Nos últimos dias, as atenções estiveram voltadas à atuação do Congresso Nacional. Primeiro, com a boiada passando, quando os deputados aprovaram a urgência do PL que discute o famigerado Marco Temporal, inclusive com votos do PT de Lula, e uma comissão mista aprovou textos que desidratam ministérios, inclusive do Meio Ambiente.
E agora com a aprovação do próprio PL-490. Um projeto controverso e inconstitucional até que o STF determine o contrário. Segundo a tese jurídica do Marco Temporal, os povos indígenas têm direito de estar apenas nas terras que já ocupavam em 1988 – e comprovar isso. Mas a questão a se discutir, ao fim e ao cabo, é oimenso poder de Artur Lira, que até ameaçou a base governista.
Para entender melhor esse turbilhão institucional, conversamos com o cientista político Augusto Neftali de Oliveira, professor da PUC-RS.
Apesar da instabilidade na relação entre Legislativo e Executivo, o presidente delega a tarefa de negociar com um Congresso em que tem absoluta minoria ao ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, enquanto foca na política externa.
Lula reuniu dez chefes de Estado em Brasília nesta semana para falar de integração na América do Sul, em mais um passo para retomar o protagonismo do Brasil no cenário internacional. Até aí, tudo bem. Porém, um dia antes, formalizou o restabelecimento de relações diplomáticas com a Venezuela, recebeu Nicolas Maduro no Palácio do Planalto e minimizou a tragédia do país, dizendo que era uma questão de narrativa.
A manifestação de Lula repercutiu mal entre os outros presidentes que participariam da reunião de cúpula e em diversos setores da sociedade civil e da imprensa. Como resposta, Lula reforçou a defesa a Maduro.
Mais tarde, a jornalista Delis Ortiz, da Rede Globo, afirmou ter sido agredida pela segurança de Maduro e por agentes a serviço do Gabinete de Segurança Institucional. Em nota, o governo federal afirma que o GSI abriu sindicância para investigar a agressão.
Apresentação de Geórgia Santos e participação de Marcelo Nepomuceno e Flávia Cunha na Palavra da Salvação. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
“A maior novidade do governo Bolsonaro é o fim do presidencialismo de coalizão”
Geórgia Santos
3 de julho de 2019
Cientista político Augusto de Oliveira entende que o sistema, de agora em diante, será o da paralisia e do conflito entre os poderes Executivo e Legislativo
Nesta semana, Jair Bolsonaro (PSL) chegou aos seis meses na presidência da República. Mas não foi um caminho tranquilo, pelo contrário. Foi bastante acidentado. Os primeiros 180 dias do primeiro militar a ocupar o cargo desde o final da ditadura foram marcados, principalmente, pela instabilidade política. Houve inúmeras trocas no primeiro e segundo escalão de governo – algumas dessas trocas motivadas por discussões entre os ministros e os filhos do presidente -; a publicação de dezenas de decretos, especialmente com relação à posse de armas, que deixaram clara a relação turbulenta com o Congresso; decisões desautorizadas; proximidade com milicianos; filho investigado; além de múltiplas gafes que variam entre afirmar que “racismo no Brasil é coisa rara”; que o nazismo foi um movimento de esquerda; e, mais recentemente, fazer propaganda de bijuterias de nióbio na internet. Apenas para citar algumas.
Para o cientista político Augusto de Oliveira, professor da Escola de Humanidades da PUCRS, essa instabilidade política é reflexo de uma mudança na conjuntura.
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“A maior novidade do governo Bolsonaro em relação aos presidentes anteriores é o fim do presidencialismo brasileiro de coalizão“
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A expressão “presidencialismo de coalizão” foi usada na década de 80 pelo cientista político Sérgio Abranches para descrever um país presidencialista, como o Brasil, em que a fragmentação do Congresso entre vários partidos obriga o Executivo a uma prática similar à do parlamentarismo. Ou seja, para governar, o presidente precisa ter ampla maioria, algo que se torna problemático a partir do momento em que essa maioria é naturalmente contraditória e difusa ideologicamente. De toda forma, funcionava até o governo passado, mesmo que de maneira torta.
Oficialmente, durante todo o período democrático, a maioria parlamentar sempre foi organizada por meio da oferta de cargos nos ministérios, segundo escalão e autarquias, e também por meio de emendas parlamentares e de uma espécie de empréstimo da popularidade do presidente aos deputados e senadores. O governo Bolsonaro, por outro lado, não governo por meio do presidencialismo brasileiro de coalizão. Segundo o professor Augusto de Oliveira, nem seria possível com a atual conjuntura política.
“Hoje o presidente Bolsonaro precisaria de 12 partidos na sua base de apoio para poder aprovar uma emenda à Constituição. Mas enquanto a presidenta Dilma Rousseff foi eleita, em 2014, com uma bancada de 304 deputados, Bolsonar foi eleito com uma bancada que não chegava a 60 deputados. A estrutura politica do país em 2018 já estava muito diferente do que seria possível para o funcionamento nos moldes do presidencialismo brasileiro de coalizão. E também tem outros fatores, como o fimdo financiamento privado de campanha e emendas impositivas para o Orçamento da União, que também dilapidaram os recursos do presidencialismo de coalizão.”
A solução que Bolsonaro esboçou no início do governo era a de governar não com os partidos, mas com as bancadas – ou as frentes parlamentares – como as chamadas Bancada do Boi, Bancada da Bala e Bancada da Bíblia. Mas ficou evidente que essas bancadas não tem a organização interna que faça com que os parlamentares atuem em pautas que não sejam suas demandas particulares. Ou seja, elas não formam uma base permanente de apoio ao presidente.
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Mas então o que substitui o presidencialismo de coalizão a curto e médio prazo?
“É uma hipótese, mas na minha opinião, o que substitui é nada. Nosso sistema de governo agora será o sistema da crise, o sistema da incerteza, o sistema da paralisia e do conflito entre o poder Executivo e o poder Legislativo. Com menor capacidade de resolução dos problemas e organização de uma pauta concreta, específica”, explicou o Augusto de Oliveira.
Do ponto de vista político, isso significa que, pelo menos por enquanto, subiu o custo para Bolsonaro exercer o mandato e executar suas propostas em relação ao parlamento, segundo o professor. “Essa é uma situação queo presidente Bolsonaro não tem como superar de maneira autônoma e nem é uma situação que a gente vá ver ser resolvida nos próximos anos.”
Clique aqui para ouvir o podcast sobre os seis meses do governo Bolsonaro e a entrevista com o cientista político Augusto de Oliveira.