O MBL bem que tentou. Mas os protestos contra Jair Bolsonaro realizados neste domingo (12) fracassaram em apoio popular. Porém, não é de hoje que o Movimento Brasil Livre parece perder força. Depois de seu auge, ao ter capitaneado o impeachment de Dilma Rousseff e dado apoio à candidatura de Bolsonaro, o MBL teve a relevância reduzida no cenário político.
Além disso, há uma evidente incoerência na atual ruptura do MBL com o presidente. As pautas ideológicas prosseguem bastante alinhadas ao bolsonarismo: defesa do armamento da população e Escola Sem Partido, por exemplo. Porém, o MBL chegou a protocolar pedido de impeachment como uma das medidas de repúdio a Bolsonaro.
Ainda que haja esse aparente afastamento, é inegável que a postura de integrantes do MBL é, sim, de extrema direita. Nomes como o do deputado Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, combatem o feminismo, as cotas raciais e atacam projetos sociais como do padre Júlio Lancelotti.
Dentro desse contexto, será mesmo viável uma terceira via democrática construída a partir de protestos organizados por grupos como o MBL? Até que ponto as presenças de Ciro Gomes (PDT), João Dória (PSDB) e Orlando Silva (PC do B), entre outros políticos de diferentes espectros, amenizam esse fato? A ausência do PT foi determinante para o fracasso dessas manifestações?
Considero que estas são perguntas que serão respondidas até a campanha eleitoral de 2022. Mas o que não podemos é esquecer a origem do MBL e acreditar que vale tudo contra Bolsonaro. Afinal, trocar a extrema-direita bolsonarista por uma extrema-direita “jovem” e neoliberal está muito longe de ser a mudança necessária para tirar o Brasil da miséria e crise atual.
Recomendação literária
O livro MBL, crise política e conflitos de classe no Brasil, de Kiane Follmann da Silva, faz um resgate interessante da História recente. Além disso, a obra traça um paralelo do MBL com a UDN, partido conservador que atuou entre 1945 e 1965 no Brasil. Assim, a autora demonstra como a “nova política” do Movimento Brasil Livre não tem nada de inovadora, ao apostar no discurso de combate à corrupção.
Em tempo
Vale lembrar que as manifestações deste domingo também foram convocadas pelo Partido Novo e o Vem pra Rua. Este movimento, inclusive, foi o responsável pelo maior desconforto para esquerdistas presentes ao ato na Avenida Paulista. Descumprindo ordens da organização, integrantes do Vem Pra Rua levaram um “pixuleco” de Lula com roupa de presidiário unido a Bolsonaro vestindo uma camisa de força, Apesar dos esforços em evitar o tom antipetista, isso parece inevitável.
O Facebook removeu de sua plataforma 283 contas brasileiras que, segundo comunicado oficial, violaram as políticas da empresa. As 196 páginas e 87 perfis eram vinculados à direita e, na maioria dos casos, ao Movimento Brasil Livre (MBL). Não foi por esse motivo, no entanto, que foram desativadas. Em nota divulgada ontem, a rede social garante que, após rigorosa investigação, detectou o uso de contas falsas com o propósito de espalhar desinformação.
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Essas Páginas e Perfis faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação.
No comunicado, o líder de Cibersergurança da empresa, Nathaniel Gleicher, afirma que o trabalho de retirar essas contas do ar faz parte de uma ação permanente de agir contra pessoas “mal intencionadas” que violam as Políticas de Autenticidade e Padrões da Comunidade do Facebook.
Algumas das páginas e perfis desativados são conhecidos do grande público pelo hábito de difundir informação falsa e/ou manipular essas informações. Em outras palavras, são contas conhecidas por divulgar fake news como Jornalivre, Diário Nacional e Movimento Brasil 200.
Não é segredo que há uma rede organizada com o propósito de difundir a desinformação, mas os números surpreenderam inclusive quem estuda o tema. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), acompanha páginas de direita e esquerda desde 2016 com o objetivo de identificar a difusão de fake news. Nesses dois anos, o grupo mapeou 20 páginas que produziam, em média, 126 postagens por dia e somavam 150 milhões de interações somente no ano passado.
Em comunicado no Facebook, o grupo explica que essa desproporção sugere que o Facebook identificou a criação de uma rede de páginas que, provavelmente, seria usada durante a eleição.
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Das que já estavam em atividade e eram relevantes, caíram a página do Jornalivre e do Diário Nacional. Como o Facebook não retira páginas que divulgam notícias falsas, mas apenas páginas administradas por perfis falsos, é provável que todas as páginas tinham sido criadas com contas falsas. Um dos perfis que supostamente administrava a página do Jornalivre também caiu, o que sugere que era falsa.
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Ficou bastante claro que o Facebook está “se vacinando” para evitar que aconteça no Brasil o que houve nos Estados Unidos. Afinal, a criação de uma rede virtual – mas bem real – para espalhar notícias falsas foi uma das estratégias utilizadas pela Alt-Right durante a campanha de Donald Trump. No Brasil, a rede de fake news já está bem articulada e financiada. E o Facebook já se prepara para combater isso. Nesta semana, no texto “Protegendo as Eleições no Brasil”, a empresa afirma estar comprometida “em conter a disseminação de conteúdo de baixa qualidade e garantir que as pessoas saibam identificar fontes de notícias confiáveis.”
Uma pena que tenha demorado tanto a agir, já que há muito anos o Facebook se manteve omisso com relação a conteúdos falsos e, inclusive, ofensivos. Sempre sob a justificativa de ser contrário à censura – o que é algo bastante diferente apesar do que o MBL diz.
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A resposta do MBL . mais informações falsas
O empresário Flávio Rocha, que financiava o Movimento Brasil 200 e, até poucos dias atrás era candidato à presidência da República pelo PRB, afirmou no Twitter que a ação do Facebook era “uma violência” e que “nem no tempo da ditadura se verificava tamanho absurdo.” Já o MBL divulgou comunicado reconhecendo que várias das contas desativadas eram ligadas ao movimento e prometeu “tomar providências.” O texto diz ainda que o MBL e outras páginas vinculadas a direita estão sofrendo “censura” e “perseguição ideológica”.
O mais interessante da história é que o MBL reage com mais desinformação e distorção. Em um post no Facebook, por exemplo, o grupo diz o seguinte: “Facebook admite que exclusão de perfis não tem nada a ver com “fake news” E agora imprensa? Vão pedir desculpas pelo “erro”?” Isso é de uma desonestidade intelectual sem fim. O motivo de a rede social ter desativado as páginas diz respeito à violação das políticas da empresa, mas isso não exclui o fato de essas mesmas páginas divulgarem informações falsas. Tanto que a justificativa da empresa, por escrito, é o “propósito de espalhar desinformação.” Até porque, se o critério fosse a veracidade das informações, a página do MBL não resistiria à devassa.
A situação é tão absurda que, logo após o Facebook remover as páginas e perfis de sua plataforma, o MBL postou o seguinte:
Após tantas reclamações de censura por parte do Facebook, recorri a um livro que considero fundamental no debate sobre liberdade de expressão: Free Speech – Ten Principles for a Connected World, de Timothy Garton Ash (Liberdade de Expressão – Dez princípios para um mundo conectado, em tradução livre). A obra de quase 400 páginas é um tratado sobre a liberdade de se expressar em um mundo conectado.
Primeiro, o que aconteceu com essas 283 páginas e perfis não é censura. Não que a censura seja exclusividade de governos, ela pode acontecer em instituições privadas. Mas neste caso, há um contrato em jogo. Quando se cria um conta no Facebook, “assinamos” um contrato em que concordamos com as políticas da empresa. Assinalar aquele quadradinho que quase sempre passa batido é dar poder a empresa para tomar esse tipo de decisão. Da mesma forma que não podemos publicar a gravura de uma mulher nua, ou fotos em que os mamilos apareçam.
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Ou seja, essas páginas violaram o contrato e, por isso, foram desativadas
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Mas não significa que o debate sobre censura e responsabilidade não seja importante. Eu, particularmente, acredito que as “grandes potências privadas”, como diz Garton Ash, devem, sim, assumir responsabilidades públicas e com o público. Não podem ser omissas diante da desinformação. E na lista incluo Google, Twitter, Amazon, Apple e, é claro, o Facebook. Essas empresas são, de certa forma, donas de espaços públicos. E fazem mais do que simplesmente oferecer a plataforma para debate. Elas determinam como se debate, com quem e sobre o que.
Mas qual o limite entre a responsabilidade e a censura? Como se assume essa responsabilidade sem impor, a exemplo de regimes totalitários, o que é ou não verdade? Como fazer isso? Se o Facebook desativar páginas com base no critério das fakes news, é uma boa notícia? Não sei. Não tenho respostas pra isso, apenas mais perguntas.
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“So the good sword of truth will only be kept sharp if it is constantly tried against the axes and bludgeons of falsehood.”
“Assim a boa espada da verdade só será mantida afiada se for constantemente testada contra os machados e golpes da falsidade.”
(Garton Ash, 2016, p.75)
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Fiquei satisfeita com a retirada de páginas e perfis que tenham o propósito de desinformar. Espero que seja uma política perene, e não apenas preventiva, já que a eleição está virando a esquina. E também espero que renda um debate frutífero sobre como equilibrar liberdade e responsabilidade neste mundo conectado. Afinal, a liberdade de expressão é um teste constante sobre como viver em uma sociedade que é, por essência, diversa e conflituosa.
Sem Lula, Ciro Gomes é o alvo – e a artilharia só começou
Igor Natusch
12 de abril de 2018
Se havia dúvida sobre quem se destacaria no campo da centro-esquerda após a saída de Lula da lista de pré-candidatos, as ações de MBL e seus apêndices no começo desta semana deixaram pouca ou nenhuma margem para dúvida. Ciro Gomes (PDT) e sua equipe podem ir se preparando, pois é com ele que os setores mais à direita – incluindo, é claro, o submundo das redes sociais – devem se entreter nos próximos meses.
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O cálculo é simples. Se o seu candidato não vai poder contar com nenhum dos votos que seriam organicamente de Lula (e quanto mais à direita, mais improvável essa herança se torna), o ideal é que esses eleitores sejam pulverizados ao máximo, diminuindo o impacto geral de suas escolhas e aumentando as suas chances de chegar ao segundo turno com os votos que já estão ao alcance.
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Ciro Gomes é o candidato que mais obviamente herda votos de Lula, em especial se o barbudo não fizer uma indicação explícita para alguma outra candidatura. Crítico severo dos rumos de Michel Temer, inúmeras vezes se posicionou a favor de Lula na disputa jurídica que acabou levando-o para a prisão. É visto, de forma difusa, como candidato viável contra o bloco solidamente direitista, e conta com suporte partidário e financeiro bem maior do que Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos, que estiveram mais visivelmente ao lado do ex-presidente nos últimos dias.
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Ciro Gomes adotou uma postura menos explícita em seu apoio a Lula: buscou ser ouvido, mas não ser visto. O que pode ganhar a antipatia de defensores mais entusiasmados do petista, mas evita a geração de imagens que podem prejudicar o pré-candidato do PDT junto ao eleitor mais moderado, que eventualmente deteste Lula, mas também não esteja lá muito inclinado para o lado mais conservador (ou mesmo reacionário) da balança.
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Por tudo isso, Ciro vira alvo, na tentativa de abatê-lo antes que possa decolar. Não foi outra coisa a presença, no começo da semana, do youtuber Mamãe Falei no Fórum da Liberdade: a missão era provocar Ciro, tirá-lo do prumo, colher elementos visuais e midiáticos que possam convencer pessoas a não votar nele. Não deu muito certo (o ridicularizado nas redes, no fim das contas, foi o próprio aliado do MBL), mas seguirá sendo um objetivo – e considerando o bem conhecido pavio curto do pré-candidato, é temerário dizer que não possa dar certo em uma ocasião futura.
Nesse sentido, a equipe de Ciro Gomes precisa estar atenta. Aliás, me surpreende que os assessores dos pré-candidatos ainda sejam pegos de surpresa pelas ações de provocadores como Mamãe Falei. Todo mundo sabe quem são, o que buscam e de que modo tentam obter o capital político desejado. Cada um dos que trabalham ao lado dos presidenciáveis deveria, por pura questão estratégica, estar preparado para reconhecer essas pessoas e evitar que entrem em contato direto com pré-candidatos. E figuras como Ciro Gomes, por mais experientes e habilidosas que sejam, precisam estar preparadas para agir quando um desses aparecer em sua frente, com respostas afiadas ou, quem sabe, resposta nenhuma. Não é possível que, a essa altura do campeonato de brutalidade que virou a política brasileira, alguém ainda seja traído pela ingenuidade.
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SÓ PARA NÃO PASSAR EM BRANCO:
Diante da mobilização de vereadores e deputados em diferentes esferas, incorporando “Lula”, “Moro” e “Lava-Jato” a seus nomes, não sei se fico tocado pela singeleza da estratégia ou preocupado pela falta de profundidade na hora de expor posições e divergências políticas. É o fenômeno dos nomes com Guarani-Kaiowá (eles mesmos questionáveis talvez, mas certamente mais incisivos enquanto posicionamento) degradado ao nível de bate-boca juvenil e escancarado nos telões de casas legislativas Brasil afora. Mas enfim, não é de hoje que a política brasileira virou um puxadinho do Facebook.
Isolado pelas próprias discórdias, Marchezan coloca em risco o seu governo
Igor Natusch
23 de novembro de 2017
“Se esse tipo de impasse permanecer, em 2018, ele se inviabiliza como chefe do Executivo”
A advertência – dura, incisiva, sem nenhum esforço de diplomacia – não é de um esquerdista raivoso em oposição radical contra o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior: vem de Valter Nagelstein, vereador eleito pelo PMDB, partido de centro e que chegou a ensaiar movimentos para, mesmo derrotado nas urnas, entrar na base do atual prefeito na Câmara Municipal.
Não é uma frase leviana, diga-se. Poderia parecer um exagero em outras circunstâncias. Mas o fato é que Marchezan, com seu gênio cada vez mais intratável e seu personagem público gerando cada vez menos simpatia, começa a tornar plausível algo que, com menos de um ano de governo e em um cenário ideologicamente favorável, não era para fazer nenhum sentido.
Atuando de forma divisiva em todas as frentes, o prefeito de Porto Alegre vai inviabilizando o próprio governo, tanto no ideário quanto na prática
Um dos pontos mais bem sucedidos da campanha que elegeu Marchezan foi a imagem de político jovem, incisivo e, acima de tudo, dinâmico. Enquanto os concorrentes faziam falas estáticas em estúdios, ou gravavam todas as suas intervenções em áreas centrais da cidade, Marchezan aparecia sempre em movimento, dentro dos cenários que mencionava, da Restinga à Cidade Baixa, no Quarto Distrito e na Vila Mário Quintana.
Era a imagem de um homem que andava pela cidade, que a conhecia e, portanto, sabia como agir a respeito. E essa imagem vem sendo derrubada pelo próprio Marchezan, que não consegue melhorar a situação de abandono da cidade
Com essa sensação de paralisia, e com elogios a tomadas para celular em pontos de ônibus caindo aos pedaços, o prefeito dá sinal contrário ao desejado: o de alguém que não conhece a cidade, não enxerga seus problemas e está distante de solucioná-los.
A fala sobre políticos cagões pode ter arrancado aplausos dos jovens moralistas e superficiais do MBL, mas não poderia vir em pior hora para quem está cada vez mais ausente de aliados institucionais. Partidos aliados, como o PP, não mais se constrangem em votar contra os interesses do prefeito. Ex-líder de governo e pessoa influente dentro da Câmara, Claudio Janta acaba de chamar Marchezan de “bunda-mole” – sinal tanto da degradação de relações entre Executivo e Legislativo, quanto da disposição crescente de enfrentar de forma direta a postura do prefeito.
Para governar, um chefe de Executivo brasileiro precisa de acordo com o parlamento e/ou de suporte popular. Com as duas coisas, suas ideias irão longe; sem nenhum desses elementos, está condenado ao imobilismo ou coisa pior. Marchezan nunca chegou a ter ampla segurança nesses aspectos, mas está cada vez mais fragilizado, de um lado e de outro. E insiste em fórmulas que estão claramente erradas, independente de espectro político
Com pelo menos quinze baixas em pouco mais de dez meses de governo, em clima de guerra com seu influente ex-líder de bancada e com sua falta de diálogo criticada por aliados e opositores sem distinção, Marchezan planta discórdia onde precisa de tranquilidade, e essa colheita não tem como ser positiva.
Mantém a cidade em animação suspensa, mobiliza o forte sindicalismo municipário contra si, insiste em um série de quase insultos contra seus inimigos políticos e segue às turras com quem poderia defendê-lo quando isso tudo der errado. Em menos de um ano, Marchezan isolou-se. Talvez por vaidade, talvez por leitura equivocada de cenário, não parece nada disposto a mudar a rota. Vai transformando em possível um adágio que, no dia da posse, soaria como delírio: se seguir assim, talvez não termine o mandato mesmo, hein.
Pegar carona no MBL não é só alegria – e Marchezan sentiu o recado
Igor Natusch
13 de setembro de 2017
12/09/2017 - PORTO ALEGRE, RS - Ato contra o cancelamento da exposição Quuermuseu, no Santander Cultural. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Em meio à gritaria e à sucessão de acontecimentos envolvendo o lamentável encerramento da mostra Queermuseu, no Santander Cultural de Porto Alegre (acontecimento que abordei, numa pegada um tanto diferente, em meu perfil no Medium) uma aparentemente pequena, mas na realidade bem significativa mudança de posição passou quase despercebida. Trata-se do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, que postou em redes sociais uma mensagem que parecia endossar, sem qualquer crítica, os argumentos usados no ataque às obras – apenas para, poucas horas depois, deletar tudo sem comentários e sem explicações.
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Claro que nada há de intrinsecamente errado em postar algo e, pouco depois, arrepender-se. Convenhamos, quem nunca? O que interessa, aqui, não é o gesto em si, mas o recuo que ele traz, de todo incomum em um prefeito que se esmera em manter uma imagem de convicto e determinado. E é claro, os motivos que levam a essa reconsideração
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É bastante claro que o MBL, tão destacado nos protestos que levaram ao fim o governo de Dilma Rousseff, tem corrigido a rota de seu discurso nos últimos tempos. A luta contra a corrupção, fundamental em seu surgimento e que alçou seus jovens líderes ao insólito status de referências no tema, deixou de centralizar as ações do grupo – cedendo espaço a uma oposição menos política e mais, digamos, moral aos supostos pecados da esquerda.
Na medida em que enfraquece a suposta disposição de punir todos os corruptos, doa a quem doer – uma vez que não é possível apagar da internet todas as mensagens de apoio do MBL a Geddel Vieira Lima, Aécio Neves, Eduardo Cunha e tantos outros – surge forte o combate à suposta doutrinação ideológica promovida pelos inimigos, em especial contra a juventude indefesa. Depois da cruzada contra a lavagem cerebral nas escolas de São Paulo, surge a luta contra a imoralidade na arte, tudo em uma linguagem superlativa que beira a carolice.
A ideia é clara: aproximar o MBL dos núcleos mais conservadores, ao mesmo tempo que joga com o senso comum e com angústias primais de boa parcela da população. Engaja, com esse apelo ao moralismo chão e sem nuances, diferentes tipos de medo, diferentes preconceitos, diferentes obsessões. Talvez se possa dizer que distancia-se de Aécio e anda na direção de Bolsonaro, ou ao menos daqueles que nele desejam votar ano que vem. É um movimento de alinhamento político e, neste momento, é impossível dizer se vai funcionar ou não. Eu, pessoalmente, não duvidaria.
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A questão: esse movimento é interessante para Marchezan?
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Que o prefeito é no mínimo simpático ao MBL é sabido desde o começo de seu mandato. Traz pessoas próximas ou inseridas no grupo em diferentes esferas do Executivo, recebe alegremente integrantes em seu gabinete e adota, como já referi antes por aqui, uma postura de fidelização midiática que tem muito a ver com o modo que o MBL escolheu para fazer política.
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Até então, essa agenda vinha sem oscilações; neste começo de semana, porém, houve uma mudança. Talvez pela primeira vez em todo o governo, Marchezan recuou. O que causou esse passo atrás?
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Ler qualquer uma das declarações do secretário de cultura de Porto Alegre, Luciano Alabarse, após o fechamento da exposição ajuda a entender esse movimento. Mesmo longe da unanimidade, Alabarse é um homem da cultura, fortemente inserido no meio e que jamais poderia aceitar (como não aceitou) o encerramento de uma mostra de arte em meio a um verdadeiro frenesi de moralismo, como foi o caso. Ao mesmo tempo, é um dos mais enfáticos e leais secretários de Marchezan, ao ponto de escrever um artigo um tanto quanto caricato ao jornal Zero Hora, comparando o prefeito a Caetano Veloso. Some-se isso tudo ao post de Marchezan falando em pedofilia e zoofilia na exposição Queermuseu e teremos, senhoras e senhores, uma conta que não fecha.
Pela primeira vez, Marchezan viu-se diretamente confrontado com as dificuldades políticas envolvidas em sua aproximação com o MBL. Antes apenas sorvendo os bônus dessa parceria, teve que entender, na marra, que essa brincadeira tem seus ônus também – e que nem todos combinam com a imagem de político dinâmico, convicto e moderno que Marchezan anseia para si.
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Nada há de moderno em proibir acesso à arte, ao contrário: trata-se do que de mais velho, rançoso e retrógrado pode existir na política e no pensamento como um todo
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Se a primeira reação, dele ou da equipe que opera suas contas nas redes sociais, foi dentro do fluxo comum entre ele e o MBL, logo ficou claro que era um passo arriscado demais, com custos pesados a curto e médio prazo. Se o MBL corteja a extrema-direita com entusiasmo crescente, talvez ir tão fundo nisso não interesse tanto assim ao prefeito – afinal, governar uma cidade mergulhada numa caça às bruxas no campo artístico, com repercussão nos maiores veículos da mídia internacional, não é exatamente um predicado animador.
A patética sucessão de acontecimentos que encerrou prematuramente uma mostra artística no coração do centro de Porto Alegre pode trazer aprendizado, ainda que à força, a vários núcleos. Inclua-se na conta o Santander, que tentou escapar de um desgaste e mergulhou em outro de potencial talvez ainda maior, e o próprio MBL, que já adota uma postura mais defensiva e deu até declarações a rádios locais se distanciando do fim da mostra – como um pai que ainda quer ser reconhecido como tal, mas se recusa a embalar a criança que gerou. E suspeito que também a política local recebe um recado com o episódio: a de que a viagem de carona no trem festivo do MBL não será sempre um mar de rosas.
O dia em que a mediocridade calou a arte – e alguns esclarecimentos
Geórgia Santos
11 de setembro de 2017
É triste quando a mediocridade e ignorância calam a arte. Não, não falo de um episódio ocorrido durante a Idade das Trevas, embora Porto Alegre tenha perdido a luz nesse dia. Também não é um ensaio sobre o repúdio da Igreja ao corpo nu em um período em que o Renascimento era novidade. Tampouco me refiro à Hitler e a queima de obras que considerava “arte degenerada”, embora essa expressão tenha vindo à baila. Essa referência também não vem do tempo da Ditadura Militar, em que a arte era sistematicamente censurada.
É de agora. Sobre agora
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A capital da nossa pequena província não suportou a ousadia da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na ArteBrasileira. Bem, não sejamos injustos com Porto Alegre. Quem não aguentou foram os jovens cidadãos de bem do MBL – Movimento Brasil Livre (?), o mais esquizofrênico dos movimentos conservadores da contemporaneidade. Segundo eles, a mostra com 250 obras assinadas por 85 artistas, entre eles Portinari e Lygia Clark, era devassa.
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O grupelho berrou por aí que a exposição fazia apologia à zoofilia, à pedofilia e era uma blasfêmia contra os cristãos. Pobres cristãos. E colou.
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Cidadãos de bem, pais e mães de família, ficaram horrorizados com a possibilidade de seus filhos estarem expostos à tamanha devassidão. Grupos de pessoas constrangiam, aos berros, e com câmera na mão, a qualquer pessoa que quisesse ver a exposição. Chamavam de “pedófilos”, “tarados”, “degenerados” – olha aqui a palavrinha de que falei no começo do texto. A representante do MBL no Rio Grande do Sul, Paula Cassol, disse à Zero Hora que não entende que aquilo seja arte. Imagino que ela tenha um diploma de Artes Plásticas ou História da Arte.
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Tenho dúvida, no entanto, se posso creditar o episódio à ignorância ou se o grupo simplesmente viu uma oportunidade política no episódio. Oportunidade de angariar os últimos conservadores da província
Tenho a leve impressão que é a segunda opção
E colou
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A exposição foi encerrada pelo Santander Cultural, onde estava em exibição. E pra continuar a verborragia de equívocos históricos, a organização pediu desculpas num ato deprimente de covardia. Ah, quase esqueço, o Santader recebeu uma contrapartida de renúncia fiscal para expor os trabalho de R$ 1 milhão de reais. Segundo o MBL, foi principalmente ISSO que incomodou aos cidadãos de bem. Claro.
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Ficou curioso pra ver quais são essas obras tão controversas?
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Resolvemos mostrar quais são as obras e explicar o contexto na qual estão inseridas e o que representam. Pensamos muito sobre se deveríamos esclarecer a realidade dos quadros que tanto incomodaram. Porque afinal, se estamos aqui explicando obras de arte perfeitamente legítimas, talvez eles tenham vencido. Por outro lado, algumas pessoas foram arrastadas a uma rede de mentiras e sequer sabem do que se trata. Se uma pessoa perceber a perversidade das acusações, já é um grande e importante passo.
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As obras que geraram a polêmica sobre pedofilia
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BIA LEITE: Adriano bafônica e Luiz França She-há (2013)
BIA LEITE, Travesti da lambada e deusa das águas (2013)
O mais interessante é tentar descobrir aonde é que enxergaram pedofilia em uma obra que apenas aborda a questão de crianças homossexuais. O catálogo da exposição é bastante claro, inclusive. “Bia talvez seja uma das poucas artistas brasileiras a enfrentar com desenvoltura e coragem esse tema tabu, que é a homossexualidade na infância e o portentoso sofrimento que crianças atravessam na fase escolar e no início da adolescência. A artista produziu essas pinturas a partir da combinação de fotografias das crianças retiradas do Tumblr Criança Viada, onde são postadas fotografias as da infância dos próprios usuários LGBT com comentários.” Pedofilia é o que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por uma criança. É doente associar esse trabalho a algo tão grave.
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A obra que gerou a polêmica sobre zoofilia
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ADRIANA VAREJÃO: Cena de interior II, 1994
O quadro é uma compilação sobre práticas sexuais existentes, mas que existem na sombra. A ideia da artista não é julgar as práticas, e sim lançar uma reflexão sobre a exploração. O que chocou foi a cena em que um homem segura um animal enquanto outro o estupra. Para alguns, é apologia à zoofilia, e não um retrato do que há de mais obscuro na natureza humana. Sim, é repulsivo, mas não é menos verdadeiro por ser repulsivo. Se alguém acha que isso não é parte da natureza humana, sugiro a leitura do livro “O barranco na formação sexual do gaúcho“. Sim, é isso mesmo. E não, não tem nada a ver com orientação sexual.
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A obra que gerou a polêmica sobre blasfêmia
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FERNANDO BARIL: Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva, 1996
A arte ocidental contemporânea tem uma longa história de usar ícones religiosos como ponto de partida para uma série de críticas. Nesse caso, a crítica ao consumismo e à hipocrisia da cultura ocidental e da própria igreja saltam da tela, bastante diferente da acusação de vilipêndio. Além dessa obra, houve acusações de profanar hóstias com palavras profanas. Eu não sou uma católica praticamente, mas até onde eu sei, se não há consagração, é só uma bolacha, não?
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O mais interessante é que há obras equivalentes ou ainda mais gráficas espalhadas por museus de todo o mundo. Mais do que isso, exposições com esse viés já foram realizadas em outros três países (EUA; Polônia e Inglaterra) e só aqui foi problema, só aqui foi CENSURADA.
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Sim, porque o que aconteceu foi censura
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A arte sempre provoca, ela nasceu para isso, não para agradar. Nasceu para provocar reflexões profundas sobre a natureza humana, sem ser confundida com propaganda, como os engessados xucros do MBL acreditam ser – ou querem que você acredite. Ou alguém vai ter coragem de dizer que a Guernica, de Picasso, é uma apologia a bombardeios? Alguém vai dizer que o David, de Michelangelo, é pornografia em mármore? Ou alguém vai dizer que Jesus pregado na Cruz é apologia à tortura?
A apreciação da arte gira em torno do gosto, é verdade. Mas alguém não gostar, independente do motivo, não pode retirar a legitimidade de uma obra. Alguém se sentir ofendido com a natureza humana é normal, além de triste, mas não é motivo para censura. Não é motivo para calar. Por fim, a arte não é necessariamente explícita, mesmo que pareça. E no caso dessa mostra, a ideia era questionar a heteronormatividade. Eu não sou crítica de arte, obviamente. Inclusive entendo muito pouco. mas desde que esse episódio todo aconteceu, há bons textos esclarecendo alguns dos principais equívocos. Um dos melhores foi escrito pela curadora e crítica de arte Daniela Name, para o jornal O Globo.
“Também não há homofobia em Queermuseu, embora se pense sobre o tema como meio de explicitar como esta é pervasiva na cultura. Trata-se de um campo de batalha em exasperação, já que as obras exibidas coexistem em atrito contínuo. Afinal, elas são o reflexo do mundo lá fora, e seus pressupostos conceituais, estéticos e ideológicos encontram equivalência na vida contemporânea. Arte e vida mostram-se próximas nesta exposição.”
Se ainda assim, meu caro leitor, acreditas que a mostra deveria ter sido fechada e a arte calada, só posso lamentar. Quanto a mim, não, não vi a exposição. Não deu tempo.