Voos Literários

Vidas Negras Importam

Flávia Cunha
12 de junho de 2020

As manifestações antirracistas que eclodiram nos Estados Unidos e tomaram conta das ruas de diversos países, entre eles, o Brasil, trouxeram à tona uma constatação óbvia: a violência contra negros é histórica e o racismo, um comportamento  inaceitável. Nesse contexto, o que os brancos que são contrários ao racismo podem fazer? No meu lugar de fala de uma mulher branca, procuro sempre ouvir negros dispostos a conversar sobre maneiras de como estar ao lado deles nessa luta.  Afinal, vidas negras importam e sabemos que essa luta não é recente,

Outra pequena contribuição da minha parte ao longo dos últimos anos, foi dar espaço na coluna Voos Literários para mulheres negras incríveis exporem suas visões de mundo.

CORPOS NEGROS

A cantora e comunicadora Camila Toledo foi nossa convidada, no carnaval de 2018. Ela resolveu abordar a objetificação dos corpos negros, a partir da sua leitura da obra A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot.

“Fala-se das mulheres hipersexualizadas, do negro como apenas fonte de trabalho. A história e as marcas desse pensamento vêm sendo descobertas pouco a pouco. Existe uma estrutura social de pensamento ainda escravagista que repete que o corpo negro está a serviço da sociedade.”

Leia o texto completo aqui.

INSPIRAÇÃO

Em novembro de 2018, em uma reflexão pelo mês da Consciência Negra, a radialista e jornalista Denise Cruz destacou o livro Oprah, uma biografia, de Kitty Kelley.

Em seu texto, Denise comenta:
“… ainda estamos longe da real consciência da contribuição negra nas mais diversas áreas. […] Tenho muito que aprender e mais ainda a agradecer por todas as mulheres negras que lutaram pela minha voz. Pela nossa voz.” 

O texto completo está nesse link.

PÚRPURA

Em uma intersecção da música com a literatura, convidei a cantora Valéria Custódio para falar a respeito do seu disco, inspirado no livro A Cor Púrpura

“A Cor Púrpura eu ousaria dizer que me deu novos olhos e me amadureceu como artista, pois conheci um universo artístico muito maior depois dessa história, além de ter me amadurecido como ser humano, como mulher.”

Acesse o texto completo aqui.

LUTA DIÁRIA

O combate ao racismo precisa ser diário. Aos brancos antirracistas, como eu, repasso alguns conselhos, tirados de pacientes conversas com amigas negras: 

  • Não ouça calado “piadas” racistas. 
  • Tire do seu vocabulário palavras que desmerecem os negros, como “denegrir”. 
  • Não aceite quem usa como justificativa para o racismo ter sido criado por uma família preconceituosa. 
  • A reconstrução para os brancos é diária, pois o racismo é estrutural. Porém, é preciso lembrar ser essa uma luta urgente e necessária para todos que buscam um mundo com menos desigualdade e preconceito. 

E nunca é demais lembrarmos a frase emblemática da escritora norte-americana Angela Davis:

“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, 

Imagem:  Samir Basante V./ Pixabay

 

 

Voos Literários

O jazz, o racismo e as eleições 2018

Flávia Cunha
2 de outubro de 2018

Vocês já devem ter ouvido por aí a canção Strange Fruit, imortalizada na voz de Billie Holiday, mesmo que não sejam ouvintes habituais de jazz. Da minha parte, só fiquei sabendo recentemente do que se tratavam os “estranhos frutos” mencionados na música. A referência tem relação com a foto abaixo, que retrata os enforcamentos de negros nos Estados Unidos, principalmente nos estados sulistas, notoriamente racistas. Os linchamentos começaram no fim do século 19 e mantiveram-se (inacreditavelmente, eu diria) até a década de 1930.

Em 1939, Billie Holiday lançou a canção, que virou um símbolo contra a opressão aos negros norte-americanos mas enfrentou resistência de parte dos brancos, que não concordavam com o teor da música. Confira a letra completa da canção e a tradução aqui.

Aprendi isso (e muito mais) em um dos encontros da série de Audições Comentadas de Jazz, promovida pelo radialista e expert no assunto Paulo Moreira, realizada no dia 13 de setembro, no Instituto Ling. Durante o bate-papo entremeado por gravações de Billie Holiday, Moreira citou a história da canção Strange Fruit. Depois, a cantora Camila Toledo subiu ao palco e, antes de cantar essa música, leu o seguinte trecho do livro Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção:

Holiday cantou, sim, Strange Fruit para grandes plateias negras. […] Cantou a canção diversas vezes no famoso Apollo Theater, no Harlem. Jack Schiffmann, cuja família administrava o Apollo disse […] em suas memórias […] o que aconteceu quando ela finalmente se apresentou lá. ‘Se você a ouvisse em qualquer outro lugar, ficaria tocado e mais nada’, ele escreveu. ‘Mas no Apollo a canção assumia um profundo simbolismo. Não só você enxergava, em todo seu horror gráfico aquele “fruto” como via em Billie Holiday a esposa, a irmã ou a mãe da vítima, debaixo da árvore, quase prostrada de tristeza e fúria. Talvez se fosse essa sua índole – como era certamente a das platéias no Apollo – você visse e sentisse a agonia de outra vítima de linchamento. […] E quando ela arrancava as últimas palavras de sua boca, não havia uma única alma na platéia, negra ou branca, que não se sentisse meio estrangulada. Seguia-se um momento de silêncio pesado, opressivo, e então uma espécie de som sussurrante que eu nunca tinha ouvido antes. Era o som de quase 2 mil pessoas suspirando.”

Ainda não entendeu o que o assunto tem a ver com o momento político atual brasileiro?

Pense em relativização do racismo. Reflita sobre o questionamento da necessidade de cotas raciais em um país com uma “Lei Áurea” que condenou os negros à pobreza imediata, ao conceder uma libertação sem nenhum tipo de indenização financeira e sem facilitar o acesso à educação, moradia ou a empregos. Para os racistas brasileiras, é mera coincidência (para não dizer coisa pior) que, de 1888 para cá, a maioria da população carcerária do Brasil seja composta por negros, conforme aponta levantamento divulgado em 2017 pelo governo federal.  

E para ampliar os horizontes de quem precisa e apoiar aqueles que batalham pela Cultura em Porto Alegre (RS) que divulgo  novas oportunidades de conferir a cantora (e ativista da causa negra) Camila Toledo, com o projeto Camila e a Ponte. No dia 21 de outubro, a apresentação será no London Pub e, no dia 25, no barco Cisne Branco.

Além de homenagear lindamente as canções dessa diva do jazz, Camila também faz a leitura de trechos de outros livros além do mencionado nesse texto. Vale a pena conferir!

 

Voos Literários

Camila Toledo: uma dica de leitura para refletir no Carnaval

Flávia Cunha
6 de fevereiro de 2018

O Carnaval está aí, com muita música, fantasias originais, glitter e purpurina. Tem festa e animação, mas também pode ter abuso e objetificação dos corpos femininos. Nesse contexto, a erotização e a objetificação da mulher negra pode ser ainda mais grave.

E quando pedi uma dica de leitura para a Camila Toledo, vocalista da banda MotherFunky (de funk, soul, black music e groove) e criadora do projeto especial Billie Holiday, deixei-a bem vontade para escolher a obra em questão. Como ativista da causa negra e feminista, Camila acabou escolhendo um livro que aborda justamente o tema da objetificação dos corpos negros. Com a palavra, essa mulher incrível, que também foi criadora do Festival NosOutras (que tive a honra de auxiliar na produção):

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“A gente fala de objetificação do corpo negro sem saber o quão profunda essa questão pode se tornar”

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“Fala-se das mulheres hipersexualizadas, do negro como apenas fonte de trabalho. A história e as marcas desse pensamento vêm sendo descobertas pouco a pouco. Existe uma estrutura social de pensamento ainda escravagista que repete que o corpo negro está a serviço da sociedade.

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Estou lendo um livro da escritora Rebecca Skloot. Depois de muito escrever para revistas científicas, Rebecca interessou-se por desvendar a historia das células He-La: Células que revolucionaram a medicina como a entendemos hoje, por serem das raras células que se mantém vivas até hoje, mantidas em cultura.

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A linhagem dessas células é responsável por avanços imensuráveis na ciência e também lucros igualmente imensuráveis. Essas células foram coletadas de uma mulher negra norte americana, Henrietta Lacks ao ser internada em um hospital para negros na Virginia já perto da morte.  As células eram de uma câncer e, como era de praxe com os pacientes negros, foram coletadas sem o consentimento da paciente.

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Assim, os lucros e louros gerados com as células nunca foram repassados a família. Em A Vida Imortal de Henrieta Lacks, a escritora conta da dificuldade de conversar com a família, que rechaça com todas as forças a forma como o corpo de Henrietta fora “usado” pela ciência.

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Um relato sobre objetificação, desrespeito e fundamentalmente sobre as marcas da crua e imposta servilidade negra à sociedade ocidental. Eu comecei a ler esse livro no ano passado e já tive que parar várias vezes, como fiz com Mulheres, Raça e Classe, da Angela Davis, e o Hibisco Roxo, da Chimamanda Ngozi Adichie.

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Essas leituras, pra mim, que sou ansiosa e negra, geram dois desconfortos: A necessidade de desacelerar pra me concentrar na leitura e as revelações sociais.  Em tempos de redes sociais, ler é uma vitória. E poder ter contato com as doenças sociais que permeiam a vida da gente é um privilégio. Mas requer determinação e resiliência. Indico fortemente esse livro, que além de uma leitura fluida, eleva a discussão sobre objetificação do corpo negro para um outro nível.”

A coluna Voos Literários está pedindo dicas de livros para personalidades do meio cultural do Rio Grande do Sul. O primeiro a dar uma indicação de leitura foi o Duda Calvin.

Também quer mandar tua dica de leitura para a gente? Escreve para flavia@vos.homolog.arsnova.work.