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BSV Especial Coronavírus #72 Golpismo à la Bolsonaro

Geórgia Santos
8 de setembro de 2021

 

Nesta semana, golpismo à la Bolsonaro

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No último Sete de Setembro, centenas de milhares de pessoas foram as ruas para defender o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo assim, a manifestação “flopou”. 

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Ué, mas a manifestação não foi grande? Foi. Mas foi grande e fracassou? Sim. Como?

A gente explica

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Estamos em um contexto de queda na popularidade de Bolsonaro, queda nas avaliações da administração e piora da crise econômica. As contas do supermercado, gás, luz, gasolina estão nas alturas. Mas isso não preocupou o presidente, que ignorou os números da economia e da pandemia e só se preocupou em atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) em um tom violento e golpista.

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

 

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #72 Golpismo à la Bolsonaro

Foto: Isac Nóbrega/PR

Geórgia Santos

Entenda por que esporte é lugar de política, sim

Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2018

Tiago Leifert escreveu, em artigo para a revista GQ, que “Evento esportivo não é lugar de manifestação política”. Foi profundamente infeliz. Simples assim. Em apenas um texto, o jornalista ignora o significado de política e cidadania e, ao mesmo tempo, nega a História.

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“Olhando por todos os lados, não vejo motivos para politizar o esporte”

(Tiago Leifert)

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Estas 12 palavras são um resumo justo da ignorância que o texto inteiro transmite. Imediatamente após ler, minha memória foi inundada por imagens que todos já vimos em algum momento de nossas efêmeras e insignificantes existências.

(Ullstein Bild / Getty Images)

A amizade entre o medalhista olímpico Jesse Owens e o alemão Luz Long fez cair o queixo de Adolf Hitler. Owens foi o atleta negro que ganhou quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Luz o abraçou diante de milhares de pessoas, entre elas milhares que acreditavam na superioridade dos arianos. Entre elas Adolf Hitler. Aquele abraço foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse em um evento esportivo daquela magnitude.


(Riccardo Gazzaniga /Arquivo / San Francisco Globe)

Uma das cenas mais emblemáticas da história da Olimpíada foi protagonizada no México, em 1968. Tommie Smith e John Carlos, atletas dos 200m rasos que ficaram com as medalhas de ouro e bronze, respectivamente, ergueram os punhos fechados durante a execução do hino nacional. O gesto havia sido consagrado pelo movimento dos Panteras Negras, que combatia a discriminação racial nos Estados Unidos na década de 60. Eles foram expulsos daquela edição dos jogos, condenados pela imprensa e por parte da população branca americana. Ainda assim, foram e são considerados heróis na luta pelos direitos civis dos negros norteamericanos. Aquele gesto foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse um evento esportivo daquela magnitude.

(Arquivo/Clube dos Cinco)

No Brasil, a Democracia Corinthiana revolucionou o futebol em plena Ditadura Militar. Decisões importantes eram tomadas por meio do voto igualitário dos membros do clube, inclusive decisões sobre a liberdade para expressar opiniões políticas. O movimento foi liderado por Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. Entre 1980 e 1984, o clube adotou a autogestão, quitou suas dívidas e ainda deixou U$ 3 milhões em caixa. A Democracia Corinthiana foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo daquela magnitude.

(Divulgação / Libretos)

Mais próximo, quem não lembra da Coligay, do Grêmio, a primeira torcida formada exclusivamente por homossexuais. Era pura ousadia em plena Ditadura. Em 1977, Volmar Santos fundou a falange que chamava atenção por dar um grito de liberdade em um meio que, até hoje, é extremamente homofóbico e machista. O jornalista Léo Gerchmann relatou a história desses caras incríveis no livro “Coligay – Tricolor e de todas as cores”. A Coligay foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo de tamanho magnitude.

E estes foram apenas os que lembrei de memória. Sem falar em Colin Kaepernik, jogador da NFL que se ajoelhou durante a execução do hino dos EUA como forma de protesto pela forma como os negros são perseguidos e mortos pela polícia do país. O jornalista acha que foi um erro, porque o atleta está desempregado. Pelo menos a revista para a qual ele escreve não concorda.

                                                                                                                                                                                                                                                                                      (Reprodução)

Leifert fala que não acha “justo justo ele (o atleta) hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais”. Ai. Política não é uma causa pessoal, por mais que nossos representantes nos façam acreditar que seja. Política é algo maior que partidos ou tendências ideológicas pessoais. Política está relacionada justamente com a vida em sociedade da qual o indivíduo e o esporte fazem parte. Falando de um regime democrático, política garante que todos expressem suas diferenças e conflitos sem que isso seja um problema.

Os eventos esportivos atingem milhares de pessoas e precisam ser usados com a responsabilidade que grandes audiências trazem. Isso pode ser negativo? Pode. No Brasil, já tivemos o péssimo exemplo da ditadura interferindo no Campeonato Brasileiro. O livro “Onde a Arena vai mal, um time no nacional”, de Daniel Araújo dos Santos, conta a história de como os militares utilizavam o Brasileirão como manobra para atrair adeptos ao partido que estava no poder. Sem falar no uso da Seleção Brasileira de 1970 para promover o regime. Por essas e outras, o esporte precisa estar aberto à resistência, assim como todas as esferas públicas da vida em sociedade em uma democracia.

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Leifert diz:

“Acho também que temos de respeitar os espaços destinados à diversão, senão nosso mundo vai ficar ainda mais maluco”

“Tem muita coisa contaminada por aí. Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão”

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O nome disso é alienação, amigo

Nós US

Manifestações pelo senso comum

Sacha
26 de abril de 2017
(you can read this article in English here)

Não é normal que cientistas e entusiastas da ciência saiam às ruas em defesa de suas práticas. Mas cá estamos.

No sábado passado, milhões de pessoas saíram às ruas pelo mundo inteiro em defesa da ciência. Isto é, a ciência geral. A prática de fazer pesquisas empíricas para chegar a conclusões baseadas em resultados duplicáveis. A base de todo o nosso conhecimento do mundo moderno. Foi tanta gente só nos Estados Unidos que, outra vez, superou os participantes da posse do presidente.

A história do anti-intelectualismo nos Estados Unidos não é nada nova

Para entender tudo isso, é preciso reconhecer o fundamento do apelo dos cientistas: a ciência sofre um ataque existencial aos seus recursos e medidas com a chegada de um executivo notoriamente anti-intelectual. A casta política que envolve o presidente também adota esta posição. Seja por interesses corporativos ou religiosos, há uma corrente notável de anti-intelectualismo nos Estados Unidos. O país figura entre os que menos acreditam na evolução e na mudança do clima no Ocidente, entre outros assuntos básicos de ciência. Há setores céticos a ponto de promoverem movimentos contra a medicina moderna que lhes deu a possibilidade de viver vidas mais longas e com melhor qualidade. E assim continua.

A história do anti-intelectualismo nos Estados Unidos, porém, não é nada nova. Existe desde a fundação das colônias em solo norte-americano, antes de serem sequer estados, nem entre eles unidos. No caso dos Estados Unidos, a Grã-Bretanha não conseguiu exportar o seu modelo de classes sociais, sendo a vasta maioria dos chegados provenientes de classes inferiores no velho mundo. Desde então, a educação acadêmica sofre de uma percepção que varia entre inutilidade, elitismo, improdutividade ou mais além. É um constante por partes maiores ou menores da sociedade até ainda hoje.

É por este ceticismo da ciência que tanta gente marchou nas ruas. Não porque existe em si, mas porque acaba de tomar conta dos mais altos poderes do país. O tônico da fé na auto-suficiência e a ideia de que apenas esforços ambíguos são a chave de sucesso não é só o elixir do homem comum. Agora, um dos grandes partidos já tomou uma dose alta. Os cientistas viram-se obrigados a protestar pelo senso comum que entende o benefício do seu trabalho. Falta ver se o resultado é duplicável.

Image: Thomas Jaggi
Samir Oliveira

Uma farsa criada para perseguir ativistas

Samir Oliveira
23 de fevereiro de 2017
Foto: Caroline Ferraz/Editorial J

Não é exagero afirmar que o ano de 2013 foi um ano decisivo na minha vida. Naquela época trabalhava como repórter e foi nesta condição que acompanhei todas as manifestações que tomaram conta de Porto Alegre, no lastro de uma revolta popular que revirou o Brasil e amedrontou a casta política.

As jornadas de junho fizeram parte do meu amadurecimento político. Foi com a juventude nas ruas em 2013 que fortaleci minha consciência de militante LGBT, percebendo que algo novo estava sendo gestado naquele momento. Conheci muita gente, me aproximei de coletivos e movimentos. Fui tomado por aquela atmosfera incontrolável e potente.

“Nem o realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez conseguiria ser tão criativo na invenção de uma crônica fantástica como essa montada pela polícia gaúcha, com a cumplicidade do Ministério Público e a anuência do Judiciário”

Mas este texto é mais do que um exercício de nostalgia. É uma necessidade. No dia 21 de fevereiro iniciaram-se as audiências de um processo que se arrasta desde 2013 contra seis ativistas que participaram das jornadas de junho: Matheus Gomes, Rodrigo Brizolla, Lucas Maróstica, Gilian Cidade, Alfeu Neto e Vicente Mertz. Trata-se de uma farsa jurídica. Nem o realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez conseguiria ser tão criativo na invenção de uma crônica fantástica como essa montada pela polícia gaúcha, com a cumplicidade do Ministério Público e a anuência do Judiciário.

Estes jovens não estão sendo acusados por acaso. Todos faziam parte da organização do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, esforço de diversos coletivos e entidades que se unem em torno de uma pauta comum para mobilizar a sociedade porto-alegrense por um transporte 100% público e de qualidade. Foram selecionados pelo Estado para servir de exemplo a todos os manifestantes, numa tentativa de rebaixar os movimentos sociais a algo semelhante a uma quadrilha perante a opinião pública.

As acusações

Os seis militantes são acusados de liderar depredações e saques. A acusação é baseada no depoimento de uma pessoa desconhecida, que disse ter roubado dois secadores de cabelo a mando do Bloco de Lutas. Uma piada de mau gosto. Como se o levante juvenil e popular de 2013 tivesse ido às ruas do Brasil inteiro para roubar secadores. Mas a trama fica mais interessante quando verificamos as outras testemunhas que embasam a ação: um policial militar e o jornalista Voltaire Santos que, na época, trabalhava na Rádio Gaúcha.

O repórter em questão se infiltrou de forma clandestina em uma assembleia do movimento, afirmando à polícia ter presenciado a organização de ações violentas por parte dos manifestantes. É a expressão de um tipo de jornalismo que sempre atuou em uma relação umbilical com a polícia. O mesmo jornalista foi um dos responsáveis pelo fechamento de uma clínica de aborto em Porto Alegre, gerando constrangimento a mulheres que se veem obrigadas a recorrer a estes locais e ainda por cima acabam sendo expostas como criminosas em uma articulação perversa entre mídia e polícia.

A minha participação

Como repórter, acompanhei de perto todas as manifestações de 2013. Estive em assembleias do movimento durante a ocupação da Câmara Municipal e nunca presenciei qualquer organização de atividade violenta. Eu tinha contato direto com muitos dos ativistas acusados nesta ação. Nunca vi nenhum deles com uma pedra na mão ou incitando – muito menos coordenando – qualquer atitude violenta. As depredações que ocorreram foram um sintoma daquele momento político, um fenômeno espontâneo e incontrolável das ruas em ebulição, não uma atitude orientada por qualquer movimento. Dificilmente multidões se rebelam com um sorriso no rosto e flores nas mãos.

Sei que esta coluna é um espaço para falar de temas relacionados à população LGBT. Talvez pareça que este texto não tem relação nenhuma com isso, mas tem. Em 2013, centenas de milhares de jovens tomaram as ruas mandando um recado ao nosso sistema político apodrecido: “Não nos representam”. Essa foi a síntese de um acontecimento que, mesmo com imprecisões, representou uma fissura no regime. É por isso que a juventude que saiu às ruas está até hoje sendo perseguida. É por isso que o Estado quer transformar ativistas em réus.

A comunidade LGBT nunca foi representada por este sistema denunciado em 2013. A institucionalidade brasileira não dá a seus cidadãos LGBTs direitos básicos, como casamento – regulado pela esfera judicial, mas inexistente no âmbito legal -, direito à livre identidade de gênero e um conjunto de políticas públicas voltadas à educação para a diversidade e ao combate ao preconceito. A ausência destes direitos alimenta uma cultura do ódio e torna cada um de nós, LGBTs, alvos permanentes. Por isso optei por usar este espaço hoje para denunciar esta farsa, este processo kafkiano. Os LGBTs conhecem de perto o arbítrio e estão sujeitos a todo tipo de autoritarismo, portanto nenhum de nós deve compactuar com este tipo de situação.

Foto: Carolina Ferraz/Editorial J