Nós US

Importa quem se opõe a Trump

Sacha
25 de outubro de 2017
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O senador Jeff Flake gerou polêmica quando anunciou que não ia se recandidatar em 2018, com uma mensagem plenamente anti-Trump. A abordagem consolou o establishment republicano pouco confortável com Trump, mas relutante a exprimir isso publicamente. A oposição de Flake a Trump também deixa margem para a esquerda afirmar que o apoio partidário a Trump está fraturando. É cedo, porém, chegar a essas conclusões, por alguns motivos.

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Quem critica o presidente importa

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O senador Flake é um dos poucos republicanos no Congresso que se opõem abertamente a Trump, questionando a sua aptidão para o cargo. Por mais que se opusessem a Trump nas primárias, os republicanos têm se unificado em apoio a ele desde a sua nomeação. As diatribes e posições repreensíveis de Trump não têm levantado nenhuma voz republicana contrária em público. O silêncio em torno dos piores comportamentos do presidente tem sido a forma preferida do partido lidar com ele.

Esse silêncio é o fator determinante para a continuidade da administração. Os republicanos convergem na perspectiva de promulgar a sua agenda em virtude de controlar a presidência juntamente com a legislatura. Acreditam, devidamente, que se conseguissem passar legislação, ela seria assinada por Trump. Com a expectativa de que os democratas se oporiam à legislação republicana, nas câmaras de poder, a resistência democrata importa pouco para a sobrevivência da Casa Branca.

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Os republicanos estão altamente unidos

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Apoio republicano a Trump, ou falta de oposição, tem sido inabalável desde o início da sessão legislativa. Qualquer oposição ao extremismo de Trump tem encontrado resposta em votos unificados em todos os temas. Sejam nomeações, seja a legislação em si, dissidência republicana tem sido ausente. Com um partido tão qualitativamente unificado, qualquer crítica se destaca.

Destaquemos momentos cruciais em que republicanos votaram em contra de legislação própria, tais como as tentativas de derrubar o ACA. Em cada instância, o desejo republicano de revogar o Affordable Care Act (Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente/PPACA em português) foi derrubado por um trio de senadores críticos da legislação, do impacto previsto, ou até do processo de lei mesmo. Esses senadores são mais dispostos a contrariar Trump e manter-se firmes em contra das suas propostas menos populares. Ainda assim, para qualquer tema há, no máximo, seis senadores que bloqueiam a legislação.

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Vozes críticas da maioria precisam manter o cargo para contar

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O senador Flake não tem sido, de acordo com o seu histórico de votação, um dos republicanos mais opositores à agenda de Trump. Contudo, em anunciando que não ia se recandidatar, começou a ser mais mordaz com o presidente. Embora votos importem mais como medida qualitativa para o partido da maioria decidir que assuntos são os mais importantes, a agenda é determinada pelo presidente. Por isso, sem se preocupar com muitos votos discordantes, críticas e dissidência por dentro do partido da maioria são tão importantes.

No entanto, para vozes republicanas críticas serem ouvidas e influenciarem a agenda legislativa da administração, é necessário que sejam representadas. É evidente que não se candidatar alivia o peso de fazer campanhas em que as palavras ditas podem ser mal-interpretadas. Flake parece que teria sido um candidato fraco contra candidatos nas primárias e na campanha geral. Outros senadores que decidiram não se recandidatar têm motivos semelhantes, ou bem da saúde.

Contudo, a liberdade de exprimir insatisfação num lugar onde isso implica contrariar a agenda legislativa não devia ser relegada apenas aos que não têm mais a perder politicamente. De cara com o extremismo, o freio mais importante são as vozes dissidentes entre as no poder. Precisamos dessas vozes agora e precisaremos delas depois de 2018, quando se constituirá a próxima legislatura.

Sem essas vozes, o Partido Republicano corre o risco de se render aos seus próprios elementos mais extremos. Se não houver figuras críticas dentro do seu partido, Trump terá a legitimação completa da sua agenda política. Essa é uma perspectiva inaceitável.

Imagem: Amanda Nelson
Nós US

Não, não querem que tenhas cobertura médica mesmo

Sacha
25 de maio de 2017
(you can read this article in English here)

Parecia a nota final em março quando, para a surpresa de ninguém, o Partido Republicano não conseguiu passar o seu esboço de legislação sobre o sistema de saúde dos Estados Unidos. Foi escrita às pressas sem que o partido tivesse uma ideia esclarecida do que queria fazer para revogar e substituir o nomeado Obamacare, já há vários anos em vigor. Foi tudo um fracasso. Porém, passados dois meses, uma versão não mais bem articulada da mesma legislação foi apresentada novamente e, desta vez, passou. O Senado terá a última palavra sobre emendas e mudanças da proposta.

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Revela-se um desejo cínico de tirar a cobertura médica que as massas agora desfrutam

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Basta dizer que a proposta de legislação seria um desastre para os milhões que adquiriram plano de saúde com o Obamacare. Para aplacar a facção conservadora do partido, todo tipo de condição médica existente ou deixava de ser incluido na cobertura, ou teria franquias absurdamente altas. Esta legislação é um ataque frontal à saúde e ao bem-estar da população do país. E não é mera coincidência.

Parte da explicação disso tudo é porque assistência médica não é vista como um direito fundamental no lado conservador dos Estados Unidos, senão um privilégio para quem tiver o poder adquisitivo mantê-la. Segundo a lógica, o interesse não reside no paciente ou segurado, mas sim na corporação que ganha com isso. Acham que a cobertura em massa da população americana gera danos para as seguradoras e provedores de assistência médica. Resta constar que nem a população está disposta a uma reforma de tamanho impacto, nem as seguradoras estão contentes com as mudanças propostas. Revela-se, portanto, um desejo cínico de tirar a cobertura médica que as massas agora desfrutam.

A versão nova da legislação aplacou uma divisão dos conservadores suficiente para passar na Câmara. Não é de todo legislação bem pensada, nem apoiada pelo público. Falta ver se o Senado reconhece o cenário como tal, ou se a saúde for o tema que expulsa os republicanos do poder no Congresso em 2018.

Imagem: Maria Kaloudi