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Bendita Sois Vós #84 Só mais 72 horas

Geórgia Santos
28 de dezembro de 2022

Nesta semana, aguenta firme, só mais 72 horas. Faltam 72 horas para acabar, de fato, o pior governo da história da democracia brasileira. Tic – tac. 

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Durante a eleição de 2018, a gente começou a ouvir, da boca de um candidato à presidência da República, o impensável. No palanque, ameaçava fuzilar a oposição, em entrevistas, não escondia a homofobia, o machismo e ainda lançava mão de narrativas racistas. Elogiava ditadores e idolatrava torturadores diante de um microfone. Ele foi eleito. À época não sabíamos se apesar disso ou por causa disso.

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O governo que se desenhou nos quatro anos seguintes refletiu todo o discurso autoritário e retrógrado da eleição

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Foi uma administração que desmantelou a educação, a pesquisa e a ciência. Que acabou com a cultura a tal ponto que, em certo momento, colocou um homem que se prestou a fazer uma ode pública ao nazismo. Foi um governo que tinha uma ministra das mulheres que perseguiu uma criança de onze anos que havia sido abusada sexualmente e estava grávida. Foi um governo cujo ministro do Meio Ambiente quis aproveitar um momento de pânico para “passar a boiada” e flexibilizar a legislação ambiental. Foi um governo que, diante da pior pa  ndemia dos últimos cem anos, deixou que 700 mil brasileiros morressem. Debochou da doença, debochou dos cuidados, debochou dos mortos, debochou da vacina.

Não há tempo ou espaço para um relato que contemple o horror dos quatro anos de Jair Bolsonaro no poder. Então basta dizer que foi um governo que nunca se preocupou com Deus, Pátria ou Família – aliás, um lema fascista. Foi um governo que tentou reescrever a história política e social do Brasil por meio do apagamento e da desumanização de quem não se parece com eles. Mas também é um governo derrotado.

Derrota, aliás, que trouxe à tona o fruto da semeadura golpista que já dura quase 1460 dias. Fruto mofado e estragado que de fato não caiu longe do pé e agora apodrece aos pés de uma árvore morta. Mas é um governo derrotado.

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito ao lado de Geraldo Alckmin, algo impensável há alguns anos, e promete reconstruir o Brasil. Não sabemos como será, se será bem sucedido, mas sabemos que não será Bolsonaro e, mesmo parecendo ingênuo, isso basta. E agora, com o novo governo batendo à porta, emprestamos o mantra dos golpistas prostrados em frente aos quartéis e dizemos: só mais 72 horas.

A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.

Vós Pessoas no Plural · Bendita Sois Vós #84 Só mais 72h
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BSV Especial Coronavírus #43 As autoridades também sofrem

Geórgia Santos
3 de fevereiro de 2021

No episódio desta semana, as repercussões da eleição que escolheu o deputado Arthur Lira como o novo presidente da Câmara dos Deputados. O saldo é um Rodrigo Maia derrotado, Jair Bolsonaro (talvez) renascido e Lira abusando do poder – e depois voltando atrás – no primeiro momento em que teve a oportunidade. 

No filme O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, Cabo 70 fala para um João Grilo falsamente surpreso que as autoridades também sofrem. Pois é verdade na ficção e é verdade na realidade. E quem prova é o emotivo Rodrigo Maia, que se despediu da presidência da Câmara dos Deputados com lágrimas nos olhos e a certeza de que falhou.

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No embate entre Maia e Bolsonaro, o presidente que adora leite condensado venceu
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Mas não nos enganemos. Bolsonaro se fortaleceu, sim, com a vitória de Arthur Lira (PP-AL). Mas foi uma vitória cara. Ele está nas mãos do novo presidente da Câmara, que assumiu tirando os opositores da mesa diretora, mas voltou atrás e fez acordo. E o deputado do Progressistas do Alagoas fez festinha, com aglomeração, filha de Roberto Jeferson e Joyce Hasselman.

Na peça – ou livro – do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, o autor diz que se trata de uma história altamente moral, um apelo a misericórdia. Ao que João Grilo responde: ele diz à misericórdia porque sabe que, se fossemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. Estamos presos em uma peça de literatura. Em uma novela que parece não ter fim.

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

 

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #43 As autoridades também sofrem
Reporteando

O feminismo na vanguarda contra o fascismo

Évelin Argenta
26 de setembro de 2018

A socióloga e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Esther Solano, avalia que o ódio virou uma moeda de troca importante no campo político atual.  Segundo ela existe um uso eleitoral do ódio, já que o “ódio potencializado” é um caminho às urnas.  A pesquisadora espanhola é autora de estudos sobre o que pensam os eleitores do capitão reformado do Exército e deputado federal, Jair Bolsonaro.  Ao comentar seu novo livro “O ódio como política”, lançado pela editora Boitempo, Esther ainda falou sobre o “risco real” de fascismo no Brasil e na vanguarda da luta das mulheres contra esse sistema. Confira a entrevista. 

*Originalmente a conversa foi veiculada pela Rádio CBN.  A entrevista foi realizada em parceria com os jornalistas Roberto Nonato e Kennedy Alencar. 

 

Estamos em uma fase onde o ódio está cada vez mais presente na sociedade?

O que o livro quis fazer é justamente chamar atenção para essa presença de ódio como uma moeda de troca importante no campo eleitoral e no campo político. Vivemos no Brasil em uma sociedade que se constrói muito na ideia do ódio, do machismo, do racismo, da desigualdade. O que vemos hoje é uma politização do discurso de ódio, uma “eleitorização” do discurso de ódio e ódio polarizado, pois ele é um bom caminho para as urnas.

 

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) é que mais recorre a esse tipo de discurso. O que explica o crescimento desse discurso de ódio e da extrema-direita no Brasil?

Eu sempre digo que a candidatura da extrema-direita brasileira, de forma geral, se constrói sobre três “antis”. A primeira delas é a politização da antipolítica, que é aquele sentimento de “são todos iguais, todos corruptos”. A segunda é a negação do petismo e da esquerda. Existe um discurso muito forte de combate á esquerda e ao campo progressista e intelectual. E, por fim, há uma reação muito forte aos movimentos identitários, onde ganhou força o discurso antifeminista, movimento negro, movimento LGBT, colocando esses movimentos como culpados pela diferenciação social tão grande que existe nas relações sociais no Brasil.

 

Antes de passar por governos alinhados socialmente à esquerda, o Brasil passou por governos alinhados social e economicamente à direita.  Por que esses discursos de ódio não surgiram antes? Existe um fator econômico no ódio?

Sem dúvida. Existe hoje um realinhamento de uma força neoconservadora e intolerante no campo dos valores e uma força econômica liberal ou ultraliberal. A candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é altamente simbólica nisso. Ele é um personagem construído nessa ideia dos valores, da família cristã, do militarismo, mas atrás da candidatura dele está o Paulo Guedes, que é uma pessoa que simboliza esse liberalismo ,a privatização e esse capitalismo mais selvagem. Existe um casamento obviamente oportunista aí. Só que as pessoas não são conscientes disso. Quando você pergunta para eleitores da extrema-direita sobre economia, ele não é consciente desse discurso neoliberal que está por trás, já que ele é tratado de forma escondida, às escuras.

 

Essa percepção vai além do Brasil em uma espécie de onda global?

Se dúvida. Globalmente existe um ressurgimento dessa extrema direita e isso é uma coisa que, efetivamente, você vê em países da Europa, América Latina e Estados Unidos. A diferença no Brasil e o que me preocupa bastante é que normalmente nos países europeus a retórica dessa extrema-direita se constrói com base no inimigo externo, no imigrante ou no refugiado. No Brasil existe uma peculiaridade. Essa retórica na extrema-direita se constrói com base em um inimigo interno. Então aqui a luta é contra o jovem negro da periferia, contra a feminista, contra o professor, contra a pessoa da esquerda. Existe uma violência contra o próprio brasileiro que é considerado como um “não cidadão de bem”

 

Nos últimos tempos a palavra fascismo vem sendo dita com uma frequência muito grande. Em alguns momentos , até, corre-se o risco de esvaziar a palavra de significado. Existe um risco real de fascismo no Brasil?

Sem dúvida. E nesse caso é importante contextualizarmos o que significa fascismo. Muitas pessoas confundem fascismo com uma certa política adotada em determinado momento histórico, fundamentalmente na Europa. Mas o fascismo na sua concepção política e filosófica mais ampla é o silenciamento, aniquilamento do outro que é considerado diferente. É uma política que mobiliza o ódio, que utiliza o ódio como mobilizador para fazer política. Então quando você tem candidatos que são abertamente xenofóbicos, misóginos, que dizem que “bandido bom é bandido morto”, esse é um discurso claramente fascista. O que não quer dizer que todo mundo que vote nesse tipo de pessoa seja fascista. Há pessoas que votam por outros fatores, como a descrença na política. Mas essa tendência política pode, sim, ser nomeada dessa forma.

 

Se o candidato Jair Bolsonaro for eleito, esse movimento terá no presidente da república o seu líder. No entanto, se ele perder a eleição quem ficaria nesse grupo de direita?  A senhora vê uma retomada desse eleitorado pelo PSDB ou pelo João Amoêdo, do Partido Novo?

Por um lado existe um certo paradoxo, pois você tem uma “bolsonarização” da esfera pública. Se o Bolsonaro não foi eleito o que fica capilarizado na esfera pública é esse discurso de ódio, da intolerância, do antipetismo, da moralização do debate público. Agora, ele é um candidato que não tem um partido político com estrutura, é isolado politicamente. Eu não vejo nesse momento uma estrutura político-partidária, institucional que consiga capitalizar esse discurso de ódio a ponto de você ter, de fato, uma estrutura forte ou competitiva como você tem na França. Mas isso é secundário, pois quando você já tem essa bolsonarização do debate na sociedade é questão de tempo para eles encontrarem outros tipos de canalizações. Temos que atacar esse discurso no campo social para que ele não extrapole o campo político.

 

Nos últimos dias vimos o crescimento de um movimento muito forte de mulheres que se opõem ao candidato Jair Bolsonaro. É um movimento que surgiu na internet, mas que já vem sendo usado de forma partidária por outros candidatos. Já havíamos presenciado algo parecido na história recente? Qual a dimensão desse movimento fora das redes sociais?

Já tivemos movimentos parecidos encabeçados por mulheres quando elas encabeçaram a oposição ao Eduardo Cunha, na questão da descriminalização do aborto. Uma coisa muito importante é que a internet tem sido um ambiente muito colonizado ultimamente pelo pensamento feminista. Houve o movimento #meuprimeiroassedio, #agoraéquesãoelas, etc. Esse movimento Mulheres Contra Bolsonaro ele é extraordinário por vários fatores. Primeiro que o voto feminino vai ser determinante nessa eleição, também pelo fato de as mulheres serem claramente atacadas pelo discurso de ódio (estamos na linha de frente dessa luta) e também em função de outros grupos terem se juntado a isso. Temos agora os LGBT Contra Bolsonaro, Negros Contra Bolsonaro, Evangélicos Contra Bolsonaro. Você vê que no campo do social, do coletivo e das ruas o feminismo é muito forte. Ele tem potencial para criar uma frente contra o fascismo. Acho que a onda de feminismo brasileira é a vanguarda da luta contra o fascismo. Somos nós, mulheres, que temos mais dificuldades para entrar na política. Então acho simbólico que sejam as mulheres a tomar a frente desse movimento.

Ouça a entrevista na íntegra

 

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OUÇA Bendita Sois Vós #1 Que eleição é essa?

Geórgia Santos
24 de setembro de 2018

No primeiro episódio do Bendita Sois Vós, jornalistas  discutem “Que eleição é essa?” O programa é apresentado pela jornalista Geórgia Santos e conta com a participação de Evelin Argenta, Igor Natusch e Tércio Saccol em um debate sobre os aspectos atípicos das eleições, o fenômeno Bolsonaro e a ameaça autoritária. 

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Essa eleição é, de fato, estranha. Até pouco tempo tinha candidato preso, candidato esfaqueado, candidato jejuando no monte. Por isso separamos algumas declarações de candidatos à presidencia da República, ou relacionados a eles, que exemplificam um pouco da anormalidade do pleito de 2018. Além disso, uma conversa com o cientista político Augusto de Oliveira, professor da PUCRS,  sobre como e porquê surge o fenômeno Bolsonaro.

Falar de Bolsonaro implica discutir, ainda, viabilidade democrática. Afinal, o candidato ainda não afirmou que vai respeitar o resultado das eleições caso perca.  Sem contar as declarações do vice do candidato do PSL, General Hamilton Mourão, que deixou clara a possibilidade de autogolpe em entrevista à GloboNews.

Como uma resposta também ao General Mourão, o Bendita Sois Vós traz uma verdade crua revelada por meio da arte. O quadro “SOBRE NÓS” é produzido por Raquel Grabauska, que é atriz, produtora, diretora e está à frente do grupo Cuidado Que Mancha. Toda a semana, um grupo de atores traz relatos reais sobre temas que nos tiram o sono. Na primeira edição, depoimentos  de quem sofreu tortura durante a Ditadura Militar. O texto foi extraído dos relatórios da Comissão da Verdade e mostra a cara desse herói que mata.

* O Bendita Sois Vós, uma parceria do Vós com a Rádio Estação Web e vai ao ar todas quintas-feiras, das 19h às 20h. Clique aqui para saber como ouvir no seu celular e em aplicativos.

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Vós lança podcast sobre política e sociedade

Geórgia Santos
21 de setembro de 2018

Bendita Sois Vós é uma parceria com a Rádio Estação Web e estreou no dia 20 de setembro

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Nesta quinta-feira, 20 de setembro, estreia o Bendita Sois Vós, com apresentação da jornalista Geórgia Santos. O podcast é uma parceria do portal Vós com a Rádio Estação Web, que veiculará o programa todas as quintas-feiras, das 19h às 20h. Depois, o conteúdo ficará disponível em várias plataformas.

A ideia por trás dessa novidade é discutir política e sociedade de uma forma provocadora, como todo o conteúdo do Vós. Haverá entrevistas, debates entre a equipe do portal, reportagens e muita experimentação com novos formatos e linguagens. “A gente quer que as pessoas saiam da zona de conforto e a gente também se abre pra isso no Bendita, a gente se abre à dúvida e à contestação sem perder a essência do Vós, que é de fazer um jornalismo sério e objetivo mas que se posiciona e não se esconde na neutralidade”, explica Geórgia Santos, que idealizou o projeto.

O primeiro episódio se chama “Que eleição é essa?” e discute os aspectos atípicos do pleito de 2018. Além de Geórgia, que também é cientista política, participam  do programa a jornalista Évelin Argenta; o jornalista e escritor Igor Natusch; e o jornalista e professor da Famecos Tércio Saccol. A parte técnica fica por conta do Rogério Barbosa, que também coordena a Rádio Estação Web. O entrevistado da semana é o cientista político Augusto de Oliveira, professor da PUCRS.

Há outros elementos para a estreia, mas permanecem uma surpresa. “A gente ainda quer que as pessoas reflitam sobre os riscos dessa eleição, por isso, além da entrevista e do debate, há um quadro muito especial sendo produzido pela Raquel Grabauska e um grupo incrível de atores. Um quadro que deve ser recorrente no programa e vai mexer com o emocional dos ouvintes. E a gente espera que os faça pensar, também”, adiantou Geórgia.

O Bendita Sois Vós vai ao ar todas as quintas-feiras, entre 19h e 20h, na Rádio Estação Web. O podcast ficará disponível para ouvir e para download no Vós. Então, é possível baixar no celular e ouvir no carro, no transporte público, correndo, fazendo ginástica, lavando a louça, enfim, da mesma maneira que se ouve rádio.

Segue um guia de como acompanhar essa novidade:

1. No computador

Ao vivo, no site da Rádio Estação Web; Para ouvir, basta acessar o site do Vós. Também é possível fazer o download pelo Soundcloud

 2. No celular – Para quem usa Apple

Se você tem um iPhone ou iPad, o aparelho já vem com o aplicativo Podcasts instalado. Basta procurar por Bendita Sois Vós e clicar em assinar. É gratuito. Depois que você assinar, o aplicativo avisa sempre que houver episódio novo e permite que você faça download. Assim, dá pra ouvir sem precisar da internet.

3. No celular – Para quem usa Android

Se você tem um celular que opera no sistema Android, você pode baixar aplicativos para ouvir o Bendita Sois Vós. Algumas opções:

SoundCloud: pode ser acessado por computador, smartphone ou tablet, e está disponível para Android e iOS. Bbasta acessar o perfil do Vós. Ao clicar sobre um episódio, o programa começará a tocar automaticamente. Também é possível adicionar a uma playlist e compartilhar nas suas redes sociais.

•  Spotify (em breve): pode ser acessado por computador, smartphone ou tablet, e também está disponível nos sistemas Android e iOS. Vá até a seção Navegar, clique em Podcasts e use a ferramenta de busca para procurar pelo Bendita Sois Vós. Para salvar o podcast, clique na opção Seguir.

Em breve, também estará disponível em outros apps como Overcast.

Igor Natusch

Das memórias afetivas em uma eleição

Igor Natusch
23 de agosto de 2017
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Uma das coisas mais agradáveis em uma eleição, para mim, é a água do bebedouro do Colégio Santa Teresa de Jesus. Sou uma pessoa que se preocupa com essas coisas: gosto de saber onde estão as fontes de água gratuita, de preferência gelada, para momentos imprevisíveis de sede. E poucas vezes na vida encontrei um bebedouro com água tão imensamente, tão satisfatoriamente gelada quanto o do Colégio Santa Teresa de Jesus, na zona sul de Porto Alegre.

Verdade que só saboreio essa maravilha duas vezes a cada dois anos, no máximo: não estudo nem nunca estudei na citada escola, então inexistem compromissos que me levem até lá em outros momentos que não o período eleitoral. Tivesse filhos, talvez os matriculasse no Colégio Santa Teresa de Jesus apenas para poder sorver a água deliciosamente gelada do bebedouro todos os dias, ao deixá-los e buscá-los da escola; não os tenho, porém, de forma que ao menos no momento essa solução não me é possível. Contento-me em transformar esse prazer em uma espécie de segundo compromisso eleitoral: vou até minha seção, deposito o voto na urna e na volta dou uma passada pelo eficiente bebedouro do Colégio Santa Teresa de Jesus, que sempre me fornece água geladinha, com eficiência invejável.

Voto sempre bem cedo, tão cedo quanto consigo, na verdade. Sendo a votação num domingo, ela sempre submete-se a uma hierarquia do dia anterior. Não que eu seja exatamente um frequentador das noites de sábado, mas os finais de semana naturalmente convidam a madrugadas mais extensas. Da última vez, consegui estar na urna por volta das 9h30, o que considero um bom horário. Pude caminhar tranquilo pelas ruas de paralelepípedos, passar pela praça deserta, ouvindo os gritos das caturritas.

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Do outro lado da Cavalhada, surgem os panfletos. Já foram bem mais volumosos, é verdade: em tempos idos formavam um espesso tapete multicolorido, uma trilha inconfundível levando às zonas eleitorais da região

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Dava quase para adivinhar os locais onde se votava, observando apenas o trajeto desenho pelos papéis ao chão. Hoje há bem menos papel, de tal modo que é quase possível prestar atenção neles, ler os nomes impressos. É bom: menos trabalho aos garis no dia seguinte.

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O dia de eleição sempre carregou um ar meio mágico para mim. Sou um filhote do processo de redemocratização, da eleição de 1989: acompanhei aquele período de forma febril, interessadíssimo, como se algo em mim despertasse a partir daqueles dias.

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Seja lá o que fosse, segue desperto, já que a política é assunto que sempre me cativa?—?e sigo enxergando essa coisa em todos os cantos, em todas as pessoas. Escutando seu eco em todas as vozes. Mesmo que algumas gritem muito alto, e gritem umas por cima das outras, tão alto e tanto que às vezes parece que nada existe para se ouvir.

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A tranquilidade do trajeto até a urna é um intervalo em meio ao ruído, talvez a calmaria antes de uma tempestade de ansiedade e incerteza. Hoje em dia, de raiva. Mas sempre de esperança, acima de tudo

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Esperança, como sabemos, está na caixa dos objetos valiosos que, quando quebram, dificilmente podem ser remendados com sucesso. Não tenho dúvida que foi isso que me atraiu para a política, lá na segunda metade dos anos 80. Que era a esperança que animava os brasileiros a assistir Marronzinho e Eldes Mattar nos horários eleitorais de 1989. Que conduziu Lula, metalúrgico e nordestino, à Presidência da República. E que hoje, ferida e deformada, junta a sua voz na gritaria dos que querem derrotar muito mais do que vencer, seja de que lado for.

Que a esperança seja ferida no processo político brasileiro não é algo inédito ou surpreendente. Lembro bem da minha mãe chorando na frente da TV durante o enterro de Tancredo Neves?—?e eu chorando junto, sem entender nada do que estava acontecendo, chorando apenas porque minha mãe chorava e a tristeza dela virava tristeza dentro de mim. Acho que foi ali que me nasceu o interesse político: na dor que eu não entendia e na decepção que, mesmo sem compartilhar, me levava a sofrer um pouco, junto com os decepcionados.

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Política é decepcionar-se. E tentar de novo. E ir achando o caminho, avançando um pouco a cada retomada, quase sem perceber. Chega-se a algum lugar? Não sei: anda-se, ao menos

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Estou voltando para casa quando vejo um homem que vai pelo caminho que retorno. Pele escura, bigode, cabelos brancos ameaçando conquistar o negro em sua cabeça. Roupas surradas, mas limpas. Olha para o chão; contempla os santinhos espalhados na calçada, no meio-fio, alguns já derramados para a área do asfalto. Detenho o passo, da forma mais discreta de que sou capaz, para observá-lo. Parece procurar algo. Hesita. Agacha-se e pega um dos papéis. Aproxima-o dos olhos como quem tem um defeito de visão, afasta de leve, traz o papel de novo para si. Pensa. E então faz uma careta quase imperceptível, deixa o santinho cair de seus dedos, rodopiando de volta ao monte de papel colorido no chão.

Retoma a caminhada. E eu também retomo meu caminho, pensando em como cada um faz suas escolhas, com seus critérios e dignidades. Às vezes fazemos política assim, pegando um papel no meio da rua sem levá-lo conosco, deixando a resposta fácil para trás. Terá votado em quem? Não importa: decidiu-se. E isso já é uma grande coisa.

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Igor Natusch

É sempre uma boa ideia votar em uma mulher – agora, mais do que nunca

Igor Natusch
9 de março de 2017

Se alguém eventualmente tem dúvidas de que as mulheres ainda precisam lutar, e muito, pela igualdade plena no Brasil, uma simples observação de nossas casas legislativas traz elementos incontestáveis nessa direção. No Congresso, apenas 55 dos 513 deputados federais são mulheres, o que dá pouco mais de 10% do total. No Senado, a situação é ligeiramente menos ruim, com 12 senadoras em uma casa de 81 representantes, quase 15%. Ainda assim, um desequilíbrio brutal, já que as mulheres são 51,4% da população brasileira. De acordo com o TSE, menos mulheres foram eleitas prefeitas em 2016, no comparativo com 2012 – mais um dado que demonstra, com clareza, como as mulheres estão sub-representadas em nosso sistema político. Votamos muito, muito pouco em mulheres no Brasil.

Muito disso, é claro, vem da permanência de algumas ideias no subconsciente do brasileiro. A mais forte delas, uma suposta incapacidade feminina em tomar as rédeas de empreendimentos coletivos e da própria vida – o que, na mente preconceituosa de muitos, deveria forçar a mulher a um papel de submissão aos homens. A resposta, caso assim não haja, será violenta. Ou alguém tem notícias de um homem defensor de Direitos Humanos no Congresso que seja tão brutalmente perseguido quanto Maria do Rosário – alvo de ataques misóginos por parte até de colegas parlamentares? Alguém imagina Michel Temer, mesmo com a popularidade cada vez mais baixa, sendo vítima de montagens ultrajantes e gritos de guerra sexistas como os que Dilma Rousseff teve que vivenciar até o impeachment, e que possivelmente enfrente ainda hoje por aí? Os ataques a essas e várias outras mulheres em posições de poder político trazem em si um elemento extra, também visível no baixo número de eleitas: o de que a mulher não deve estar lá, de que o lugar dela não é ali. Uma situação, diga-se, que ainda surge em outras esferas de poder, como o Judiciário. Como esperar que os direitos delas sejam devidamente apreciados em um panorama como esse?

As unidades da Casa da Mulher Brasileira, planejadas para serem espaços de acolhimento nas principais cidades do País, sofrem para sair do papel. A aplicação efetiva da lei do feminicídio vai se tornando uma possibilidade cada vez menos concreta. A mudança nas proibições ao aborto, então, nem se fala. Há uma cruzada conservadora em curso no país, e boa parte das ideias que alimentam essa chama são contrárias a qualquer esforço emancipatório feminino: desejam a mulher silenciada, submissa, aceita nos espaços de decisão apenas para dar amém aos homens, jamais para contestá-los. É um cenário grave. E muito embora o voto não seja quase nada sem as mobilizações crescentes da sociedade civil em nome dos direitos das mulheres, ele também cumpre o seu papel.

Vivemos tempos de absurdo na política brasileira, onde um auto-intitulado Partido da Mulher tem dois representantes em Brasília, entre titulares e suplentes (ambos homens) e a presidente nacional afirma categoricamente que a sigla não se identifica com as lutas feministas. Ainda assim (e justamente por isso), reforçar o potencial eleitoral das mulheres é uma necessidade urgente, caso nossa busca seja a de uma sociedade onde homens e mulheres ganhem o mesmo salário, trabalhem durante o mesmo período, tenham o mesmo acesso a direitos e esferas de atuação social e política. Você vota em mulheres, leitor(a)? Se não vota, ou nunca votou, recomendo pensar a respeito. Porque os números que você digita na urna, mesmo cobertos das melhores intenções, podem estar enchendo as assembleias e prefeituras de homens, brancos, heterossexuais e de bom poder aquisitivo – pessoas que não viram criminosos por nenhum desses motivos, mas que são provavelmente bem menos sensíveis aos seus problemas (ou os da sua mãe, irmã, avó, prima, namorada, esposa, amante, vizinha ou amiga) do que você gostaria.

Foto: Cintia Barenho