Igor Natusch

Isolado pelas próprias discórdias, Marchezan coloca em risco o seu governo

Igor Natusch
23 de novembro de 2017

“Se esse tipo de impasse permanecer, em 2018, ele se inviabiliza como chefe do Executivo”

 

A advertência – dura, incisiva, sem nenhum esforço de diplomacia – não é de um esquerdista raivoso em oposição radical contra o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior: vem de Valter Nagelstein, vereador eleito pelo PMDB, partido de centro e que chegou a ensaiar movimentos para, mesmo derrotado nas urnas, entrar na base do atual prefeito na Câmara Municipal.

Não é uma frase leviana, diga-se. Poderia parecer um exagero em outras circunstâncias. Mas o fato é que Marchezan, com seu gênio cada vez mais intratável e seu personagem público gerando cada vez menos simpatia, começa a tornar plausível algo que, com menos de um ano de governo e em um cenário ideologicamente favorável, não era para fazer nenhum sentido.

 

Atuando de forma divisiva em todas as frentes, o prefeito de Porto Alegre vai inviabilizando o próprio governo, tanto no ideário quanto na prática

 

Na última semana, duas declarações desastradas, com alvos diferentes, erodiram ainda mais a relação de Marchezan com setores fundamentais para a viabilidade de seu governo. Embora não seja recente, a fala em congresso do MBL dizendo que “parlamentar é cagão” pegou muito mal junto aos vereadores, ao ponto de aliados assinarem requerimento para que o prefeito esclareça, no plenário da Câmara Municipal, o que quis dizer. E a população em geral (incluindo muitos eleitores de Marchezan) não recebeu bem a postagem em redes sociais, feita em Paris, sobre colocar carregadores de celular nas paradas de ônibus – uma ideia que não é ruim em si mesma, mas quase ofensiva numa realidade de arrastões em pontos de embarque e de terminais, como o Triângulo, em péssimas condições de conservação.

Um dos pontos mais bem sucedidos da campanha que elegeu Marchezan foi a imagem de político jovem, incisivo e, acima de tudo, dinâmico. Enquanto os concorrentes faziam falas estáticas em estúdios, ou gravavam todas as suas intervenções em áreas centrais da cidade, Marchezan aparecia sempre em movimento, dentro dos cenários que mencionava, da Restinga à Cidade Baixa, no Quarto Distrito e na Vila Mário Quintana.

 

Era a imagem de um homem que andava pela cidade, que a conhecia e, portanto, sabia como agir a respeito. E essa imagem vem sendo derrubada pelo próprio Marchezan, que não consegue melhorar a situação de abandono da cidade

 

Com essa sensação de paralisia, e com elogios a tomadas para celular em pontos de ônibus caindo aos pedaços, o prefeito dá sinal contrário ao desejado: o de alguém que não conhece a cidade, não enxerga seus problemas e está distante de solucioná-los.

A fala sobre políticos cagões pode ter arrancado aplausos dos jovens moralistas e superficiais do MBL, mas não poderia vir em pior hora para quem está cada vez mais ausente de aliados institucionais. Partidos aliados, como o PP, não mais se constrangem em votar contra os interesses do prefeito. Ex-líder de governo e pessoa influente dentro da Câmara, Claudio Janta acaba de chamar Marchezan de “bunda-mole” – sinal tanto da degradação de relações entre Executivo e Legislativo, quanto da disposição crescente de enfrentar de forma direta a postura do prefeito.

Já falei anteriormente sobre como essa proximidade de Marchezan com o MBL estava longe de ser o mar de rosas que Marchezan talvez imaginasse, bem como do potencial trágico no rompimento irrefletido com seu principal articulador na Câmara. Troca a imagem de homem preocupado com a cidade por uma persona conflituosa, que não cede em nada, que joga sobre os discordantes todas as responsabilidades – inclusive, e talvez principalmente, as suas próprias.

 

Para governar, um chefe de Executivo brasileiro precisa de acordo com o parlamento e/ou de suporte popular. Com as duas coisas, suas ideias irão longe; sem nenhum desses elementos, está condenado ao imobilismo ou coisa pior. Marchezan nunca chegou a ter ampla segurança nesses aspectos, mas está cada vez mais fragilizado, de um lado e de outro. E insiste em fórmulas que estão claramente erradas, independente de espectro político

 

Com pelo menos quinze baixas em pouco mais de dez meses de governo, em clima de guerra com seu influente ex-líder de bancada e com sua falta de diálogo criticada por aliados e opositores sem distinção, Marchezan planta discórdia onde precisa de tranquilidade, e essa colheita não tem como ser positiva.

Mantém a cidade em animação suspensa, mobiliza o forte sindicalismo municipário contra si, insiste em um série de quase insultos contra seus inimigos políticos e segue às turras com quem poderia defendê-lo quando isso tudo der errado. Em menos de um ano, Marchezan isolou-se. Talvez por vaidade, talvez por leitura equivocada de cenário, não parece nada disposto a mudar a rota. Vai transformando em possível um adágio que, no dia da posse, soaria como delírio: se seguir assim, talvez não termine o mandato mesmo, hein.

Foto: Luciano Lanes / PMPA

Igor Natusch

Para Marchezan, transporte público é despesa. Ele está errado

Igor Natusch
8 de novembro de 2017
Porto Alegre, RS 06/11/2017 Reunião com líderes dos taxistas Fotos: Cesar Lopes/ PMPA

Segundo o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, a Carris está com os dias contados. O termo foi usado por ele em uma entrevista à Rádio Guaíba e reproduzido pelo Jornal do Comércio. Para ele, ter R$ 60 milhões anuais com a empresa pública de ônibus da cidade é uma “despesa” que não se justifica, e que poderia ser repassada para áreas prioritárias, como saúde e educação. “Se vai ser privatização, extinção, licitação das linhas…”, lista Marchezan, mencionando alternativas que, todas elas, entregariam completamente a exploração e/ou fornecimento do serviço à iniciativa privada.

Evidente que o prefeito tem a prerrogativa de ver a administração da máquina pública como quiser. Se ele acha que o melhor caminho é entregar o máximo possível a empresários ligados ao setor, cabe a ele fazer o debate e defender sua leitura. Eu não concordo com ele, mas isso nem vem (tanto) ao caso.

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O que realmente incomoda, aqui, é tratar o dinheiro colocado na Carris como “despesa”

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Como assim, despesa? Pelo menos desde 2015, o transporte coletivo é reconhecido pela União, em forma de emenda constitucional, como direito social – igualado, inclusive, à saúde e educação que Marchezan menciona como áreas que supostamente têm menos dinheiro a partir da “despesa” com a Carris. Não é como se o município estivesse sangrando dinheiro em algo irrelevante, em peças publicitárias ou algo assim: ele está subsidiando o cumprimento adequado de um direito social. Investir em saúde, educação ou segurança não é queimar dinheiro – e, da mesma forma, colocar grana em transporte coletivo de qualidade também não é, como várias das cidades de melhores índices do mundo podem demonstrar.

Há mais. Qualquer consulta à população será capaz de comprovar que o serviço prestado pela Carris é visto como o mais qualificado em toda Porto Alegre. São os ônibus em melhores condições e os que cumprem com maior rigidez os horários. Além disso, atendem rotas consideradas importantes dentro do (escasso) planejamento de mobilidade urbana da cidade, e que as demais concessionárias hesitam ou recusam-se a atender, por não considerarem capazes de gerar a margem de lucro desejada.

A Carris serve tanto as rotas circulares no Centro estendido, que ajudam a desafogar o trânsito na região, quanto as linhas transversais que atravessam a cidade de ponta a ponta e ajudam multidões a ir e voltar com apenas uma passagem, todos os dias. A “despesa”, no caso, permite manter itinerários que ajudam a manter algum equilíbrio em todo o sistema, com um padrão de qualidade que deveria servir de padrão para as operadoras privadas – o que não é de modo algum o caso, como qualquer um que usa ônibus em Porto Alegre poderá facilmente constatar.

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Marchezan, ao que parece, não consegue conciliar-se com a ideia de que o transporte público é um direito básico do cidadão, não um cano quebrado vazando dinheiro dos cofres públicos

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Assinou texto extinguindo a segunda passagem gratuita – usada, como a lógica nos diz, pelos que moram mais distantes e mais precisam do transporte público, muitas vezes sem dispor de recursos para um deslocamento diário à região central. Para tal, passou por cima até da legalidade, pois o desconto estava previsto na licitação para explorar o serviço, e retirar o benefício seria dar um desconto às empresas, sem reverter em melhoria alguma ao usuário (ao contrário, aliás). Fala em retirar isenções de idosos e aumentar a vida útil dos veículos, além de limitar o acesso à meia passagem estudantil – propostas que buscam não a diminuição da tarifa, mas que ela “aumente menos” no próximo ano.

É um pensamento que enxerga no transporte coletivo despesas, números e cifrões, não pessoas que precisam se deslocar todos os dias para o trabalho, a aula ou mesmo para o lazer

As pessoas precisam ir e voltar. Não seria desejável para a saúde do trânsito, mesmo que isso fosse financeiramente possível, que todas o façam com veículos particulares – logo, é fundamental que tenhamos um serviço de ônibus que funcione, que tenha padrões de qualidade, que atenda o trabalhador que sai da periferia cedo de manhã e também o estudante que termina a aula na faculdade e vai encontrar amigos em um bar. As pessoas precisam disso tanto quanto precisam de professores bem remunerados e de postos de saúde em boas condições, porque (e isso Marchezan não parece entender) as pessoas não podem ausentar-se da cidade. Nem que quisessem.

Não é despesa, prefeito. É investimento na cidade e na população. E está entre os mais importantes investimentos que o senhor, como gestor público, pode fazer. Sugiro que essa determinação de acabar com a Carris seja repensada, pelo bem do povo que o elegeu.

Foto: Cesar Lopes / PMPA

Igor Natusch

Discordância de Janta era um recado – que Marchezan não entendeu

Igor Natusch
30 de agosto de 2017
Porto Alegre/RS 21/06/2017 Cerimônia de abertura do Encontro de Gestores de Segurança Pública, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Foto: Ricardo Giusti/PMPA
Como a essa altura todo mundo já sabe, o prefeito Nelson Marchezan Júnior destituiu o vereador Cláudio Janta (Solidariedade) da liderança do governo na Câmara de Porto Alegre. A medida, ainda que drástica, não surge exatamente sem razão: Janta havia deixado muito clara sua discordância quanto a projetos encaminhados ao Legislativo municipal, em especial os que modificam ou extinguem benefícios no transporte coletivo da Capital, e chegou a ingressar na Justiça com uma ação para tentar impedir o fim da segunda passagem gratuita nos ônibus. Em uma posição de representar os projetos do Executivo em meio aos vereadores, Janta insistia em enfrentar o prefeito em alguns deles, e foi essa insistência que levou ao seu afastamento.
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O problema é que a mudança nos primeiros escalões do governo Marchezan está longe de ser uma novidade. Já são muitos os nomes fortes que pedem afastamento ou são afastados por Marchezan, incluindo o então braço-direito Kevin Krieger e o secretário Ricardo Gomes. No segundo escalão, as desistências contam-se às dezenas. Reforça-se, a partir dessas mudanças todas e de conversas dos bastidores da política, a imagem de um prefeito de trato difícil, intransigente em suas ideias, pouco ou nada disposto a ouvir outras opiniões – algo que, diga-se, é traído até em seus comentários sobre a imprensa gaúcha e sua “mania de ouvir todos os lados“, segundo ele.
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Nesse cenário, demitir Cláudio Janta da liderança do governo é um erro estratégico flagrante, quase infantil da parte de Marchezan.

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Gostem ou não do vereador, o fato é que Janta é um político experiente e que entende como poucos o estado de coisas na Câmara de Porto Alegre. Sabe que as recentes posições de Marchezan, chegando ao ponto de dar um puxão de orelhas público em seus próprios apoiadores, geram uma fissura crescente em sua base. Foi firme na discordância, mas nunca partiu para o ataque direto e chegou a dizer que “implorava” ao prefeito que repensasse sua posição.
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Se enfrentou Marchezan (e sem dúvida o fez) não foi por capricho: foi para marcar posição e, acima de tudo, para dar um recado.

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“Debreia, prefeito. Isso não passa. Converse mais com a gente”. Eis o que se pode ler, sem muito esforço, nas entrelinhas do que Janta dizia. Um recado, transmitido do jeito que se dá recado na política: na tribuna, diante das câmeras e da opinião pública.
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Mas a leitura política de Marchezan não pega sutilezas. Recentemente, o ex-vereador João Antônio Dib, que passou quatro décadas na Câmara, criticou de forma razoavelmente polida a possível privatização do Dmae e os ataques ao funcionalismo municipal. Como Janta, dava um recado nas entrelinhas. “Debreia, prefeito. Isso não vai passar. Converse mais com a gente”. Marchezan não deu ouvidos. Para ele, a política parece ser não mais do que uma linha reta: um apoio é um apoio, uma afronta é uma afronta, e nada além. Incapaz de entender mensagens, queima os mensageiros, ou os desgasta ao ponto de simplesmente desistirem de seguir a seu lado.
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Sem Janta à frente, a base de Marchezan corre riscos cada vez maiores de esfarelar. Moisés Maluco do Bem pode ser leal, mas é um recém-chegado, eleito como suplente e sem o traquejo para a difícil costura necessária para que a situação não se desfaça em farrapos na primeira votação mais espinhosa. E, mesmo caindo em ouvidos moucos, o recado segue posto: há coisas que não passam. Não basta o prefeito querer.
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Marchezan vai inviabilizando a si mesmo, na medida em que todos a seu redor entendem que a aliança será sempre uma via de mão única, onde a prefeitura nunca vai ceder.

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Nenhum vereador vai comprometer uma base eleitoral de décadas em nome de uma aliança nesses termos, menos ainda por projetos impopulares e de alto custo político. Mais de uma pessoa já tentou dizer isso a Marchezan – alguém que, diga-se, vem de uma história parlamentar e deveria estar sensível a esse tipo de situação. A proximidade com o MBL e as movimentações populistas nas redes sociais podem manter o eleitorado cativo de Marchezan a seu lado, mas terão pouca valia quando o governo municipal travar na Câmara de vez. Uma tendência quase inevitável, a julgar pela postura que Marchezan tem adotado nessa relação.
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Foto: Ricardo Giusti / PMPA