BSV Especial Coronavírus #43 As autoridades também sofrem
Geórgia Santos
3 de fevereiro de 2021
No episódio desta semana, as repercussões da eleição que escolheu o deputado Arthur Lira como o novo presidente da Câmara dos Deputados. O saldo é um Rodrigo Maia derrotado, Jair Bolsonaro (talvez) renascido e Lira abusando do poder – e depois voltando atrás – no primeiro momento em que teve a oportunidade.
No filme O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, Cabo 70 fala para um João Grilo falsamente surpreso que as autoridades também sofrem. Pois é verdade na ficção e é verdade na realidade. E quem prova é o emotivo Rodrigo Maia, que se despediu da presidência da Câmara dos Deputados com lágrimas nos olhos e a certeza de que falhou.
Mas não nos enganemos. Bolsonaro se fortaleceu, sim, com a vitória de Arthur Lira (PP-AL). Mas foi uma vitória cara. Ele está nas mãos do novo presidente da Câmara, que assumiu tirando os opositores da mesa diretora, mas voltou atrás e fez acordo. E o deputado do Progressistas do Alagoas fez festinha, com aglomeração, filha de Roberto Jeferson e Joyce Hasselman.
Na peça – ou livro – do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, o autor diz que se trata de uma história altamente moral, um apelo a misericórdia. Ao que João Grilo responde: ele diz à misericórdia porque sabe que, se fossemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. Estamos presos em uma peça de literatura. Em uma novela que parece não ter fim.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
BSV Especial Coronavírus #16 Fake News em tempos de pandemia
Geórgia Santos
9 de julho de 2020
Desde março, os jornalistas do BSV discutem os diversos aspectos da pandemia e da política brasileira. Hoje, eles falam sobre as Fake News, que não só bagunçaram e bagunçam a política como já são um problema para quem quer se informar a respeito do coronavírus.
Uma pesquisa realizada pela Avaaz, uma comunidade de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para os espaços de tomada de decisão em todo o mundo, indica que as Fake News sobre a pandemia atingem 110 milhões de pessoas no Brasil.E o estudo mostra que sete em cada 10 brasileiros acreditam em pelo menos uma notícia falsa sobre o coronavírus.
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E qual a resposta institucional? Aprovar, às escuras e às pressas, o PL das Fake News
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Parece bom, um projeto de lei que visa combater a desinformação, mas o buraco é mais embaixo. Apesar de ter sido submetido a mudanças, o texto aprovador pelo Senado no dia 30 de junho implica em sérios riscos à privacidade, à liberdade de expressão, abre caminho para a autocensura e para a perseguição a jornalistas.
O convidado desta semana é o jornalista Marcelo Trasel, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), uma das entidades que mais criticou o fato de o projeto ter sido aprovado sem discussão com a sociedade civil e com sérios problemas. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
“A maior novidade do governo Bolsonaro é o fim do presidencialismo de coalizão”
Geórgia Santos
3 de julho de 2019
Cientista político Augusto de Oliveira entende que o sistema, de agora em diante, será o da paralisia e do conflito entre os poderes Executivo e Legislativo
Nesta semana, Jair Bolsonaro (PSL) chegou aos seis meses na presidência da República. Mas não foi um caminho tranquilo, pelo contrário. Foi bastante acidentado. Os primeiros 180 dias do primeiro militar a ocupar o cargo desde o final da ditadura foram marcados, principalmente, pela instabilidade política. Houve inúmeras trocas no primeiro e segundo escalão de governo – algumas dessas trocas motivadas por discussões entre os ministros e os filhos do presidente -; a publicação de dezenas de decretos, especialmente com relação à posse de armas, que deixaram clara a relação turbulenta com o Congresso; decisões desautorizadas; proximidade com milicianos; filho investigado; além de múltiplas gafes que variam entre afirmar que “racismo no Brasil é coisa rara”; que o nazismo foi um movimento de esquerda; e, mais recentemente, fazer propaganda de bijuterias de nióbio na internet. Apenas para citar algumas.
Para o cientista político Augusto de Oliveira, professor da Escola de Humanidades da PUCRS, essa instabilidade política é reflexo de uma mudança na conjuntura.
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“A maior novidade do governo Bolsonaro em relação aos presidentes anteriores é o fim do presidencialismo brasileiro de coalizão“
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A expressão “presidencialismo de coalizão” foi usada na década de 80 pelo cientista político Sérgio Abranches para descrever um país presidencialista, como o Brasil, em que a fragmentação do Congresso entre vários partidos obriga o Executivo a uma prática similar à do parlamentarismo. Ou seja, para governar, o presidente precisa ter ampla maioria, algo que se torna problemático a partir do momento em que essa maioria é naturalmente contraditória e difusa ideologicamente. De toda forma, funcionava até o governo passado, mesmo que de maneira torta.
Oficialmente, durante todo o período democrático, a maioria parlamentar sempre foi organizada por meio da oferta de cargos nos ministérios, segundo escalão e autarquias, e também por meio de emendas parlamentares e de uma espécie de empréstimo da popularidade do presidente aos deputados e senadores. O governo Bolsonaro, por outro lado, não governo por meio do presidencialismo brasileiro de coalizão. Segundo o professor Augusto de Oliveira, nem seria possível com a atual conjuntura política.
“Hoje o presidente Bolsonaro precisaria de 12 partidos na sua base de apoio para poder aprovar uma emenda à Constituição. Mas enquanto a presidenta Dilma Rousseff foi eleita, em 2014, com uma bancada de 304 deputados, Bolsonar foi eleito com uma bancada que não chegava a 60 deputados. A estrutura politica do país em 2018 já estava muito diferente do que seria possível para o funcionamento nos moldes do presidencialismo brasileiro de coalizão. E também tem outros fatores, como o fimdo financiamento privado de campanha e emendas impositivas para o Orçamento da União, que também dilapidaram os recursos do presidencialismo de coalizão.”
A solução que Bolsonaro esboçou no início do governo era a de governar não com os partidos, mas com as bancadas – ou as frentes parlamentares – como as chamadas Bancada do Boi, Bancada da Bala e Bancada da Bíblia. Mas ficou evidente que essas bancadas não tem a organização interna que faça com que os parlamentares atuem em pautas que não sejam suas demandas particulares. Ou seja, elas não formam uma base permanente de apoio ao presidente.
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Mas então o que substitui o presidencialismo de coalizão a curto e médio prazo?
“É uma hipótese, mas na minha opinião, o que substitui é nada. Nosso sistema de governo agora será o sistema da crise, o sistema da incerteza, o sistema da paralisia e do conflito entre o poder Executivo e o poder Legislativo. Com menor capacidade de resolução dos problemas e organização de uma pauta concreta, específica”, explicou o Augusto de Oliveira.
Do ponto de vista político, isso significa que, pelo menos por enquanto, subiu o custo para Bolsonaro exercer o mandato e executar suas propostas em relação ao parlamento, segundo o professor. “Essa é uma situação queo presidente Bolsonaro não tem como superar de maneira autônoma e nem é uma situação que a gente vá ver ser resolvida nos próximos anos.”
Clique aqui para ouvir o podcast sobre os seis meses do governo Bolsonaro e a entrevista com o cientista político Augusto de Oliveira.
Parecia a nota final em março quando, para a surpresa de ninguém, o Partido Republicano não conseguiu passar o seu esboço de legislação sobre o sistema de saúde dos Estados Unidos. Foi escrita às pressas sem que o partido tivesse uma ideia esclarecida do que queria fazer para revogar e substituir o nomeado Obamacare, já há vários anos em vigor. Foi tudo um fracasso. Porém, passados dois meses, uma versão não mais bem articulada da mesma legislação foi apresentada novamente e, desta vez, passou. O Senado terá a última palavra sobre emendas e mudanças da proposta.
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Revela-se um desejo cínico de tirar a cobertura médica que as massas agora desfrutam
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Basta dizer que a proposta de legislação seria um desastre para os milhões que adquiriram plano de saúde com o Obamacare. Para aplacar a facção conservadora do partido, todo tipo de condição médica existente ou deixava de ser incluido na cobertura, ou teria franquias absurdamente altas. Esta legislação é um ataque frontal à saúde e ao bem-estar da população do país. E não é mera coincidência.
Parte da explicação disso tudo é porque assistência médica não é vista como um direito fundamental no lado conservador dos Estados Unidos, senão um privilégio para quem tiver o poder adquisitivo mantê-la. Segundo a lógica, o interesse não reside no paciente ou segurado, mas sim na corporação que ganha com isso. Acham que a cobertura em massa da população americana gera danos para as seguradoras e provedores de assistência médica. Resta constar que nem a população está disposta a uma reforma de tamanho impacto, nem as seguradoras estão contentes com as mudanças propostas. Revela-se, portanto, um desejo cínico de tirar a cobertura médica que as massas agora desfrutam.
A versão nova da legislação aplacou uma divisão dos conservadores suficiente para passar na Câmara. Não é de todo legislação bem pensada, nem apoiada pelo público. Falta ver se o Senado reconhece o cenário como tal, ou se a saúde for o tema que expulsa os republicanos do poder no Congresso em 2018.