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A renda ficou muito cara

Sacha
4 de abril de 2018

A inflação é uma praga que atinge não só o bolso do brasileiro. A crise que se passou em 2008 não deixou um canto do mundo livre de seus efeitos, mais tarde ou mais cedo. Depois de uma queda meteórica no mercado imobiliário no Ocidente, os preços têm voltado a níveis insustentáveis nas zonas de maior atividade econômica. Nos Estados Unidos hoje, em nada se nota tanto os efeitos da crise como na moradia.

Uma década perdida

Se está caro arrendar uma casa tanto no Rio de Janeiro quanto em cidades como Vancouver, São Francisco, ou Londres, o que há por trás disso? É preciso começar com a crise de 2008 e os efeitos no mercado financeiro.

Há uma década, a construção era financiada em grande parte por linhas de crédito pedidas aos bancos. Esses mesmos bancos em grande número faliram na crise financeira, levando à cessão da atividade de construtoras. Os bancos que restavam dificultaram o acesso a crédito.

Sem projetos, as construtoras começaram a encerrar ou especializar em projetos de luxo que pudessem pagar as contas. A bola de neve foi descendo durante anos, deixando muitas cidades com uma década inteira (ou mais) de construção perdida.

As populações, entretanto, não esperavam as construtoras recuperarem as condições. Entradas em plena recuperação econômica, essas cidades tornaram-se pólos migratórios sem que tivessem a capacidade de acolher todos que queriam habitá-las.

Não é por acaso que as cidades mais baratas para se viver são as mesmas que têm permitido a construção de capacidade adequada ao crescimento de emprego na última década.

O deslocamento de populações antigas às mãos de recém-vindos com mais dinheiro é o que se tem chamado gentrificação. Algumas cidades, já sentindo essa pressão, tentaram legislar proteções contra o fenômeno. Em cidade alguma isso tem resultado da forma desejada. Em alguns casos, a situação até foi agravada.

Com espaço limitado e pouca ação tomada para deixar lugar para todos, os mais privilegiados ganham. Os preços continuam a subir apesar de qualquer esforço. É o caso de toda a Califórnia, especialmente a área da Baía de São Francisco.

Não há uma causa única

Aqui não há nenhum mistério. O princípio de oferta e procura é bastante simples: quando existe um bem pelo qual há pouca oferta e muita procura, o preço sobe. E os preços subiram muito. As cidades e estados tampouco souberam construir habitação social o suficiente para as necessidades da população. Esta é a base dos males de comprar ou arrendar uma casa hoje em dia.

Isto se aplica tanto em casos extremos como na Espanha, quanto em áreas menos afetadas, como nas cidades da região chamado o Sun Belt (Cinturão do Sol) americano. Mas não explica tudo.

O ponto em comum de toda a explicação é o desejo de controlar e bloquear o crescimento populacional das cidades. Os motivos são vários para bloquear o crescimento. Argumentos superficiais defendem uma melhoria em qualidade de vida ou escolas públicas. Outros são mais discretos. Entre eles é o desejo de preservar o preço imobiliário por esta via artificial. Assim, enriquece-se quem já teve o privilégio de comprar casa no lugar e tempo certo.

As cidades americanas sofrem de um câncer de zoneamento excessivo

Outro fator agravante, eminente na Califórnia, é o zoneamento restritivo das cidades. O zoneamento dita os usos dos edifícios, permitindo a atividade comercial ou industrial, a residência, usos agrícolas e etc. Também dita a forma que podem tomar os edifícios. Isto é, restringe ou não o tamanho dos edifícios e determina se podem ser juntos ao estilo urbano ou somente separados ao estilo suburbano. Usos mistos são raros e frequentemente relegados a diferentes tipos de atividade comercial: torres parcialmente ocupadas por hotéis e escritórios, por exemplo.

Concebido como forma de regular os usos do território de um município, o zoneamento tem sido aplicado para bloquear crescimento de qualquer elemento indesejado nas cidades americanas. As origens do zoneamento remontam à época de integração e o movimento para direitos civis. Esta é a mesma época do processo de fuga dos brancos dos centros das cidades.

O zoneamento começa como uma forma discreta, entre muitas, de restringir o acesso de pessoas negras e outras inúmeras minorias às comunidades preferidas pelos brancos de classe média até alta.

Isto se efetua principalmente por meio de restringir a construção de casas em grande número. Esquece qualquer tipo de construção densa, como apartamentos ou condomínios, onde pessoas menos afortunadas podiam viver.

Uma vez designada uma área atrativa para se viver, ordenanças e ação civil completam o processo de negar a concessão de casas às minorias indesejadas. Chegou a tal ponto na Califórnia que algumas cidades sequer permitiram licenças para a construção de mais do que uma dúzia de casas novas durante a última década, enquanto a crise imobiliária se agravou nas suas respectivas áreas metropolitanas.

Uma nova política emergente quer corrigir esta falha

Nos últimos anos, tem surgido um movimento político que se centra na questão de ter casa para todos. Na legislatura californiana, várias iniciativas ganharam tração nos últimos três anos para facilitar o livramento de mais vivendas. Agora, um projeto-lei pretende forçar os municípios do estado a permitirem tipologias densas em torno de transporte público. Há candidaturas de vereadores em São Francisco focadas em transformar a cidade numa que constrói mais casas para acalmar os preços astronómicos na cidade. Assim se vai espalhando não só pela Califórnia, mas o país inteiro.

Toda a gente já começou a dar-se conta de que a renda está demasiada cara. Agora falta pôr em prática soluções para uma situação uma década atrasada.

Nós US

Sim, até o Alabama leva assédio a sério

Sacha
13 de dezembro de 2017
(you can read this article in English here)

É raro que um democrata seja eleito num estado como o Alabama. Algumas regiões do país são tão fielmente partidários que nem sequer têm votantes indecisos o suficiente para terem candidatos eleitos do outro partido. A margem, simplesmente, é demasiado grande. O Alabama é o exemplo prototípico disso. Ainda assim, Doug Jones não deixou escapar a sua oportunidade na eleição especial para o Senado contra o republicano Roy Moore.

Consideremos as circunstâncias. Roy Moore tem uma larga, insidiosa história de acusações de abuso sexual de menores de idade. Inclusive foi impedido de jamais entrar em certo shopping por causa disso. As vítimas já se têm apresentado com relatos de faz décadas. Todas as acusações seguem um padrão da vítima ser menor de idade e ele ser agressivo.

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Um político permanecer na candidatura nessas condições é quase impensável

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O que é extraordinário das circunstâncias da eleição no Alabama é o momento que escolheram fazer as acusações contra o candidato de um partido. Vivemos agora uma onda de vítimas a contar as suas histórias de assédio e abuso. Esses relatos são levados a sério e os agressores estão responsabilizados pelo acontecido. Hollywood faz semanas que não para de expulsar os acusados. Este efeito também se transferiu para a política, com vários políticos notáveis dos dois grandes partidos forçados a não se recandidatar ou mesmo demitir-se por cause de acusações credíveis.

Embora seja notável que Moore conseguiu, de algum jeito, a candidatura republicana, o apoio tépido que teve do partido não é tanto assim. Não devemos esquecer que o próprio presidente quase viu a sua campanha implodir pelos comentários de “grab them by the pussy” gravados em vídeo. Apesar de grandes nomes na mídia e na política caírem, o maior de todos continua, por enquanto, confortável na sua posição. Este momento na nossa cultura, aliás, não se tem estendido ao mais flagrante dos acusados.

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A persistência de #MeToo não tem paralelo

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Sem a onda da sociedade a dar voz contra assédio e abuso sexual, seria quase impossível exigir a demissão de figuras tão estabelecidas. É para o benefício da sociedade em geral, especialmente as mulheres mesmo, que outra vez nos despertamos à violência real de assédio e abuso. Numa época em que o ciclo mediático se tem reduzido a meras horas, a persistência de #MeToo não tem paralelo. Isso na sua extensão, persistência e capacidade de atingir figuras de todos os lados dos espectros sociais. Sejam rabinos, diretores, vereadores, representantes, ou outros, agressores estão sendo expostos por vítimas caladas há muito tempo.

Roy Moore perdeu por apenas 1,5% até ao final da noite de terça-feira. Essa é uma margem estreitíssima de rejeição da personificação de tudo contra o qual o movimento Me Too luta. Mesmo assim, aconteceu. É um momento breve de alívio da barragem de escândalos na política que não parece ter fim. Se conseguir alcançar o acusado mais alto, será na base desta mesma opinião pública.

Imagem: Jordan Ladikos
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Yes, Even Alabama Takes Sexual Harassment Seriously

Sacha
13 de dezembro de 2017
(pode ler este artigo em português aqui)

It’s a rare feat that a Democrat gets elected in a state like Alabama. Some parts of the country are so staunchly partisan that they don’t have so much as swing voters to tip their elections any other way. There’s simply too wide of a margin. Alabama is the prototypical example of this. Yet Doug Jones managed not to bungle the special Senate election he contested against Republican Roy Moore to win the seat.

Consider the circumstances. Roy Moore has a long, dark history of accusations of underage sexual assault. This includes even being prohibited from visiting a shopping center due to this. Victims have come forward with accounts spanning decades. All follow a regular pattern of them being underage and him being aggressive.

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A politician remaining in the race for office in such a condition is nearly unthinkable

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What’s remarkable about the circumstances of the Alabama special election is the timing of the accusations against one party’s candidate. We are currently experiences a mass wave of victims coming forth about sexual assault. They are being taken credibly and having their aggressors held accountable for it. Hollywood has not stopped purging its ranks of any and all accused in weeks. The effect has spilled over into politics, with several prominent politicians from both major parties being forced not to seek reelection or resign due to credible accusations.

While it is remarkable that Moore managed to finagle the Republican candidacy, the tepid embrace of the party should not be. We need not forget that the president himself had his own campaign nearly implode due to the infamous “grab them by the pussy” remarks on video. Despite top names in the media business and in politics coming crashing down, the name at the very top remains comfortably, for now, in his position. Our cultural moment, however, has not yet seemed to extend to the most egregious of the accused.

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The durability of #MeToo is unparalleled

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Without the groundswell of society outspoken against sexual harassment and assault, it would be nearly impossible to call for the ouster of such established figures. It is for the benefit of society at large, especially women themselves, that we have once again woken up to the real violence of sexual assault. In an era in which the news cycle has been reduced to mere hours, the durability of #MeToo is unparalleled. Its scope, its lasting power, and its ability to touch those on all sides of the social spectrums. Be they rabbis, directors, councilmen, congressmen, or beyond, sexual offenders are being exposed by long-silenced victims.

Roy Moore lost by 1.5 percentage points, as of the end of the night on Tuesday. That is a very small margin of rejection of the political embodiment of everything the Me Too movement stands against. Yet it happened, and it is a brief moment of respite from the seemingly endless barrage of scandal coming from our politics. If it should rise all the way to the top, it will be on the back of this public sentiment.

Image: Jordan Ladikos
Nós US

Trumpism Doesn’t Win Everything

Sacha
15 de novembro de 2017
(pode ler este artigo em português aqui)

Let there be hope for the difficult political times we’re going through. It had seemed that all the rules of the game were turned on their head. The 2017 election, however, showed that politics isn’t (yet) a lost cause.

This month’s elections showed that Trump is not immune to his historically unpopular presidency and the effects it has on his party. In a number of states, Democrats made large gains in local and statewide races. This was especially the case in Virginia, where they have nearly flipped one house of the state legislature—unthinkable leading up to the election.

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The results were in line with polling expectations

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Given last year’s losses, however, Democratic supporters were nervous about the possibility of further surprises. Instead, they made gains in friendly states like Virginia and inroads in more difficult places like Georgia, Montana, and South Carolina. Far from retreating further, the party appeared to solidify its position ahead of the 2018 midterm elections.

In Virginia’s governor race, the Republican candidate attempted to use Trump-style media tactics while maintaining a more reasonable profile in campaign rallies. That strategy backfired. If the new rules of the game were supposed to be Trump-style sensationalism at all costs, it appears at least the voters in Virginia didn’t fall for it. For all his flaws, the Democratic candidate managed to win by roughly 9 percentage points.

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The formula wasn’t a perfect elixir

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Politics, like most social sciences, is about sussing out trends over time as opposed to one-off revolutions of facts. What we know in American politics is that the president’s party is usually at a disadvantage in midterm and special elections. We also know that how low a president’s approval rating sinks tends to correlate with how well the opposition is poised to do in the next round of elections. As a sort of official testing ground, these elections proved that even in the era of Trump, that holds true.

That a bombastic campaign of populist cliches and scaremongering didn’t manage to succeed on Virginia voters should call into question what exactly made the formula work for Trump. The Republican Party is facing stiff challenges in upcoming elections. Whether it should embrace Trumpism and go full steam ahead on that particular brand of toxic populism, or change course to account for more popular public policy, is now more open a question than ever.

Image: Ben Shafer
Nós US

O trumpismo não ganha tudo

Sacha
15 de novembro de 2017
(you can read this article in English here)

Haja esperança para os difíceis tempos políticos que atravessamos. Já parecia que todas as regras do jogo estavam viradas. As eleições de 2017, no entanto, mostraram que a política (ainda) não é bem assim.

As eleições deste mês demonstraram que Trump não é imune à sua impopularidade histórica e os efeitos que causa no seu partido. Em vários estados, os democratas ganharam em grande em concorrências locais e estaduais. Isso foi especialmente o caso no estado da Virgínia, onde o Partido Democrata quase tem virado a Câmara dos Delegados—impensável antes da eleição.

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Os resultados seguiram as tendências das sondagens

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Dadas as perdas do ano passado, porém, apoiantes estavam nervosos com a possibilidade de mais surpresas. Em vez disso, ganharam campo em estados mais alinhados com a base como a Virgínia. Fizeram progresso em território mais difícil, como os estados da Geórgia, Montana e a Carolina do Sul. Longe de recuar, o Partido Democrata parece ter consolidado a sua posição antes das eleições de meio de mandato de 2018.

Na eleição para governado da Virgínia, o candidato republicano tentou usar táticas ao estilo de Trump nas propagandas enquanto mantinha um perfil mais razoável em atos da campanha. A estratégia deu errado. Se as novas regras do jogo eram a favor de um sensacionalismo ao modo de Trump a qualquer custo, os votantes da Virgínia não deram bola. Apesar dos seus defeitos, o candidato democrático conseguiu ganhar com quase 9 por cento mais de votos.

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A fórmula não foi um elixir perfeito

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A política, como a maioria das ciências sociais, é uma de descobrir tendências ao longo do tempo em vez de revoluções isoladas. O que sabemos da política dos Estados Unidos é que o partido do presidente geralmente está em desvantagem nas eleições especiais e de meio de mandato. Também sabemos que quanto mais baixa seja a aprovação do presidente, melhor tende a sair a oposição na próxima volta de eleições. Como prova oficial, essas eleições demonstraram que até na era de Trump, a hipótese continua válida.

Que uma campanha bombástica de clichês populistas e alarmismo não resultou com os votantes da Virgínia deve deixar em questão como foi que a fórmula resultou para Trump. O Partido Republicano enfrenta grandes desafios nas próximas eleições. A questão se deve ou não adotar o trumpismo e seguir a todo o gás com esse estilo de populismo tóxico, ou bem mudar de táticas e aceitar uma política pública mais popular, é hoje uma questão mais aberta que nunca.

Imagem: Ben Shafer
Nós US

Importa quem se opõe a Trump

Sacha
25 de outubro de 2017
(you can read this post in English here)

O senador Jeff Flake gerou polêmica quando anunciou que não ia se recandidatar em 2018, com uma mensagem plenamente anti-Trump. A abordagem consolou o establishment republicano pouco confortável com Trump, mas relutante a exprimir isso publicamente. A oposição de Flake a Trump também deixa margem para a esquerda afirmar que o apoio partidário a Trump está fraturando. É cedo, porém, chegar a essas conclusões, por alguns motivos.

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Quem critica o presidente importa

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O senador Flake é um dos poucos republicanos no Congresso que se opõem abertamente a Trump, questionando a sua aptidão para o cargo. Por mais que se opusessem a Trump nas primárias, os republicanos têm se unificado em apoio a ele desde a sua nomeação. As diatribes e posições repreensíveis de Trump não têm levantado nenhuma voz republicana contrária em público. O silêncio em torno dos piores comportamentos do presidente tem sido a forma preferida do partido lidar com ele.

Esse silêncio é o fator determinante para a continuidade da administração. Os republicanos convergem na perspectiva de promulgar a sua agenda em virtude de controlar a presidência juntamente com a legislatura. Acreditam, devidamente, que se conseguissem passar legislação, ela seria assinada por Trump. Com a expectativa de que os democratas se oporiam à legislação republicana, nas câmaras de poder, a resistência democrata importa pouco para a sobrevivência da Casa Branca.

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Os republicanos estão altamente unidos

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Apoio republicano a Trump, ou falta de oposição, tem sido inabalável desde o início da sessão legislativa. Qualquer oposição ao extremismo de Trump tem encontrado resposta em votos unificados em todos os temas. Sejam nomeações, seja a legislação em si, dissidência republicana tem sido ausente. Com um partido tão qualitativamente unificado, qualquer crítica se destaca.

Destaquemos momentos cruciais em que republicanos votaram em contra de legislação própria, tais como as tentativas de derrubar o ACA. Em cada instância, o desejo republicano de revogar o Affordable Care Act (Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente/PPACA em português) foi derrubado por um trio de senadores críticos da legislação, do impacto previsto, ou até do processo de lei mesmo. Esses senadores são mais dispostos a contrariar Trump e manter-se firmes em contra das suas propostas menos populares. Ainda assim, para qualquer tema há, no máximo, seis senadores que bloqueiam a legislação.

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Vozes críticas da maioria precisam manter o cargo para contar

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O senador Flake não tem sido, de acordo com o seu histórico de votação, um dos republicanos mais opositores à agenda de Trump. Contudo, em anunciando que não ia se recandidatar, começou a ser mais mordaz com o presidente. Embora votos importem mais como medida qualitativa para o partido da maioria decidir que assuntos são os mais importantes, a agenda é determinada pelo presidente. Por isso, sem se preocupar com muitos votos discordantes, críticas e dissidência por dentro do partido da maioria são tão importantes.

No entanto, para vozes republicanas críticas serem ouvidas e influenciarem a agenda legislativa da administração, é necessário que sejam representadas. É evidente que não se candidatar alivia o peso de fazer campanhas em que as palavras ditas podem ser mal-interpretadas. Flake parece que teria sido um candidato fraco contra candidatos nas primárias e na campanha geral. Outros senadores que decidiram não se recandidatar têm motivos semelhantes, ou bem da saúde.

Contudo, a liberdade de exprimir insatisfação num lugar onde isso implica contrariar a agenda legislativa não devia ser relegada apenas aos que não têm mais a perder politicamente. De cara com o extremismo, o freio mais importante são as vozes dissidentes entre as no poder. Precisamos dessas vozes agora e precisaremos delas depois de 2018, quando se constituirá a próxima legislatura.

Sem essas vozes, o Partido Republicano corre o risco de se render aos seus próprios elementos mais extremos. Se não houver figuras críticas dentro do seu partido, Trump terá a legitimação completa da sua agenda política. Essa é uma perspectiva inaceitável.

Imagem: Amanda Nelson
Nós US

It Matters Who Is Opposing Trump

Sacha
25 de outubro de 2017
(pode ler este artigo em português aqui)

Senator Jeff Flake’s recent announcement not to run for reelection is getting a lot of attention for the starkly anti-Trump message he’s paired with it. His approach pleases the Republican establishment that is uneasy with the president but unwilling to speak out about him. His opposition to the president also allows for those on the left to claim the president’s support is fracturing even among his party base. These takes are premature, for a few reasons.

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Who is criticizing the president matters

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Senator Flake is one of only a handful of Republican congressmen to openly oppose Trump and question his suitability for office. However opposed Republican politicians appeared to be to Trump during the primary, since the campaign, they have coalesced around him. Trump’s objectionable positions and tirades have done nothing to dampen the silence that has characterized the Republican method of dealing with him.

That silence is the determining factor for the continuity of the Trump administration. Republicans converge on the prospect of getting their agenda enacted by virtue of the president belonging to the same party. They believe, rightfully, that should they manage to pass legislation, he will sign it. Because the Democrats are expected to oppose Republican legislation, in the annals of power, their resistance matters little for the survival of the White House.

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Republicans are strongly united

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Republican support for, or lack of opposition to, Trump has been remarkably strong since the start of the legislative term. Any vocal opposition to the extremist theatrics Trump puts on has been met with a resounding, unified vote on all issues put forward. From government appointments to legislation itself, Republican dissent has been largely absent from this term. With such a qualitatively unified party, any critical opposition stands out.

We can point to moments where handfuls of Republicans have voted down crucial legislation, such as with the ACA repeal attempts. In each instance, Republicans’ desire to repeal the Affordable Care Act has been derailed by a trio of senators consistently critical of the legislation, its effects, or even the process. These senators are seen as being more generally willing to contradict Trump and hold firm against his less popular proposals. Yet there are for any issue, at most, six senators standing in the way of smooth passage.

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Critical majority voices need to hold office to count

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Senator Flake has not, per his voting record, been one of the strongest Republican deniers of the Trump agenda. Yet in announcing that he will not seek reelection, he has struck a sharper tone toward the president. Although votes matter most as a qualitative measure of how the majority party decides what issues are most important, the political agenda is still largely set by the president. That is why, even without many opposing votes, criticism and dissent from within the majority party is so important.

However, for critical Republican voices to be heard and to shape the Trump administration’s agenda, they must be represented among their ranks. Evidently, not seeking reelection frees the binds of running campaigns that could see words be twisted around. Flake appeared to have been a weak candidate against primary and general campaign challengers. Other retiring senators have similar motives, if not their health.

Yet the freedom to speak up and express discontent in a place where that cuts against the legislative agenda ought not to be relegated only to those who have nothing left to lose politically. In the face of extremity, the primary check on influence are the dissenting voices among the ranks of those in power. Those sorts of voices are needed now, and they will be needed after 2018, when the next legislature will be constituted.

Without their voices, the Republican party runs the risk of turning itself over fully to the most extreme elements within it. If no Republican voices end up left to criticize and critique him, Trump will have gained full legitimation of his political agenda. That is an unacceptable prospect.

Image: Amanda Nelson
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O carvão não voltará tão cedo

Sacha
11 de outubro de 2017
(you can read this article in English here)

O Brasil é afortunado em ter uma abundância de fontes de energia renováveis, fazendo com que a rede brasileira seja uma das mais limpas entre todos os grandes países do mundo. Já os Estados Unidos não contam com o mesmo luxo. Lá, o carvão mineral foi o principal recurso energético nas usinas do país até 2016, ano em que foi ultrapassado pelo gás natural. A queda do carvão, em suma, é devida às forças do mercado. O preço dos combustíveis fósseis tem caído drasticamente nos últimos anos. Junto com isso, avanços tecnológicos têm contribuído a uma queda ainda maior no preço dos renováveis.

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Tudo isso é relevante por causa da reversão do Clean Power Plan (Plano para Energia Limpa) instaurado no mandato de Obama

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O que a administração de Trump pretende conseguir com a reversão do Clean Power Plan é uma revitalização da indústria de carvão mineral, que tem sofrido grandes quedas em produção e receitas. Isto pode ser visto como apelo a dois dos princípios mais importantes para Trump: a lealdade e a negação da mudança climática. Primeiro, porque os mineiros de carvão e chefes dessa indústria foram entre os primeiros a dar apoio absoluto à candidatura de Trump. Segundo, simplesmente porque o carvão é altamente poluente. O carvão mineral tem as taxas de emissão mais altas de todas as formas de produção elétrica. O pensamento é simples: retirar os regulamentos da indústria para a aplacar e dar um golpe simultâneo à ciência climática e às políticas de Obama.

O problema com isso é que a deterioração da indústria de carvão é devida a uma queda de demanda por causa da viabilização de tecnologias mais eficientes e menos poluidoras. O gás natural tem desenvolvido no meio do fluxo do preço de petróleo para ser uma opção mais barata e flexível, com o benefício de poluir menos do que outros combustíveis fósseis. Energia solar e eólica têm beneficiado de caídas nos custos de produção e operação. Isso é fruto de avanços tecnológicos, principalmente com silicone. Devido a isso, 2016 foi o ano em que o gás natural ultrapassou o carvão em volume de produção. Assim, virou a fonte principal de energia nos Estados Unidos pela primeira vez na história.

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O carvão foi expulso do ápice pelo mesmo mercado que o colocou aí

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Por certo, a indústria de energia solar emprega mais do que o dobro de funcionários que emprega a indústria de energia de carvão mineral. A solar, juntamente com outras fontes renováveis de energia, tem a vantagem de poder empregar pessoas em qualquer parte do país. Carvão, no entanto, depende de extração limitada a poucas regiões. Enquanto caírem os preços, haverá cada vez mais incentivos de instalar renováveis, com ou sem subsídios. Ao contrário, a indústria de carvão necessitará de subsídios para sobreviver durante a implosão do setor.

O carvão também está sendo eliminado por uma indústria elétrica cada vez mais diversificada. Sem depender de uma única fonte para a maioria de produção, o risco de flutuações repentinas de preço é reduzido. Sustentabilidade é apenas mais economicamente segura. É melhor não ficar à espera que volte com força, por mais que Trump e os seus votantes o gostassem.

Imagem: Patrick Moore
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Coal’s Not Coming Back Any Time Soon

Sacha
11 de outubro de 2017
(pode ler este artigo em português aqui)

Brazil is fortunate in having abundant sources of renewable energy, making its grid one of the cleanest among large countries in the world. The United States is less fortunate in this regard. Coal served as the primary energy resource in power plants across the country until 2016, when it was overtaken by natural gas. The decline of coal is due, in sum, to market forces. The price of fossil fuels has dropped dramatically in recent years. Along with that, technological advances have contributed to an even greater drop in the price of renewables.

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All of this is relevant because of the Trump administration’s recent reversal of the Clean Power Plan instated under Obama

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What the Trump administration intends to set in motion by reversing the Clean Power Plan is revitalize the coal industry, which has seen dramatic declines in production and revenue. This can be seen as an appeal to two of Trump’s most important tenets: loyalty and denial of climate change. First, because coal miners and industry bigwigs were among the first unwavering supporters of the Trump campaign. Second, simply because coal is highly polluting. It is the highest-emitting of all energy sources. The thought behind this is simple: remove the regulations on the industry to appease it and hit back against climate science and Obama’s policies simultaneously.

The problem here is that the coal industry’s deterioration is spurred by lowering demand as a result of cleaner, more efficient technologies becoming more readily available. Natural gas has developed in the wake of fluctuating oil prices to become a much more affordable and flexible option, with the benefit of polluting less than both coal and oil. Solar and wind energy have seen dramatic declines in their costs of production and operation. This is the fruit of technological advances, especially with silicone. Because of this, 2016 saw natural gas overtake coal as the main source of energy production in the United State for the first time ever.

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Coal has been kicked out of the top spot by the same market that put it there

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Indeed, solar power alone employs over twice the amount of workers than the entire coal industry. It, along with other renewable energy sources, has the advantage of being able to employ workers anywhere in the country, instead of relying on region-specific extraction. As prices continue to drop, incentives to install more renewables will continue to rise, with or without subsidies. On the contrary, the coal industry will require subsidies in order to extend its practical lifespan somewhat longer as the industry implodes.

Coal is also being eliminated by an electric industry in ever-increasing diversification. Not relying on one source for the majority of production puts the market at lower risk for sudden price fluctuations. Sustainability, simply put, is more economically sound. Don’t expect it to come roaring back, however much Trump and his voters would like it to.

Image: Patrick Moore
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Porto Rico, condenado por não ser estado

Sacha
27 de setembro de 2017
(you can read this article in English here)

O furacão Maria devastou a ilha de Porto Rico por completo. Não há, nos dias depois, sequer eletricidade na ilha, nem infraestrutura restante para tal. Não há previsão de que a luz seja restabelecida durante meses, talvez até meio ano. E o governo federal não move nem um dedo para ajudar.

A temporada de ciclones tropicais no Oceano Atlântico tem sido mais leve nos últimos anos. Desde os danos causados pelo furacão Sandy em 2012, não houve nenhum de tamanha importância. Este ano, porém, dois furacões devastadores já tinham chegado às costas norte-americanas, provocando grandes danos nos estados do Texas e da Florida. O número de afetados já tinha atingido os milhões, seja por falta temporária de luz, seja por danos a bens materiais.

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E então veio o furacão Maria

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Porto Rico é uma ilha de cultura hispânica, pertencente aos Estados Unidos em consequência de um conflito com um império espanhol decadente, que perdia as suas possessões caribenhas de vez no fim do século 19. Basta dizer que a ilha, sem status de estado, é um vestígio de colonialismo—os seus cidadãos são cidadãos americanos com todos os deveres e privilégios envolvidos, mas sem representação na legislatura federal ou voto no colégio eleitoral que decide o presidente. A história da ilha, possessão espanhola desde o primeiro contato com a tribo dos taínos, faz com que a cultura seja marcadamente diferente da do continente.

A resposta aos furacões Harvey e Irma foi rápida. Os estados afetados receberam garantias generosas de socorro e reconstrução de infraestruturas essenciais. Esses territórios, por acaso, são áreas fielmente republicanas ao nível legislativo e estadual. Com a maioria no Congresso e simpatia não desmerecida da nação, o aval do socorro foi fácil.

Em Porto Rico, no entanto, toda a ilha está sem eletricidade e há uma escassez de comida, medicamentos e materiais de construção. A agricultura foi dizimada e não será capaz de produzir nem uma parte minúscula da comida que as pessoas necessitam—este ano, não há colheita. Barragens, equipamentos de telecomunicações e mais da chamada infraestrutura vital ou estão em risco de falhar, ou destruídos. A destruição na ilha é, por fins de habitação humana, total. A luz vai demorar meses a restabelecer-se. Não há previsão de quanto tempo será preciso que hospitais estejam normalizados, que comida seja garantida e que os imóveis danificados sejam reconstruídos.

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Basta dizer que a ilha, sem status de estado, é um vestígio de colonialismo

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Se a reação foi produtiva e construtiva depois dos furacões anteriores, como será que foi depois de Maria? Sem surpreender ninguém, a imprensa tem vindo com cobertura mínima das consequências para Porto Rico, preferindo controvérsias entre a liga profissional de futebol americano e o presidente. O próprio presidente demorou para se proclamar publicamente. O que teve a dizer primeiramente? Um sermão no Twitter sobre o grande endividamento da ilha. Desde então, as garantias de socorro têm sido escassas. A lei marítima que impede a atracação de navios estrangeiros nos portos americanos, suspendida por Harvey e Irma, não será suspendida para Porto Rico.

Que a discrepância entre o tratamento dos estados do Texas e da Florida e o de Porto Rico não parece casualidade, pois não parece. A administração e o partido republicano já se têm mostrado menos preocupados com os problemas das minorias raciais, senão abertamente racistas. Que Porto Rico não é um estado complica a já tépida reação que recebe frente à tragédia, também. Esquecemo-nos de Porto Rico porque não se conforme ao sistema que o domina. O colonialismo segue vivo, eis o exemplo mais claro.

Imagem: Angel Janer