BSV Especial Coronavírus #43 As autoridades também sofrem
Geórgia Santos
3 de fevereiro de 2021
No episódio desta semana, as repercussões da eleição que escolheu o deputado Arthur Lira como o novo presidente da Câmara dos Deputados. O saldo é um Rodrigo Maia derrotado, Jair Bolsonaro (talvez) renascido e Lira abusando do poder – e depois voltando atrás – no primeiro momento em que teve a oportunidade.
No filme O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, Cabo 70 fala para um João Grilo falsamente surpreso que as autoridades também sofrem. Pois é verdade na ficção e é verdade na realidade. E quem prova é o emotivo Rodrigo Maia, que se despediu da presidência da Câmara dos Deputados com lágrimas nos olhos e a certeza de que falhou.
Mas não nos enganemos. Bolsonaro se fortaleceu, sim, com a vitória de Arthur Lira (PP-AL). Mas foi uma vitória cara. Ele está nas mãos do novo presidente da Câmara, que assumiu tirando os opositores da mesa diretora, mas voltou atrás e fez acordo. E o deputado do Progressistas do Alagoas fez festinha, com aglomeração, filha de Roberto Jeferson e Joyce Hasselman.
Na peça – ou livro – do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, o autor diz que se trata de uma história altamente moral, um apelo a misericórdia. Ao que João Grilo responde: ele diz à misericórdia porque sabe que, se fossemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. Estamos presos em uma peça de literatura. Em uma novela que parece não ter fim.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
O governo Michel Temer é um cadáver que não apodrece
Igor Natusch
31 de maio de 2017
er Campanato/Agência Brasil
O governo Michel Temer tenta brincar de Lázaro. Esteve imensamente morto, logo depois da devastadora gravação de sua conversa com Joesley Batista, e continua bastante morto desde então – afinal, não conseguiu sair da defensiva, passa os seus dias a rebater acusações e demonstra fragilidade absoluta no trato com o Congresso, sendo incapaz de evitar que os agregados discutam a partilha do espólio, mesmo antes do capitão dar o grito de abandonar o navio. O país está paralisado, a economia definha, as instituições funcionam com a harmonia e a fluidez de um moedor de carne enferrujado.
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Ainda assim, está se dando com o cadavérico governo Temer um estranho fenômeno: ao mesmo tempo que decompõe-se de forma visível, suas feições ganham uma cor mais viva, sua aparência dá ligeiros sinais de melhora, a carcaça esquenta ao invés de esfriar. Enquanto morre, dá sinais de que pode reviver. Como explicar tal coisa?
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Na verdade, quem enxerga esses tempos de incerteza em termos de Michel Temer está visualizando apenas uma parcela do todo. Ninguém quer realmente que Temer sobreviva politicamente, possivelmente nem ele próprio: a batalha é para manter vivo um grupo político, que se alastra por alguns partidos, e que chegou a poder menos por estratégia e muito mais por senso de oportunidade. Ter o poder é ter dívidas caras a pagar e pouca margem para perdões ou parcelamentos. Basta olhar para Lula e Dilma para entender o peso dessa afirmação.
Michel Temer e sua entourage chegaram ao Planalto assumindo uma tarefa clara: estabilizar a economia e entregar as reformas encomendadas não apenas pelo sistema financeiro, mas pelo alto empresariado e pelos barões do agronegócio, entre outros. Atingir essa meta é mais do que uma prerrogativa do atual governo: é um dever inalienável para qualquer um desse grupo que deseje ter futuro na política.
Como se vê, a dificuldade para cumprir a missão é cada vez maior. E os recentes acontecimentos não ajudaram muito um presidente que, antes dos áudios, já tinha uma popularidade ridícula e necessitava rastejar diante de deputados para aprovar, mesmo nas primeiras votações, suas polêmicas iniciativas.
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Em meio a essas duas urgências – a de salvar o projeto delineado e também o próprio pescoço – a conta que Michel Temer e seus aliados fiéis fazem é em termos de calendário. Cada dia que passa é um pequeno respiro, um passo de bebê para fora da área de tempestade.
Na panela de pressão que cozinha o ex-vice, a esperança de seus parceiros é que o gás do fogão acabe antes que a carne esteja no ponto para servir. É uma engenharia difícil, mas não inviável – ainda mais em um cenário onde vários setores tentam diminuir a intensidade do fogo, e os grupos capazes de colocar mais chamas em ação ainda buscam a melhor maneira de acender os fósforos. A briga mais importante está ali, no entorno do fogão. É para lá que me parece mais conveniente olhar.