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BSV Especial Coronavírus #73 Terceira via entre protestos e jantares

Geórgia Santos
15 de setembro de 2021

Nesta semana, a terceira via entre protestos e jantares. Porque além do encontro de homens empoeirados, vamos falar dos protestos contra Jair Bolsonaro no último dia 12.

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Afinal, a política brasileira parece estar girando em torno da terceira via, que agora ganha um reforço mofado com a entrada de Michel Temer. Em vídeo divulgado nesta semana, André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho – aquele que apoiou Bolsonaro em 2018 e prestou depoimento sobre o trio “Rachadinha, Flávio e Queiroz” – aparece imitando e ridicularizando o presidente da República em um  jantar na casa do especulador Naji Nahas. A imitação de Marinho provocou gargalhadas nos convidados, entre eles, Michel Temer, o novo fetiche da terceira via; o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, o presidente do Grupo Bandeirantes, Johnny Saad; e o jornalista Roberto Dávila, da Globo News.

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Aliás, girando em torno, não, andando em círculos, porque dizem que todo mundo quer uma terceira via, mas ninguém conhece esse todo mundo. Tanto que, no último domingo, 12, os protestos que pediam uma terceira via foram um fracasso de público.

Mas pera aí, os protestos não eram contra o presidente? Em teoria, sim, mas as faixas e os pixulecos eram bem objetivos: nem Bolsonaro, nem Lula. Logo, eram manifestações pela terceira via. Tanto que vimos Dória, Ciro, Leite e Mandetta desfilando e discursando. Há quem culpe o PT pelo fracasso. Mas bora desapegar da síndrome de Power Ranger, ninguém é criança aqui. Esperar que o PT apoie uma manifestação que infla boneco do Lula vestido de presidiário é um pouco demais.

E só pra gente não ficar um episódio inteiro sem falar das barbaridades de Jair Bolsonaro, ele agora resolveu fazer carinho nas Fake News e dizer que fazem parte da vida.  Disso nós já sabíamos, não é mesmo? Ainda mais depois do fiasco com os caminhoneiros na semana passada, que não acreditaram no áudio de Bolsonaro e comemoraram um falso estado de sítio. Pane no sistema, como diria Pitty. 

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Vós Pessoas no Plural · BSV Especial Coronavírus #73 Terceira via entre protestos e jantares
Geórgia Santos

Coração bobo

Geórgia Santos
2 de abril de 2018

Meu coração tá batendo como quem diz: não tem jeito. Canta Alceu Valença e canto eu. Ele canta que o coração dos aflitos pipoca dentro do peito. Canto eu que o coração dos aflitos encolhe dentro do corpo. Coração bobo. Encolhe a cada palavra de ódio, encolhe toda vez que alguém perde a razão, encolhe sempre que a empatia se apaga, encolhe quando o absurdo se torna a verdade de alguns.

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O coração dos aflitos pipoca dentro do peito

O coração dos aflitos encolhe cada vez mais

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É como se a gente não conseguisse fugir do destino de que já não há mais coração. A gente se ilude dizendo: já não há mais coração. Canta Alceu Valença e canto eu. Já não há. Não pode haver diante do absurdo que se torna a verdade de alguns. Ontem mesmo, o procurador da República Deltan Dallagnol escreveu no Twitter sobre o que ele chamou de “Dia D da luta contra a corrupção na Lava Jato.” Nada fora do comum. É prerrogativa de ofício e ele já havia se posicionado sobre o tema da prisão em segunda instância. “Uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além.” A derrota seria a concessão do habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma novidade. Inclusive concordo que o precedente é perigoso, embora considere que a prisão em segunda instância talvez seja o precedente uma vez analisado o texto da constituição. Mas ele continua: “O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país.”

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Um procurador da República discorre sobre uma questão jurídica e espera que ela se resolva não com a análise de legislação do Estado laico em que vive, mas com oração, com jejum, com torcida. O absurdo que se torna a verdade de alguns está normalizado. Já não há coração que aguente. Não pode haver.

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Pouco tempo depois, o juiz federal Marcelo Bretas respondeu: “Caro irmão em Cristo, como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei em oração, em favor do nosso país e do nosso povo.” Assim, em alguns minutos, duas autoridades transformaram uma discussão jurídica absolutamente válida em uma disputa entre o bem e o mal. Por meio da narrativa, mistura-se religião ao judiciário – para além da questão do aborto. O absurdo que se torna a verdade de alguns é reforçado. Já não há coração inteiro. Não pode haver.

O colunista da Veja, Ricardo Noblat, solta o balão de ensaio e escreve que um “ministro muito próximo do presidente Michel Temer duvida que haja eleições em outubro próximo.” Já não há coração. Não pode haver. Os amigos de Michel Temer são presos e a resposta do Planalto é que não passa de conspiração. Já não há coração. Não pode haver. Tiro, relho, racismo, hipocrisia. Já não há coração. Não pode haver.

A desesperança me toma e, como já não há mais coração, penso que talvez aquele de quem não falamos o nome deva mesmo ser o próximo presidente do Brasil. Quem sabe assim o fundo do poço não chegue mais depressa e mais depressa podemos sair de lá.

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Mas não. Esse papo de que já não há mais coração é uma ilusão

A gente se ilude

Canta Alceu Valença e canto eu

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A letra que sugere uma desilusão amorosa é uma homenagem ao Clube Náutico Capibaribe, que por anos demoliu o coração do torcedor pernambucano. Mesmo diante de derrotas, porém, os aflitos sempre voltam para casa. É assim comigo. A desesperança é só da boca pra fora, é só um desabafo de um coração cansado.

Eu continuo acreditando nas pessoas, continuo acreditando na democracia representativa, no Estado de bem-estar social, na liberdade de expressão, religião e associação, nos Direitos Humanos, na igualdade.

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Coração bobo, bobo, bobo, bobo, bola, bola, bola de balão

A gente se ilude dizendo: já não há mais coração

 

Imagem: Pixabay

Samir Oliveira

Discutir gênero e sexualidade nas escolas é mais do que urgente, é vital

Samir Oliveira
7 de dezembro de 2017

O governo Temer excluiu qualquer menção à palavra “gênero” da nova versão da Base Nacional Comum Curricular. O texto, debatido no Conselho Nacional de Educação, define as diretrizes pedagógicas que as escolas públicas e privadas no Brasil devem seguir em cada disciplina, durante o Ensino Fundamental.

O Conselho é formado por especialistas, profissionais qualificados para estruturar as bases curriculares das escolas. Os conselheiros aprovaram emendas importantes ao texto, incluindo noções de combate à discriminação de gênero em disciplinas como História, Geografia e Ensino Religioso. Todas elas foram ceifadas ao chegar ao gabinete do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM).

A censura passaria despercebida e sem alarde, já que o governo se negou a fornecer uma cópia do texto à imprensa. Felizmente o conteúdo acabou vindo a público e agora a sociedade civil pode pressionar o governo a voltar atrás. Não podemos aceitar que o mesmo ministro que deu a Alexandre Frota – um estuprador confesso – o status informal de conselheiro agora queira tornar as escolas espaços medievais e desconectados da realidade.

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Discutir gênero e sexualidade nas escolas é mais do que urgente, é vital

E barrar este debate é mais do que uma reação conservadora, é uma estupidez ineficaz

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As crianças e jovens têm acesso a informações e experiências que nenhuma regulação arcaica é capaz de proibir – desde o convívio com os amigos até o contato com as tecnologias de comunicação. A escola é um espaço fundamental de socialização e deve estar orientada para acolher a diversidade.

Estudei a maior parte do Ensino Fundamental em escola pública estadual, no interior do Rio Grande do Sul. Naquela época, entre a segunda metade dos anos 1990 e o início dos anos 2000, não havia qualquer discussão a respeito do bullying. Era muito difícil que se passasse um dia sem que eu sofresse algum tipo de agressão – física, verbal ou psicológica – por ser gay. Naquele momento eu sequer me entendia enquanto gay, mas meu comportamento não correspondia ao que era esperado de um menino, então eu “merecia” ser caçoado.

Gosto de pensar que muita coisa mudou de lá para cá. E, de fato, mudou. Avançamos muito! O problema do bullying nas escolas hoje é levado a sério. O que não quer dizer que não tenhamos que percorrer ainda um longo caminho. A recente expulsão de uma menina trans de 13 anos de uma escola em Fortaleza revela o abismo que se coloca diante de nós. O caminho para superá-lo passa pela inclusão de gênero e sexualidade nas diretrizes curriculares. Chega a ser criminoso compactuar com este tipo de censura no país que mais mata LGBTs no mundo, onde a população trans é a mais vitimada, num ciclo de violência que se inicia com a evasão escolar e o abandono familiar.

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O Brasil perdeu uma oportunidade histórica de avançar neste tema durante o primeiro mandato do governo Dilma

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O Ministério da Educação, comandado então por Fernando Haddad, havia elaborado materiais didáticos contra a homofobia para distribuir nas escolas. A bancada fundamentalista na Câmara – que fazia parte da base de apoio do PT – ameaçou abandonar o governo caso a iniciativa seguisse adiante. Isso bastou para que nossos direitos fossem rifados e Dilma desse uma de suas declarações mais infelizes ao dizer que “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”.

Talvez, se naquele momento o governo Dilma houvesse enfrentado os reacionários, hoje a realidade em nossas escolas fosse um pouco melhor. O abismo não seria tão profundo. Agora Temer não precisa ceder às pressões fundamentalistas, pois seu governo é liderado diretamente por estes setores, que elaboram as políticas e decidem de forma autoritária o que deve ser debatido nas escolas.

A tesoura do ministro Mendonça Filho na Base Nacional Comum Curricular vem acompanhada de projetos absurdos chamados de “Escola Sem Partido” em diversas cidades e estados do país. Até mesmo no Congresso Nacional.

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São iniciativas que desejam, na verdade, colocar uma mordaça sobre a boca dos professores, como se a educação fosse um processo mecânico e neutro, despido de subjetividades

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Em São Paulo, a vereadora Sâmia Bomfim, do PSOL, está na linha de frente contra esta aberração e já conseguiu barrar sua votação uma vez. Como ela mesma disse em um discurso na Câmara dos Deputados: “A geração que ocupou as escolas no final de 2015 e no início de 2016 irá cobrar a conta” de todas as medidas regressivas que tentam colocar em curso atualmente.

Estas tentativas de censurar professores e de obstruir a discussão sobre gênero e sexualidade nas escolas não passam de uma grande cortina de fumaça para que a sociedade perca tempo – e os órgãos públicos escoem dinheiro – neste esforço inútil voltado ao atraso, enquanto o que realmente deveríamos estar debatendo é a qualidade do nosso ensino, as condições de trabalho e a remuneração dos nossos professores e a estrutura de nossas escolas.

Geórgia Santos

Em nome do povo brasileiro, não

Geórgia Santos
26 de outubro de 2017

A Câmara dos Deputados rejeitou, na noite passada (25), a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer (PMDB). Desta vez, o presidente foi acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução da justiça. Foram 251 votos a favor do relatório da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que recomendava o arquivamento da denúncia. Outros 233 votaram pelo prosseguimento das investigações, dois se abstiveram e 25 não compareceram.

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Os indícios contra Temer são mais do que robustos, especialmente após gravação em que o atual presidente negocia subornos com o dono da JBS, Joesley Batista

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Mas gravação nenhuma foi suficiente para abalar o poder de Michel Temer, que apesar de ter perdido parte do apoio, segue firme no Palácio do Planalto. Essa força surpreende inclusive a imprensa internacional. O jornal britânico The Guardian publicou, na semana passada, uma reportagem em que questiona os motivos que fazem com que ele permaneça presidente. Afinal, mesmo com sinais de recuperação econômica, o custo social das reformas é bastante alto – sem falar na portaria do trabalho escravo.

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Em nome do povo brasileiro, não

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Às vésperas da votação, o governo federal liberou o dobro de emendas em comparação com os meses anteriores. Como se não bastasse, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos homens da tropa de choque de Temer, foi flagrado com uma planilha intitulada “Propostas do Ministério da Agricultura” em que constam os campos “município”, “órgão”, “objeto” e “valor”. O parlamentar analisava a planilha, com uma caneta na mão, ao mesmo tempo em que conferia as presenças no painel de votação. Enquanto há suspeitas de que o repasse esteja associado à votação, Perondi garantiu ao portal GaúchaZH que eram demandas de prefeitos. O modus operandi, porém, não é novidade. Na ocasião da votação da primeira denúncia, o Planalto liberou mais de R$ 1 bilhão.

O que impressiona é a distância entre o a realidade e o discurso dos deputados. Mesmo que 97% da população desaprove o governo Temer, os parlamentares insistem em dizer que votam em nome do povo brasileiro. Abaixo, veja algumas das justificativas dos deputados que votaram a favor do presidente:

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“O presidente precisa responder à justiça, mas não agora”

(Domingos Sávio, PSDB-MG)

“Para que o país volte a ter paz”

(Heráclito Fortes, PSB-PI)

“Deixem o homem trabalhar”

(Wladimir Costa, SD-PA)

“Voto pela retomada econômica”

(João Carlos Bacelar, PR-BA)

“A favor do Brasil que dá certo”

(Alceu Moreira, PMDB-RS)

“Quadrilha organizada é do PT e os puxadinhos dali, voto sim”

(Laerte Bessa, PR-DF)

“Essa denúncia é frágil, inapta, pior do que a primeira. Voto com consciência de que o direito tem que ser preservado”

(Celso Russomano, PRB-SP)

“Perguntei aos meus seguidores quem eles gostariam que investigasse Temer, o Supremo Tribunal Federal ou o juiz Sérgio Moro. Pediram Moro. E pra o juiz Sérgio Moro julgá-lo, só em primeiro de janeiro de 2019”

(Marco Feliciano, PSC-SP)

“Quem quebrou o país foi o PT, e o Temer esta tentando recuperá-lo”

(Renato Molling, PP-RS)

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Mas não, não foi em nome do povo brasileiro, foi em nome de um projeto de governo que se solidifica com o arquivamento da denúncia. Além de estabilizar a relação do Planalto com a base, mesmo que ela precise ser alimentada com frequencia. E enquanto Temer alimenta os aliados, a falta de confiança do povo alimenta a gana por soluções autoritárias – algo que pode trazer graves consequências no próximo ano.

Foto: Beto Barata/PR

Geórgia Santos

Escandalopédia – Os CINCO escândalos do dia

Geórgia Santos
6 de setembro de 2017

Ontem foi pesado, mesmo. Por isso criamos nossa Escandalopédia. O brasileiro tomou uma pedrada atrás da outra nessa terça-feira, 5. Quando acordamos, acreditávamos ter uma pedra no meio do caminho. Quando fomos deitar, tínhamos convicção de que estávamos soterrados. Veja quais foram os cinco principais escândalos do dia.

  1. 1. No meio do caminho, tinha o Geddel

O dia começou e terminou com as malas de Geddel. Pela manhã, acordamos com as fotografias de um apartamento de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro dos governos de Michel Temer e Lula, entupido de dinheiro. Numa apreensão digna de séries de televisão – e estou falando de Narcos, não de House of Cards – vimos uma sala lotada de MUITA grana. À noite, fomos dormir com o barulho das máquinas da Polífica Federal contando o dinheiro apreendido: R$ 51 milhões e uns trocados. Aparentemente, ele guardou até as moedinhas.

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Mas e no meio?

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  1. 2. No meio do caminho, tinha o Joesley

O mais famoso delator da Lava-jato, Joesley Batista, foi gravado discutindo seus privilégios com o judiciário brasileiro. Nos áudios entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário fala em “dissolver o Supremo” com a ajuda de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma. Em conversa com o também empresário Ricardo Saud, podemos ouvi-lo dizer: “Eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé e o Zé vai entregar o Supremo.”

Mas não termina aí, essas descobertas podem levar a uma mudanças nos acordos de delação premiada. Afinal, os áudios indicam que Joesley omitiu informações em seus depoimentos e, pior, estava no comando da situação.

Mas ainda não termina aí. A gravação ainda implica o ex-procurador Marcelo Miller. Segundo os executivos da JBS, ele atuava em favor da empresa antes da exoneração. Agora é aguardar, porque tudo indica que Joesley perderá seus privilégios. Não por ter mentido, mas por ter omitido e manipulado a própria delação premiada. Parece mentira, mas é Brasil.

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  1. 3. No meio do caminho, tinha a Olimpíada

Como desgraça pouca é bobagem, o mar de lama chegou aos Jogos Olímpicos do Rio. A nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã de ontem (05), investiga um esquema de corrupção de compra de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada. Durante a Operação Unfair Play (Jogo Sujo, em inglês), a Polícia Federal apreendeu R$480 mil na casa de Carlos Arthur Nuzman, presidente no Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Mas não termina por aí, claro que não. Há uma série de outras investigações em torno da Olimpíada do Rio que envolvem acusações de propinas e superfaturamentos.

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  1. 4. No meio do caminho, tinha o Funaro

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do corretor Lúcio Funaro. Ele admitiu ser o operador financeiro do PMDB na Câmara dos Deputados e citou autoridades com foro privilegiado no STF. Inclusive o excelentíssimo presidente da República, Michel Temer. Espera-se que a denúncia contra Temer seja apresentada ainda essa semana. Funaro era aliado de Eduardo Cunha, inclusive. Temer cada vez mais enrolado.

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  1. 5. No meio do caminho, tinha o Lula – e a Dilma

Quando a gente achou que tinha acabado, a cereja do bolo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou, nesta terça (05) os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles são acusados de participar de organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. O inquérito recebeu o apelido de “quadrilhão do PT”. O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também denunciou os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega; a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo; e os ex-tesoureiros João Vaccari e Edinho Silva. Não há novidades em termos de investigação, é mais do mesmo, mas a denúncia é um balde de água fria aos admiradores do ex-presidente, principalmente porque não vem do “aqui-inimigo”, o Juiz Sérgio Moro. A denúncia parte de Janot, até este momento acusado de ser petista. E o mesmo balde serve pra Dilma, que até então vinha sendo inocentada e, agora, precisa mudar o discurso.

E isso que não listei aqui as discussões sobre a reforma política, a proposta de privatizar ou acabar com a UERJ, os R$ 350,00 que os professores gaúchos receberam, e por aí vai.

Carlos Drummond de Andrade disse que havia uma pedra no meio do caminho. Mal sabia ele que os brasileiros teriam pedreiras inteiras a bloquear o futuro.

ECOO

Temer é o enfisema do mundo?

Geórgia Santos
27 de agosto de 2017

Sempre achei bonita a noção que aprendi na escola quando era menina, a de que a Amazônia é o pulmão do mundo. Nela está embutida uma responsabilidade pela nossa existência. Nós, brasileiros, somos diretamente responsáveis pela manutenção deste espaço sagrado, crucial para a continuidade do planeta como o conhecemos. Mas se a Amazônia é o pulmão do mundo, seria Michel Temer o enfisema?

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Se Temer é o enfisema do mundo, não sei.

Mas certamente não é o oxigênio

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Temer assinou decreto na última quarta-feira, 23, extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia. Publicado no Diário Oficial da União no dia seguinte, 24, o decreto permite que uma área de 46 mil quilômetros quadrados seja explorada pela iniciativa privada. A área, maior que a extensão da Dinamarca, estava protegida desde 1984 e é rica em cobre e outros minerais.

Tudo isso foi feito sem aviso, explicação ou discussão e surpreendeu a muita gente. Tanto que a atitude de Temer foi notícia não apenas no Brasil, mas nos principais jornais internacionais em manchetes temerosas (sem trocadilho, juro). Em entrevista à BBC, o engenheiro Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne 110 ONGs, sindicatos e movimentos sociais, disse que não houve qualquer comunicado.

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Mas alguém sabia

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A mesma reportagem da BBC mostra que, há cinco meses, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, anunciou a empresários canadenses que essa área de preservação da Amazônia seria extinta que a exploração seria leiloada a empresas do setor privado. Raul Seixas alertou que a solução poderia ser alugar o Brasil, mas o nosso estimado governante a está vendendo, mesmo.

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Enquanto isso, nosso meio ambiente respira por aparelhos

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Foi preciso uma crítica da modelo Gisele Bundchen para que o governo federal se dignasse a emitir um comunicado. Mas que comunicado bem mequetrefe.

“A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos d ‘água com mercúrio.”

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Ora, se há territórios degradados em função do garimpo clandestino, a solução é aumentar a proteção. Certo?

Não, a grande ideia de Temer é legalizar a exploração

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Não é a primeira vez que esse governo age desse forma. Há um mês, foi retirada a proteção da Floresta Nacional do Jamanxim. E a lógica (ou falta de) daquela decisão é similar a esta. Para evitar o DESMATAMENTO ILEGAL, o governo resolveu retirar a proteção que impede o desmatamento. Logo, o desmatamento passa a ser LEGAL e o conflito deixa de existir.

Se depois dessas Temer não é o enfisema do mundo é, no mínimo, um cigarrinho. Mas a gente não desiste.

Foto/arte: Greenpeace Brasil, www.todospelaamazonia.org.br

Igor Natusch

NA GRAVAÇÃO DE TEMER, É PRECISO OUVIR TAMBÉM O QUE NÃO SE DIZ

Geórgia Santos
19 de maio de 2017
Foto: Beto Barata/PR (Brasília - DF, 18/05/2017) Pronunciamento do Presidente da República, Michel Temer, à imprensa. Foto: Beto Barata/PR

Não resta dúvida que, quando as manchetes dizem que o Presidente da República concordou com o pagamento de mesada a um político preso para que ele não faça delação, temos todos e todas que prestar muita atenção. A comoção em torno da afirmação foi tão grande que a revelação dos áudios da fatídica conversa de Michel Temer com Joesley Batista, presidente da JBS, acabou parecendo menos grave do que de fato é, já que o “tem que manter isso aí, hein” não é tão explícito e espetacular quanto as transcrições davam a entender.

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Verdade que, mesmo assim, Temer é um cadáver político e seu governo, seja lá a sobrevida que eventualmente tenha, está em processo visível de decomposição pública – e não vai ressuscitar, a não ser que apareça um Jesus Cristo do céu dizendo “levanta-te e anda” para esse Lázaro coberto de vermes.

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Mas eu queria destacar outro elemento nessa gravação – que, ao contrário da satisfação do não-vice-presidente com Joesley estar “de bem” com Cunha, não fica preso a uma frase pretensamente definitiva, dissolvido que está em quase todos os momentos do diálogo. Joesley fala que está “segurando” juízes, que conseguiu “um procurador dentro da força tarefa” que está passando informações – e a essas afirmações chocantes Michel Temer reage com naturalidade, sem nenhuma surpresa, sem manifestar nem digo indignação, mas um toque que fosse de incredulidade.
O que interessa aí é mais o não dito do que o efetivamente pronunciado: não apenas o chefe do Executivo federal não demonstra reação diante desses absurdos (ao contrário, parece no mínimo desinteressado a respeito) como também não se sabe de qualquer ação posterior, que tenha pedido esclarecimentos sobre a situação, que tenha orientado algum ministro ou secretário para tomar alguma providência ou, no mínimo, buscar informações.
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Recebe um investigado, conversa furtivamente com ele na garagem do Jaburu, ouve que ele faz esforços hercúleos para corromper a investigação que o ameaça, não solta um gemido sequer de desagrado e volta para seu palácio, sem tomar qualquer providência. E querem me convencer que está tudo bem

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Eles, os mesmos que hoje ocupam o Planalto após condenarem os crimes do governo anterior – eles agora querem me convencer que Joesley falava e Temer ouvia, que não era um diálogo entre cúmplices que dividiam interesses, que essa fumaça tomando conta da casa é oxigênio colorido e não sinal de incêndio.
Já é possível localizar, em certos veículos de imprensa, o esforço de apagar as chamas, adotando rótulos como “inconclusivo” e outras contemporizações. Um esforço condenado ao ridículo, com encher baldes no chuveiro do banheiro para combater o incêndio que devora a sala e a cozinha. Já temos mais: a afirmação de que Temer pediu dinheiro para influenciar na posição das redes antes do impeachment de Dilma Rousseff, para a campanha de Gabriel Chalita em São Paulo, em 2012 e até para “despesas de marketing” contra ataques na internet.
A delação já está homologada e, ao contrário de outras tantas, vem acompanhada de evidências obtidas de forma controlada pela Polícia Federal – ou seja, não estamos apenas no terreno do dito contra o não dito, não está apenas no peso das palavras a doença que devora a carcaça do governo Temer. E que já devorou politicamente Aécio Neves, e que tem fôlego para deixar o sistema de Justiça de orelhas em pé – já que, como sabemos, apenas um dos homens no bolso de Joesley Batista está atrás das grades no momento. A promessa é de muito, muito barulho nos próximos dias – e o estrondo não está apenas no que se ouve, mas talvez ainda mais no que não se diz ou se tenta não dizer.
Foto: Beto Barata/PR
Geórgia Santos

Nosso muro particular – O fim do Ciência Sem Fronteiras

Geórgia Santos
4 de abril de 2017

Passamos horas debatendo o absurdo do muro que Donald Trump pretende construir para separar os Estados Unidos do México. É um tema quase querido, digamos assim, como se de estimação. Mas esquecemos do nosso pequeno muro particular. Não, Michel Temer não pretende empilhar tijolos para isolar o Brasil de qualquer vizinho que seja, mas ele está, sim, se empenhando em construir uma parede invisível que nos afasta do resto do mundo com o fim do Ciência Sem Fronteiras.

“A justificativa é falta de dinheiro, claro, como se fosse explicação para tudo”

No último final de semana foi confirmada a extinção do programa que financiava o intercâmbio de estudantes de graduação brasileiros em outros países. A justificativa é falta de dinheiro, claro, como se fosse explicação para tudo. O governo alega que o programa deixou dívidas (?) e que os alunos beneficiados não deixaram resultados expressivos em suas universidade – e aqui a vontade é de colocar um milhão de pontos de interrogação.

Há tantas perguntas que me faço ao ouvir essas pseudojustificativas. Que dívidas? Com quem? O que são resultados expressivos? Qual seria a resposta adequada dos alunos? Em quanto tempo esses resultados deveriam aparecer? Quais são esses resultados? Dinheiro? Pesquisa? Enfim. Eu passaria o dia todo fazendo perguntas. A questão é que o governo deixa claro que trata a educação como negocio e não como uma ferramenta transformadora de – preste atenção nisso – longo prazo.

Eu tenho relativa experiência com estudo no exterior. Fiz um mestrado em Portugal e agora estou como pesquisadora visitante nos Estados Unidos. Essa jornada começou em 2013, há quatro anos, quando fui uma das escolhidas pelo Instituto Ling para participar do programa Jornalista de Visão, que oferta bolsas de mestrado no exterior. Somente agora começo a devolver um pouco, muito pouco, do que me foi ofertado. Seja por meio da minha pesquisa sobre mídia, protestos e democracia no Brasil ou por meio deste que Vós fala.

O governo quer resultados imediatos? Quer retorno financeiro? Quer pesquisas que comecem e terminem em meses? Bom, isso não existe.

O muro invisível de Temer isola jovens ansiosos e brilhantes. Evita o crescimento que só o diferente pode nos ofertar. Impede que alunos curiosos evoluam fora de sua bolha a menos que tenham condições financeiras para tal – e sabemos que a maioria dos brasileiros não tem.

Digo isso, no entanto: tenha certeza, senhor Doutor Michel Temer, que os “resultados expressivos” aparecerão em alguns anos. O conhecimento daqueles que foram o senhor não pode extinguir.

 

 

 

Geórgia Santos

Justiça censura reportagem da Folha e está tudo bem

Geórgia Santos
13 de fevereiro de 2017
Divulgação: Palácio do Planalto

“ – Estamos em 2017 e vivemos em um país democrático em que imprensa é livre. Certo?”

  – Bom, de certo, nessa frase, somente o ano.

  – Como assim, a gente não vive em um país democrático, ao menos?

  – Em tese, sim, mas superficialmente falando, uma coisa deve estar ligada a outra e, ao que parece, a imprensa brasileira não é mais livre.

  – Hã?”

O diálogo é fictício, mas o conteúdo é a nossa mais pura (dura) realidade. Na tarde de hoje, 13 de fevereiro, o jornal Folha de São Paulo denunciou o fato de que a Justiça censurou uma reportagem a pedido do Palácio do Planalto. Uau, isso é grave.

Segundo informações do jornal, a matéria tratava de uma tentativa de extorsão sofrida pela primeira-dama Marcela Temer no ano passado. Liminar concedida pelo juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível de Brasília, impede que a Folha  publique qualquer informação sobre o ocorrido. Um hacker teve acesso aos dados do celular da primeira-dama e usou o conteúdo para chantageá-la. A petição foi assinada pelo advogado Gustavo do Vale Rocha, subchefe da Casa Civil, em nome da esposa de Michel Temer.

O Grupo Folha, por sua vez, vai recorrer da decisão. Em nota publicada pelo jornal, o diretor jurídico da publicação, Orlando Molina, diz que se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa e que a ação se configura como censura. Já Michel Temer nega que se trate de censura. “Não houve isso, você sabe que não houve”, disse aos jornalistas.

A verdade é que a essa altura pouco importa a opinião do excelentíssimo presidente. É censura, sim. Um veículo de comunicação foi impedido de publicar uma reportagem com o argumento de resguardar a intimidade. Mas pera aí, foi a Folha que invadiu o celular de Marcela?  Os dados divulgados pela reportagem são falsos? O conteúdo foi inventado? A notícia é mentirosa? Não. Não para todas as perguntas. A reportagem apenas divulgou informações tornadas PÚBLICAS pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Você também pode ter acesso a esses dados, os processos são os seguintes: 0000057-20.2017.8.26.0520, 0036961-28.2016.8.26.0050 e 0032415-27.2016.8.26.0050.

“Os jornalistas convivem com censura todos os dias”

O é que não é um caso isolado. Ano passado, um juiz paranaense ordenou a quebra de sigilo de uma jornalista que não quis divulgar suas fontes – algo protegido pela Constituição. A verdade é que os jornalistas convivem com censura todos os dias. Dentro da empresa, quando sua ideologia não fecha com a do patrão. Na rua, quando é agredido pela política em protestos – e até por manifestantes que veem o profissional como uma extensão do veículo em que trabalham. Quando é impedido de fazer seu trabalho, independente do motivo.

E o mais incrível é que há jornais que contribuem diariamente para o reforço da censura. A própria Folha fez isso quando divulgou um editorial extremamente questionável, para dizer o mínimo, em que endossa a violência da PM contra manifestantes e, de quebra, contra jornalistas. Afinal, segundo a ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), houve mais de 300 violações contra jornalistas durante os protestos de 2013.

Sem contar que a cada ano que passa, perdemos posições em rankings de liberdade de imprensa. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, ocupávamos o 58º lugar em 2010. Hoje, estamos na 104ª posição. Que bela queda, hein. E isso que eu nem falei da autocensura, movida pelo medo, pelo temor de uma mão invisível.

Não sei quanto a vocês, mas tudo isso me faz pensar que estamos cada vez mais distantes de uma democracia e liberdade de imprensa ideais. E mais, seguimos nos enganando, como se fosse normal, como se estivesse tudo bem.