Igor Natusch

Greta Thunberg: a pirralha que você respeita (ou deveria)

Igor Natusch
11 de dezembro de 2019

Está sendo uma ótima semana para a jovem ativista sueca Greta Thunberg. Afinal, ela acaba de ser confirmada como personalidade do ano pela revista Time, um dos maiores reconhecimentos que uma pessoa pública pode receber da mídia internacional. É um indicativo claro de que, nesse 2019 de céus carregados e promessas de tempestade, Greta foi capaz de nos apontar um horizonte além das nuvens. Reconhecimento merecido e, mais do que isso, importante para todos nós.

Além dessa honraria, ela recebeu outra deferência marcante – vindo, como era de se esperar, do caleidoscópio de demência em que se transformou o Brasil. Jair Bolsonaro, o Minúsculo, chamou Greta Thunberg de “pirralha”, ao responder sobre o inaceitável assassinato de dois indígenas da etnia Guajajara no último dia 7.

“A Greta já falou que os índios morreram porque estavam defendendo a Amazônia. É impressionante a imprensa dar espaço para uma pirralha dessa aí. Pirralha!” – BOLSONARO, Jair

O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, ainda tentou uma acrobática relativização, dizendo que a fala não foi “descortês”, já que chamar alguém de pirralha é apenas mencionar sua “pequena estatura”. Não precisava ter se submetido ao ridículo papel, convenhamos. Afinal, a própria Greta Thunberg ostentou, durante cerca de 24h, a palavra “Pirralha” como descrição no perfil oficial do Twitter – sinal de que sentiu-se honrada, e não insultada, pela fala tosca de nosso presidente. E eu concordo com ela: foi, de fato, um elogio daqueles. Quase uma medalha, daquelas que a gente ostenta com orgulho nas ocasiões especiais.

Afinal, quando somos governados pelos velhos escrotos e pelos adultos mau-caráter, ser um pirralho ou pirralha é um predicado fabuloso.

A reação raivosa que homens deploráveis como Jair Bolsonaro sentem diante de Greta Thunberg é um misto de antagonismo e admissão de irrelevância. A sueca tem 16 anos e, como é natural para todas as pessoas de sua idade, se permite sonhar com um mundo diferente – algo que provoca pavor em homens poderosos, enrugados e bolorentos que extraem da ausência coletiva de sonhos a sua força. A esperança e o otimismo são esmagados por esses senhores de terno desalinhado porque é desses sentimentos que podem surgir a indignação, a recusa e a vontade de algo diferente – e é tudo isso que Greta Thunberg simboliza, em uma potência mobilizadora que vai muito além das concordâncias ou discordâncias que se possa ter quanto a ela, seus métodos e posições.

É de pirralhas como Greta Thunberg que o mundo está carente. E que ela nos ajude a encontrar a pirralhice perdida dentro de nós, que nos faz resistir diante desse cinismo ponderado e adulto, que insiste em nos dizer que não existe alternativa ao abismo.

Existe, sim, desde que nos recusemos a aderir a esses senhores lamentáveis e suas sufocantes certezas. E que se incomodem bastante, porque o papel de pirralhos e pirralhas é mesmo irritar os mais velhos – e, se eles estão indignados e passando recibo, é sinal claro de que se está tocando no nervo certo.

Foto: Leonhard Lenz / WikiMedia Commons

Voos Literários

A Liberdade é uma Luta Constante

Flávia Cunha
17 de setembro de 2019

Angela Davis, filósofa, escritora e ativista do feminismo negro, participará de eventos culturais em São Paulo e no Rio de Janeiro em outubro. Uma das atividades é a conferência de encerramento do seminário internacional “Democracia em Colapso?”.  A fala de Angela Davis no evento deve ser inspirada no livro A Liberdade é Uma Luta Constante, lançado por aqui pela editora Boitempo, em 2018.

O livro é uma compilação de entrevistas, artigos e discursos da intelectual que defende a liberdade das populações pobres frente a um Estado cada vez mais opressor. Uma das questões abordadas na obra é a violência policial contra negros, presente em países como Estados Unidos (e Brasil).  Uma das ponderações mais interessantes da escritora é que o racismo institucional na polícia é tão grande que pode existir mesmo em países em que a função policial é exercida por negros:

Bem, o que é muito interessante na África do Sul é o fato de que várias das posições de liderança de que as pessoas negras foram excluídas durante o apartheid são agora ocupadas por pessoas negras, inclusive no âmbito da hierarquia policial. Vi recentemente um filme sobre os mineiros de Marikana, que foram atacados, feridos e muitos deles mortos pela polícia. Os mineiros eram negros, os agentes policiais eram negros, a chefe de polícia da província era uma mulher negra. A chefe da força policial nacional é uma mulher negra. […] O racismo é tão perigoso porque não depende necessariamente de atores individuais, ao contrário, está profundamente enraizado no aparato.”   

Espera-se que a presença de uma figura tão representativa da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos sirva de inspiração e alerta para o quanto a violência está presente em território brasileiro. O que Angela Davis dirá se souber do hediondo caso de chicoteamento dentro de um supermercado, promovido por seguranças a um adolescente negro?

A liberdade precisa mesmo ser uma luta constante!

Foto: Divulgação/Boitempo