“ – Estamos em 2017 e vivemos em um país democrático em que imprensa é livre. Certo?”
– Bom, de certo, nessa frase, somente o ano.
– Como assim, a gente não vive em um país democrático, ao menos?
– Em tese, sim, mas superficialmente falando, uma coisa deve estar ligada a outra e, ao que parece, a imprensa brasileira não é mais livre.
– Hã?”
O diálogo é fictício, mas o conteúdo é a nossa mais pura (dura) realidade. Na tarde de hoje, 13 de fevereiro, o jornal Folha de São Paulo denunciou o fato de que a Justiça censurou uma reportagem a pedido do Palácio do Planalto. Uau, isso é grave.
Segundo informações do jornal, a matéria tratava de uma tentativa de extorsão sofrida pela primeira-dama Marcela Temer no ano passado. Liminar concedida pelo juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível de Brasília, impede que a Folha publique qualquer informação sobre o ocorrido. Um hacker teve acesso aos dados do celular da primeira-dama e usou o conteúdo para chantageá-la. A petição foi assinada pelo advogado Gustavo do Vale Rocha, subchefe da Casa Civil, em nome da esposa de Michel Temer.
O Grupo Folha, por sua vez, vai recorrer da decisão. Em nota publicada pelo jornal, o diretor jurídico da publicação, Orlando Molina, diz que se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa e que a ação se configura como censura. Já Michel Temer nega que se trate de censura. “Não houve isso, você sabe que não houve”, disse aos jornalistas.
A verdade é que a essa altura pouco importa a opinião do excelentíssimo presidente. É censura, sim. Um veículo de comunicação foi impedido de publicar uma reportagem com o argumento de resguardar a intimidade. Mas pera aí, foi a Folha que invadiu o celular de Marcela? Os dados divulgados pela reportagem são falsos? O conteúdo foi inventado? A notícia é mentirosa? Não. Não para todas as perguntas. A reportagem apenas divulgou informações tornadas PÚBLICAS pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Você também pode ter acesso a esses dados, os processos são os seguintes: 0000057-20.2017.8.26.0520, 0036961-28.2016.8.26.0050 e 0032415-27.2016.8.26.0050.
“Os jornalistas convivem com censura todos os dias”
O é que não é um caso isolado. Ano passado, um juiz paranaense ordenou a quebra de sigilo de uma jornalista que não quis divulgar suas fontes – algo protegido pela Constituição. A verdade é que os jornalistas convivem com censura todos os dias. Dentro da empresa, quando sua ideologia não fecha com a do patrão. Na rua, quando é agredido pela política em protestos – e até por manifestantes que veem o profissional como uma extensão do veículo em que trabalham. Quando é impedido de fazer seu trabalho, independente do motivo.
E o mais incrível é que há jornais que contribuem diariamente para o reforço da censura. A própria Folha fez isso quando divulgou um editorial extremamente questionável, para dizer o mínimo, em que endossa a violência da PM contra manifestantes e, de quebra, contra jornalistas. Afinal, segundo a ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), houve mais de 300 violações contra jornalistas durante os protestos de 2013.
Sem contar que a cada ano que passa, perdemos posições em rankings de liberdade de imprensa. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, ocupávamos o 58º lugar em 2010. Hoje, estamos na 104ª posição. Que bela queda, hein. E isso que eu nem falei da autocensura, movida pelo medo, pelo temor de uma mão invisível.
Não sei quanto a vocês, mas tudo isso me faz pensar que estamos cada vez mais distantes de uma democracia e liberdade de imprensa ideais. E mais, seguimos nos enganando, como se fosse normal, como se estivesse tudo bem.
