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Bendita Sois Vós #56  Elon Musk, a graça do presidente e o ministro pistoleiro

Geórgia Santos
27 de abril de 2022

Nesta semana, falamos de Elon Musk comprando o Twitter, a graça do presidente a Silveira e o absurdo do ministro pistoleiro.

O bilionário Elon Musk anunciou a compra do Twitter por mais de $43 bilhões. Ele que se diz um “absolutista da liberdade de expressão”, anunciou o fim dos bots e a verificação para todos os seres humanos. Mas o que essa compra representa. Tudo leva a crer que contas bloqueadas por Fake News, por exemplo, voltem à ativa.

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Por falar em contas que divulgam Fake News, o presidente da República deu mais um passo na direção da dissolução do que sobrou da nossa democracia

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O presidente Jair Bolsonaro anunciou na última quinta, dia 21, o perdão da pena ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado na véspera a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro concedeu o benefício da graça.

E como se não bastasse – essa frase tá comum por aqui, ultimamente – o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, disparou, acidentalmente, uma arma de fogo dentro do Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília. Ele estava no balcão da companhia aérea Latam, mas quem foi atingida por estilhaços, embora sem gravidade, foi uma funcionária da Gol.

A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

 

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PodCasts

Todo Dia Oito #5 Menininha, a primeira mãe-de-santo pop

Geórgia Santos
8 de julho de 2021
Todo dia Oito. Todo dia oito, uma história. Todo dia oito, uma mulher
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No quinto episódio do podcast, Menininha, a primeira mãe-de-santo pop. O título não é de nossa autoria. Quem disse que Mãe Menininha do Gantois foi a primeira mãe-de-santo pop foi Gilberto Gil. Mas, apesar de ser verdade – afinal, tinha mais de 700 filhos-de-santo, entre eles o próprio Gil, Caetano, Bethânia e Vinícius de Moraes – ela era muito mais que isso. Amada em todo o Brasil, Mãe Menininha é lembrada por advogar pela tolerância e liberdade religiosas.

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QUEM FAZ

Produção: Vós; Pesquisa: Flávia Cunha e Geórgia Santos; Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha; Direção Artística: Raquel Grabauska; Apresentação e edição: Geórgia Santos; Vocais: Cláudia Braga, Stefania Johnson e Geórgia Santos; Locução: Andrea Almeida e Cléber Grabauska; Trilha sonora original: Gustavo Finkler. O depoimento de mãe menininha e os tambores ouvidos ao longo do episódio foram extraídos do LP Mãe Menininha do Gantois. Disco gravado ao vivo no Gantois, em Salvador, na Bahia. Ainda ouvimos Vinícius e Toquinho com Tatamirô e Caetano, Bethania e Dona Canô com Oração de Mae Menininha, de autoria de Dorrival Caymmi

PodCasts

BSV Especial Coronavírus #22 Flordelis, porrada na boca e Fahrenheit 451 à la Paulo Guedes

Geórgia Santos
28 de agosto de 2020

Apesar de a pandemia continuar e o número de mortes aumentar de forma constante, o presidente Jair Bolsonaro precisa dar explicações sobre os cheques que a primeira-dama recebeu de Fabricio Queiroz. Um repórter do jornal O Globo perguntou porque Michele Bolsonaro recebeu 89 mil do ex-assessor da família, mas o presidente não só não respondeu como não gostou. Disse que a vontade era encher a boca do jornalista de porrada.

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Então, nos nos unimos ao coro que se formou nas redes sociais – e fora dela – e perguntamos: Presidente Jair Bolsonaro, porque a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabricio Queiroz?
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Essa reação de Bolsonaro é o retrato da ignorância. Bolsonaro é o retrato da IGNORÂNCIA. E agora, como se não bastasse tudo o que ele faz, fica claro que ele quer que todos sejamos ignorantes. Afinal, a proposta de reforma tributária do governo federal prevê cobrança de contribuição para o setor de livros. Calcula-se uma alíquota de 12% para novo imposto.

Com a taxação, os livros ficarão cada vez menos acessíveis. Uma espécie de Fahrenheit 451 à la Paulo Guedes, que diz que só a elite consome livros no Brasil. Para falar sobre o tema, a entrevistada desta semana é Rita Lenira Bittencourt, doutora em literatura e professora de letras da UFRGS.

O episódio ainda fala sobre o caso escabroso que envolve a deputada Flordelis, suspeita de ser a mandante do assassinato do Pastor Anderson, que fora seu filho adotivo, depois genro e, por fim, marido. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox e outros agregadores.

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Reportagens Especiais

Eugênio Bucci: “A imprensa serve para duvidar do poder”

Geórgia Santos
19 de novembro de 2018

No episódio 9 do podcast Bendita Sois Vós, a liberdade de imprensa esteve no centro do debate.  Somos livres? Qual a  função do jornalismo na sociedade – e em uma democracia? Para contribuir com a reflexão, a jornalista Evelin Argenta conversou com o professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) sobre o jornalismo pós-Bolsonaro.

A pergunta é ampla, mas importante para começar. Essas eleições foram marcadas por uma proliferação de fake news e o uso político disso. Tivemos grandes empresas de comunicação que formaram comitês de checagem, mas parecia que estávamos enxugando gelo. Jornalistas atacados, ameaçados, perseguidos, apurações contestadas. Como o jornalismo sai dessa eleição?

Eugênio Bucci – Eu acredito que sai um pouco machucado em função das intimidações, agressões, tivemos vários episódios de intolerância, de desgaste produzido pelas redes sociais, descrédito de jornalistas construído artificialmente e em campanhas quase industriais. Todo tipo de ameaça, de desqualificação, isso tudo é muito ruim e sem dúvida nenhuma machuca a instituição. E eu não estou juntando aí algo que precisamos levar em conta, que é o nível de agressão física contra jornalistas. Nós temos assassinatos de jornalistas no Brasil, que infelizmente dá destaque ao país nesse sentido.

Ao mesmo tempo, a gente sai dessa eleição com uma experiencia acumulada que é muito importante. Eu não sei se o trabalho das instituições e grupos que checaram os boatos para separar o que é falso do que é verdadeiro foi apenas um trabalho de enxugar gelo. Eu tenho a impressão de que, em grande medida, isso foi importante, nós temos que pensar como teria sido se não houvesse esforço das redações e dos jornalistas profissionais para desconstruir essas falsidades e fraudes produzidas industrialmente que tinham como objetivo confundir o eleitor e tirar proveito disso. Eu diria que a gente sai machucado, mas com um aprendizado.

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Em uma pesquisa recente da Universidade de Oxford, na área de pesquisas da internet, apareceu um conceito que é o “junk news” – junk de lixo – que á junção de fake news, que são as noticias fraudulentas e as mentiras que tem aparência jornalística, com o discurso de ódio e a teoria da conspiração. Então isso virou um bolo que fez o maior estrago infelizmente nessa campanha eleitoral no Brasil.

Eugênio Bucci

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A gente não faz jornalismo para agradar ninguém, se estamos agradando, tem alguma coisa errada. Mas a impressão é que as pessoas começaram a ver o jornalista como oposição, como se houvesse uma espécie de partidarização do jornalista. O senhor concorda que saímos como oposição?

Eugênio Bucci – Eu não tenho essa impressão, a gente teria que ver depois em análises mais precisas e pesquisas, mas o jornalismo é fonte de contestação, especialmente em relação ao poder. Nós temos que nos acostumar como um dado da rotina. A imprensa serve para duvidar do poder, para contestar os discursos do poder, para pedir demonstrações e provas sobre aquilo que o poder afirma. Então a impressão de que o jornalismo é uma oposição é parcialmente verdadeira desde que não seja entendida como oposição partidária. O jornalismo é um contrapeso do poder, é um contrapeso no sentido de ser uma contestação, uma fonte que duvida, um polo de antagonização. E aí é nosso papel. Mas uma coisa que eu gostaria de pôr em destaque é que, nessas análises, talvez a gente misture o que é fake news com outros relatos igualmente fraudulentos, mas diferentes.

Temos aí no meio o discurso de ódio, que as vezes mobiliza uma informação falsa, mas outras vezes não. Ele existe simplesmente para difundir ódio, intolerância, vontade de eliminar um determinado agente político, um grupo de pessoas ou uma etnia. O outro componente que não é necessariamente fake news é o discurso ligado às teorias da conspiração, que se misturam ao discurso de ódio e um pouco às próprias fake news. É a ideia de que alguém armou uma grande estratégia para promover um determinado candidato ou para prejudicar outro. E então aparecem essas coisas como a informação de que a facada do Bolsonaro foi encenação e esse monte de baboseiras que a gente vê. Em uma pesquisa recente da Universidade de Oxford, na área de pesquisas da internet, apareceu um conceito que é o “junk news” – junk de lixo – que á junção de fake news, que são as noticias fraudulentas e as mentiras que tem aparência jornalística, com o discurso de ódio e a teoria da conspiração. Então isso virou um bolo que fez o maior estrago infelizmente nessa campanha eleitoral no Brasil.

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Ele pode usar Twitter e Redes Sociais, o problema é quando isso vem junto com uma vontade de ofender, desqualificar, insultar e dirigir infâmias em relação aos jornalistas e à imprensa.

Eugênio Bucci

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Os brasileiros elegeram um presidente que desde o começo da campanha usou muito as redes sociais a seu favor e, depois do atentado, da facada que tomou, não conseguiu fazer campanha, participar de debates e ficou mais restrito ao ambiente virtual. Tanto que o primeiro pronunciamento logo depois de eleito, antes do discurso da televisão, foi pelo Facebook. Nessas primeiras semanas de transição, anúncios são feitos pelo Facebook, nomes de ministros confirmados pelo Twitter. A gente está inaugurando um modo Trump de Comunicação? O que nos espera nos próximos quatro anos?

Eugênio Bucci – Bom, isso nós temos que perguntar para o presidente eleito e para a turma dele, mas eles tem dito que vão usar essa comunicação direta. A expressão, aliás, poderia ser tema de uma longa conversa. O que é comunicação direta? Mas isso em si não é um problema, o problema é a tentativa de desqualificar a imprensa. Isso mostra uma tendência autoritária em muitos governantes de muitos países e isso desconstrói a democracia.  E eu não estou dizendo isso por uma defesa corporativista dos jornalistas ou da imprensa ou dos jornais, eu estou dizendo isso simplesmente porque a presença da imprensa, do repórter, do jornalista, do articulista, sempre joga na arena pública uma voz discordante. E isso ajuda, é essencial para o esclarecimento da opinião pública. Sem falar da reportagem, que faz perguntas incômodas. O repórter sempre é uma figura incômoda para o poder e os governantes. O repórter trabalha com determinado método que apura os fatos, esclarece os acontecimentos e promove um nível de informação que é indispensável para o seguimento da democracia. Se a imprensa é descartada e ofendida e desqualificada, o que se estabelece é uma linha direta, sem mediação e sem crítica, sem discordância, entre o poder que tem, sem trocadilho, um poder de fogo imenso e a sociedade. Então, aquele que governa, que pratica o ato de governar, é também aquele que pratica o ato de informar, e isso desequilibra a democracia. Numa linha simplificada, isso cria um vínculo direto entre o governante e o público e atropela as mediações e, na sequencia, as instituições, a observância das garantias e direitos fundamentais, e isso pode sim distorcer a democracia

Trump vive ofendendo NYT, CNN e os jornalistas e imprensa. É um paradoxo, mas ele acusa a imprensa de produzir fake news. Nós tivemos no Brasil, infelizmente, algumas manifestações do presidente eleito Jair Bolsonaro de ofender veículos. A Folha foi o mais recente, que ele chegou a dizer que não vai passar verbas públicas para compra de espaço publicitário na Folha. Isso mostra, de um lado, um descompromisso com relação ao principio da impessoalidade, ou seja, quando o governo faz compras públicas, como compra de espaço para veiculação de mensagens oficiais, ele não pode adotar critérios pessoais, ele precisa adotar criterioso impessoais, e por isso públicos, e por isso republicanos. E por outro lado, mostra uma disposição do presidente eleito de perseguir um determinado veículo jornalístico. Isso é muito ruim pra democracia. É, de fato, o que corrompe a ordem pública. Ele pode usar Twitter e Redes Sociais, o problema é quando isso vem junto com uma vontade de ofender, desqualificar, insultar e dirigir infâmias em relação aos jornalistas e à imprensa. Levando a população a desacreditar no trabalho da imprensa, e isso é muito ruim e nos deve deixar atentos.

Foto: Aberje

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #9 O jornalismo é livre?

Geórgia Santos
16 de novembro de 2018

Nesta semana, o Bendita Sois Vós discute a liberdade de imprensa e a função do jornalismo na sociedade – e em uma democracia. Além da jornalista Geórgia Santos, participam o jornalista e professor Tércio Saccol e os jornalistas Igor Natusch e Marcelo Nepomuceno.

Evelin Argenta entrevista e professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicação e Artes da USP, sobre o jornalismo pós-Bolsonaro.

No Sobre Nós, dirigido por Raquel Grabauska, trazemos o mito da imparcialidade para o centro do debate nas palavras George Orwell, em Homenagem à Catalunha. 

O episódio também está disponível em Itunes e Spotify e Castbox.

Geórgia Santos

Facebook entre censura e responsabilidade

Geórgia Santos
26 de julho de 2018

O Facebook removeu de sua plataforma 283 contas brasileiras que, segundo comunicado oficial, violaram as políticas da empresa. As 196 páginas e 87 perfis eram vinculados à direita e, na maioria dos casos, ao Movimento Brasil Livre (MBL). Não foi por esse motivo, no entanto, que foram desativadas. Em nota divulgada ontem, a rede social garante que, após rigorosa investigação, detectou o uso de contas falsas com o propósito de espalhar desinformação.

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Essas Páginas e Perfis faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação.

(Garantindo um ambiente autêntico e seguro, por Nathaniel Gleicher, líder de Cibersegurança)

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No comunicado, o líder de Cibersergurança da empresa, Nathaniel Gleicher, afirma que o trabalho de retirar essas contas do ar faz parte de uma ação permanente de agir contra pessoas “mal intencionadas” que violam as Políticas de Autenticidade e Padrões da Comunidade do Facebook.

Algumas das páginas e perfis desativados são conhecidos do grande público pelo hábito de difundir informação falsa e/ou manipular essas informações. Em outras palavras, são contas conhecidas por divulgar fake news como Jornalivre, Diário Nacional e Movimento Brasil 200.

Não é segredo que há uma rede organizada com o propósito de difundir a desinformação, mas os números surpreenderam inclusive quem estuda o tema.  O Monitor do Debate Político no Meio Digital, criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), acompanha páginas de direita e esquerda desde 2016 com o objetivo de identificar a difusão de fake news. Nesses dois anos, o grupo mapeou 20 páginas que produziam, em média, 126 postagens por dia e somavam 150 milhões de interações somente no ano passado.

Em comunicado no Facebook, o grupo explica que essa desproporção sugere que o Facebook identificou a criação de uma rede de páginas que, provavelmente, seria usada durante a eleição. 

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Das que já estavam em atividade e eram relevantes, caíram a página do Jornalivre e do Diário Nacional. Como o Facebook não retira páginas que divulgam notícias falsas, mas apenas páginas administradas por perfis falsos, é provável que todas as páginas tinham sido criadas com contas falsas. Um dos perfis que supostamente administrava a página do Jornalivre também caiu, o que sugere que era falsa.

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Ficou bastante claro que o Facebook está “se vacinando” para evitar que aconteça no Brasil o que houve nos Estados Unidos. Afinal, a criação de uma rede virtual – mas bem real – para espalhar notícias falsas foi uma das estratégias utilizadas pela Alt-Right durante a campanha de Donald Trump. No Brasil, a rede de fake news já está bem articulada e financiada. E o Facebook já se prepara para combater isso. Nesta semana, no texto “Protegendo as Eleições no Brasil”, a empresa afirma  estar comprometida “em conter a disseminação de conteúdo de baixa qualidade e garantir que as pessoas saibam identificar fontes de notícias confiáveis.”

Uma pena que tenha demorado tanto a agir, já que há muito anos o Facebook se manteve omisso com relação a conteúdos falsos e, inclusive, ofensivos. Sempre  sob a justificativa de ser contrário à censura – o que é algo bastante diferente apesar do que o MBL diz.

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A resposta do MBL . mais informações falsas

O empresário Flávio Rocha, que financiava o Movimento Brasil 200 e, até poucos dias atrás era candidato à presidência da República pelo PRB, afirmou no Twitter que a ação do Facebook era “uma violência” e que  “nem no tempo da ditadura se verificava tamanho absurdo.” Já o MBL divulgou comunicado reconhecendo que várias das contas desativadas eram ligadas ao movimento e prometeu “tomar providências.” O texto diz ainda que o MBL e outras páginas vinculadas a direita estão sofrendo “censura” e “perseguição ideológica”.

O mais interessante da história é que o MBL reage com mais desinformação e distorção. Em um post no Facebook, por exemplo, o grupo diz o seguinte: “Facebook admite que exclusão de perfis não tem nada a ver com “fake news” E agora imprensa? Vão pedir desculpas pelo “erro”?” Isso é de uma desonestidade intelectual sem fim. O motivo de a rede social ter desativado as páginas diz respeito à violação das políticas da empresa, mas isso não exclui o fato de essas mesmas páginas divulgarem informações falsas. Tanto que a justificativa da empresa, por escrito, é o “propósito de espalhar desinformação.” Até porque, se o critério fosse a veracidade das informações, a página do MBL não resistiria à devassa.

A situação é tão absurda que, logo após o Facebook remover as páginas e perfis de sua plataforma, o MBL postou o seguinte:

O valor das ações da empresa realmente teve queda na Bolsa de Nova York, mas em função do balanço da empresa divulgado também na quarta-feira, que mostra que o Facebook não atingiu as projeções dos analistas e frustrou investidores. 

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Entre censura e responsabilidade

Após tantas reclamações de censura por parte do Facebook, recorri a um livro que considero fundamental no debate sobre liberdade de expressão: Free Speech – Ten Principles for a Connected World, de Timothy Garton Ash (Liberdade de Expressão – Dez princípios para um mundo conectado, em tradução livre). A obra de quase 400 páginas é um tratado sobre a liberdade de se expressar em um mundo conectado.

Primeiro, o que aconteceu com essas 283 páginas e perfis não é censura. Não que a censura seja exclusividade de governos, ela pode acontecer em instituições privadas. Mas neste caso, há um contrato em jogo. Quando se cria um conta no Facebook, “assinamos” um contrato em que concordamos com as políticas da empresa. Assinalar aquele quadradinho que quase sempre passa batido é dar poder a empresa para tomar esse tipo de decisão. Da mesma forma que não podemos publicar a gravura de uma mulher nua, ou fotos em que os mamilos apareçam.

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Ou seja, essas páginas violaram o contrato e, por isso, foram desativadas

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Mas não significa que o debate sobre censura e responsabilidade não seja importante. Eu, particularmente, acredito que as “grandes potências privadas”, como diz Garton Ash, devem, sim, assumir responsabilidades públicas e com o público. Não podem ser omissas diante da desinformação. E na lista incluo Google, Twitter, Amazon, Apple e, é claro, o Facebook. Essas empresas são, de certa forma, donas de espaços públicos. E fazem mais do que simplesmente oferecer a plataforma para debate. Elas determinam como se debate, com quem e sobre o que. 

Mas qual o limite entre a responsabilidade e a censura? Como se assume essa responsabilidade sem  impor, a exemplo de regimes totalitários, o que é ou não verdade? Como fazer isso? Se o Facebook desativar páginas com base no critério das fakes news, é uma boa notícia? Não sei. Não tenho respostas pra isso, apenas mais perguntas.

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“So the good sword of truth will only be kept sharp if it is constantly tried against the axes and bludgeons of falsehood.” 

“Assim a boa espada da verdade só será mantida afiada se for constantemente testada contra os machados e golpes da falsidade.”

(Garton Ash, 2016, p.75)

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Fiquei satisfeita com a retirada de páginas e perfis que tenham o propósito de desinformar. Espero que seja uma política perene, e não apenas preventiva, já que a eleição está virando a esquina. E também espero que renda um debate frutífero sobre como equilibrar liberdade e responsabilidade neste mundo conectado. Afinal, a liberdade de expressão é um teste constante sobre como viver em uma sociedade que é, por essência, diversa e conflituosa.

 

Geórgia Santos

Coração bobo

Geórgia Santos
2 de abril de 2018

Meu coração tá batendo como quem diz: não tem jeito. Canta Alceu Valença e canto eu. Ele canta que o coração dos aflitos pipoca dentro do peito. Canto eu que o coração dos aflitos encolhe dentro do corpo. Coração bobo. Encolhe a cada palavra de ódio, encolhe toda vez que alguém perde a razão, encolhe sempre que a empatia se apaga, encolhe quando o absurdo se torna a verdade de alguns.

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O coração dos aflitos pipoca dentro do peito

O coração dos aflitos encolhe cada vez mais

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É como se a gente não conseguisse fugir do destino de que já não há mais coração. A gente se ilude dizendo: já não há mais coração. Canta Alceu Valença e canto eu. Já não há. Não pode haver diante do absurdo que se torna a verdade de alguns. Ontem mesmo, o procurador da República Deltan Dallagnol escreveu no Twitter sobre o que ele chamou de “Dia D da luta contra a corrupção na Lava Jato.” Nada fora do comum. É prerrogativa de ofício e ele já havia se posicionado sobre o tema da prisão em segunda instância. “Uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além.” A derrota seria a concessão do habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma novidade. Inclusive concordo que o precedente é perigoso, embora considere que a prisão em segunda instância talvez seja o precedente uma vez analisado o texto da constituição. Mas ele continua: “O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país.”

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Um procurador da República discorre sobre uma questão jurídica e espera que ela se resolva não com a análise de legislação do Estado laico em que vive, mas com oração, com jejum, com torcida. O absurdo que se torna a verdade de alguns está normalizado. Já não há coração que aguente. Não pode haver.

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Pouco tempo depois, o juiz federal Marcelo Bretas respondeu: “Caro irmão em Cristo, como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei em oração, em favor do nosso país e do nosso povo.” Assim, em alguns minutos, duas autoridades transformaram uma discussão jurídica absolutamente válida em uma disputa entre o bem e o mal. Por meio da narrativa, mistura-se religião ao judiciário – para além da questão do aborto. O absurdo que se torna a verdade de alguns é reforçado. Já não há coração inteiro. Não pode haver.

O colunista da Veja, Ricardo Noblat, solta o balão de ensaio e escreve que um “ministro muito próximo do presidente Michel Temer duvida que haja eleições em outubro próximo.” Já não há coração. Não pode haver. Os amigos de Michel Temer são presos e a resposta do Planalto é que não passa de conspiração. Já não há coração. Não pode haver. Tiro, relho, racismo, hipocrisia. Já não há coração. Não pode haver.

A desesperança me toma e, como já não há mais coração, penso que talvez aquele de quem não falamos o nome deva mesmo ser o próximo presidente do Brasil. Quem sabe assim o fundo do poço não chegue mais depressa e mais depressa podemos sair de lá.

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Mas não. Esse papo de que já não há mais coração é uma ilusão

A gente se ilude

Canta Alceu Valença e canto eu

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A letra que sugere uma desilusão amorosa é uma homenagem ao Clube Náutico Capibaribe, que por anos demoliu o coração do torcedor pernambucano. Mesmo diante de derrotas, porém, os aflitos sempre voltam para casa. É assim comigo. A desesperança é só da boca pra fora, é só um desabafo de um coração cansado.

Eu continuo acreditando nas pessoas, continuo acreditando na democracia representativa, no Estado de bem-estar social, na liberdade de expressão, religião e associação, nos Direitos Humanos, na igualdade.

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Coração bobo, bobo, bobo, bobo, bola, bola, bola de balão

A gente se ilude dizendo: já não há mais coração

 

Imagem: Pixabay