na análise de cadernos que eram a forma do pessoal da Rádio Ipanema trocar informações internas, em uma era pré-Internet em que muitos nem telefone fixo em casa tinham, que dirá celular. A escritora consegue traçar um panorama rico e relevante do cenário cultural do Rio Grande do Sul (e do Brasil) da década de 80/90, a partir do ponto de vista de quem fazia parte de uma emissora de rádio inovadora e transgressora por natureza, além de contar episódios divertidos sobre os bastidores da rádio. Um prato cheio para os saudosistas de plantão mas também para os mais jovens ficarem por dentro de como era complexo e “artesanal” fazer rádio até os anos 90 no Brasil.
Conhecida como uma das vozes mais marcantes da rádio Ipanema, Katia Suman segue firme e forte na luta pela cultura underground local. Entre outras iniciativas, mantém via web a Radioelétrica e capitaneia o Sarau Elétrico, um dos eventos literários mais bem-sucedidos de Porto Alegre.