Voos Literários

Maratona literária, uma forma de fugir da dureza dos dias atuais

Flávia Cunha
27 de julho de 2021

Maratona literária, vocês conhecem? Em tempos de Olimpíadas, resolvi falar sobre essa modalidade nada esportiva mas que encanta os apaixonados por literatura.  Para quem ainda não entendeu do que se trata, classifico como “maratonar um livro” a ação de começar e terminar a leitura da obra no mesmo dia. Sabem como é? Ficar grudado naquela história, sem conseguir parar até descobrir o final.

Por motivos de Brasil da pandemia, fazia muito tempo que não conseguia fazer uma maratona literária. Infelizmente, imagino não estar sozinha na falta de foco e concentração. Afinal, aos nossos problemas pessoais somam-se milhares de mortos, atraso na vacinação e a péssima gestão de Jair Bolsonaro no poder.

Jogos Olímpicos como evasão da realidade

Atualmente, outra alternativa muito usada para fugir um pouco da realidade são os Jogos Olímpicos. Por decisão consciente ou não, parte da população brasileira tem direcionado a atenção aos feitos de atletas, muitos deles de modalidades pouco aclamadas fora de eventos de proporção mundial. 

Porém, para mim, os jogos olímpicos não servem como evasão, pois o “fantasma” da política parece contaminar tudo. “Os atletas do vôlei são ou não bolsonaristas?” “Medina perdeu mas mereceu, pois tem até foto com o filho do Bozo!” “Vocês viram o deputado que defendeu trabalho infantil depois da vitória da Rayssa no skate?”

Uma fuga saudável 

Sendo assim, prefiro fugir mesmo de conexões com a dureza dos dias atuais, nem que seja por alguns momentos. Para esse distanciamento terapêutico da realidade, recomendo um bom livro de ficção. A sugestão é encontrar um estilo literário que prenda sua atenção o suficiente para não pensar qual será a próxima medida desastrosa do governo Bolsonaro. 

Advertência

No entanto, caro leitor, a recomendação é fazer uso de maratonas literárias com moderação. Pois a vontade de morar dentro dos livros e, não na realidade brasileira, pode ser irremediável. Por isso, o que precisamos é usar desse recurso para recarregar as baterias e seguir em frente, com a saúde mental em dia. Para, assim, permanecer com força e vontade de seguir lutando, seja da maneira que for. 

Livros que usei  para “fugir” do Brasil 2021

Jardim de Inverno, Zélia Gattai – Acompanhar as histórias de viagem de Jorge Amado e Zélia Gattai, o casal literário mais fofo da história brasileira, é uma fuga muito prazerosa. O estilo narrativo de Zélia é único, fazendo os leitores entenderem, com simplicidade, o contexto difícil do exílio, sem deixar de lado a intimidade em família, repleta de momentos engraçados.

Controle, Natalia Borges Polesso – A obra trata sobre uma história de amor entre duas mulheres, que se conheceram ainda na adolescência. Nanda, a protagonista, é apaixonada por New Order e as citações à banda inglesa encaixam-se ao enredo de forma muito natural.  A premiada Natalia Borges Polesso é, sem dúvida, uma das mais expressivas e talentosas escritoras da atualidade.

Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, Taylor Jenkins Reid – O romance é sobre um ícone fictício de Hollywood que, ao final da vida, resolve chamar uma jornalista para finalmente revelar sua turbulenta trajetória, iniciada nos anos 1950. Mas o livro é muito mais do que isso. É sobre poder, objetificação feminina, relacionamentos homoafetivos, amor e perdas. Da minha experiência como leitora, confesso que devorei as 360 páginas em poucas horas, na noite passada. E, por isso, resolvi escrever este texto.   

Imagem: Thought Catalog/Pixabay

 

Geórgia Santos

Entenda por que esporte é lugar de política, sim

Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2018

Tiago Leifert escreveu, em artigo para a revista GQ, que “Evento esportivo não é lugar de manifestação política”. Foi profundamente infeliz. Simples assim. Em apenas um texto, o jornalista ignora o significado de política e cidadania e, ao mesmo tempo, nega a História.

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“Olhando por todos os lados, não vejo motivos para politizar o esporte”

(Tiago Leifert)

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Estas 12 palavras são um resumo justo da ignorância que o texto inteiro transmite. Imediatamente após ler, minha memória foi inundada por imagens que todos já vimos em algum momento de nossas efêmeras e insignificantes existências.

(Ullstein Bild / Getty Images)

A amizade entre o medalhista olímpico Jesse Owens e o alemão Luz Long fez cair o queixo de Adolf Hitler. Owens foi o atleta negro que ganhou quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Luz o abraçou diante de milhares de pessoas, entre elas milhares que acreditavam na superioridade dos arianos. Entre elas Adolf Hitler. Aquele abraço foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse em um evento esportivo daquela magnitude.


(Riccardo Gazzaniga /Arquivo / San Francisco Globe)

Uma das cenas mais emblemáticas da história da Olimpíada foi protagonizada no México, em 1968. Tommie Smith e John Carlos, atletas dos 200m rasos que ficaram com as medalhas de ouro e bronze, respectivamente, ergueram os punhos fechados durante a execução do hino nacional. O gesto havia sido consagrado pelo movimento dos Panteras Negras, que combatia a discriminação racial nos Estados Unidos na década de 60. Eles foram expulsos daquela edição dos jogos, condenados pela imprensa e por parte da população branca americana. Ainda assim, foram e são considerados heróis na luta pelos direitos civis dos negros norteamericanos. Aquele gesto foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse um evento esportivo daquela magnitude.

(Arquivo/Clube dos Cinco)

No Brasil, a Democracia Corinthiana revolucionou o futebol em plena Ditadura Militar. Decisões importantes eram tomadas por meio do voto igualitário dos membros do clube, inclusive decisões sobre a liberdade para expressar opiniões políticas. O movimento foi liderado por Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. Entre 1980 e 1984, o clube adotou a autogestão, quitou suas dívidas e ainda deixou U$ 3 milhões em caixa. A Democracia Corinthiana foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo daquela magnitude.

(Divulgação / Libretos)

Mais próximo, quem não lembra da Coligay, do Grêmio, a primeira torcida formada exclusivamente por homossexuais. Era pura ousadia em plena Ditadura. Em 1977, Volmar Santos fundou a falange que chamava atenção por dar um grito de liberdade em um meio que, até hoje, é extremamente homofóbico e machista. O jornalista Léo Gerchmann relatou a história desses caras incríveis no livro “Coligay – Tricolor e de todas as cores”. A Coligay foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo de tamanho magnitude.

E estes foram apenas os que lembrei de memória. Sem falar em Colin Kaepernik, jogador da NFL que se ajoelhou durante a execução do hino dos EUA como forma de protesto pela forma como os negros são perseguidos e mortos pela polícia do país. O jornalista acha que foi um erro, porque o atleta está desempregado. Pelo menos a revista para a qual ele escreve não concorda.

                                                                                                                                                                                                                                                                                      (Reprodução)

Leifert fala que não acha “justo justo ele (o atleta) hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais”. Ai. Política não é uma causa pessoal, por mais que nossos representantes nos façam acreditar que seja. Política é algo maior que partidos ou tendências ideológicas pessoais. Política está relacionada justamente com a vida em sociedade da qual o indivíduo e o esporte fazem parte. Falando de um regime democrático, política garante que todos expressem suas diferenças e conflitos sem que isso seja um problema.

Os eventos esportivos atingem milhares de pessoas e precisam ser usados com a responsabilidade que grandes audiências trazem. Isso pode ser negativo? Pode. No Brasil, já tivemos o péssimo exemplo da ditadura interferindo no Campeonato Brasileiro. O livro “Onde a Arena vai mal, um time no nacional”, de Daniel Araújo dos Santos, conta a história de como os militares utilizavam o Brasileirão como manobra para atrair adeptos ao partido que estava no poder. Sem falar no uso da Seleção Brasileira de 1970 para promover o regime. Por essas e outras, o esporte precisa estar aberto à resistência, assim como todas as esferas públicas da vida em sociedade em uma democracia.

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Leifert diz:

“Acho também que temos de respeitar os espaços destinados à diversão, senão nosso mundo vai ficar ainda mais maluco”

“Tem muita coisa contaminada por aí. Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão”

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O nome disso é alienação, amigo