OUÇA Bendita Sois Vós #44 Liberdade de imprensa a perigo – de novo
Geórgia Santos
27 de janeiro de 2020
Neste episódio, os jornalistas do Vós falam sobre liberdade de imprensa no Brasil.Ou melhor, sobre mais uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa no Brasil.
Todos estamos familiarizados com os constantes ataques do presidente da República aos jornalistas e da recusa de Jair Bolsonaro em conceder entrevista ao que ele chama de grande mídia. Agora, no entanto, foi a vez do Ministério Público Federal. O jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, foi denunciado pelo MPF em função da produção das reportagens que ficaram conhecidas como Vazajato, que revelaram a comunicação ilegal entre procuradores do Ministério Público e o então juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. Glenn e outras seis pessoas foram denunciadas por associação criminosa para invasão de equipamentos de comunicação e interceptação ilegal de comunicações.
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Glenn Greenwald não foi investigado, Não foi indiciado, não cometeu qualquer irregularidade
Ele está sendo punido por fazer jornalismo
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Os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Tércio Saccol conversam com Marcelo Träsel, presidente da Abraji e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O namoro entre Bolsonaro e Lava-Jato acabou – e a separação será litigiosa
Igor Natusch
19 de setembro de 2019
Presidente da República, Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro durante a final da Copa América 2019, entre as seleções do Brasil e Peru.
Houve um tempo em que o bolsonarismo e a luta contra a corrupção andavam de mãos dadas – mesmo que, mais recentemente, fosse apenas para manter as aparências. Esses dias, contudo, estão cada vez mais distantes. E o que se percebe, de forma cada vez mais indisfarçável, é a iminência da separação.
Não é um rompimento que desagrade aos Bolsonaros, isso é certo.
Se há algo que se move sempre para frente neste governo, é a disposição em transformar o poder em negócio de família, sem qualquer disfarce, sem prender-se ao mínimo de decência. Mesmo a fundamental disputa no Senado pela reforma da previdência fica em segundo plano: mais importante é encher as burras dos senadores com cargos lucrativos no governo, para que topem a infâmia de sagrar Eduardo Bolsonaro embaixador nos EUA. Não é possível imaginar uma submissão mais escandalosa do público ao mais mesquinho interesse pessoal.
Mas pudores dessa natureza nunca fizeram qualquer diferença para Jair Bolsonaro, acostumado desde sempre a ver a política como uma generosa teta na qual mamar.
Para Bolsonaro e os seus, o argumento contra a corrupção foi apenas mais uma dessas torneiras vertendo leite. Muito útil durante a eleição do ano passado, fiador importante de popularidade a partir de Sergio Moro ministro, mas nunca uma bandeira irrenunciável – mesmo porque, no modelo bolsonarista de política, nenhuma bandeira é tão importante que não possa, em algum momento, virar pano de chão.
Com o avanço dos meses, esse papo de combater o crime a qualquer custo foi ficando pesado para o governo federal. Não apenas pela situação de Flávio Bolsonaro, enrascada que está exigindo uma série de ações pouco republicanas para ser minimizada, mas também pela posição cada vez mais incômoda de Moro no ministério. As muitas humilhações a que foi submetido não parecem ter sido suficientes para convencer o ex-juiz a desistir da pasta, escada importante para suas pretensões futuras, seja no STF, seja em um cargo eletivo próprio. E, mesmo desmoralizados pelas ruidosas revelações da Vaza Jato, Moro e a operação Lava-Jato seguem populares. Mais do que Bolsonaro, como provam as pesquisas.
Livrar-se de Sergio Moro, livrar a cara do filho encurralado, cravar os dentes ainda mais fundo no poder. Para cumprir todas essas tarefas, o caminho é um só: usar a bandeira contra a corrupção como capacho para limpar os pés.
Diante de tal tarefa, a aposta dos Bolsonaros tende a ser a de sempre: a radicalização no discurso ideológico.
A disposição de colocar Augusto Aras na PGR, rasgando vergonhosamente a lista tríplice e escancarando a disposição de brigar contra a Lava-Jato em nome da salvação do 01, disparou de vez a cisão. Janaína Paschoal, a proponente do impeachment de Dilma, revela seu desagrado; Moro, cansado de ser feito de palhaço, condiciona sua permanência à manutenção de Maurício Valeixo como diretor-geral da PF. E Olavo de Carvalho, guru picareta do delírio reacionário à brasileira, apressa-se a dar o tom: a “luta contra a corrupção”, segundo ele, foi inventada pelo PT nos anos 1990, como parte da rebuscadíssima, maléfica e eternamente inconclusa estratégia comunista para tomar o poder em escala global.
O casamento entre reacionários políticos e ativistas do Judiciário é, cada vez mais, de fachada. Não há mais paixão, nunca houve muito respeito mútuo e, a essa altura, mesmo o tesão já se perdeu.
O jogo, agora, é fazer com que o rompimento inevitável tenha o menor efeito possível sobre a horda fiel a Bolsonaro. O que também traz, é claro, um fortalecimento da família como únicos detentores do poder, assumindo de vez a nau desgovernada, para o bem e para o mal. Jogar a Lava-Jato para o lado de lá está longe de ser uma tarefa simples, mas não parece haver grandes constrangimentos na hora de tentar essa acrobacia.
Acumular inimigos sempre foi uma má estratégia de guerra. Mas Bolsonaro e os seus não se importam, ao contrário; na verdade, eles até que gostam bastante dessa posição.
Com Lava-Jata enfraquecida, STF e Congresso se unem no contra-ataque
Igor Natusch
8 de agosto de 2019
Se há algo que aproxima a operação Lava-Jato do atual governo, é a disposição de usar o conflito como estratégia de legitimação e fidelidade. É apenas a partir deste ângulo que a intempestiva decisão de transferir o ex-presidente Lula de Curitiba para o presídio do Tremembé, em São Paulo, ganha motivação e significado.
Diante do enfraquecimento da aura de santidade em torno da operação, disparada pelos diálogos obtidos pelo The Intercept Brasil, a decisão da juíza federal Carolina Lebbos recoloca a figura odiada de Lula no centro do noticiário. Como elemento central da brincadeira, ficava no ar a possibilidade de colocá-lo em uma cela coletiva, ao invés da sala especial de Curitiba. Um aceno nada sutil aos anseios sádicos da ala que sempre sonhou em ver o ex-presidente em uma cela superlotada de um penitenciária comum. Ao frustar a realização (mesmo que apenas imaginária) dessa tara, o STF colaria em si mesmo a etiqueta de aliado de Lula, logo inimigo da Lava-Jato, logo inimigo do Brasil.
Esse parece ser o plano. Se o plano deu ou está dando certo, são outros quinhentos.
A movimentação mais significativa parece ter vindo do Congresso Nacional. O repúdio uniu parlamentares e senadores, de oposição e de centro, e recebeu um endosso emblemático do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Fazer uma pausa na votação dos destaques da Reforma da Previdência para que uma delegação de deputados pudesse falar com o presidente do STF, Dias Toffoli, é de uma simbologia muito forte.
Nada é mais importante no Congresso do que aprovar a reforma – mas enfrentar a decisão da Lava-Jato mostrou-se ainda mais importante do que isso. E ganhou, a partir do intervalo trazido por Maia, um caráter institucional.
Se a Câmara dos Deputados decidiu comprar essa briga, certamente não foi por solidariedade, ou porque acham o Lula bonito.
Ao enfrentamento explícito do Congresso, sucedeu-se uma demonstração quase afrontosa do Supremo. Um placar de 10 a 1 contra a transferência, vindo de um tribunal pressionado e dividido como o STF, é muito significativo, ainda mais em tema tão delicado e com rapidez de poucas horas. E que não surge da mera convicção de que a medida fosse equivocada. Quem poderá ignorar as recentes revelações do Intercept Brasil e veículos parceiros, mostrando ações do procurador Deltan Dallagnol para investigar, de forma ilegal, ministros do STF?
Se a ideia da Lava-Jato era demonstrar força e capacidade de enfrentamento, o efeito parece não ter sido o desejado. O que ficou evidente, isso sim, foi o enfraquecimento da operação, pelo menos diante de seus antagonistas.
A classe política, que passou anos no córner e viu muitas de suas principais figuras atrás das grades, ensaia uma reação. O STF, atacado tanto nos bastidores quanto à luz do dia, deixa claro que está disposto a dobrar a aposta. Pressionados pela opinião pública até então apaixonada pela Lava-Jato, esses núcleos evitavam reagir aos excessos da operação; agora, que o desgaste de Moro, Dallagnol e cia. é notório e crescente, unem-se para o contra-ataque. E nem o nome de Lula (figura cuja defesa pública, até há pouco tempo, era impensável para esses grupos) tem o mesmo poder de intimidação de antes.
Não é uma simples reação de corruptos contra o braço forte da Justiça. É um posicionamento coletivo na disputa pelo poder. E que se torna possível agora, que a Lava-Jato não parece mais tão imbatível quanto antes.
A estratégia de manter-se no ataque o tempo todo é eficiente para direcionar leituras e narrativas, mas não é livre de limites. Um deles é um tanto óbvio: quanto mais numerosas as frentes de batalha, mais difícil é manter a intensidade da artilharia.
A Operação Tremembé certamente amplia o fosso entre os defensores da Lava-Jato e os que criticam suas práticas, e isso favorece quem extrai seu poder justamente dessa oposição inconciliável. Mas o episódio também marca a primeira vez que uma ação da força-tarefa é enfrentada de forma coletiva, enfática e eficiente. E talvez o apoio da torcida não seja mais suficiente para garantir a vitória em casa.
Suponhamos que um estado de exceção seja como uma macarronada. Como sabemos, dá para usar muitas coisas diferentes na hora de fazer uma macarronada. Mas, no fim das contas, tudo se resume a dois ingredientes principais: macarrão e molho.
Macarrão é fácil de obter. Toda nação tem uma massa impressionável, exausta pelos abusos de todos os dias, que pouco entende das disputas políticas e que, por isso mesmo, mostra-se relativamente fácil de manipular.
Esqueça o macarrão, portanto. Esse ingrediente está sempre à disposição de quem deseja fazer uma macarronada. Não é sobre ele que vamos falar.
Essa é uma história sobre como se faz extrato de tomate.
Na última terça-feira, foi disparada pela Polícia Federal a Operação Spoofing, que cumpriu mandatos de prisão associados à suposta invasão do celular do ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Quatro pessoas foram presas no interior de São Paulo e levadas até Brasília. E isso é, quase literalmente, tudo que sabemos de oficial: mais detalhes, só no dia seguinte, quando será enfim levantado o sigilo sobre a investigação. Escrevo no final da noite de terça-feira; não sei, portanto, de nada que os leitores e leitoras do futuro já devem saber.
Longas horas de incerteza. Uma noite inteira, talvez uma manhã completa e uma boa parte da tarde para especulações, insinuações, palpites. Para disseminar, pelas redes sociais e aplicativos de mensagem, as mais delirantes leituras e as mais infames acusações.
Ninguém que esteja lendo esse texto esteve na nebulosa de Orion nas últimas semanas, então vocês provavelmente sabem que o ministro Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato (entre eles, o amigão de Moro, Deltan Dallagnol) estão às voltas com uma série de matérias constrangedoras. Essas matérias estão sendo feitas a partir de material obtido pelo The Intercept Brasil: milhares de diálogos via celular, demonstrando uma série de desvios éticos (e algumas ilegalidades flagrantes) cometidas por Moro, Dallagnol e outros super-heróis da moralidade nacional.
Segundo Moro e a Lava-Jato, esse material foi obtido por um hacker. A única evidência disso, até agora, é a palavra dessas pessoas, e mais nada. Ao que se sabe no momento em que escrevo, sequer uma perícia nos celulares foi realizada.
O mesmo Moro havia denunciado ter sido vítima de um hacker, pouco antes da revelação que o Intercept tinha obtido arquivos comprometedores. Invadiram meu celular, reclamou Moro. Sem demonstrar, mas reclamou.
É o mesmo hacker? Não sei. Ninguém sabe. E é assim que precisa ser, se queremos fazer um bom extrato de tomate. Ninguém pode saber com certeza de coisa alguma.
Enquanto a gente não sabe, a gente vai especulando.
Esse é um elemento que ajuda a dar o ponto para a receita, sabe. A gente fica vulnerável à especulação. Nervosos, inseguros. Impressionáveis. Fica com medo da denúncia do jornalista ser verdade, e também fica com medo que ela seja mentira.
Claro que essa panela de pressão não esquenta de uma hora para outra. Muita coisa foi insinuada e vociferada nos últimos dias. Pavões misteriosos falando de Bitcoins russos. Negociatas envolvendo suposta compra de mandato pelo marido do jornalista à frente das reportagens. Acusações de que fazer matéria jornalística com material vazado é crime, algo que poderia gerar até deportação. Pretensas adulterações de conteúdo das quais muito se fala, mas nada se evidencia. Muita coisa, enfim.
Mas o mais importante é insistir na narrativa. Ninguém viu provas do hacker, mas o ministro Moro diz que foi hacker, então ninguém pode duvidar. E se o informante for alguém do Ministério Público, talvez um membro da própria Lava-Jato? Pode até ser, mas não pode ser. Foi hacker, você não viu? Foi Sergio Moro quem disse – e agora a PF, mesmo sem ter dito, disse também. Foi hacker. Um perigoso e maligno hacker, usando tecnologia desconhecida para atacar um dos super-heróis da nação. Talvez vários hackers. Imagine: uma gangue de hackers. Contratados por alguém. Quem são os hackers? Quem contratou os hackers? O que eles vão dizer?
É mais ou menos nessa hora que as pessoas começam a perguntar: e aí, ninguém vai fazer nada?
O extrato de tomate está ficando no ponto.
É possível, dentro do cada vez menos relevante mundo real dos fatos e acontecimentos verificáveis, que os hackers não tenham nada a ver com a #VazaJato. Que sejam apenas uns golpistas meia-boca, que usaram um cavalo de troia para tentar roubar umas senhas bancárias de Moro ou algo assim. Talvez não sejam nem mesmo isso.
Mas, e aí está o segredo que dá o sabor especial à receita: você não sabe. Até quarta-feira à tarde, ou talvez ainda depois, ninguém vai saber. Mas todo mundo vai querer saber. Todo mundo vai pensar sobre qual é, no fim das contas, a verdade. E todo mundo vai estar querendo que alguém resolva logo essa situação.
Quando a gente quer que alguém resolva logo a situação, a gente fica mais tolerante com atalhos. A gente fica menos apegado ao modo certo de fazer as coisas.
O estado de exceção adora isso. Um líder autoritário gosta muito de tomar atalhos.
Do lado de cá de tudo que está rolando, noto que o pessoal ainda está muito preocupado com o macarrão. Talvez achem que o macarrão pode ser devolvido à prateleira. Talvez achem que, conversando com o macarrão, ele vá se recusar a ir para a panela cozinhar.
Bobagem, digo eu. O macarrão está sempre à disposição. É a parte mais fácil da receita.
O que interessa, agora mais do que nunca, é o extrato de tomate.
Talvez ainda esteja em tempo de estragar a macarronada de domingo. De repente a receita do extrato desande, ou um pontapé bem dado possa até derrubar a travessa no chão. De repente dá para esquentar a panela além da conta e fazer o prato inteiro queimar, ficar intragável e impossível de servir. Mas não é boa ideia perder tempo. Como a gente sabe, uma vez que se tenha o macarrão, fica faltando só o molho para servir uma tremenda macarronada.
“Não acho nada improvável que daqui a dois anos ainda tenha matérias [da Vazajato] saindo desse arquivo”
Geórgia Santos
17 de junho de 2019
Igor Natusch e Geórgia Santos
A frase é do editor adjunto do The Intercept Brasil, Alexandre de Santi. Ele se refere ao arquivo que deu origem ao que agora conhecemos por Vazajato, uma série de reportagens que abalou profundamente a imagem da Lava Jato e, principalmente, dos protagonistas da operação. As matérias publicadas em nove de junho mostram, entre outras coisas, a colaboração não permitida entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF), entre eles Deltan Dallagnol, e o então juiz Sérgio Moro.
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O escândalo do Vazajato mostrou que a operação de combate à corrupção também estava corrompida
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As reportagens foram produzidas a partir de um arquivo que continha conversas privadas, gravações em áudio, vídeo, fotos, documentos judiciais e outros ítens envolvendo os procuradores e o hoje ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Segundo os editores, o único papel do veículo na obtenção do material foi recebê-lo. Mas a explicação não impediu que inúmeras pessoas questionassem a legalidade da publicação, considerada uma invasão de privacidade. Nas redes sociais, não foram poucos os perfis que ignoraram o fato de que os procuradores da Lava Jato e Moro tenham realizado parte do trabalho em segredo e de forma antiética. Essa tem sido, inclusive, a tônica da defesa dos envolvidos: foco na forma, e não no conteúdo.
Em entrevista ao Vós, o jornalista Alexandre de Santi esclareceu esse e outros pontos a respeito da apuração dos fatos, tratamento do material e próximas publicações. Ele assinou uma das três matérias publicadas inicialmente e entende que a vastidão do material pode exigir um trabalho de anos.
Reprodução: The Intercept Brasil
Reprodução: The Intercept Brasil
Vós – Como está sendo o processo de apuração em cima desse montante de informaçõesque vocês receberam? Estabeleceram uma força-tarefa na equipe, dividiram tarefas? Quanta gente está envolvida no processo?
Alexandre de Santi – Não dá pra chamar de força-tarefa porque a nossa equipe é pequena, então não tem um monte de gente trabalhando nisso. O que a gente fez foi destacar algumas pessoas para trabalhar mais de perto nisso. Mas não estamos conseguindo gastar muita energia nisso porque houve umas baixas em função de doenças, algumas pessoas de férias e coisas assim. Então, agora, tem umas três ou quatro pessoas trabalhando full time nessa operação editorial. Mas toda a equipe está trabalhando de alguma forma no bastidor, seja em redes sociais ou ajudando nesse período mais intenso com assessoria de imprensa, para organizar entrevistas, esse tipo de coisa. Então por enquanto é isso. Fora o Glenn [Greenwald], que é uma operação à parte, digamos assim, já que não está dentro da nossa hierarquia direta.
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Vós – E que critérios vocês estão seguindo para selecionar o que é importante no material?
Alexandre de Santi – Com relação aos critérios, a gente procura coisas que tenham interesse público, obviamente, que tenha a ver com eventos republicanos, digamos assim. Coisas referentes a assuntos estritamente pessoais ou de procedimentos internos do pessoal da Lava Jato, a gente não publica. Eventualmente, podemos dar uma olhada “mais de lupa”para ver se tem coisas interessantes, mas não é prioridade agora. A prioridade é encontrar coisas que tenham a ver com os casos que mudaram a política do país, encontrar coisas que tenham interesse público forte e que ajudem a revelar como funcionou o processo de decisão dessa operação e deixar isso pro público julgar. Julgar se essa operação, que tem tanta fama, operou dentro da normalidade e se os méritos estão dentro de um espírito republicano. E é essa a nossa missão.
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Vós – E quanto às questões legais? Tanto na parte da obtenção dos dados quanto, por exemplo, na decisão de publicar originalmente sem contraponto.
Alexandre de Santi – Desde que isso começou, semanas atrás, até agora, eu me envolvi mais tempo em questões jurídicas do que em questões jornalísticas. Tanto com reunião com advogados quanto discussões internas, mesmo sem presença de advogados, para tentar avaliar tanto os nossos riscos quanto as repercussões jurídicas intrínsecas ao material. É um tema muito importante, muito delicado.
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Os atores da Lava Jato, depois que a gente publicou, disseram que foi um hacker, a gente não sabe se é um hacker ou não.
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A nossa preocupação primeira era entender até que ponto a gente podia publicar isso. Tanto por se tratar de conversas privadas quanto por terem sido, talvez – é uma hipótese, a gente não sabe -, “roubadas”, digamosassim. A gente não sabe de onde elas vieram exatamente, então a gente não tem nem como avaliar mais profundamente. Os atores da Lava Jato, depois que a gente publicou, disseram que foi um hacker, a gente não sabe se é um hacker ou não. Em nenhum momento isso se confirmou.Mas a gente tinha essa preocupação no nível da hipótese. “E se for uma informação que foi roubada de algum lugar, isso importa pra nós?” “Juridicamente, como é que fica se for esse o caso?” Então trabalhamos com essa e com outras hipóteses para entender qual era o nosso risco. Primeiro nossos advogados disseram que, independente da origem, esse não era um problema nosso, que nós tínhamos direito de publicar, que jornalismo é isso. Desde que a gente não estimulasse a fonte a cometer um crime, e a gente não fez isso em nenhum momento. Depois que isso ficou bem claro, não tivemos preocupações em receber os arquivos.
Encerrada essa questão, do custo jurídico de entender a origem do material, teve a discussão sobre como a gente faria para falar com os envolvidos antes da publicação, porque esse é o nosso padrão jornalístico. Obviamente é a melhor prática possível, falar com todos os envolvidos antes, mas a gente começou a discutir com os advogados se nós estaríamos correndo algum risco de sofrer censura prévia. Porque dava tempo de eles se organizarem. São personagens com muitas conexões no mundo jurídico, então tememos que essas conexões fariam com que uma causa de censura prévia tivesse muita simpatia dentro do judiciário, apesar de não ser a regra. Apesar de no Brasil, em tese, não existir censura prévia, a gente viu um caso recente, que foi o caso d´O Globo, que teve uma matéria que tratava do caso da Marielle censurada previamente pela Justiça. Então tinha um precedente recente. E a gente está na mesma cidade que o Globo, ou seja, podia haver um entendimento jurídico local que poderia favorecer a tese que de o material merecia censura prévia. Então a gente avaliou que o interesse público era maior e decidiu, pela primeira vez, não falar com as fontes.
A gente podia ouvir os envolvidos, também, para entender se o conteúdo era verdadeiro, mas a gente já tinha feito essa avaliação interna de várias formas possíveis. Checando fatos, datas e os arquivos. Fizemos também uma análise técnica no material pra saber se tinha sinais de adulteração. Enfim, fizemos todo o trabalho possível antes pra saber se era falso.
No momento que a gente concluiu que era um conteúdo verdadeiro, a gente concluiu que já era a versão deles. É a versão dos bastidores, mas é a voz deles. Mesmo sabendo que é uma decisão difícil, inédita, não usual e que a gente não pretende seguir para sempre, sentimos que, nesse caso, o público merecia saber e não podia correr o risco da censura prévia. Então fizemos essa aposta editorialmente arriscada. Mas a versão deles foi ouvida pelo público, por outros canais, e agora cabe ao público julgar isso.
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Vós – Muita gente acaba, por conveniência política ou torcida mesmo, criando uma enorme expectativa em torno de futuras matérias, esperando algum tipo de resultado delas. Isso abre caminho pra que o trabalho jornalístico do The Intercept Brasil acabe visto como uma espécie de evento ou espetáculo, que vocês sejam vistos como antagonistas de Sérgio Moro.
Alexandre de Santi – A gente não é antagonista do Sérgio Moro. Eu acho que, nessa situação, o antagonista do Sérgio Moro é o próprio Sérgio Moro, o próprio Deltan Dallagnol, dentro de uma ótica de que há ali deslizes muito graves. Isso não é criação do Intercept, o deslize é criação deles. A gente simplesmente teve acesso a esses deslizes, e o nosso papel é só esse, informar. Colocar os pingos nos is. Não só jogar a informação crua para as pessoas tentarem entender.
Reprodução: The Intercept Brasil
Reprodução: The Intercept Brasil
Vós – Como vocês estão lidando com isso? Qual é a tua visão, a visão de vocês, sobre o papel do veículo e sobre essas publicações? Para que elas servem, enfim?
Alexandre de Santi – A gente acha que esse material serve pra elucidar o público sobre como transcorreu essa operação muito influente, tanto jurídica quanto politicamente, e em que termos éticos, em que bases jurídicas. Isso transformou o Brasil. É bem forte o argumento de que sem Lava Jato a gente teria outro espectro politico na presidência, no comando politico do país. As matérias servem para mostrar para o público se houve deslizes éticos nesse processo. Nós acreditamos que o papel do jornalismo é ser o fiscal do poder, então estamos fiscalizando se houve alguma transgressão.
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Nós não estamos buscando erros para desmontar a Lava Jato, isso não existe, isso é não entender o papel do jornalismo.
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Nós não estamos buscando erros para desmontar a Lava Jato, isso não existe, isso é não entender o papel do jornalismo. Nós estamos fazendo isso porque o público tem direito de julgar e conhecer e poder entender se sua própria expectativa, ou raiva, ou amor pela Lava jato é justificado. Se transcorreu do jeito certo, como tinha que correr, como manda a lei. O nosso papel é esse, o jornalismo serve para isso, para expor coisas que, às vezes, as pessoas não querem que sejam expostas.
O TIB é um veículo que procura ter impacto no que faz, então quando tem que dizer que alguma coisa precisa ser mudada ou que a aquela pessoa cometeu o que é, objetivamente, um deslize, a gente avisa o leitor. A gente não fica em cima do muro para dizer “aqui estão os fatos e o leitor que se vire para entender se são legais ou não”. A gente tenta já cumprir esse caminho, já mostrar se tem alguma situação “esquisita”. Eu sei que isso causa grande expectativa, principalmente na esquerda, que acha que pode “se vingar” agora da Lava jato, que sem ela não haveria governo Jair Bolsonaro. Mas essa expectativa não é criada pela gente. É a gente no sentido de que a gente publicou algo que gerou essa expectativa, mas a gente não esperava criar expectativa em ninguém, só estávamos fazendo nosso trabalho do jeito mais responsável possível. E foi isso que a gente fez.
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Vós – Um veículo de jornalismo diário estaria sob uma enorme pressão para publicar tudo o mais rápido possível, talvez não tivesse o mesmo tempo que vocês tiveram para avaliar, bater informações etc. Mas o The Intercept Brasil é tudo, menos jornalismo diário, e desde o início tem se proposto a atuar fora dessa lógica.
Alexandre de Santi – A coisa que eu mais gostava de trabalhar no Intercept, até agora, era justamente o fato de a gente operar no ritmo de uma revista. A gente opera num ritmo muito mais lento e pode demorar semanas ou meses pra publicar uma matéria, porque a gente vai trabalhando até ficar o que a gente considera como pronta.Esse é o meu ritmo pessoal, por exemplo, não gosto de fazer hard news, nunca gostei, já fiz bastante mas nunca foi a minha praia de verdade, a minha vocação. Então uma das coisas que eu gostava no TIB era poder trabalhar com esse tempo, que era muito importante para fazer as coisas bem feitas, tanto do ponto de vista de qualidade da informação, de realmente fazer jornalismo investigativo e ir atrás das coisas até o final, quanto em termos de preparar a matéria para que ela tenha impacto. “Empacotar” de um jeito que a gente consiga mostrar para as pessoas que vale a pena dar atenção para aquela história. Então foi sempre muito bom ter esse tempo pra poder pensar ilustração, diagramação, design, pensar em qualidade de texto. Tudo isso e outros gatilhos internos dos textos que a gente acredita que dá mais leitura, compartilhamento e furar as bolhas para ir mais longe. Agora a gente não tem esse tempo mais. Existe uma expectativa grande de produção.
A gente também sentia que o material era sensível a ponto de ser arriscado ficar com ele por muito tempo na mão sem publicar nada. Digamos que, em vez de a gente levar semanas, a gente levasse meses para terminar. E que durante esses meses, vazasse a informação de que a gente estava trabalhando nesse arquivo. Isso permitira o nascimento de trocentas teorias da conspiração, todas falsas obviamente. Além disso, a gente sentia que [um eventual vazamento] nos expunha a um risco de a Polícia Federal bater no escritório, na nossa casa, atrás desse material para tentar confiscar. Então era importante andar rápido, numa velocidade que a gente não está acostumado. A gente inclusive fez uma coisa que a gente nunca faz, que é publicar três matérias grandes ao mesmo tempo. Então foi bastante pesado esse período em termos de preparação do material.
Nós temos uma política de fazer checagem de informações em todas as matérias grandes, então não tem matéria do Intercept publicada sem um processo de checagem da informação. Evidentemente o repórter faz checagem, os editores fazem, mas depois passa por um processo de fact checking mesmo. E a gente fez isso em todas as matérias. Teve revisão, um monte de gente leu, os advogados leram várias vezes, sabe, então foi um período bem pesado de preparação. E agora, para manter esse nível, é estrategicamente interessante que a gente aproveite a atenção das pessoas para seguir publicando, mas não é muito nosso ritmo, mesmo. A gente não tem uma equipe muito grande para conseguir andar rápido, mas a gente precisa andar rápido para acompanhar o interesse do público.
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Mas provavelmente é um trabalho de anos. De meses certamente, mas talvez até de anos no sentido da vastidão do material. Não acho nada improvável que daqui a dois anos ainda tenha matérias saindo desse arquivo.
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Eu não posso falar sobre estratégia pratica de publicação, mas posso dizer que a gente está sob uma pressão nossa, mesmo, de tentar aproveitar a atenção que as pessoas estão dando a esse assunto. Não vamos deixar isso para depois, vamos aproveitar. Mas provavelmente é um trabalho de anos. De meses certamente, mas talvez até de anos no sentido da vastidão do material. Não acho nada improvável que daqui a dois anos ainda tenha matérias saindo desse arquivo. Pra vocês terem uma ideia, o Intercept americano publicou uma matéria nova sobre o arquivo Snowden na semana passada [as primeiras reportagens foram publicadas em 2013]. São arquivos totalmente diferentes, mas são arquivos muito grandes, com muita coisa lá dentro, que precisa muito tato e muito cuidado e muita responsabilidade e muita checagem de informações e muita compreensão de contexto para entender o que significa determinada conversa, determinado trecho, foto, documento. Então, nesse sentido, é um trabalho muito lento. Agora eu gostaria que a gente tivesse uma redação com recursos de jornalismo diário, com número de editores e de repórteres e toda uma estrutura preparada para conseguir atender a essa demanda agora. mas a gente não tem, então a gente vai seguir produzindo no ritmo que a gente consegue, até porque a gente jamais correria com a publicação para correr riscos jurídicos e até de qualidade do material, então tem que equilibrar essas duas coisas a partir de agora.
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Vós – O quanto esse ritmo, de certa forma, pode favorecer vocês na hora de lidar com um furo de reportagem dessa dimensão?
Alexandre de Santi – Eu acho que a gente criou uma cultura interna, e pelo menos desde que eu cheguei como editor adjunto, acho que foi minha grande missão, de trabalhar arte, fazer bons textos, checar, fazer revisão, passar pelos advogados, de cavar mais, de entender melhor, tentar fazer a melhor manchete. Um trabalho completo. E parte do impacto que as três primeiras matérias fizeram é devido a isso. A gente fez o nosso dever de casa para que as matérias fossem apresentadas como algo que merecia atenção da sociedade. Então esse sentido, nos favoreceu ter essa cultura de um jornalismo mais lento e mais pensado. A gente chegou agora, na hora H, com o que para muitos era um bomba na mão, e a gente soube preparar essa bomba para ela explodir direitinho. Isso é muito em função do trabalho feito no último ano para que a gente não desperdice matérias assim.
Não adianta fazer uma boa matéria, ter um furo de reportagem ou alguma coisa exclusiva e publicar na hora errada, com a chamada de redes errada, com design que não é atrativo, que não responde bem a leitura no celular, por exemplo – porque 80% das pessoas estão lendo no celular. Então a gente vem trabalhando bastante para cuidar dessas coisas.Para que as matérias tenham chamadas que funcionem bem nas redes sociais, tenham apuração que sustente os títulos que estão nas redes sociais, para que não sejam títulos apelativos a troco de nada, e que elas tenham artes, design, ilustração bem pensados pra que chame atenção. Então isso tudo foi usado na hora de preparar as primeiras matérias. Não diria ao máximo porque ainda teve um componente de pressa, pelos motivos que eu falei antes, mas tinha uma intenção, pelo menos, de a gente usar todo nosso arsenal disponível. Então sim, de certa forma nos beneficiou, mas agora eu gostaria de ter um navio de guerra um pouquinho maior na minha mão.
O primeiro episódio da segunda temporada do Bendita Sois Vós trata do mais recente escândalo da política brasileira. No domingo nove de junho, o Brasil foi surpreendido pelo que agora conhecemos por Vazajato. O The Intercept Brasil publicou uma série de reportagens que desnudam a Operação Lava Jato e mostram uma colaboração não permitida entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o então juiz Sérgio Moro. A operação baseada na Mãos Limpas se mostrou suja.
Além do debate entre os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol, o depoimento do jornalista Alexandre de Santi, um dos editores do The Intercept Brasil.
No Sobre Nós, Raquel Grabauska dirige a tradução de um trecho da famosa entrevista que o jornalista britânico David Frost realizou com o ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Uma forma de lembrar a importância do bom jornalismo – que pode derrubar presidentes.
No último final de semana, o Brasil foi surpreendido com o #Vazajato. O The Intercept Brasil publicou uma série de reportagens que desnudam a Operação Lava Jato e mostram uma colaboração não permitida entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o então juiz Sérgio Moro. A operação baseada na Mãos Limpas se mostrou suja, imunda. Mas de repente, o escândalo que mostra que a operação contra a corrupção também corrompeu o sistema virou um debate sobre práticas jornalísticas. Tá bom, vamos embarcar nessa então.
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Nunca fui fã de câmeras escondidas. Em debates com amigos jornalistas, porém, alguns colegas argumentaram que certas coisas jamais seriam descobertas de outra forma. Quantos políticos corruptos já foram desmascarados assim, afinal de contas. Eu discordei de alguns exemplos, concordei com outros e cheguei à conclusão de que é um recurso necessário, mesmo que de exceção. Ou seja, não pode ser a regra, mas precisa existir para os casos extremos, na minha opinião.
Mas a questão é que as câmeras escondidas nunca incomodaram o público, de maneira geral. Pelo contrário, as pessoas parecem gostar de ver um figurão caindo porque alguém gravou algo à espreita. Aquela imagem de qualidade não muito boa com um deputado contando maços de dinheiro dá aquela sensação inigualável de flagrante a quem assiste. Provoca uma reação natural e emocional de justiça. É visceral. Tira da garganta aquele “Toma!”
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Qual não foi minha surpresa, então, ao ver tantas pessoas – jornalistas ou não – questionando a retidão ética do The Intercept Brasil ao publicar conversas privadas que escancaram as relações da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro
Segundo os editores, as reportagens foram produzidas a partir de arquivos, enviados por uma fonte anônima, que continham mensagens privadas, gravações em áudio, vídeo, fotos, documentos judiciais e outros ítens envolvendo procuradores da Lava Jato e o hoje ministro da Justiça. Os jornalistas garantem que o único papel do veículo na obtenção do material foi recebê-lo e que eles foram contatados semanas antes da notícia de invasão do celular de Sérgio Moro – o próprio ministro garantiu que não houve “captação” de conteúdo.”
Mesmo assim, inúmeras pessoas se incomodaram com a publicação que consideraram uma invasão de privacidade. Nas redes sociais, não foram poucos os perfis que ignoraram o fato de que os procuradores da Lava Jato e Moro tenham realizado parte do trabalho em segredo – e de forma antiética -, atitude que impediu, inclusive, que o público pudesse avaliar a validade das acusações de que as figuras de acusador e julgador estavam misturadas. Lembrando que, no Brasil, a coordenação entre juízes e promotores não é permitida.
Na mesma linha, Sérgio Moro se defendeu questionando a legalidade do processo. Na sequência da publicação das reportagens, publicou nota em que não nega o teor das conversas, mas sugeriu os meios ilegais pelos quais os arquivos foram obtidos. “Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo”, disse.
Sobre a indicação de fonte, o sigilo é algo garantido aos jornalistas pela Constituição Brasileira. Sobre ser uma “invasão criminosa” nos celulares, também não há evidências de que seja o caso. Inclusive, o aplicativo de mensagens Telegram divulgou nota em que se afirma não haver indícios de hacker. “É mais provável que tenha sido malware [um tipo de vírus] ou alguém que não esteja usando uma senha de verificação em duas etapas”, diz a nota. Sem contar a possibilidade de vazamento interno. Sobre entrar em contato antes da publicação, foi uma escolha que o TIB se permitiu para garantir que nenhum dispositivo legal pudesse censurar a divulgação das reportagens, como aconteceu com a revista Crusoé no início em abril deste ano. Mas a defesa de Moro colou.
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Os limites éticos do jornalismo
As primeiras críticas vieram de pessoas preocupadas com o que consideram ser um comportamento “imoral” por parte do The Intercept. Esse grupo entende que os jornalistas não deveriam utilizar dados obtidos de forma supostamente ilegal – mesmo que não tenha ficado claro. Mas chamou atenção que vários jornalistas que já utilizaram câmeras escondidas tenham endossado essa preocupação.
Se essa divulgação tivesse sido, de fato, equivocada, por que seria mais grave que o uso rotineiro de uma câmera escondida? Por que seria pior fazer imagens de alguém sem que essa pessoa saiba que está sendo gravada? Por que seria pior que gravar o áudio de uma conversa sem autorização? Eu acho que não seria.
Não consigo compreender no que essa divulgação é diferente, por exemplo, do caso Watergate, em que diversas fontes anônimas revelaram segredos da administração de Richard Nixon que provavam, entre outras coisas, abuso de poder. Entre 1972 e 1974, alguém questionou, além dos aliados de Nixon, a ética do The Washington Post por publicar reportagens a partir da indicação de fontes anônimas? Durante todo o processo que culminou com a renúncia do presidente dos Estados Unidos e ao indiciamento de dezenas de agentes públicos, os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein trabalhavam majoritariamente com fontes anônimas. A identidade da mais famosa dessas fontes, o Garganta Profunda, só foi revelada 33 anos depois, em 2005.
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No jornalismo investigativo, as fontes sigilosas, conhecidas como whistleblowers, são amplamente utilizadas para revelar ilegalidades e crimes e o caso Watergate é prova da eficiência do método
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Eu acho que debater o limite ético do jornalismo nunca é demais. Mesmo. Mas talvez estejamos fazendo esse debate no nível micro enquanto deveria ser feito no macro. Ou seja, devemos discutir os limites da investigação jornalística – se há – no que se pode chamar de sociedade da informação, em que o fluxo de dados não é unidirecional e atinge uma intensidade, velocidade e volume inéditos.
De todo modo, o limite ético da divulgação das conversas privadas de Dallagnol e Moro levou a uma segunda questão: a comparação entre o #Vazajato e o vazamento da conversas de Lula e Dilma há três anos.
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O grampo de Dilma
Em março de 2016, o então juiz Sérgio Moro retirou o sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente Lula. As conversas gravadas pela Polícia Federal incluíam um diálogo do petista com a então presidente Dilma Rousseff – que tinha foro privilegiado. Um dos diálogos todos conhecemos, é a conversa que Dilma manda “o “Bessias” junto com o papel” e Lula despede-se com o hoje infame “Tchau, querida”. À época, depois do estrago feito, Moro pediu desculpas pelo equívoco.
Estranhamente, o episódio está sendo usado como comparativo por todos os lados. Alguns veem ironia no fato de Moro questionar a legalidade de vazamentos uma vez que ele mesmo já lançou mão desse artifício. Outros, acham interessante que as pessoas que criticavam o então juiz agora se regozijem com o vazamento do TIB. O tuíte do humorista Antônio Tabet resume o sentimento:
Mas voltemos ao jornalismo. O que Tabet e outros críticos esquecem é que um jornalista e um juiz não tem a mesma função. Um juiz tem o dever de proteger um áudio que não tenha conexão com o processo. Um jornalista tem o dever de divulgar uma informação que seja relevante ao interesse público.
De novo, nunca é demais discutir a ética dos procedimentos e rotinas jornalísticas, mas não é o que se tem feito ao longo desse caso. Questionar a apuração do The Intercept Brasil tem servido somente para diminuir a gravidade de um problema que é de interesse público, que precisa ser de conhecimento do público porque traz à tona um sistema corrompido. As reportagens não mostram que Lula é inocente ou culpado, mas mostram que ele sempre esteve condenado, desde o início. Mostram que eram verdadeiros os alertas de que a Operação estava sendo instrumentalizada para servir a uma força política.
E esse tipo de reportagem precisa ser exaltado, não perseguido. Porque é por esse tipo de história que a liberdade de imprensa é fundamental em uma democracia e é por esse tipo de matéria que ela precisa ser preservada, para que as pessoas possam saber o que as autoridades dizem e fazem quando ninguém está olhando.
Para se ter uma ideia, um “influencer” que não merece menção porque eu não sou escadinha disse que o The Intercept Brasil tem que ser fechado, os “responsáveis” presos e Glen Greenwald tem que ter seu visto brasileiro cassado. O conteúdo foi retuitado por deputados federais do PSL e outros partidos da aliança que sustenta o governo federal. Sem contar as hashtags pedindo para que Greenwald – que já ganhou o Prêmio Pulitzer, considerado o mais importante do jornalismo – seja deportado e as histórias falsas que afirmam que ele e o marido são acusados de espionagem no Reino Unido e, por isso, ele teria encomendado que os hackers invadissem os celulares dos procuradores. Chega de passar pano.
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Ofereço um tuíte do próprio procurador Deltan Dallagnol, de 20 de março de 2016. “Para Dotti [jurista René Dotti que, na ocasião, estava defendendo Sérgio Moro] no conflito entre direito à informação sobre crime grave e direito à privacidade, ganha interesse público.”
Dizer que a Lava-Jato foi ferida de morte seria uma grande besteira, é claro. Mas não há exagero em apontar que a operação, personificada em suas figuras definidoras, está definitivamente desmoralizada a partir da série de reportagens divulgadas pelo The Intercept Brasil no último domingo. A broderagem explícita, escandalosa e ilegal entre Moro e a operação, em especial o procurador Deltan Dallagnol, estava há tempos visível, mas ainda existia em um terreno, digamos, não material. Agora, com a revelação de conversas indecentes e dos acordos absurdos que qualquer um pode ler, está escancarada de forma acachapante, impossível de ignorar.
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Os justiceiros estão nus, e sua nudez é tamanha que ignorá-la deixou de ser um acordo coletivo para virar profissão de fé. A Operação Mãos Limpas Made in Brasil revela suas mãos encardidas, imundas. A casa caiu, em suma
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Estivesse o Brasil em condições normais de temperatura e pressão, o ministro Sergio Moro renunciaria ao cargo ainda hoje
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Sabemos, no entanto, que o Brasil está muito longe das CNTP dos tempos de escola. As reações de Moro e Dallagnol até aqui, fazendo pouco ou nenhum caso das graves revelações, demonstram uma aposta na força do capital político e social adquirido: isso é algo menor, não nos tira do rumo, olhem tudo que já fizemos pela nação, seguiremos atuando de forma incansável para combater a chama corrupta que consome o país. Difícil imaginar que as multidões que organizaram “Acampamentos Sérgio Moro” e usaram camisetas com o rosto do ídolo vão simplesmente abandoná-lo a essa altura – afinal, como bem sabemos, a idolatria não deixa de ser uma forma de teimosia.
Apostar em uma rápida desidratação que forçasse Moro a juntar os cacos de dignidade e pedir a renúncia seria apostar em um Brasil onde a razão, o respeito às instituições e o bom senso fossem levados em conta. Talvez esse Brasil exista em algum best seller de livraria de aeroporto, porque no mundo real não há nem sinal dele.
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Ainda assim, o golpe é duríssimo. O capital moral de Moro e da Lava-Jato sangra em praça pública, com consequências imensas e potencialmente imprevisíveis
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O STF, apenas para citar o aspecto mais óbvio, tem em mãos material mais do que suficiente para botar abaixo boa parte da Lava-Jato – o que, por óbvio, implica sim em tornar nulos os casos contra Lula e soltá-lo o mais rapidamente possível. Se isso de fato ocorrerá, veremos nos próximos capítulos.
Verdade que nada do que vem sendo exposto significa que não tivemos desvios criminosos na Petrobrás e que agentes públicos não tiveram envolvimento na bandalheira. Nada inocenta Lula ou qualquer outra pessoa das acusações imputadas. Mas não se pode, em um Estado que se pretende de Direito, manter alguém preso apenas porque se deseja que ele fique atrás das grades, muito menos tolerar que o julgador atue como acusador. Se o absurdo uso de escutas de advogados para montar o caso contra o ex-presidente já seria suficiente para abalar decisivamente a condenação (e é), os fatos agora revelados deixam tudo ainda mais inescapável.
Se houve tabelinha entre juiz e força-tarefa para prender Lula (e quem duvidará que houve, depois de tudo que se revelou desde ontem?), o caso revela-se nulo, sua condenação nada vale e ele é um homem livre. Agir de forma diferente é confirmar que a Constituição virou papel para acender lareira, que estamos no reino do arbítrio e nada vale senão a vontade de quem tem poder. Se o material publicado pelo The Intercept Brasil foi obtido pelo hacker de forma ilegal, ainda assim ele serve para declarar nulidade de processos – o que, aliás, diz o próprio ministro Alexandre de Moraes, em livro elogiado por sua doutrina.
É um jogo de muitos riscos – e soltar Lula, é claro, também envolve riscos tremendos para muitas pessoas. Mas a disputa de poder entre Lava-Jato e Supremo não é de agora, e fica difícil visualizar os ministros perdendo a chance de aplicar em seus inimigos um golpe potencialmente mortal. Isso para não falarmos no quanto o sonho de Moro em tornar-se ministro do STF fica distante depois do escândalo em torno de seus procedimentos.
Além disso, temos as ruas. A revelação das conversas nada institucionais de Moro surge dias antes de uma greve geral, convocada para o dia 14 – um ato que, desde o início, amplia a pauta dos cortes em universidades em um discurso potencialmente mais amplo, mais aberto ao combate à reforma da previdência, por exemplo. Não é nada difícil imaginar que os setores que pedem Lula Livre estão inflamados, e engrossarão ainda mais essas manifestações daqui para frente.
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Quem viveu 2013 sabe que os protestos se transformaram em fenômeno viral justamente quando se tornaram permeáveis a outros gritos, indo (de forma não raro histriônica e caótica) muito além da pauta original do transporte público. Em uma semana que se promete horrorosa para o governo, os movimentos de oposição ao governo Bolsonaro ganham uma boa chance de saírem das cordas de vez
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Não se trata, aqui, de tentar prever uma onda de arrependidos abandonando Moro e Bolsonaro rumo à oposição. É um cenário meio fantasioso, na verdade, e que no fundo pouco interessa. O que surge, a partir das conversinhas de Moro e da inserção delas em um cenário já incerto e conturbado, é a possibilidade de um movimento agregador de insatisfações, até aqui, pulverizadas. Impossível dizer se acontecerá, mas os fatores estão presentes. E, caso ocorra uma escalada da crise, somada a um fortalecimento de seus antagonistas, Lava-Jato e governo Bolsonaro estarão colocados, juntos, no olho do furacão. Tudo por força de Sergio Moro, o elo que liga essas duas pontas em risco.
No julgamento de Lula, temos um vencedor: o próprio Lula
Igor Natusch
24 de janeiro de 2018
Escrevo na noite anterior ao julgamento em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizado no TRF-4, em Porto Alegre. Não sei, portanto, qual foi a decisão dos três desembargadores – embora, neste momento, pouca ou nenhuma dúvida haja de que Lula será condenado. É o cenário, e muito dificilmente cenários urdidos durante tanto tempo se desfazem assim, em questão de poucas horas.
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Mesmo assim há algo que, penso eu, pode ser dito com bastante segurança, sem muito medo de errar: em sua estratégia, Lula venceu
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Mesmo que seja efetivamente declarado culpado. Mesmo que fique de fato inelegível, não podendo concorrer (e muito possivelmente vencer) em outubro deste ano. Mesmo que acabe atrás das grades, símbolo final de um discurso que atribui ao governo petista nível nunca antes vistos de corrupção e crime organizado. Ou, quem sabe, seja justamente a partir desses elementos que a vitória do discurso de Lula, já garantida, se tornará ainda mais definitiva
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, e até antes disso, tudo tem se tratado de um confronto entre narrativas. A que retrata a ex-presidente Dilma como uma injustiçada, pessoa íntegra condenada por criminosos sem ter cometido crime algum, teve considerável sucesso – mas nem se compara ao enredo em torno de Lula, herói dos pobres brasileiros, caçado pelos poderosos e corruptos de sempre e que agora armam para neutralizá-lo, enquanto se atropelam para destruir o legado que o bom homem deixou. Defendê-lo, injustiçado que é, torna-se algo além de sua própria figura, embora sem nunca apagá-la: agora, trata-se de defender a própria democracia brasileira, assaltada por gananciosos e perversos em um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo.
Foi uma construção insistente, desgastante até em certos momentos, erguida a partir de uma disposição inabalável e do poder inegável de uma oratória singular. Pouco importa nosso grau de adesão a essa narrativa: o fato é que ela foi bem-sucedida. Colou. E muito.
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Não são poucos os que verão justiça, total ou parcial, na condenação pelo TRF-4. Mas é quase inescapável a sensação coletiva de que Lula não teve um julgamento justo, de que no mínimo gente muito pior conspirou contra ele e continua aí, livre e sem medo de punição
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Uma pessoa que se crê presa injustamente, mesmo atrás das grades, não se vê manchada pelo veredito. Ao contrário: no olhar de fora, são os algozes que ficam marcados pela injustiça cometida
Todos sabem disso, inclusive – e talvez especialmente – seus oponentes políticos. Se temos visto diferentes adversários de Lula – de Michel Temer a João Dória, passando por Fernando Henrique Cardoso – dizendo que seria melhor Lula passar pelo dito julgamento das urnas, sem perder seus direitos políticos, certamente não é por caridade, muito menos por convicção. Na verdade, esse cálculo não faz muito esforço para esconder seu principal subtexto: ninguém quer pagar a conta de ser associado a um eventual impedimento do ex-presidente.
Tendo iniciado de fato sua campanha há mais de seis meses, liderando com folga em todos as pesquisas, o barbudo conseguiu transformar em problema não só a sua candidatura, mas também (e talvez mais ainda) as consequências de acabar com dela. Sem ele, ninguém sabe exatamente para onde esses votos possam ir – mas certamente não irão para quem é visto pelos seus eleitores como responsável por essa interdição. A bravata de que Lula pode ser derrotado no voto, mais que aposta, torna-se forma de negar que haja motivos para impedi-lo de candidatar-se.
O que temos, então, é uma ala contrária prestes a obter uma grande vitória, mas que se recusa a erguer a taça de seu triunfo. Enquanto o suposto derrotado discursa para mais de 50 mil pessoas às vésperas de sua suposta ruína, os guerreiros de verde e amarelo que inundaram as ruas contra Dilma agora contam-se nos dedos da mão. Alguém acha mesmo que, uma vez declarado culpado, Lula cairá imediatamente em vergonha pública, que cuspirão nele nas ruas, que todos o verão como corrupto e malfeitor?
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É claro que não.
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Se escapar da sentença, vira milagreiro e avança de forma quase irresistível para o triunfo nas urnas. Se for condenado, vira mártir, sem perder quase nada da imagem pública que agora ostenta. Mesmo perdendo, não sai derrotado. E a prisão do ex-presidente, que o lado oposto tentava vender como golpe final no maior esquema de corrupção que o País já viu, não ostenta mais boa parte de seu apelo inicial – esvaziando, nesse processo, a própria narrativa que a sustenta
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Essa vitória é poderosíssima, e frisá-la nunca será demais. Lula, uma vez mais, reafirma-se como gênio das massas e uma das figuras mais importantes da história política do Brasil – desta vez, em um cenário hostil como poucas vezes alguém terá enfrentado, seja aqui ou em qualquer outro lugar. Não é preciso gostar dele (ou desejá-lo presidente no ano que vem) para reconhecê-lo.
O julgamento de Lula não vai acabar bem – e é isso que muita gente quer
Igor Natusch
4 de janeiro de 2018
O clima em torno do julgamento em segunda instância de Lula, que acontece no fim de janeiro em Porto Alegre, é tenso meio que de nascença. Que teremos enormes protestos e ruidosos antagonismos, isso até as formigas que andam no meio-fio em frente ao TRF-4 sabem. Mas é fácil constatar que nossas autoridades não trabalham no sentido de passar tranquilidade e mediar eventuais conflitos, mas sim de tensionar ainda mais a situação, criando algo próximo de uma preparação para a guerra civil.
Há um elemento específico no inesperado pedido de Marchezan, que se revela em suas próprias palavras, quando diz que assim procede devido às “manifestações de líderes políticos, que convocam uma invasão de Porto Alegre“. Lembrando que, quando das marchas em favor do impeachment de Dilma Rousseff, o próprio Marchezan participou abertamente, inclusive subindo ao carro de som para falar à massa. Como vem fazendo com frequência em seu governo, Marchezan fala a um público particular, que odeia e teme tudo que entende como petralha e/ou esquerdista, e faz uso de seu apoio imediato como um elemento de legitimação. Mas é possível ir além.
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Não é apenas Marchezan que deseja a cidade hostil a manifestações neste momento, não é só ele que age para impedir completamente o que seria um grande grito coletivo dos que se reúnem em torno de Lula
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São reações a algo mais concreto do que o medo de conflitos: há, como subtexto dessas iniciativas todas, uma vontade de deslegitimar a manifestação de um dos lados e, ao mesmo tempo, abrir a brecha para descer o sarrafo, caso ela ocorra. Incluindo aí a imprensa, que tem como dever profissional fazer a cobertura de tudo que acontecer dentro e fora do tribunal.
O clima para julgar Lula não tinha como ser agradável, é claro. Mas vivemos uma certeza de conflito, uma garantia de repressão brutal a qualquer manifestação favorável ao réu, que está longe de ser inevitável. Assim será porque a preocupação não é democrática, mas sim com a supremacia de uma teoria e a prevalência de uma ideia.
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O gesto desastrado de Marchezan (mais um de uma longa lista, vamos combinar) é mais um sintoma de como a prefeitura de Porto Alegre está mergulhada em uma disputa ideológica que a ela deveria dizer pouco respeito, mas martelar demais em cima disso me parece, para usar o termo técnico, chutar cachorro morto
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Ele acaba sendo, seja por oportunismo ou falta de traquejo político, mais um sintoma de algo maior e, sinceramente, bem mais grave
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A beligerância e a intolerância são estratégias. Protestos pacíficos, como sabemos, só se agradam aos poderes estabelecidos e/ou as conveniências de momento. Assim era no próprio governo de Dilma Rousseff, que editou a esdrúxula lei antiterrorismo e reprimiu com gosto as manifestações durante a Copa do Mundo, para citar só um exemplo. No momento, os partidários de Dilma estão do lado que se prefere que fique quieto, mas o que deve ser protegido aqui não é a posição que defende Lula como um injustiçado, mas sim os alicerces mais básicos da livre manifestação. Não se justifica jogar tudo para o alto em nome de um alegado clima de guerra insuflado pelos mesmos setores que tratarão depois de, supostamente, debelá-lo. A democracia, amigas e amigos, vai muito mal no Brasil, e fica cada vez mais claro quem, no fundo, nunca deu a ela tanto valor assim.
Foto: Guilherme Santos/Sul21. A realização de imagens como esta foi a “atitude suspeita” que levou à abordagem, de arma em punho, por integrantes da Brigada Militar, no começo desta semana