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Bendita Sois Vós #83 Jornadas de Junho, a análise

Geórgia Santos
21 de junho de 2023
Brasília (DF) - Protestos de Junho de 2013, dez anos depois. Manifestações em Brasília (DF). - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Nesta semana, uma análise sobre as Jornadas de Junho – e um pitaco sobre a indicação de Cristiano Zanin para o STF

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Vós Pessoas no Plural · Bendita Sois Vós #83 Jornadas de Junho, a análise

 

Há dez anos, eclodia um dos principais ciclos de protesto da história da democracia brasileira. As Jornadas de Junho de 2013 são um marco na política do país. Um divisor de águas, podemos dizer. O que começou com um protesto pela redução no preço da passagem do transporte público culminou em uma das maiores mobilizações populares que o Brasil já viu.

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A essa altura, já sabemos que não foi apenas por 20 centavos, mas há muito a entender

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Os protestos fizeram bem pra o país? Ou foram responsáveis por todo o mal do mundo? Aqui, a gente acredita que não foi nem uma coisa, nem outra. Mas reconhecendo que é um assunto complexo – e com a intenção de cultivas essas complexidades -, vamos dedicar dois episódios ao tema.

Na semana que vem, a gente vai contar pra vocês das nossas experiências pessoas em lados diversos. Cobrindo, reportando, estudando e, ainda, o lado de quem estava dentro do governo. Mas antes disso, a gente traz uma análise técnica sobre as Jornadas de Junho. Vamos conversar com o professor Marcelo Kunrath Silva, do departamento de Sociologia da UFRGS.

E já que o dia pede, vamos falar sobre a indicação e sabatina de Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Apresentação de Geórgia Santos e participação de Igor Natusch – e Flávia Cunha na Palavra da Salvação. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.

Imagem: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

 

 

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BSV Especial Coronavírus #73 Terceira via entre protestos e jantares

Geórgia Santos
15 de setembro de 2021

Nesta semana, a terceira via entre protestos e jantares. Porque além do encontro de homens empoeirados, vamos falar dos protestos contra Jair Bolsonaro no último dia 12.

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Afinal, a política brasileira parece estar girando em torno da terceira via, que agora ganha um reforço mofado com a entrada de Michel Temer. Em vídeo divulgado nesta semana, André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho – aquele que apoiou Bolsonaro em 2018 e prestou depoimento sobre o trio “Rachadinha, Flávio e Queiroz” – aparece imitando e ridicularizando o presidente da República em um  jantar na casa do especulador Naji Nahas. A imitação de Marinho provocou gargalhadas nos convidados, entre eles, Michel Temer, o novo fetiche da terceira via; o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, o presidente do Grupo Bandeirantes, Johnny Saad; e o jornalista Roberto Dávila, da Globo News.

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Por isso é importante apoiar o jornalismo independente, porque ele é independente. Porque nós somos independentes

Aliás, girando em torno, não, andando em círculos, porque dizem que todo mundo quer uma terceira via, mas ninguém conhece esse todo mundo. Tanto que, no último domingo, 12, os protestos que pediam uma terceira via foram um fracasso de público.

Mas pera aí, os protestos não eram contra o presidente? Em teoria, sim, mas as faixas e os pixulecos eram bem objetivos: nem Bolsonaro, nem Lula. Logo, eram manifestações pela terceira via. Tanto que vimos Dória, Ciro, Leite e Mandetta desfilando e discursando. Há quem culpe o PT pelo fracasso. Mas bora desapegar da síndrome de Power Ranger, ninguém é criança aqui. Esperar que o PT apoie uma manifestação que infla boneco do Lula vestido de presidiário é um pouco demais.

E só pra gente não ficar um episódio inteiro sem falar das barbaridades de Jair Bolsonaro, ele agora resolveu fazer carinho nas Fake News e dizer que fazem parte da vida.  Disso nós já sabíamos, não é mesmo? Ainda mais depois do fiasco com os caminhoneiros na semana passada, que não acreditaram no áudio de Bolsonaro e comemoraram um falso estado de sítio. Pane no sistema, como diria Pitty. 

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #73 Terceira via entre protestos e jantares
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BSV Especial Coronavírus #15 O novo levante antirracista

Geórgia Santos
29 de junho de 2020

Neste episódio mais do que especial, discutimos o novo levante antirracista que, esperamos, desperte consciências pelo mundo. 

George Floyd disse que não conseguia respirar enquanto era asfixiado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos. O assassinato de mais um homem negro pela polícia despertou alguns dos maiores protestos que os norte-americanos viram em muito tempo. E o levante chegou até aqui.

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Os brasileiros saíram às ruas, sim, em meio a uma pandemia, porque precisam gritar que o racismo é inadmissível. Saíram às ruas porque aqui também jovens negros são mortos pela polícia

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Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dos mais de 6 mil registros de mortes por intervenções policiais entre 2017 e 2018, mais de 75% eram de pessoas negras. Sendo que no Brasil esse grupo represente 56% da população, segundo o IBGE. Mas essa é só uma faceta do racismo no Brasil. Afinal, como diz a autora e filósofa Djamila Ribeiro no livro Pequeno manual Antirracista, o que está em questão não é um posicionamento individual, mas um problema estrutural.

Talvez as mobilizações por aqui não tenham tido, nas ruas, o mesmo porte das manifestações do Estados Unidos, mas trouxeram a luta antirracista pra o centro do debate.

O jurista e filósofo Silvio Almeida, autor do livro Racismo Estrutural, foi entrevistado no programa Roda Viva e explicou que o racismo é parte da estrutura da nossa sociedade e não pode ser pensado de forma isolada. Isso significa que se gritamos que vidas negras importam, precisamos encarar o problema do racismo de frente. Entender que o racismo não necessita de intenção para se manifestar. E entender, que, principalmente, o silêncio torna nos torna ética e politicamente responsáveis pela manutenção do racismo.

Por isso a gente vai falar, sim, sobre racismo, sobre as nuances do racismo no Brasil e sobre, é claro, a luta antirracista. Participam os jornalistas Geórgia Santos e  Airan Albino. Também há uma entrevista com o jornalista e pesquisador Wagner Machado, que fala sobre como o negro é retratado ou inviabilizado na televisão brasileira, seja no entretenimento ou no jornalismo. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

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BSV Especial Coronavírus #13 Sobre protesto, violência e quem pode ter a carteirinha de antifa

Geórgia Santos
5 de junho de 2020

Há mais de uma semana, multidões estão nas ruas de algumas das principais cidades dos Estados Unidos em protesto contra o assassinato de George Floyd, um homem negro, por um policial branco em Mineappolis. O racismo emerge, então, como uma das questões centrais do nosso tempo e a luta antirracista ganha uma nova força com os movimentos que se articulam inclusive no Brasil.

Mas a presença de Jair Bolsonaro na presidência da República impõe também outros debates. Porque ao mesmo tempo em que há uma mobilização antirracista, um grupo de racistas, sim racistas, fez uma caminhada com tochas em Brasília. Os 300 do Brasil.

E como consequência, vemos uma crescente mobilização também do movimento antifascista – Antifa. Que o presidente Bolsonaro, a exemplo do seu muso Donald Trump, diz que é coisa de terrorista.

E cá estamos nós pra tentar compreender como esse movimento pode se sustentar por aqui e de que forma ele pode ajudar a restaurar a democracia. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #13 Sobre protesto, violência e quem pode ter a carteirinha de antifa
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BSV Especial Coronavírus #5 Pode ficar menos pior?

Geórgia Santos
22 de abril de 2020

Cá estamos nós em mais uma edição especial sobre o coronavírus. A questão é que, graças ao presidente da República, temos falado pouco do vírus e da doença em si. Em vez disso, estamos discutindo a maneira brilhante pela qual Jair Bolsonaro domina o debate público e desvia o foco das imensas falhas do governo federal na condução da crise. A começar pela troca do ministro da Saúde. Sai Henrique Mandetta, entra Nelson Teich, um médico respeitado, sem experiencia no serviço público e, obviamente, alinhado com as ideias do capitão.

Mas não basta a troca no ministério. No último domingo, dia 19, houve protestos pedindo não apenas o fim da quarentena, mas também uma intervenção militar, o fechamento do STF e o fechamento do Congresso. No Rio Grande do Sul, os machões agrediram mulheres e jornalistas. Bolsonaro participou de um dos atos e deu razão aos manifestantes.No dia seguinte, voltou atrás. Disse que não se pode falar em fechamento de Congresso e deu uma de rei sol em 2020 e disse que ele é a constituição.

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E ele pode voltar atrás, porque Bolsonaro não enfrenta nem nunca enfrentou consequências pelo que diz ou faz
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O que alguns insistem em chamar de flerte com autoritarismo já virou orgia e os chefes dos outros poderes se protegem com notas de repúdio. Wow. Portanto, diferente do resto do mundo, em vez de debatermos maneiras de frear a pandemia, estamos discutindo se existe a possibilidade de sofrermos um golpe militar ou não. Será que pode ficar pior?? Ou melhor, que tal invertemos a pauta na ideia do copo meio cheio e perguntar se pode ser uma oportunidade ficar menos pior?

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flavia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Gustavo Chagas

Os caminhos do Chile

Geórgia Santos
28 de novembro de 2019
Há seis semanas, milhares de pessoas ocupam as ruas para protestar contra a situação política, econômica e social do Chile. Como as veias do país ainda carregam o sangue na ditadura de Pinochet, as imagens e os resultados da repressão aos movimentos têm um significado ainda maior e mais traumático. Ao menos 26 pessoas foram mortas e mais de 2,8 mil ficaram feridas em confrontos, quase sempre com os carabineros, a polícia ostensiva. Do total de feridos, impressiona a quantidade de pessoas com lesões graves nos olhos. São mais de 200. O jovem estudante Gustavo Gatica, de 21 anos, ficou cego após ser baleado no rosto e se tornou símbolo da luta que nasceu pelo preço da passagem do metrô.
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“Dei meus olhos para que o Chile desperte”, disse a sua mãe

O Chile parece ter despertado; mas seus políticos, ainda não

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Desde a eclosão da crise, o poder parece atordoado com o nível da reação popular. O presidente Sebastian Piñera ameaçou um discurso mais agressivo, na largada dos protestos, e se viu forçado a recuar. O recuo veio e, mesmo assim, as ruas seguem gritando. A pauta específica do transporte público – um problema que, em si, não era um dos mais urgentes da população chilena – foi ampliada e ficou cada vez mais difusa. O Latinobarómetro de 2018 mostra que a mobilidade era prioridade para 0,3% da população. Segurança liderava com 38,2%, sendo seguida de desemprego (8,8%), saúde (6%) e educação (5,8%). Por trás desses números, uma insatisfação generalizada e, até então, anestesiada.
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Afinal, o que querem os chilenos?
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O governo já prometeu rever as achatadas pensões dos aposentados, o valor do salário mínimo e os benefícios de saúde. Já se aventou a proposta de uma nova Constituição. O último gesto foi a redução pela metade dos salários dos políticos. Será o suficiente? Parece que não.

Enquanto tateia, Piñera volta a endurecer o discurso. Carabineros e Forças Armadas seguem nas ruas, sob graves denúncias de violações de direitos humanos. O futuro segue incerto. O presente é implacável. E o fantasma do passado está à espreita.

Foto: Claudio Santana /GETTY IMAGES
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OUÇA Bendita Sois Vós #35 Protestos no Chile

Geórgia Santos
28 de outubro de 2019

Nesta semana, falamos sobre o ciclo de protestos no Chile. Os jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Flávia Cunha conversaram com a jornalista Isabela Vargas, que vive em Santiago e trouxe o relato de quem está testemunhando a História. Também participam do debate o professor Marcelo Kunrath, da UFRGS, especialista em confronto político e o novo colunista do Vós para América Latina, o jornalista Gustavo Chagas.

Além da crise do Chile, os jornalistas ainda discutem a instabilidade política da América Latina como um todo. Brasil, Equador, Bolívia e até a Argentina. O repórter do portal Sul 21, Luis Eduardo Gomes, esteve em Buenos Aires e falou sobre a situação das eleições antes do resultado.

Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.

Igor Natusch

Algo está acontecendo no Brasil. E isso é péssimo para Bolsonaro

Igor Natusch
16 de maio de 2019

Fiquei durante cerca de 20 minutos no topo do Viaduto Otávio Rocha, nesta quarta-feira, observando os manifestantes de Porto Alegre que passavam logo baixo, de um ponto a outro da avenida Borges de Medeiros. Em nenhum momento consegui enxergar o final da massa humana, seja de um lado, seja do outro. Não sou bom nesse tipo de conta e não vou me arriscar, mas era muita gente. Mesmo. Bem mais do que eu imaginava que seria. Muitos universitários, sim, e muita gente ainda mais jovem, que quer ter a chance de ser universitário ou universitária um dia.

Ouvi buzinas e vi pessoas aplaudindo das janelas. Ouvi o motorista do ônibus que me levou até o Centro de Porto Alegre comentando com passageiros sobre o protesto, demonstrando concordância, explicando os cortes na educação com bastante propriedade. Vi outro cobrador, no circular que me levou ao trabalho no começo da tarde, usando o celular para registrar, solidário e sorridente, professoras que se dirigiam ao abraço simbólico em um instituto federal. Não vi um xingamento sequer – seja contra vagabundos, contra petralhas ou qualquer outra coisa.

Segundo o Nexo, manifestações em defesa da educação aconteceram em cerca de 200 cidades brasileiras.

Os atos de 15 de maio foram um grande sucesso. São indicativo claro de que algo está acontecendo. E, seja lá o que for, não é nada bom para Jair Bolsonaro.

A tentativa de listar brevemente os problemas do governo é um esforço condenado ao fracasso, pois é impossível ser breve com tanta coisa a mencionar. No curto espaço da metade de uma semana, vimos a derrota brutal do governo na convocação do ministro Amadeu Weintraub ao Congresso, observamos líderes partidários outrora favoráveis fumegando de raiva após serem chamados publicamente de mentirosos, vimos o presidente da Câmara dar repetidos sinais de que está lavando as mãos. A reforma da previdência, praticamente um sine qua non para a viabilidade do governo, parece uma miragem inalcancável. Os investimentos fogem do país, o desemprego cresce, os índices sociais são cada vez piores. Até a visitinha improvisada ao Texas rende constrangimentos à entourage presidencial, com um ex-presidente norte-americano admitindo que recebeu Bolsonaro em sua casa no improviso, apenas para não cometer uma indelicadeza com um chefe de Estado.

Jair Bolsonaro está desnorteado, sem trunfos na mão, carente de amigos, ausente de aliados. E tudo isso sem citar a quebra de sigilo bancário de Flávio Bolsonaro, que coloca a família inteira diante de perspectivas funestas na esfera criminal.

A posse, vale lembrar, foi há menos de cinco meses.

Penso que não há sentido em procurar grandes estratégias onde nada indica que elas existam. O que estamos vivenciando, no Brasil, não é um esforço coordenado e metódico de construir um regime duradouro: o que se vê é um plano semi-articulado de autoritarismo de direita, à Viktor Orban / Recep Erdogan, incapaz de manter sua própria coesão interna e ruindo muito antes de conseguir consolidar seus alicerces. Aliás, se há algo que esses regimes nos ensinam, é que o autocrata moderno não se faz com explosões espalhafatosas, mas contaminando e sequestrando a legalidade. É trabalho para populistas, sim, mas não para tolos: requer método, paciência e manutenção do apoio popular.

Dos três itens, Bolsonaro só tem – ainda – o último.

E aí está a tragédia que 15 de maio simboliza para o presidente: é um sinal claro de que essa popularidade está se esvaindo.

Brigar com as universidades foi um desastre tático. Graças a esse confronto inútil, rancoroso e impulsivo, as ruas trocaram de sinal. Agora, o barulho que ecoa delas é contra Bolsonaro.

Será preciso muito mais que sinais de arminha com a mão e hashtags fajutas no Twitter para reverter esse quadro.

Foto: Carol Ferraz / Sul21

Igor Natusch

Isso aqui não é notícia! – ou, protestos na Argentina e nosso amor por fake news

Igor Natusch
20 de dezembro de 2017

Já comentei por aqui em tempos idos como a produção e disseminação de fake news é uma indústria, que nos oferece argumentos convenientes em troca do nosso engajamento e, é claro, de dinheiro. É um círculo vicioso extremamente nocivo para a discussão política e para toda a sociedade – e tivemos mais uma prova nos últimos dias, quando muita gente jurou de pés juntos que argentinos estavam gritando “isso aqui não é o Brasil!” durante os protestos contra a reforma previdenciária em curso naquele país.

Multidões identificadas com o pensamento progressista e contrário às medidas que vêm sendo adotadas por Michel Temer no Brasil acabaram disseminando a suposta informação. Eu mesmo, confesso, recém chegado de viagem e um tanto desligado do noticiário, cheguei a acreditar, durante algum tempo, que pudesse ser algo verdadeiro. Uma notícia que, como denunciado por usuários do Twitter e depois demonstrado pelo site E-farsas, não tem qualquer base identificável na realidade.

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Não existem registros em vídeo, relatos nos jornais locais, menções ao grito entre usuários argentinos de redes sociais, nada. Absolutamente nada

 

Se gritaram, não foi possível, pelo menos por enquanto, provar – e se não é possível provar, noticiar para quê?

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O primeiro a noticiar a suposta bomba por aqui foi o site Brasil 247 – não vou dar link porque né, trata-se de uma não-notícia e não merece ser disseminada. Mesmo não sendo um espaço “clássico” de fake news, o portal está (com todo o respeito) notoriamente distante de ser um veículo comprometido com apuração exaustiva ou com a credibilidade das informações que divulga. De onde terá tirado dados que corroborem o que divulga? Não se sabe, e pelo jeito não se saberá em momento algum.

Mesmo sendo altamente enviesado em sua cobertura, e mesmo sem apresentar qualquer evidência daquilo que afirmava em sua matéria, o Brasil 247 conseguiu atingir o coração e a imaginação de milhares de pessoas. Jogando não apenas com a insatisfação diante de reformas sem debate com a sociedade e que mudam (ou mudarão) drasticamente a vida da maioria da população, mas também com o sentimento de desamparo causado pela ausência de protestos nas principais cidades brasileiras. E tendo a publicação compartilhada, obtendo acessos, conquistando espaços de debate. Com uma informação que, repetindo, de informação mesmo não tem quase coisa alguma. Com uma matéria que, no mínimo, foi publicada antes de assar adequadamente no forno – se é que não foi para a mesa do leitor completamente crua, mesmo.

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Isso funciona, é claro, porque ninguém – absolutamente ninguém – está imune à tentação do viés de confirmação

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O questionamento incansável às falsas notícias do lado de lá não é o mesmo quando a manchete encaixa com nossos discursos, quando diz algo que nos é interessante que seja realidade. Não estavam compartilhando por aí que Bono Vox, o vocalista do U2 engajado com causas sociais, viria ao Brasil participar da mobilização de apoio a Lula no julgamento no TRF-4 – algo que a própria “fonte”, senador Roberto Requião, já deixou claro que era uma afirmação hipotética e não um anúncio? Requião mencionou o nome do músico, e isso basta. Que venham as manchetes e os memes!

Muito difícil ver boas perspectivas em um cenário onde a não-notícia só precisa ser agradável para ser tratada como verdade – ainda mais em um lugar como o Brasil, onde a importância da imprensa como salvaguarda democrática nunca chegou a se consolidar de fato. Estamos reféns de nós mesmos, de nossa vontade de ter proeminência em um debate transformado em gritaria de malucos, onde o principal valor é apenas determinar quem grita mais alto. Se a ignorância nos serve, assinamos contrato na hora, sem ler as letrinhas miúdas – e esse é o cenário de sonhos para quem, sem nenhum fato a seu favor, seguirá inventando pseudo-fatos para virar o jogo político na direção desejada. Uma falta de escrúpulos que não tem restrições ideológicas, como se vê.

Prendam a respiração, que 2018 vai ser um negócio daqueles.

Foto: Câmara de Deputados da Nação Argentina

Igor Natusch

Povo unido protesta, com ou sem partido

Igor Natusch
5 de abril de 2017
Diretas Já em Porto Alegre. Foto: Alfonso Abraham

A imagem que ilustra a matéria foi registrada em 13 de abril de 1984, durante o movimento de Diretas Já em Porto Alegre – uma manifestação que, imagino eu, a maioria dos leitores e leitoras considerará, no mínimo, legítima. É possível enxergar com certa facilidade bandeiras do PDT, PCB e PMDB na foto – siglas que, à época, eram identificadas com o campo progressista e de oposição à ditadura. Ao ver essa imagem nas recordações de Facebook, durante a semana passada, voltei a fazer uma reflexão sobre os gritos de “povo unido protesta sem partido”, tão comuns em mobilizações de rua nos últimos anos, vindos tanto de gente mais à esquerda quanto de conservadores e direitistas.

É óbvio que estamos diante de cenários muito diferentes, mas ainda assim acho válido o questionamento. Faria algum sentido dizer que trabalhistas e comunistas teriam “cooptado” a manifestação de Diretas Já a seu favor, ou que sua presença abalou a legitimidade do protesto? Faria sentido, para os que protestaram na época, dizer que “povo protesta sem partido”? E por que isso faz todo o sentido agora, para tanta gente, sendo que os partidos políticos seguem sendo (ao menos em teoria) basicamente o que eram naqueles tempos: catalisadores da vontade de determinados grupos sociais, traduzindo em projetos e bandeiras os anseios de fatias significativas da população nacional?

Há, como bem se sabe, uma onda forte de descrédito quanto à política institucional. Quando alguém grita exigindo que as bandeiras sejam baixadas durante um protesto, está basicamente manifestando essa descrença, essa sensação de que os partidos preocupam-se apenas com as próprias conveniências e nada mais. No entanto, essa revolta traz entre suas características uma ausência de resposta implícita, já que dela não surge (ou ainda não surgiu) um caminho que melhore essas estruturas, que traga uma democracia institucional mais sólida e menos corrompida. Não é necessariamente um erro, diga-se: é mais um sintoma da ausência de reflexão por trás da maior parte das vozes que participam desses gritos. As alternativas, quando surgem, ou são articuladas de forma ingênua (voto em pessoas, não em partidos) ou propondo o abandono completo da esperança democrática, como nos cada vez menos constrangidos gritos por intervenção militar. Não são as únicas, mas são as vozes que ganham força em um cenário onde a indignação surge sem base, como água que brota do chão e não se sabe para qual lado irá correr.

Não tenho e nunca tive partido político. Sou crítico do atual modelo político brasileiro e um moderado descrente das possibilidades da política partidária como um todo, especialmente no sentido de promover verdadeiras mudanças de modelo e de sociedade. Não me sinto plenamente representado por nenhuma das bandeiras de partidos políticos que estiveram (ou estão) presentes em manifestações pelo País, e penso que precisamos de uma reformulação profunda no cenário partidário, no mínimo. Ainda assim, acho que esse tipo de grito traz em si a semente de um equívoco, acho errado querer impedir que partidos políticos se digam presentes nas ruas, em meio à massa humana que reclama de alguma coisa.

Essa demanda de “povo sem partido” pode ser espontânea, mas sua formulação em grito de guerra não é ingênua e desinteressada. É filhote de setores que acreditam existir na política partidária (em especial a de esquerda) uma tendência ao crime, à desonestidade e à criação de tensão social, entre outras coisas. Quem tradicionalmente pede que partidos fiquem de fora das manifestações populares é quem é contrário à ação política como um todo – e isso favorece quem se beneficia da despolitização coletiva para manter o poder de fato em suas mãos. Ao gritar que o “povo protesta sem partido”, está se reforçando a ideia de que um protesto “puro” só existe na completa ausência de mobilização partidária. Ou então está sendo defendida, mesmo que de forma inconsciente, uma noção de que o povo está intrinsecamente distante da articulação política, como algo que é “deles” e que nos contamina caso tenhamos contato com isso. Em última análise, são argumentos que jogam a favor do status quo e contra qualquer tentativa, institucional ou não, de mudança. Gostem ou não da política partidária, ela ainda é e possivelmente seguirá sendo um meio importante de atuação, e não me parece interessante (mesmo eu sendo, como apontei, um crítico do modelo) que ela seja deslegitimada desse modo.

A verdade, gostem ou não, é que povo simplesmente protesta, com ou sem partido. Evitem a proximidade com grupos político-partidários, se discordam deles; não aceitem suas sugestões, ignorem, mantenham distância. Mas não sejam ingênuos, atuando a favor de forças que, se tiverem chance, não hesitarão em calar as próprias vozes que as conclamam.

Foto: Alfonso Abraham