Voos Literários

Racismo à brasileira, a negação em ação

Flávia Cunha
22 de fevereiro de 2022

O racismo no Brasil existe e negá-lo é um desserviço a todas as pessoas interessadas em uma sociedade democrática e menos desigual. Porém, na grande imprensa o debate falacioso sobre liberdade de expressão parece ser mais importante do que a luta antirracista. Nesse sentido, um dos casos mais recentes é o artigo sobre racismo reverso publicado na Folha de São Paulo em janeiro deste ano.

Contudo, este é apenas um dos muitos episódios em que a grande mídia parece mais preocupada em ter uma visão supostamente plural do que em combater preconceitos.

Desigualdade também no jornalismo

Neste cenário, uma pesquisa divulgada em novembro de 2021 revelou que apenas 20% dos jornalistas brasileiros atuando em grandes redações são negros. Portanto, não é de se espantar que muitas pautas sobre racismo sejam abordadas de forma equivocada ou superficial. Para piorar esta conjuntura já desigual, há menos jornalistas negros ocupando cargos com poder de decisão.

Assassino, sim. Racista, não!

A este panorama preocupante, se soma a cobertura de assassinatos de pessoas negras em que o viés do racismo como motivação para os crimes é relativizado. Um dos exemplos mais evidentes foi no brutal homicídio do refugiado congolês Moïse Kabamgabe. Enquanto a imprensa internacional tratou o crime abertamente como racismo e xenofobia, a grande mídia brasileira foi menos enfática na abordagem. Por isso, os assassinos, homens brancos, são respeitosamente mencionados como suspeitos de um crime ainda sem razões evidentes. Um destes homens, inclusive, divulgou um vídeo negando que a motivação do crime tenha sido racista e não ter existido a intenção de matar. (Nestas condições, tudo bem espancar alguém até a morte, será?)

Aparentemente, pessoas brancas podem até admitir que são assassinas, mas não querem ser chamadas de racistas em hipótese nenhuma. 

A outra garota negra

Por uma triste coincidência, o primeiro romance ficcional que li em 2022 tem como enredo a falta de representatividade negra em funções de comando – no caso do livro, no mercado editorial. Também trata sobre a dificuldade de pessoas brancas reconhecerem preconceitos raciais. 

Na obra A outra garota negra, de Zakiya Dalila, a protagonista, Nella, ocupa há anos o cargo de assistente em uma grande editora de Nova York. Dentre seus sonhos, está o de ser a responsável pela publicação de livros com temática antirracista e ter outra colega negra no trabalho. Quando “a outra garota” do título do livro finalmente é contratada, Nella se sente confortável para confidenciar a dificuldade em apontar racismo no texto de um autor famoso, cliente da editora.

“— Mas isso é o que me chateia, porque não posso criticá-lo por isso. 

— Por que não? 

— Porque ele vai pensar que o estou chamando de racista. Você sabe como os brancos ficam quando acham que estão sendo chamados de racistas.” 

Mercado editorial brasileiro é branco 

A realidade do mercado editorial norte-americano, criticada na obra com conhecimento de causa, já que a autora trabalhou durante anos nesta área, não é diferente da conjuntura brasileira. Aqui, os proprietários das grandes editoras são, em sua maioria, homens, brancos e com idade avançada. Isso traz como uma das consequências o baixo percentual de autores negros com livros publicados. Em 2014, por exemplo, apenas 2,5% dos escritores com obras lançadas no Brasil não eram brancos. Dentre os personagens retratados em romances brasileiros no ano mencionado, apenas 6.9% eram negros e 4,5% protagonistas dos enredos ficcionais. Confira mais dados aqui

Ser antirracista é uma necessidade

Sendo assim, percebemos o quanto ainda precisamos avançar nas práticas antirracistas, tanto no mercado editorial quanto jornalístico. Como mulher branca que atua nas duas áreas, procuro sempre enfatizar, para outros brancos, os privilégios invisíveis que temos, em uma sociedade que insiste em um discurso vazio e falso de democracia racial. 

Procurar ser antirracista é um exercício diário de humildade, vergonha e solidariedade. Além disso, destaco a importância de não nos enxergarmos como brancos salvadores, mas conscientes de que nosso apoio à essa luta é fundamental. Afinal, silenciar diante do racismo é ser conivente com agressões e humilhações inaceitáveis.

 Imagem: Facebook/Reprodução

 

 

PodCasts

Cantinho da Leitura #3 A importância da literatura infantil antirracista

Geórgia Santos
29 de janeiro de 2021
O terceiro episódio do podcast Cantinho da Leitura trata da literatura infantil antirracista. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.
Para alguns especialistas, a partir dos dois anos de idade já é possível identificar racismo, ou comportamentos racistas, em crianças criadas em lares preconceituosos. Outros estudos indicam que crianças com quatro anos tendem a julgar brancos como mais ricos e bem-sucedidos. Isso mostra que, quanto mais cedo falarmos sobre o assunto, melhor.  
.
Nas sugestões de leitura, “Pequeno Manual Antirracista”, Djamila Ribeiro, editora Companhia das Letras; “Amoras”, do Emicida, editora Companhia das Letrinhas; “Minha mãe é negra, sim!” de Patrícia Santana, Mazza Edições; “Meu crespo é de rainha”, Bell Hooks, editora Boitempo, selo boitatá; e “Racismo Estrutural”, de Silvio Almeida, editora Jandaíra.
.
O episódio ainda traz um trecho da entrevista do professor Silvio Almeida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em que ele explica de que forma o racismo está vinculado a todos os aspectos da vida em sociedade.
.

PodCasts

BSV Especial Coronavírus #33 Até quando João Alberto vai morrer?

Geórgia Santos
25 de novembro de 2020

No dia 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por duas pessoas que deveriam garantir a segurança do supermercado Carrefour, em Porto Alegre.

.
Beto foi assassinado na porta do mercado
Beto foi assassinado às vésperas do Dia da Consciência Negra
Beto era negro
.

O vice-presidente da República, General Hamilton Mourão, lamentou a morte de Beto, mas disse que não há racismo no Brasil. Mas nós não esquecemos daquele que disse que nós herdamos a “malandragem do africano”.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que é daltônico. Para ele, todos tem a mesma cor. Para ele, quem fala em racismo instiga o povo à discórdia, promove conflitos e pertence ao lixo. Mas nós não esquecemos daquele que falou dos quilombolas que pesavam “sete arrobas” e “não serviam nem pra procriar”.

.
Diante disso, do descaso das autoridades, do descaso da sociedade diante dessa estrutura perversa que continua a promover a opressão do povo negro, nós perguntamos: até quando o João Alberto vai morrer?
.

Porque João Alberto morreu também por nossa culpa. Do Mourão, do Bolsonaro, tua e minha. Porque tuíte ou quadrado de luto no instagram não combatem racismo. Precisa mais que isso.

Ao Vós, cabe tratar do tema à exaustão. Por isso hoje nós convidamos o jornalista e professor universitário Maikio Guimarães, que, ao longo do episódio, traz os principais argumentos do discurso racista – e como combatê-lo. E com o jornalista Marcelo Nepomuceno, pra conversarmos sobre a política perversa que perpetua a lógica racista no país.

Participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #33 Até quando João Alberto vai morrer?
Reportagens Especiais

Para entender (e combater) o discurso racista

Colaborador Vós
23 de novembro de 2020
Por Maikio Guimarães*

Porto Alegre, 14 de maio de 1987. Júlio César de Melo Pinto foi executado por policiais militares, dentro de uma viatura, após ter sido confundido com o assaltante de um supermercado. Porto Alegre, 19 de novembro de 2020. João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte na porta do supermercado Carrefour. Um intervalo de 33 anos separa os episódios. Em comum nas histórias, as mortes violentas de dois homens negros. Este parágrafo de abertura é apenas para lembrar que não passa de ilusão a ideia de que o racismo tem diminuído na sociedade brasileira.

Cena do documentário ‘O Caso do Homem Errado’, sobre a morte de Júlio César em 1987 – Divulgação

Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento. Na base de grande parte dos problemas enfrentados pelos negros no Brasil, está o racismo estrutural, que integra a organização econômica e política da sociedade. Como destaca Silvio Almeida, as pessoas e as instituições possuem condutas racistas porque a sociedade é racista.

Nos últimos 132 anos, a narrativa racista foi permanentemente atualizada no Brasil. Pensando nisto, a partir deste ponto, serão apresentados alguns argumentos racistas em destaque hoje. Tente lembrar quantas vezes você já deparou com estas ideias.

 .

Argumento racista número 1 . O Brasil é uma democracia racial

A partir da década de 1930, as elites passaram a defender que existia uma convivência pacífica entre as raças em terras brasileiras. A miscigenação, neste cenário, passou a ser apontada como um item básico da identidade nacional. De fato, nunca existiu convivência pacífica entre raças no Brasil. O que perdura é um sistema de opressão que nega direitos aos negros. O conceito de democracia racial tem sido refutado por pessoas negras (dentro e fora do ambiente acadêmico) desde sempre. A ideia, no entanto, não foi definitivamente sepultada. Cada vez que um caso de racismo gera comoção, alguma autoridade branca resgata a mofada tese da democracia racial.

.

Argumento racista número 2 . O Brasil não é um país racista

A pessoa que afirma não existir racismo no Brasil tem como propósito silenciar qualquer manifestação negra em defesa de direitos. Em um cenário onde todas as estatísticas comprovam categoricamente as desvantagens dos negros nas mais diversas áreas, não faz sentido a defesa de um argumento distante da verdade.

.

Argumento racista número 3 . Querem dividir a sociedade com esta história de racismo

É uma manifestação perfeita para um esquete de humor. Quem faz tal afirmação costuma defender a fantasiosa ideia de uma democracia racial. Acredita que os negros vão liquidar a unidade social ao falarem sobre racismo. Não quero estragar o prazer de ninguém, mas informo que a sociedade brasileira nunca esteve unida. O leitor ou leitora não precisa acreditar em mim. Pesquise nos 520 anos de História do Brasil. Procure resquícios da encantada unidade da sociedade brasileira. Não vai achar nada. Quando se observa o histórico da convivência entre brancos e negros, fica evidente a existência de uma relação prejudicial aos negros. Defender que as pessoas querem “dividir a sociedade” ao tratar de racismo não passa de um argumento rasteiro de quem deseja ignorar a realidade e manter privilégios.

.

Argumento racista número 4 . Racismo reverso

Do fim da escravidão aos dias de hoje, tem sido possível observar uma indiferença em relação às precárias condições de vida da população negra. Esta letargia se transforma em oposição ativa quando a demanda negra por mudança se torna forte. Basta observarmos a História do Brasil nos últimos 20 anos. Quando ganhou força o debate sobre a adoção do sistema de cotas nas universidades federais, velhos argumentos foram reciclados. Alegaram que não existia racismo no país. Defenderam que tal medida iria dividir a sociedade brasileira. Teve quem afirmou que pessoas brancas teriam suas vagas roubadas pelos negros. Todas estas alegações tinham como base a preocupação de um grupo focado em não perder privilégios. As universidades federais foram criadas para formar os filhos da elite brasileira. Estas instituições se mantiveram assim até o início do século 21. Quando os negros reivindicaram uma fatia do bolo, o grupo que detinha praticamente o monopólio do acesso ao ensino superior se sentiu ultrajado.

Argumentos semelhantes foram resgatados quando a rede de lojas Magazine Luiza informou que iria contratar trainees negros. Diversas pessoas utilizaram as redes sociais para manifestar repúdio. Em diversos comentários, “cidadãos de bem” apresentaram os brancos como vítimas de racismo reverso. Em uma situação pontual, uma pessoa branca pode ouvir uma manifestação preconceituosa. No entanto, brancos não são sistematicamente discriminados por causa da cor da pele. E outra. Os negros estão sub-representados na política, na direção de empresas e em quaisquer meios de dominação. Não seria sequer viável criar uma estruturar para subjugar os brancos.

.

Argumento racista número 5 . O politicamente correto é uma chatice

Vale refletir o que faz uma pessoa reclamar do politicamente correto. Por muito tempo, a sociedade brasileira viu com naturalidade a circulação de manifestações de desprezo por minorias raciais na forma de humor. O chamado racismo recreativo. Ao longo do século 20, as pessoas negras foram rotuladas como burras, feias, bêbadas, fracassadas e sexualmente inadequadas.

Hoje, existe uma reação rápida a qualquer manifestação que procure desmerecer os negros. A internet potencializa mobilizações e manifestações de repúdio. A resposta negra frustra quem gosta de fazer piadas preconceituosas. Quem estava acostumado a rir dos negros é que considera o politicamente correto uma chatice.

“Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos. O preconceito e o desprezo ainda são iguais. Nós somos negros, também temos nossos ideais. Racistas otários, nos deixem em paz.” Este é um trecho da música “Racistas otários”, dos Racionais MC’s. Uma canção de muito sucesso na década de 1990. Como quase nada muda no Brasil, a mensagem segue atual.

*Maikio Guimarães, jornalista e professor universitário

 

.

Imagem: montagem com reprodução do vídeo que mostra o momento em que Mateus Abreu Almeida Prado Couto, 31, disfere ataques racistas ao motoboy Matheus Pires

Voos Literários

Por um mundo com menos racismo

Flávia Cunha
21 de novembro de 2020

Senti a sexta-feira do Dia da Consciência Negra como uma porrada na cara, por ser uma branca privilegiada, ainda que consciente do racismo estrutural existente no Brasil. De madrugada, recebi por whatsapp o vídeo de um homem negro sendo cruelmente espancado e a notícia de sua morte. Aos poucos, as redes sociais e os noticiários foram ficando repletos das revoltantes informações. Ficamos todos sabendo que João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi surrado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre. O brutal assassinato de Beto gerou uma onda de protestos em diversas cidades brasileiras e teve repercussão internacional na imprensa. 

SENTI VERGONHA POR SER BRANCA

Enquanto me solidarizava às manifestações de repúdio a esse cruel assassinato de um homem negro, o lado tóxico das redes sociais me trouxe vergonha por ser branca. Em um dia em que permaneci trabalhando meio anestesiada em frente ao computador, observei relativizações do racismo envolvendo o caso, tentativas de culpar a vítima e defesa do Carrefour após protestos mais “violentos”. O patrimônio de uma empresa ser atingido durante protestos é pior do que um assassinato motivado por racismo? Para boa parte dos brasileiros, em especial brancos e de classe média, sim. Essas declarações míopes na Internet demonstram o quanto ainda temos a avançar enquanto sociedade.

MAS O QUE PODEMOS FAZER PARA COMBATER O RACISMO?

Em primeiro lugar, é preciso enxergá-lo:

“O RACISMO ESTÁ EM TODO O LUGAR
[…] Ele está na estrutura da sociedade. Para pessoas brancas, ele pode não estar tão claro. Mas para pessoas negras, ele é visível todos os dias. E,por conta dele, somos invisibilizados.”

O trecho acima é do livro Uma atitude por dia: Por um mundo com menos racismo, de Gabriela Oliveira. A escritora, designer e empreendedora concedeu uma entrevista para as redes sociais da minha produtora nesta sexta-feira. Gabriela começou a live com as seguintes reflexões:

 “O assassinato de João Alberto Silveira Freitas se soma, infelizmente, a muitos outros. Corpos negros, independente da idade, são alvos da violência gratuita motivada pelo racismo no Brasil.”  
“As empresas não pegam para si a responsabilidade sobre casos de violência como esse ocorrido no Carrefour. Tanto que a empresa só emitiu uma nota de repúdio. Isso não é suficiente.”

Durante a entrevista, Gabriela trouxe muitas sugestões práticas de como cada um, dentro de sua realidade, pode contribuir para combater o racismo. Precisamos, em primeiro lugar, fazer com que  as pessoas parem de negar sua existência. Evidentemente, isso é difícil em um país onde o presidente da República e seu vice fazem o desserviço criminoso de declarar que o Brasil não é um país racista. Aos brancos, como eu, cabe apoiar e engajar-se nessa luta, para mostrar que vidas negras importam.

Como Gabriela ensina, neste trecho de seu livro:

“Pessoas brancas precisam entender seu papel no combate ao racismo. Entender seu lugar de fala, agir a partir dele e se aliar de forma ativa e consistente. […] A luta antirracista é uma prática ativa. Um mundo com menos racismo é possível.”

Confiram  a entrevista completa de Gabriela Oliveira no canal da F Cunha Produtora:

Foto e charge gentilmente cedidas ao Vós por Repórter Popular

PodCasts

BSV Especial Coronavírus #15 O novo levante antirracista

Geórgia Santos
29 de junho de 2020

Neste episódio mais do que especial, discutimos o novo levante antirracista que, esperamos, desperte consciências pelo mundo. 

George Floyd disse que não conseguia respirar enquanto era asfixiado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos. O assassinato de mais um homem negro pela polícia despertou alguns dos maiores protestos que os norte-americanos viram em muito tempo. E o levante chegou até aqui.

.

Os brasileiros saíram às ruas, sim, em meio a uma pandemia, porque precisam gritar que o racismo é inadmissível. Saíram às ruas porque aqui também jovens negros são mortos pela polícia

.

 

Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dos mais de 6 mil registros de mortes por intervenções policiais entre 2017 e 2018, mais de 75% eram de pessoas negras. Sendo que no Brasil esse grupo represente 56% da população, segundo o IBGE. Mas essa é só uma faceta do racismo no Brasil. Afinal, como diz a autora e filósofa Djamila Ribeiro no livro Pequeno manual Antirracista, o que está em questão não é um posicionamento individual, mas um problema estrutural.

Talvez as mobilizações por aqui não tenham tido, nas ruas, o mesmo porte das manifestações do Estados Unidos, mas trouxeram a luta antirracista pra o centro do debate.

O jurista e filósofo Silvio Almeida, autor do livro Racismo Estrutural, foi entrevistado no programa Roda Viva e explicou que o racismo é parte da estrutura da nossa sociedade e não pode ser pensado de forma isolada. Isso significa que se gritamos que vidas negras importam, precisamos encarar o problema do racismo de frente. Entender que o racismo não necessita de intenção para se manifestar. E entender, que, principalmente, o silêncio torna nos torna ética e politicamente responsáveis pela manutenção do racismo.

Por isso a gente vai falar, sim, sobre racismo, sobre as nuances do racismo no Brasil e sobre, é claro, a luta antirracista. Participam os jornalistas Geórgia Santos e  Airan Albino. Também há uma entrevista com o jornalista e pesquisador Wagner Machado, que fala sobre como o negro é retratado ou inviabilizado na televisão brasileira, seja no entretenimento ou no jornalismo. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #15 O levante antirracista
Voos Literários

Vidas Negras Importam

Flávia Cunha
12 de junho de 2020

As manifestações antirracistas que eclodiram nos Estados Unidos e tomaram conta das ruas de diversos países, entre eles, o Brasil, trouxeram à tona uma constatação óbvia: a violência contra negros é histórica e o racismo, um comportamento  inaceitável. Nesse contexto, o que os brancos que são contrários ao racismo podem fazer? No meu lugar de fala de uma mulher branca, procuro sempre ouvir negros dispostos a conversar sobre maneiras de como estar ao lado deles nessa luta.  Afinal, vidas negras importam e sabemos que essa luta não é recente,

Outra pequena contribuição da minha parte ao longo dos últimos anos, foi dar espaço na coluna Voos Literários para mulheres negras incríveis exporem suas visões de mundo.

CORPOS NEGROS

A cantora e comunicadora Camila Toledo foi nossa convidada, no carnaval de 2018. Ela resolveu abordar a objetificação dos corpos negros, a partir da sua leitura da obra A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot.

“Fala-se das mulheres hipersexualizadas, do negro como apenas fonte de trabalho. A história e as marcas desse pensamento vêm sendo descobertas pouco a pouco. Existe uma estrutura social de pensamento ainda escravagista que repete que o corpo negro está a serviço da sociedade.”

Leia o texto completo aqui.

INSPIRAÇÃO

Em novembro de 2018, em uma reflexão pelo mês da Consciência Negra, a radialista e jornalista Denise Cruz destacou o livro Oprah, uma biografia, de Kitty Kelley.

Em seu texto, Denise comenta:
“… ainda estamos longe da real consciência da contribuição negra nas mais diversas áreas. […] Tenho muito que aprender e mais ainda a agradecer por todas as mulheres negras que lutaram pela minha voz. Pela nossa voz.” 

O texto completo está nesse link.

PÚRPURA

Em uma intersecção da música com a literatura, convidei a cantora Valéria Custódio para falar a respeito do seu disco, inspirado no livro A Cor Púrpura

“A Cor Púrpura eu ousaria dizer que me deu novos olhos e me amadureceu como artista, pois conheci um universo artístico muito maior depois dessa história, além de ter me amadurecido como ser humano, como mulher.”

Acesse o texto completo aqui.

LUTA DIÁRIA

O combate ao racismo precisa ser diário. Aos brancos antirracistas, como eu, repasso alguns conselhos, tirados de pacientes conversas com amigas negras: 

  • Não ouça calado “piadas” racistas. 
  • Tire do seu vocabulário palavras que desmerecem os negros, como “denegrir”. 
  • Não aceite quem usa como justificativa para o racismo ter sido criado por uma família preconceituosa. 
  • A reconstrução para os brancos é diária, pois o racismo é estrutural. Porém, é preciso lembrar ser essa uma luta urgente e necessária para todos que buscam um mundo com menos desigualdade e preconceito. 

E nunca é demais lembrarmos a frase emblemática da escritora norte-americana Angela Davis:

“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, 

Imagem:  Samir Basante V./ Pixabay

 

 

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #42 Retrospectiva 2019

Geórgia Santos
23 de dezembro de 2019

Não foi nada fácil fazer uma retrospectiva de 2019. De todo modo, todos nós, do Vós, concordamos que o ano foi marcado pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Então selecionamos alguns temas em que esse desgoverno se destacou. Começamos com as questões ambientais, em especial os incêndios na amazônia e vazamento de óleo – sem esquecermos, é claro, das declarações estapafúrdias do presidente.

Outro tema em destaque é a corrupção. Porque apesar de o ministro Sérgio Moroafirmar que não houve corrupção em 2019, encerramos o ano com mais notícias das rachadinhas do clã  Bolsonaro –  sem falar no escândalo da Vazajato.

Não podemos esquecer que 2019 também foi o ano em que a educação foi acossada, universidades federais atacadas e Paulo Freire, sim, Paulo Freire, demonizado. A desigualdade aumentou e o ministro da economia, Paulo Guedes, não parece se incomodar com isso. Sem contar os constantes ataques às minorias, que foram normalizados – senão institucionalizados.

Para acompanhar as discussões dos jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Igor Natusch, selecionamos algumas das entrevistas que fizemos ao longo de 2019 para o Bendita Sois Vós. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.

PodCasts

É preciso ser antirracista

Geórgia Santos
26 de novembro de 2019
Não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista. Por isso, no mês da Consciência Negra, discutimos as estruturas do racismo no Brasil.

O nosso país foi construído às custas de vidas negras. Apesar disso, há quem insista em perpetuar discriminação. Na semana passada, no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro,  um professor foi agredido. Juarez Xavier foi chamado de macaco e golpeado duas vezes com um estilete por um desconhecido. No dia anterior, Coronel Tadeu, deputado federal pelo PSL, vandalizou uma exposição contra o racismo. No quadro que ele quebrou, uma charge de Latuff  que denunciava os assassinatos de jovens negros cometidas pela polícia. Na mesma semana, o jogador Taison foi punido com um jogo de suspensão por REAGIR ao racismo na Ucrânia.

E esses são apenas alguns exemplos do que acontece diariamente no Brasil e no mundo. Por isso, os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Tércio Saccol recebem Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, para falar sobre racismo dentro e fora das quatro linhas. 

No quadro Palavra da Salvação, pesquisadoras e autoras negras como Sueli Carneiro, Carolina Maria de Jesus e Chimamanda Ngozi Adichie. 

Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.

 

Voos Literários

A luta antirracista precisa ser de todos

Flávia Cunha
23 de novembro de 2019

Escrevo esse texto em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, direto do Rio Grande do Sul, estado brasileiro que optou por não tornar feriado uma data tão significativa. Aproveito o ensejo para falar sobre racismo estrutural, já que muitos brancos insistem em não enxergar a brutal desigualdade racial brasileira, desde os tempos da escravidão até o século 21. Acho importante que uma pessoa que não seja negra toque no assunto, porque evita um dos argumentos mais furados dos racistas velados, que é o suposto vitimismo dos negros quando falam em racismo.

Nessa semana, foi divulgado que a menina Agatha, negra, foi morta mesmo pelo tiro acidental de um polícia militar no Rio de Janeiro. Não havia registro de operação no momento do disparo.  Ela é apenas um dos muitos casos de pessoas negras mortas por balas perdidas da polícia ou ao serem confundidas com criminosos em operações.  Mas quando se fala em genocídio da população negra no Brasil, tem sempre quem reaja contrário à essa ideia. Exemplo disso é o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), que rasgou uma placa de uma exposição no Congresso Nacional sobre o assunto. Ofendeu-se pelos policiais mostrados na imagem que ilustra esse post. Mas como dizer que não existe algo errado quando os negros são 54% da população brasileira mas o percentual de pessoas negras assassinadas no país chega a 71,5%? Veja mais detalhes aqui.

Mas vamos voltar um pouco no tempo.

Na coluna anterior, abordei o fim do império e a proclamação da República. Propositalmente deixei de fora uma questão nevrálgica envolvendo esse período histórico: o fim da escravidão. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravatura, em 1888. Mesmo sem prever nenhum tipo de compensação para os libertos, o sentimento dos ex-escravos foi de gratidão à Princesa Isabel. Contudo, a elite que ganhava dinheiro com a mão-de-obra escrava, não ficou nada feliz com a decisão imperial, em um momento em que a monarquia brasileira já estava fragilizada por outras questões. 

O movimento republicano ganhou força com apoio de produtores rurais que se sentiam “prejudicados” pelo fim da escravidão. Para se ter uma ideia de como ser republicano na época não era exatamente sinônimo de ser libertário, muitos abolicionistas eram favoráveis ao Império. Após o golpe militar que levou ao início da República, houve quem pressionasse o governo a tomar medidas para amparar a população negra, como a distribuição de terras para ex-escravos. Uma dessas vozes foi o poeta e jornalista José do Patrocínio. No jornal A Cidade do Rio, de sua propriedade, fazia duras críticas ao governo do então presidente (não-eleito) Floriano Peixoto. Resultado por tocar no tabu da falta de indenização aos escravos libertos no Brasil? Patrocínio foi exilado na Amazônia, teve depois seu jornal fechado pelo governo militar e acabou morrendo na miséria.

A tentativa de “passar pano” na dívida histórica brasileira com os negros parece ter raízes nesse momento histórico. Um romance que retrata a sociedade escravagista do século 19 é Um Defeito de Cor, publicado em 2006 pela escritora mineira Ana Maria Gonçalves, após uma extensa pesquisa histórica. O livro aborda a trajetória de Kehinde, que até a infância vivia em Savalu, na África, e acaba sendo capturada e trazida ao Brasil  em um navio negreiro. A obra vai virar minissérie televisiva em 2020. No trecho abaixo, a personagem descreve sua relação com a religião católica e com o que classifica como “defeito de cor”:

Ou seja, eles tinham dúvida se nós éramos humanos e se podíamos ser admitidos como católicos, se conseguiríamos pensar o suficiente para entender o que significava tal privilégio. Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim. Aliás, em África, defeituosos deviam ser os brancos, já que aquela era a nossa terra e éramos em maior número. O que pensei naquela hora, mas não disse, foi que me sentia muito mais gente, muito mais perfeita e vencedora que o padre. Não tenho defeito algum e, talvez para mim, ser preta foi e é uma grande qualidade, pois se fosse branca não teria me esforçado tanto para provar do que sou capaz, a vida não teria exigido tanto esforço e recompensado com tanto êxito.

Outro livro que aborda a questão racial é Americanah, da aclamada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. A obra é uma leitura que pode ser interpretada em várias camadas, ao abordar a história de amor de Ifemelu e Obinze, separados quando a jovem sai da Nigéria e vai estudar nos Estados Unidos. (E acaba depois retornando ao seu país de origem, sendo a “americanah” do título).   Para a abordagem desse texto antirracista, separei um trecho do blog ficcional que Ifemelu mantém quando está em território norte-americano: Observações Diversas sobre Negros Americanos (Antigamente Conhecidos como Crioulos) Feitas por uma Negra Não Americana.

No trecho abaixo, a personagem faz uma postagem direcionada aos brancos, em que é bastante didática ao refletir sobre questões como racismo estrutural, escravidão e o absurdo do termo “racismo reverso”:

Querido Americano Não Negro, caso um Americano Negro estiver te falando sobre a experiência de ser negro, por favor, não se anime e dê exemplos de sua própria vida. Não diga: “É igualzinho a quando eu…”. Você já sofreu. Todos no mundo já sofreram. Mas você não sofreu especificamente por ser um Negro Americano. Não se apresse em encontrar explicações alternativas para o que aconteceu. Não diga: ‘Ah, na verdade não é uma questão de raça, mas de classe. Ah, não é uma questão de raça, mas de gênero. Ah, não é uma questão de raça, é o bicho-papão’. Entenda, os Negros Americanos na verdade não querem que seja uma questão de raça. Para eles, seria melhor se merdas racistas não acontecessem. Portanto, quando dizem que algo é uma questão de raça, talvez seja porque é mesmo, não? Não diga: ‘Eu não vejo cor’, porque, se você não vê cor, tem de ir ao médico, e isso significa que, quando um homem negro aparece na televisão e eles dizem que ele é suspeito de um crime, você só vê uma figura desfocada, meio roxa, meio cinza e meio cremosa. Não diga: ‘Estamos cansados de falar sobre raça’ ou ‘A única raça é a raça humana’. Os Negros Americanos também estão cansados de falar sobre raça. Eles prefeririam não ter de fazer isso. Mas merdas continuam acontecendo. Não inicie sua reação com a frase ‘Um dos meus melhores amigos é negro’, porque isso não faz diferença, ninguém liga para isso, e você pode ter um melhor amigo negro e ainda fazer merda racista. Além do mais provavelmente não é verdade, não a parte de você ter um amigo negro, mas a de ele ser um de seus “melhores” amigos. Não diga que seu avô era mexicano e que por isso você não pode ser racista (por favor, clique aqui para ler sobre o fato de que Não há uma Liga Unida dos Oprimidos). Não mencione o sofrimento de seus bisavós irlandeses. É claro que eles aturaram muita merda de quem já estava estabelecido nos Estados Unidos. Assim como os italianos. Assim como as pessoas do Leste Europeu. Mas havia uma hierarquia. Há cem anos, as etnias brancas odiavam ser odiadas, mas era meio que tolerável, porque pelo menos os negros estavam abaixo deles. […] Não diga: “Ah, o racismo acabou, a escravidão aconteceu há tanto tempo”. […] Finalmente, não use aquele tom de Vamos Ser Justos e diga: “Mas os negros são racistas também”. Porque é claro que todos nós temos preconceitos (não suporto nem alguns dos meus parentes de sangue, uma gente ávida e egoísta), mas o racismo tem a ver com o poder de um grupo de pessoas e, nos Estados Unidos, são os brancos que têm esse poder.  […] Então, depois dessa lista do que não fazer, o que se deve fazer? Não tenho certeza. Tente escutar, talvez. Ouça o que está sendo dito. E lembre-se de que não é uma acusação pessoal. Os Negros Americanos não estão dizendo que a culpa é sua. Só estão dizendo como é. Se você não entende, faça perguntas. Se tem vergonha de fazer perguntas, diga que tem vergonha de fazer perguntas e faça assim mesmo. É fácil perceber quando uma pergunta está sendo feita de coração. Depois, escute mais um pouco. Às vezes, as pessoas só querem ser ouvidas. Um brinde às possibilidades de amizade, de elos e de compreensão.”