PodCasts, Reportagens Especiais

O gato fantasma do Pampa

Geórgia Santos
23 de agosto de 2023

Reportagem: Duda Menegassi e Geórgia Santos, uma parceria do Vós com o site ((o)) eco 

Pesquisadores tentam monitorar o raro e ameaçado gato-palheiro-pampeano e construir estratégias para salvá-lo da extinção. Restam menos de 50 indivíduos na natureza, o que faz dele o felino mais ameaçado do mundo.

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Bastou um clique. O contraste da cena em preto e branco evidencia as listras pretas que estampam as quatro patas do felino. A característica é inconfundível: trata-se de um gato-palheiro-do-pampa, um dos felinos mais ameaçados do mundo, com menos de 50 indivíduos estimados na natureza. Fotografá-lo em seu ambiente natural é um ato raro. O que faz dessa singela fotografia, feita por uma armadilha fotográfica, inestimável.

“A armadilha filma e fotografa, quando acionada pelo sensor de movimento, mas o equipamento teve uma falha técnica e não filmou, mas pelo menos ficamos com a foto”, conta a professora Ana Rovedder. A pesquisadora coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (NEPRADE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), responsável pelo projeto RestauraPampa, realizado com apoio do GEF Terrestre, através do Funbio, e iniciou este ano a coordenação da Rede Sul de Restauração Ecológica.

O registro foi feito em janeiro deste ano, na Reserva Biológica do Ibirapuitã, uma área protegida estadual de 351 hectares, situada no município gaúcho de Alegrete, na região da Fronteira. É a primeira vez que o animal é documentado dentro de uma unidade de conservação.

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     Ouça a história dessa descoberta pela voz da repórter Geórgia Santos no podcast     

     O GATO FANTASMA DO PAMPA     

 

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O gato-palheiro-do-pampa (Leopardus munoai), como o nome sugere, tem uma relação íntima com o bioma gaúcho, já que a “cor de palha” permite que ele se camufle na vegetação campestre. Além disso, a distribuição da espécie se sobrepõe a dos campos nativos, que se estendem do Rio Grande do Sul para o Uruguai e Argentina. Monitorá-lo, entretanto, não é fácil. “Ele é um gato errante, um gato fantasma, ele não forma famílias e anda o tempo inteiro. E ele precisa do campo, não é um gato de floresta”, enfatiza Rovedder.

O zoólogo Fábio Mazim, consultor ambiental que apoia o projeto de monitoramento e membro do Pró-Carnívoros, reforça que essa relação é mais específica ainda, já que os gatos-palheiros preferem campos que não sejam nem muito rasteiros, nem muito arbustivos. “Hoje restam só em torno de três milhões de hectares desse campo, sendo que ele sofre muito impacto”, ressalta.

Somada ao principal problema, que é a perda de habitat, estão ameaças como predação por cachorros, caça por retaliação e atropelamento. “Setenta por cento dos registros que nós temos é por atropelamento. Sabe por quê? Porque eles estão se restringindo a viver nas faixas de domínio de rodovia [as laterais da pista] que é o único lugar que não está impactado pela agricultura. Então aquele campinho que fica ali é a área que eles estão e aí se torna uma armadilha ecológica”, explica Fábio.

Um levantamento recente liderado pelo zoólogo mostra que desde que a espécie foi descrita, no início do século XX, foram feitos somente pouco mais de 200 registros deste gato, o que equivale a 1,28 por ano. O gato-palheiro-do-pampa é considerado, portanto, o felino mais ameaçado do Brasil e possivelmente o mais ameaçado do mundo. Estima-se que existam apenas entre 35 e 50 indivíduos na natureza.

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“É uma espécie que não se salva mais sozinha. Tem que ter interferência humana”, sentencia

Registro da armadilha fotográfica instalada na Reserva Biológica do Ibirapuitã, o primeiro feito dentro de unidade de conservação. Fonte: Projeto RestauraPampa

Ainda que possa ser considerada uma medida drástica, Fábio acredita que talvez a única solução para a espécie seja capturar indivíduos de vida livre para reproduzí-los em cativeiro, o que é chamado de manejo ex situ, ou seja, fora do ambiente natural. Atualmente, não há nenhum indivíduo da espécie em cativeiro no Brasil. A única experiência do tipo acontece no Uruguai, onde há três desses felinos em cativeiro, mas, até agora, os uruguaios não tiveram sucesso nas tentativas de reprodução. “Porque senão vai se perder não apenas a espécie na natureza, mas também na face da terra”, alerta. 

Apesar disso, a espécie nem sequer aparece na Lista Vermelha da fauna ameaçada do país. Na época da avaliação de felinos, atualizada pela última vez em 2014, conhecia-se somente uma espécie de gato-palheiro, o Leopardus colocolo – classificado como Vulnerável à extinção – que teria duas subespécies. Isso foi revisto apenas em 2020, quando a ciência passou a reconhecer o gato-palheiro-do-pampa (Leopardus munoai) como uma espécie.

O trabalho de monitoramento começou em dezembro de 2020, com armadilhas fotográficas em duas unidades de conservação. Além da Rebio, onde o gato-palheiro foi documentado, há câmeras no Parque Estadual do Espinilho, a cerca de 200 quilômetros da reserva biológica.

Por serem animais errantes e solitários, é muito difícil monitorá-los. Através das câmeras, os pesquisadores esperam conseguir novas informações sobre a espécie, sobre a qual ainda se sabe muito pouco. “A gente manteve as câmeras nos mesmos locais, porque se a gente conseguir captar comportamento fixo em uma trilha, em um local, talvez seja a primeira vez que a gente vai poder falar em população de gato-palheiro, porque como eles são solitários”, explica Ana Rovedder, professora da UFSM.

Esse comportamento solitário era reforçado pelo fato de que, até muito recentemente, não havia o registro de nenhuma população de gato-palheiro-do-pampa. Graças ao esforço de monitoramento dos projetos de conservação, foi possível fazer seis novos registros da espécie por armadilha fotográfica e identificar duas populações, em dois locais diferentes. “É a primeira vez que se repete o registro dos mesmos indivíduos”, comemora o consultor do projeto Fábio Mazim. A reportagem teve acesso aos arquivos que mostram o mesmo indivíduo, no mesmo local, em dois momentos diferentes.

O gato-palheiro-do-pampa em novo registro feito pela Expedição Gato-Palheiro-Pampeano em junho de 2023

Uma parte desses novos registros é da Expedição Gato-Palheiro-Pampeano. Além do Fábio Mazim (Pró-Carnivoros), participam o Moisés Barp, Mauricio Santos e Yan Rodrigues (iniciativa privada), e Paulo Wagner (CETAS-IBAMA/RS). “O nosso plano hoje é tentar registrar uma população ou indivíduos que estejam ocupando um território de forma residencial. E aí tentar capturar, colocar um rádio colar e monitorar ecologia espacial. Ver realmente qual é o tipo de campo que ele gosta e necessita, tamanho de área de vida, etc”, explica o zoólogo.

As imagens das armadilhas fotográficas do RestauraPampa são monitoradas a cada trimestre. Junto com o registro do gato-palheiro-do-pampa, também foram flagrados outras duas espécies de felinos: o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), documentado no Parque Estadual do Espinilho, e o gato-maracajá (Leopardus wiedii), que foi registrado na Reserva Biológica do Ibirapuitã. Ambas as espécies são classificadas como Vulneráveis à Extinção no país. “São duas unidades de conservação muito invisibilizadas e esses registros mostram o valor dessas áreas, que são os corredores finais de Pampa que a gente tem. Se a gente não tiver elas, a gente não tem refúgio para essa fauna e flora específica”, destaca Rovedder.

A especificidade da biodiversidade citada pela pesquisadora é o que a ciência chama de endemismo, ou seja, as espécies que só ocorrem num local ou bioma específico, que coevoluíram com o ambiente e, por isso, só conseguem sobreviver ali. É o caso do gato-palheiro-do-pampa, mas não apenas dele. A vegetação dos campos sulinos abriga mais de 400 espécies endêmicas da flora, com ocorrência restrita ao Pampa brasileiro. “O Pampa é um dos biomas de campo mais biodiversos do mundo”, reforça Ana Rovedder.

Em contrapartida, apenas 3,14% do Pampa está coberto por unidades de conservação, que equivalem a menos de 600 mil hectares. Dentro desse já pequeno território protegido, menos de um quarto (21,4%) contam com proteção integral, o restante está na categoria de uso sustentável, mais flexível e permissivo às atividades humanas e seus impactos.

“O comportamento do gato-palheiro-do-pampa é se esconder nas moitas de campo, ali ele esconde os filhotes, se reproduz, se alimenta de pequenos ratinhos nativos do pampa. Ele tem todo o comportamento de alimentação, abrigo e reprodução nos campos. A espécie demora milhares de anos para se adaptar a esse campo, sem campos como ela vai fazer?”, destaca a pesquisadora da UFSM.

A paisagem natural do Pampa, o bioma brasileiro que mais perdeu vegetação nos últimos anos. Foto: Geórgia Santos

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É preciso proteger o pampa

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O Pampa foi o bioma brasileiro que mais perdeu vegetação nativa entre 1985 e 2021, em termos proporcionais, de acordo com dados do Mapbiomas. No período, 3,4 milhões de hectares de diferentes tipos de campos deram lugar para a agricultura e silvicultura, o que representa uma perda de 29,5% de vegetação. 

Dentro dos diferentes tipos de vegetação do Pampa, são justamente as áreas campestres que mais sofreram. Os campos perderam 36% de cobertura entre 1985 e 2021, em grande parte para dar espaço às monoculturas.

As áreas ocupadas pelo homem já cobrem quase metade do bioma, sendo 41,6% somente para a agricultura. O plantio de madeiras para exploração, como eucalipto e pinus, também tem avançado nas últimas décadas. “A soja e a silvicultura comercial entraram muito forte nesses últimos quatro anos. A gente está perdendo campo nativo e o gato-palheiro precisa do campo nativo”, conta Ana Rovedder. 

A pesquisadora alerta ainda para uma proposta de alteração do zoneamento ambiental para a atividade da silvicultura, que pode quadruplicar a área de floresta plantada de eucalipto sobre os campos nativos. A proposta está em discussão na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O zoólogo Fábio Mazim reforça que o Pampa – e os campos de forma geral – é invisibilizado e tem muito menos espaço na agenda de conservação do que as florestas. “Outro problema, ele [o gato-palheiro] está num habitat, que é o campo, sobre um solo totalmente fértil, que é o solo pampeano. Tanto no sul do Rio Grande do Sul, quanto no Uruguai e no pedacinho que ele ocorre no oeste argentino, e está sendo convertido em lavoura”, acrescenta.

Soja avança sobre os campos do Pampa no Brasil. Foto: Geórgia Santos

Tão pouco do Pampa é protegido, que todos os outros registros conhecidos anteriores do gato-palheiro-do-pampa foram feitos em áreas particulares. Em outubro do ano passado, a espécie foi vista em uma vinícola na região da Campanha Gaúcha, mais ao sul do estado.

Recentemente, em artigo científico na Biota Neotropica, foi divulgado o registro inédito de um gato-palheiro-do-pampa melânico, ou seja, todo preto, feito em julho de 2021, numa área rural do município de Rosário do Sul.  

O monitoramento de fauna realizado pelo RestauraPampa também está de olho em outra ameaça ao gato-palheiro: as espécies exóticas invasoras. Além dos javalis – que invadem cada vez mais áreas no Brasil – os cervos conhecidos como chital (Axis axis), nativos das florestas asiáticas. 

Para além de uma eventual competição por recursos, a presença de invasores representa um desequilíbrio nos ecossistemas nativos e suas espécies originárias, como o gato-palheiro.

 

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Reportagem: Duda Menegassi e Geórgia Santos

Texto: Duda Menegassi

Arte de capa: Gabriela Güllich

Podcast

Produção: Todavós

Roteiro e Edição: Geórgia Santos

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

Trilha sonora adicional: Artlist

 

 

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O caminho para o fim do mundo

Geórgia Santos
7 de agosto de 2023

A temperatura do planeta aumentou e continua a aumentar graças à progressiva queima de combustíveis fósseis. “O Caminho para  o fim do mundo” mostra que o investimento em infraestruturas de transportes precisa ser parte da agenda ambiental e deve ser prioridade para um governo que se preocupa em mitigar os efeitos do aquecimento global e também da desigualdade. No Brasil, e no resto do planeta.

 

A jornalista Geórgia Santos se debruçou sobre uma série de relatórios e documentos para entender de que forma os governos e a sociedade podem agir de modo a interromper o aquecimento da superfície da Terra e, com a ajuda de especialistas, apresenta três possibilidades de ação. Todas elas envolvem tirar o automóvel do centro da vida.

Atualizado em 11/08/2023

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Bendita Sois Vós #63 O Brasil que mata

Geórgia Santos
15 de junho de 2022

Mais de uma semana após o desaparecimento na Amazônia, começam a surgir pistas mais concretas sobre o paradeiro do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.

Equipes de buscas encontraram vários pertences da dupla. Um notebook, cartão de saúde em nome de Bruno, calça preta de Bruno, par de botas de Dom, chinelo preto de Bruno, mochila de Dom.

Na segunda-feira, a esposa de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, informou ao jornalista André Trigueiro, da Globonews, que os corpos de Bruno e Dom teriam sido encontrados, mas a Polícia Federal negou. Não houve essa confirmação, ainda. Uma pessoa está presa. Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como PeLado, foi avistado por ribeirinhos passando no rio logo atrás da embarcação de Bruno e Dom, no trajeto que os dois faziam entre a comunidade de São rafael até a cidade de Atalaia do Norte. A polícia encontrou vestígios de sangue na lancha usada por ele. Os familiares dizem que ele foi torturado pela polícia e que está sendo forçado a confessar o crime.

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O governo federal demorou a reagir. O presidente Jair Bolsonaro disse que “isso acontece em qualquer lugar do mundo”, que “os dois sabiam do risco daquela região”

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No episódio de hoje a gente explica que ISSO, que provavelmente aconteceu com Dom e Bruno, não acontece em qualquer do mundo. E tem acontecido cada vez mais no nosso lugar do mundo.

A apresentação é de Geórgia Santos. Particiapam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

 

Vós Pessoas no Plural · Bendita Sois Vós #63 O Brasil que mata
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Mascarando o lixo

Geórgia Santos
1 de novembro de 2021

O uso de máscaras contribuiu e ainda contribui para prevenir o contágio, manter segurança sanitária e salvar milhões de vidas. O item já é parte do cotidiano dos brasileiros. Mas há um problema em curso. No audiodocumentário Mascarando o Lixo, mostramos que a falta de padronização nas orientações e de informações sobre o descarte correto está desencadeando um problema ambiental que já cobra um preço alto.

No Brasil dos últimos anos, a preocupação com o meio ambiente tem sido não apenas deixada de lado, mas agredida. E essa nova demanda trazida pela pandemia do novo coronavírus agora é mais um problema ambiental mascarado pelo descaso.

 

Produção: Vós

Roteiro e apresentação: Geórgia Santos e Tércio Saccol

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

Trilha sonora auxiliar: Storyblocks

Fotos: Mary Caporal Prior/reprodução Facebook Yorkshire Swan & Wildlife Rescue Hospital /Oceans Asia

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OUÇA Bendita Sois Vós #42 Retrospectiva 2019

Geórgia Santos
23 de dezembro de 2019

Não foi nada fácil fazer uma retrospectiva de 2019. De todo modo, todos nós, do Vós, concordamos que o ano foi marcado pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Então selecionamos alguns temas em que esse desgoverno se destacou. Começamos com as questões ambientais, em especial os incêndios na amazônia e vazamento de óleo – sem esquecermos, é claro, das declarações estapafúrdias do presidente.

Outro tema em destaque é a corrupção. Porque apesar de o ministro Sérgio Moroafirmar que não houve corrupção em 2019, encerramos o ano com mais notícias das rachadinhas do clã  Bolsonaro –  sem falar no escândalo da Vazajato.

Não podemos esquecer que 2019 também foi o ano em que a educação foi acossada, universidades federais atacadas e Paulo Freire, sim, Paulo Freire, demonizado. A desigualdade aumentou e o ministro da economia, Paulo Guedes, não parece se incomodar com isso. Sem contar os constantes ataques às minorias, que foram normalizados – senão institucionalizados.

Para acompanhar as discussões dos jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Igor Natusch, selecionamos algumas das entrevistas que fizemos ao longo de 2019 para o Bendita Sois Vós. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.

Igor Natusch

Greta Thunberg: a pirralha que você respeita (ou deveria)

Igor Natusch
11 de dezembro de 2019

Está sendo uma ótima semana para a jovem ativista sueca Greta Thunberg. Afinal, ela acaba de ser confirmada como personalidade do ano pela revista Time, um dos maiores reconhecimentos que uma pessoa pública pode receber da mídia internacional. É um indicativo claro de que, nesse 2019 de céus carregados e promessas de tempestade, Greta foi capaz de nos apontar um horizonte além das nuvens. Reconhecimento merecido e, mais do que isso, importante para todos nós.

Além dessa honraria, ela recebeu outra deferência marcante – vindo, como era de se esperar, do caleidoscópio de demência em que se transformou o Brasil. Jair Bolsonaro, o Minúsculo, chamou Greta Thunberg de “pirralha”, ao responder sobre o inaceitável assassinato de dois indígenas da etnia Guajajara no último dia 7.

“A Greta já falou que os índios morreram porque estavam defendendo a Amazônia. É impressionante a imprensa dar espaço para uma pirralha dessa aí. Pirralha!” – BOLSONARO, Jair

O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, ainda tentou uma acrobática relativização, dizendo que a fala não foi “descortês”, já que chamar alguém de pirralha é apenas mencionar sua “pequena estatura”. Não precisava ter se submetido ao ridículo papel, convenhamos. Afinal, a própria Greta Thunberg ostentou, durante cerca de 24h, a palavra “Pirralha” como descrição no perfil oficial do Twitter – sinal de que sentiu-se honrada, e não insultada, pela fala tosca de nosso presidente. E eu concordo com ela: foi, de fato, um elogio daqueles. Quase uma medalha, daquelas que a gente ostenta com orgulho nas ocasiões especiais.

Afinal, quando somos governados pelos velhos escrotos e pelos adultos mau-caráter, ser um pirralho ou pirralha é um predicado fabuloso.

A reação raivosa que homens deploráveis como Jair Bolsonaro sentem diante de Greta Thunberg é um misto de antagonismo e admissão de irrelevância. A sueca tem 16 anos e, como é natural para todas as pessoas de sua idade, se permite sonhar com um mundo diferente – algo que provoca pavor em homens poderosos, enrugados e bolorentos que extraem da ausência coletiva de sonhos a sua força. A esperança e o otimismo são esmagados por esses senhores de terno desalinhado porque é desses sentimentos que podem surgir a indignação, a recusa e a vontade de algo diferente – e é tudo isso que Greta Thunberg simboliza, em uma potência mobilizadora que vai muito além das concordâncias ou discordâncias que se possa ter quanto a ela, seus métodos e posições.

É de pirralhas como Greta Thunberg que o mundo está carente. E que ela nos ajude a encontrar a pirralhice perdida dentro de nós, que nos faz resistir diante desse cinismo ponderado e adulto, que insiste em nos dizer que não existe alternativa ao abismo.

Existe, sim, desde que nos recusemos a aderir a esses senhores lamentáveis e suas sufocantes certezas. E que se incomodem bastante, porque o papel de pirralhos e pirralhas é mesmo irritar os mais velhos – e, se eles estão indignados e passando recibo, é sinal claro de que se está tocando no nervo certo.

Foto: Leonhard Lenz / WikiMedia Commons

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #28 A narrativa do desmatamento

Geórgia Santos
10 de agosto de 2019

No episódio seis da segunda temporada do Bendita Sois Vós, os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol discutem a narrativa do desmatamento. A forma como o governo de Jair Bolsonaro lida com a questão do meio ambiente tem repercussões não apenas na questão da sustentabilidade, mas também na economia e política internacional. 

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que o desmatamento da Amazônia cresceu 88% e junho deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado. Em julho, o desmatamento cresceu 278% em relação ao mesmo mês em 2018. E a resposta de Bolsonaro? Além de demitir o diretor do INPE, Ricardo Galvão, fez piadinhas e disse que é o “capitão motosserra”. 

Na década de 70, os músicos Sá e Guarabyra já perguntavam na canção Sobradinho, que é trilha desse episódio, se o sertão vai virar mar. “Dá no coração, o medo que algum dia o mar também vire sertão.”

Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.

Voos Literários

O homem que calculava (o desmatamento)

Flávia Cunha
6 de agosto de 2019

Depois de uma verdadeira cruzada contra os cursos de Humanas, o presidente Jair Bolsonaro parece agora estar voltando sua verborragia para as Exatas. Refiro-me ao caso da demissão do diretor do Inpe, por “discordar” dos números do desmatamento na Amazônia.

Divergir  de dados mapeados por satélite me parece algo bastante difícil de sustentar-se enquanto recurso lógico. Mas na narrativa do governo, alertar que o desmatamento da floresta amazônica aumentou nos últimos meses é algo condenável. 

Houve inclusive uma tentativa de desmerecer a trajetória de Ricardo Magnus Galvão e insinuar interesses escusos no alerta do INPE: que seria para favorecer alguma ONG. O Currículo Lattes do físico fala por si. Entre outras titulações, é integrante da Academia Brasileira de Ciências. 

A Ciência, que se ampara em métodos e não aceita suposições como verdade, não é do agrado do atual governo.

No Brasil de Bolsonaro, o personagem principal do aclamado livro O Homem que Calculava, Beremiz Samir, podia não ser tão bem visto como no enredo da obra de Malba Tahan, pseudônimo do escritor brasileiro Julio Cesar de Mello e Sousa.

No livro, publicado em 1938, a Matemática, enquanto ciência, é vista como inquestionável, mesmo em um ambiente medieval na região do Oriente Médio:

Por ter alto valor no desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, é a Matemática um dos caminhos mais seguros por onde podemos levar o homem a sentir o poder do pensamento”.

O livro, de caráter paradidático, é reconhecido mundialmente como uma forma de incentivar o gosto pela Matemática e pelas ciências exatas de uma forma geral. E o Conhecimento é a chave para nos libertamos da nova Idade Média brasileira. 

Imagem: Agência Brasil / Arquivo

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #20 Até quando vamos morrer em tragédias evitáveis?

Geórgia Santos
16 de fevereiro de 2019

Já nos sentimos sobrecarregados com tudo o que aconteceu desde o primeiro dia de 2019. Em 25 de janeiro, uma barragem de minérios da empresa Vale rompeu-se no município de Brumadinho, em Minas Gerais. Até o momento, são 165 mortos, 155 desaparecidos e 138 pessoas desabrigadas. No dia seis de fevereiro, uma chuva torrencial provocou alagamentos e deslizamentos no Rio de Janeiro. Sete pessoas morreram. Dois dias depois, um incêndio atingiu o alojamento da base do Flamengo e dez adolescentes morreram. O que todas essas tragédias tem em comum? São evitáveis. Nada disso precisava ter acontecido se houvesse cuidado, fiscalização, responsabilidade e, principalmente, preocupação com a vida das pessoas. Por isso o Bendita Sois Vós pergunta até quando vamos morrer em tragédias que poderiam ter sido evitados?

Participam os jornalistas Geórgia Santos e Igor Natusch.  Juliana Deprá, representante do Movimento dos Atingidos por Minério (MAM) fala sobre Brumadinho e os impactos da extração de minério no Brasil. Já o professor Telmo Brentano, que é engenheiro civil e especialista em incêndio, fala sobre o incêndio no CT do Flamengo. 

No Sobre Nós, Raquel Grabauska aborda a questão da legislação no Brasil e em outros países. 

O Bendita Sois Vós também está disponível em Spotify, Itunes e Castbox.

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #13 Quem são os ministros de Bolsonaro? 

Geórgia Santos
14 de dezembro de 2018

O governo de Jair Bolsonaro já está desenhado. O presidente eleito pretendia ter 15 ministérios, deve ficar com 22 – mas o Ministério do Trabalho foi extinto.Entre os ministros, sete militares, o mesmo número de militares que ocuparam ministérios no governo do General Costa e Silva. Mas quem são os ministros de Bolsonaro? E o que essas escolhas representam em termos de tendência?

Os jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Igor Natusch discutem os nomes do novo governo e entrevistam o sociólogo Fernando Cotanda, coordenador do curso de Pós-Graduação em Relações do Trabalho da UFRGS. Ele fala sobre a extinção do Ministério do Trabalho. Evelin Argenta conversa com Carlo Rittl, secretário -executivo do Observatório do Clima, sobre a indicação controversa para o Ministério do Meio Ambiente. Ele falou ao Vós diretamente da COP24, na Polônia.

No Sobre Nós, Raquel Grabauska e Angelo Primon trazem “A Fuga”, de Clarice Lispector, como uma provocação a algumas das ideias ventiladas no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.