Igor Natusch

Ana Amélia Lemos, os terroristas islâmicos e o voto dos xucros

Igor Natusch
18 de abril de 2018

Se alguém tinha dúvida de que Ana Amélia Lemos resolveu abraçar o discurso raivoso à direita como celeiro de votos, acredito que já deu para perceber que vai ser isso aí, mesmo. Depois de elogiar os que “levantaram o relho” contra a caravana de Lula (agredindo opositores e ameaçando jornalistas no processo), agora a senadora gaúcha achou por bem encorajar uma boataria grosseira e bobalhona, que enxergou na entrevista de Gleisi Hoffmann à rede Al-Jazeera, do Qatar, uma tentativa de convocar terroristas islâmicos para libertar o ex-presidente Lula.

Sim, é isso mesmo que você leu. Uma senadora da República atribuiu à entrevista concedida por outra senadora da República (a uma emissora mundialmente reconhecida, diga-se) o poder de violar a Lei de Segurança Nacional ao convocar “atos de hostilidade”, além de esperar que “essa convocação não seja um pedido para o exército islâmico atuar no Brasil”. Foi exatamente isso que aconteceu. Sei que é difícil acreditar, mas é verdade.

A coisa é tão insólita que chega a dar desânimo de sequer começar a contestar tamanha tolice. A própria Gleisi Hoffmann, ao defender-se da estultice, deixou claro um fato que, independente da simpatia que se nutra ou não pela petista, é notório: ela concedeu entrevistas semelhantes a emissoras de Portugal, França, Espanha e Reino Unido, entre outros países. Por que, então, é a entrevista para a rede árabe que Ana Amélia vê como “grave”? O que há nessa manifestação que não tenha ocorrido nas outras, capaz de despertar a indignação patriótica da senadora do RS?

Estamos todos autorizados a pensar que o que perturba Ana Amélia Lemos é o território onde a emissora está sediada e, em especial, o povo para o qual ela majoritariamente fala. É razoável imaginar, diante de tanto destempero e precipitação, que a integrante do PP tem mais medo de árabes do que de europeus ou seus descendentes, simplesmente porque, bem, são árabes. A menos, é claro, que a senadora deixe de lado o discurso apelativo e, com a compostura que sua posição de congressista exige, aponte de forma clara e serena onde, no fim das contas, sua colega de Casa colocou em risco a segurança nacional.

Se não é capaz de fazê-lo, então que volte ao microfones e ao Twitter, desta vez para pedir desculpas pela bobagem que falou.

O jogo que Ana Amélia Lemos joga é tentador, em especial porque é simples. Ao destilar intolerância e emprestar voz aos fantasmas mais distorcidos criados pelo ódio político, agrada a parcela mais embrutecida dos militantes de seu partido e do espectro direitista gaúcho como um todo. Além, é claro, de garantir manchetes (e comentários em colunas políticas, pois não) no momento em que a eleição se aproxima e todo holofote vale ouro. Em um cenário extremado, escolha seu extremo favorito e garanta alguns eleitores tão xucros quanto fiéis.

Tentador sim, e possivelmente eficiente. Mas arriscado também. Afinal de contas, o córner reacionário está cada vez mais lotado, e a tendência será sempre favorável a quem chegar primeiro. Verdade que a repulsa primal ao PT já elegeu muita gente no Rio Grande do Sul – ajudou, por exemplo, a eleger Lasier Martins, outro que anda flertando com o atraso e resolveu brincar de censor da arte degenerada recentemente. Mas sempre pode chegar o momento em que o eleitor se cansa do tiroteio e aposta em alguém que se venda como conciliador – algo, aliás, que a história política recente do RS também demonstra bem.

Foto: Pedro França / Agência Senado

Igor Natusch

Sem Lula, Ciro Gomes é o alvo – e a artilharia só começou

Igor Natusch
12 de abril de 2018

Se havia dúvida sobre quem se destacaria no campo da centro-esquerda após a saída de Lula da lista de pré-candidatos, as ações de MBL e seus apêndices no começo desta semana deixaram pouca ou nenhuma margem para dúvida. Ciro Gomes (PDT) e sua equipe podem ir se preparando, pois é com ele que os setores mais à direita – incluindo, é claro, o submundo das redes sociais – devem se entreter nos próximos meses.

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O cálculo é simples. Se o seu candidato não vai poder contar com nenhum dos votos que seriam organicamente de Lula (e quanto mais à direita, mais improvável essa herança se torna), o ideal é que esses eleitores sejam pulverizados ao máximo, diminuindo o impacto geral de suas escolhas e aumentando as suas chances de chegar ao segundo turno com os votos que já estão ao alcance.

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Ciro Gomes é o candidato que mais obviamente herda votos de Lula, em especial se o barbudo não fizer uma indicação explícita para alguma outra candidatura. Crítico severo dos rumos de Michel Temer, inúmeras vezes se posicionou a favor de Lula na disputa jurídica que acabou levando-o para a prisão. É visto, de forma difusa, como candidato viável contra o bloco solidamente direitista, e conta com suporte partidário e financeiro bem maior do que Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos, que estiveram mais visivelmente ao lado do ex-presidente nos últimos dias.

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Ciro Gomes adotou uma postura menos explícita em seu apoio a Lula: buscou ser ouvido, mas não ser visto. O que pode ganhar a antipatia de defensores mais entusiasmados do petista, mas evita a geração de imagens que podem prejudicar o pré-candidato do PDT junto ao eleitor mais moderado, que eventualmente deteste Lula, mas também não esteja lá muito inclinado para o lado mais conservador (ou mesmo reacionário) da balança.

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Por tudo isso, Ciro vira alvo, na tentativa de abatê-lo antes que possa decolar. Não foi outra coisa a presença, no começo da semana, do youtuber Mamãe Falei no Fórum da Liberdade: a missão era provocar Ciro, tirá-lo do prumo, colher elementos visuais e midiáticos que possam convencer pessoas a não votar nele. Não deu muito certo (o ridicularizado  nas redes, no fim das contas, foi o próprio aliado do MBL), mas seguirá sendo um objetivo – e considerando o bem conhecido pavio curto do pré-candidato, é temerário dizer que não possa dar certo em uma ocasião futura.

Nesse sentido, a equipe de Ciro Gomes precisa estar atenta. Aliás, me surpreende que os assessores dos pré-candidatos ainda sejam pegos de surpresa pelas ações de provocadores como Mamãe Falei. Todo mundo sabe quem são, o que buscam e de que modo tentam obter o capital político desejado. Cada um dos que trabalham ao lado dos presidenciáveis deveria, por pura questão estratégica, estar preparado para reconhecer essas pessoas e evitar que entrem em contato direto com pré-candidatos. E figuras como Ciro Gomes, por mais experientes e habilidosas que sejam, precisam estar preparadas para agir quando um desses aparecer em sua frente, com respostas afiadas ou, quem sabe, resposta nenhuma. Não é possível que, a essa altura do campeonato de brutalidade que virou a política brasileira, alguém ainda seja traído pela ingenuidade.

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SÓ PARA NÃO PASSAR EM BRANCO:

Diante da mobilização de vereadores e deputados em diferentes esferas, incorporando “Lula”, “Moro” e “Lava-Jato” a seus nomes, não sei se fico tocado pela singeleza da estratégia ou preocupado pela falta de profundidade na hora de expor posições e divergências políticas. É o fenômeno dos nomes com Guarani-Kaiowá (eles mesmos questionáveis talvez, mas certamente mais incisivos enquanto posicionamento) degradado ao nível de bate-boca juvenil e escancarado nos telões de casas legislativas Brasil afora. Mas enfim, não é de hoje que a política brasileira virou um puxadinho do Facebook.

Foto: Murilo Silva/CAPOL