OUÇA Bendita Sois Vós #2 O que os eleitores querem?
Geórgia Santos
28 de setembro de 2018
No segundo episódio do Bendita Sois Vós, os jornalistas Geórgia Santos, Airan Albino, Igor Natusch e Tércio Saccol discutem a expectativa dos eleitores para o pleito deste ano e formas de renovar a agenda eleitoral. A entrevistada é a antropóloga Lúcia Scalco, que conduz pesquisa com jovens eleitores de Bolsonaro na periferia de Porto Alegre. E no quadro Sobre Nós, a fome em pauta.
* O Bendita Sois Vós, uma parceria do Vós com a Rádio Estação Web e vai ao ar todas quintas-feiras, das 19h às 20h. Clique aqui para saber como ouvir no seu celular e em aplicativos.
Me senti desmiolada por quase perder. Uma exposição linda, completamente interativa e gratuita. Não tem desculpa para não ir no Museu Desmiolado.
Aqui vão os depoimentos de como foi vista por cinco crianças diferentes
Joana levantou, sentou na cama. Sorrisão no rosto: “Mãe! Tem muita coisa! Muita coisa naquele museu…”, deitou e voltou a dormir.
Joana, 4 anos
Tem uma coisa muito macia. Eu me joguei e não conseguia sair (rindo muito). É amarela. E tinha a vermelha também.
Tom, 4 anos
Adorei poder desenhar e deixar o desenho na parede. E desenhei aquelas obras que deram medo: o castelo da bruxa e as fitas.
Anita, 5 anos
Gostei das fitas coloridas que balançam e voam não me lembro direito, e em segundo, daquela outra das pedras preciosas.
João , 5 anos
Gostei do relógio gigante , porque dava pra mexer e ele girava. Gostei muito dos pufes macios. Da mesa que tava pra tirar todas as peças de encaixe e não precisava arrumar depois.
Benjamin, 7 anos
Parecidas, pero no mucho: cinco exemplos que Montevideo pode dar a POA
Alvaro Andrade
12 de abril de 2018
Elas rivalizam no pôr do sol mais bonito, são banhadas por grandes rios, sede de dois grandes clubes com torcidas apaixonadas e com quase dois milhões de moradores devotos do mate e da carne assada: são muitas as características e hábitos que aproximam Montevideo e Porto Alegre, mas infelizmente as semelhanças param por aí. Enquanto a capital uruguaia encanta por sua limpeza e organização, a capital dos gaúchos sofre com o sucateamento dos serviços públicos usado como bandeira eleitoral. Abaixo cinco exemplos que poderiam melhorar a qualidade de vida dos porto-alegrenses.
1 Transporte público
Dificilmente um usuário de ônibus precisará caminhar mais que duas quadras no embarque, desembarque ou transbordo em Montevidéu. O plano diretor permitiu uma distribuição muito eficiente das linhas, que graças a um trânsito fluido, também são bastante pontuais. Além disso, a passagem é ligeiramente mais barata (36 pesos, o que equivale a R$ 4,20) e o sistema de transporte coletivo oferece algumas facilidades singelas, mas que fazem diferença, como o rastreamento das linhas por aplicativos e a possibilidade de recarga do cartão em redes de cobrança que se assemelham à casas lotéricas instaladas em todos bairros da cidade. As empresas que operam as linhas são cooperativas de trabalhadores, garantindo comprometimento com a qualidade e autonomia sindical.
2 Água limpa
A qualidade de vida do montevideano também se explica por sua relação com o rio da Prata, que de tão grande é carinhosamente chamado de mar. A cidade está de frente para a orla, com uma rambla de mais de 20 km totalmente urbanizada, com áreas para prática de vôlei de areia à rubgy. No verão, as praias são todas balneáveis e contam com serviço diário de limpeza da areia e salva-vidas.
3 Mobiliário urbano
Os espaços publicitários obedecem um plano diretor bastante específico, que mimetiza os anúncios na paisagem. Na maior parte da cidade, são verticais com cerca de 2 metros de altura e 1,5m de largura. Outdoors são bastante raros, restritos às laterais ou topo de edifícios. Embora as paradas de ônibus sejam bem simples, em todas elas há informação das linhas que atendem o ponto. A sinalização viária também tem identidade visual específica e os termômetros de rua, além de informarem a temperatura, oferecem prognóstico do dia seguinte e o fator de radiação UV.
4 Segurança
Montevidéu é considerada a capital mais segura da América Latina, embora a sensação de insegurança venha crescendo entre os uruguaios. Mesmo assim, os níveis de violência são muito inferiores a Porto Alegre. Em 2017, foram 157 homicídios na capital uruguaia, frente a 574 na capital gaúcha. Além de uma menor desigualdade social, há um permanente investimento em videomonitoramento e valorização da carreira de policial, inibindo a corrupção. A legalização da maconha também inibe o crescimento do poder do crime organizado.
5 Patrimônio histórico
São cada vez mais comuns as gruas da construção civil pela cidade e nota-se uma expansão imobiliária vertical, especialmente nos bairros mais procurados e caros, como Pocitos e Punta Carretas. Mas a maior parte da cidade conserva suas características arquitetônicas, onde predomina o art-deco.A prefeitura inclusive oferece isenção de imposto predial por uma década aos proprietários que investem na reforma de prédios antigos, desde que preservadas as características originais.
Quem são esses homens nas calçadas? Faço essa pergunta com certa frequência. Algumas vezes em voz alta. Quem são os homens nas calçadas, vendendo tantas coisas? De onde vem? O que fazem? O que pensam? Alguns sorriem. Outros mal piscam. As pálpebras que abrigam aquele olhar distante parecem imóveis. Tantos com jeito de solidão. É como se estivessem sozinhos em pleno centro da inquieta Porto Alegre. Quem são, de verdade, esses homens nas calçadas?
__ . __
Ele vestia camiseta e bermudas brancas, duas peças simples que cresciam em contraste com a pele retinta e a luz do final de tarde. Não sei se posso dizer que eram bermudas, talvez fossem o que eu chamava de capri na adolescência, um tipo de calças curtas, abaixo do joelho. Usava chinelos, estava à vontade com a areia entrando em contato com os pés. Era estiloso. A roupa toda era parte de um costume que ele arrematava com uma fina jaqueta de uma conhecida marca esportiva. Tinha capuz. Adidas, talvez? Acho que lembro das listras confundindo-se com os dentes perfeitos que apareciam com o sorriso fácil e autêntico, típicos de alguém que não conhece a timidez. Ele dava todos os indícios de que queria conversar. De que precisava conversar.
Conheci-o na praia do Quintão. Enquanto minha mãe negociava uma rede com seu Messias, distraí-me com as dezenas de óculos que esse imigrante vendia na calçada da esquina da farmácia, pertinho do Asun. Tinha uma coleção incrível. Ele sorria. Aquele mesmo riso fácil e autêntico permanecia, inabalável. Enquanto eu experimentava alguns modelos e demonstrava uma extrema incapacidade de colocá-los de volta no lugar apropriado, dona Gertrudes apareceu sem que eu percebesse e, com a nova rede em punho, recriminou meus impulsos.
“Mais óculos, Geórgia? Isso é quase uma obsessão.”
“Mãe, não é tanto assim.”
Era tanto assim. Eu ria e tentava convencer a ela e a mim de que eu precisava realizar aquela compra. Afinal, o preço estava tão bom e as armações tão bonitas e eu tão afim. Ele também ria enquanto ela revirava os olhos e eu fingia que não era comigo. Despedi-me sem perguntar seu nome. Eu tinha pressa, o vento era intenso e eu oscilava entre quase quebrar os dentes ao mastigar grãos de areia, tentar manter os olhos abertos e domar meu cabelo, que parecia preso em um vórtice de redemoinho. Fui, mas determinada a voltar.
Voltei. No dia seguinte, parei na mesma esquina movimentada e ele sorriu novamente, novamente fácil, novamente autêntico. Ele havia lembrado de mim. Não só de mim.
“Cadê a mãe? Não veio hoje?”, perguntou rindo, provavelmente revivendo na memória a cena ridícula da qual fomos protagonistas no dia anterior.
“Hoje não. Fugi!”, respondi brincando.
Nem tão brincando assim. Aproveitei a companhia do marido pouco preocupado com o que eu faço com meu dinheiro e comprei os óculos sem os olhares maternos de desaprovação. Com mais calma e menos vento, perguntei seu nome.
“Mamadou.”
Mamadou é esse homem de 27 anos que está no Brasil há dois. Chegou à procura de emprego, assim como a maioria dos 1,06 milhão de estrangeiros que vivem no país, segundo dados do Ministério da Justiça. Mais de 50 mil estão no Rio Grande do Sul. A socióloga Aline Passuelo, à época da entrevista, trabalhava com Grupo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados (GAIRE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que presta gratuitamente assessoria jurídica, psicológica e social. Ela explicou que os estrangeiros que chegam ao Rio Grande do Sul vem, principalmente, do Haiti, Senegal, Colômbia e Síria.
__ . __
“SOU DO SENEGAL. JÁ OUVIU FALAR NO SENEGAL?”
“Claro, Mamadou.”
“Mesmo? Muita gente não sabe onde fica o Senegal.”
Senegal. Foto: Vladimir Zhoga / Shutterstock.com
O Senegal é daqueles lugares em que a natureza hipnotiza. As cores são quentes, as roupas compõem um mosaico em contraluz enquanto a terra e o pouco verde se encontram perto da água salgada. Há muito tempo é considerada uma democracia bem-sucedida da África Ocidental. Desde a independência da França em 4 de abril de 1960, já são décadas de tradição de governos estáveis e comando civil. Também é um país extremamente seguro. A capital Dakar é berço de artes com sua Village des Arts, lar e galeria de cerca de 50 artistas. Também vem de lá o primeiro filme do continente. Borom Sarret (1963), do diretor senegalês Ousmane Sembène, foi o primeiro filmado na África por um diretor africano e negro. É de tirar o fôlego.
Mas é daqueles lugares que tira o fôlego e não devolve. O país é um dos mais pobres do mundo. Na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB) de outras nações, dados Banco Mundial mostram o Senegal na 154º posição em uma lista de 185. O resultado é um também baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma medida comparativa de fatores como riqueza, alfabetização, educação, expectativa de vida e natalidade. Na classificação da Organização das Nações Unidas (ONU), o Senegal ocupa a posição de 162 em um rol com 168 países.
Com 15 milhões de habitantes, a maioria da população é composta por jovens que não tem emprego ou oportunidades em uma terra que sobrevive da agricultura e precisa enfrentar as secas cada vez piores. A nuvem de poeira pode ser bonita ao expectador do célebre Rally Dakar, mas na realidade é a representação da sede, da falta de ar, de um destino árido. A solução é encontrar o futuro em outro lugar.
Senegal. Vladimir Zhoga / Shutterstock.com
A professora Juliana Rossa auxilia os imigrantes senegaleses em Caxias do Sul de diversas formas e, após alguns anos de convívio e uma longa visita ao país, percebe que há um padrão no perfil do imigrante. “A família costuma escolher um representante para migrar, ele vai ter uma responsabilidade com a família que ficou. Esse representante é jovem, saudável, com muita vontade de trabalhar e, geralmente, instruído.”
É do Senegal que vêm os homens nas calçadas. Vêm para trabalhar. Como diz a professora Juliana, “se não fosse o trabalho, seria turismo”. E com certeza não é turismo.
A imigração do Senegal não é um movimento recente. Após a independência da França, em 1960, homens senegaleses migraram para os Estados Unidos e Europa à procura de algo em que acreditar. O pai de Mor Ndiaye foi para a Espanha na década de 80, mas ele resolveu vir para o Brasil, à procura do lugar que aparecia nas histórias contadas por um amigo quando eram crianças. “Eu tinha um amigo de infância que passava as férias aqui, o pai dele trabalhava no consulado em São Paulo. Quanto ele voltava, ele só falava nisso. Então eu cresci e escolhi o Brasil para viver.”
Mor chegou em 2008, quando ainda havia poucos compatriotas em Porto Alegre. Mas em 2014 o movimento migratório aumentou quando uma terrível estiagem acometeu o Senegal ao mesmo tempo em que o mercado brasileiro precisava de mão de obra em função da Copa do Mundo. Milhares de senegaleses decidiram procurar pelo futuro no Brasil.
Mor Ndiaye, Presidente da Associação dos Imigrantes Senegaleses. Imagem: Catraca Filmes
“A gente sabia que o Brasil era muito violento e difícil, mas também um país de alto crescimento. Quando eu cheguei, cheguei na época em que oportunidade estava sobrando.” Mor trabalha como Relações Públicas em uma grande empresa, encontrou a oportunidade que procurava. Mesmo privilegiado, porém, ele sabe como é difícil despencar em um estado como o Rio Grande do Sul. Por isso, criou a Associação dos Imigrantes Senegaleses para ajudar aos mais de 4,2 mil patrícios que vivem no Estado – 1200 somente na capital e em torno de 800 em Caxias do Sul.
“Tu gostas de morar aqui, Mamadou?
“É bom aqui, a gente consegue ganhar um dinheirinho para viver com dignidade e ajudar a família. Mas tem que trabalhar bastante. Bom, em qualquer lugar do mundo tem que trabalhar bastante, não é mesmo?”
“É mesmo. Mas ainda é bom?”
“Quando cheguei, não demorei para conseguir trabalho. Trabalhei em muitas coisas, tinha emprego fixo. Mas agora já não é assim. Então tive que procurar o que fazer.”
Mamadou não é lacônico, apesar do tom, tampouco pessimista. Nada disso. Disse com o sorriso. Aquele fácil e inabalável.
__ . __
QUE FAZER? O BRASIL ENTRE OS DESEMPREGADOS E OS EXPLORADOS
O otimismo não altera o fato de que a conjuntura mudou muito em menos de quatro anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no período de novembro a janeiro do ano passado, 12,7 milhões de pessoas estavam desempregadas no Brasil. É praticamente a população do Senegal inteira. E isso, obviamente, afeta os estrangeiros. A advogada Márcia Abreu, do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS (Saju), esclarece que, em 2014, as principais dificuldades enfrentadas pelos imigrantes eram o idioma (os senegaleses falam francês) e falta de moradia, além da questão da regularização de documentação. Hoje, é a falta de emprego. “Antes já era um problema. Em qualquer entrevista de emprego, inclusive no Sine, quando viam que era imigrante, nem olhavam o currículo, já davam subemprego. E agora mudou bastante, a gente tá vivendo um momento muito diferente, não tem comparação com anos atrás.”
Mamadou não me disse o sobrenome, mas contou que está feliz por poder trabalhar de forma tranquila, alimentar-se, dormir bem. Ele sabe que é, de certa forma, privilegiado. A maioria demora para conseguir uma vida estável e isso faz com que perdure uma condição de extrema vulnerabilidade. E os problemas que se acumulam com a falta de emprego são inúmeros e imensos e desumanos. “A maior preocupação do imigrante é trabalhar, para dar um começo e se regularizar. Ele não vai se preocupar tanto com o tipo de serviço que ele tem escolher, qual salário vai receber e onde trabalhar. Muitas vezes, imigrantes trabalham em serviços que os brasileiros não trabalham, mas isso não deixa de ser um serviço digno.”
Mor conversava comigo em uma sala que fica no quarto andar de um prédio no centro de Porto Alegre. Na Rua dos Andradas, antes e sempre Rua da Praia. Enquanto ele fala sobre a procura de serviço, da janela eu avisto os homens nas calçadas. Não vejo Mamadou. Mas vejo Mohammed, cujo nome ainda não sei mas com quem prometo conversar. Não consigo parar de pensar no quão vulneráveis eles estão. E eles estão. Nossa conversa é interrompida por um rapaz que preferiu não divulgar o nome.
“Esse rapaz aqui é um exemplo do que eu estava te falando.”
“Ele sofreu algum tipo de exploração?”
“Sim. Ele estava trabalhando num local e foi demitido meses depois sem justa causa. Não recebeu direitos, não recebeu salário, não sabe a quem recorrer e vai acabar entrando numa vida vulnerável. Mas não é só ele. Isso mostra que uma grade quantidade de imigrantes vive nessa situação.”
E bastou falar da primeira história para os relatos de opressão brotarem na memória dolorida de quem vê as consequências da escravidão entranhadas no racismo estrutural do Brasil.
“Tem outro caso de três imigrantes que estavam trabalhando e foram demitidos. Três meses sem receber salário, mais de três anos sem férias.”
“Uma menina trabalhava de empregada em uma casa, se acidentou dentro do serviço porque ela trabalhava mais do que deveria. Trabalhava quase 24 horas por dia. Ela morava no serviço. Ela não tinha horário pra começar e terminar. Acordava antes de todos, ia dormir depois de todo mundo. Então ela caiu, fora do horário que deveria ser o serviço, mas estava trabalhando. Quebrou o braço. Só que a empregadora disse pra ela não falar que estava trabalhando. No final das contas, ela foi mandada embora, não recebeu salário, não tinha onde morar e ainda ficou sem poder trabalhar.”
O procurador Luiz Alessandro Machado, do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), conta que, há dois anos, foi instaurado um procedimento promocional (3124/2016) para tratar dos imigrantes que vivem no Estado. Principalmente em relação ao trabalho escravo, tráfico de pessoas e discriminação. “Os imigrantes muitas vezes não sabem aonde denunciar, não tem em quem confiar, tem dificuldade em se comunicar, isso faz com quem fiquem muito mais vulneráveis à exploração.”
Há inúmeros registros de caso de exploração e/ou racismo no interior do Estado envolvendo senegaleses e haitianos. E há casos envolvendo pessoas de outras nacionalidades. Na região de Passo Fundo, nos municípios de Arvorezinha e Doutor Ricardo, o MPT desvelou um esquema de aliciamento de trabalhadores uruguaios, paraguaios e argentinos para a produção de erva-mate. Inclusive com intervenção dos chamados atravessadores – ou coiotes. Eles eram mantidos em condições degradantes e análogas ao trabalho escravo.
O órgão esbarra na resistência dos imigrantes em levar adiante as denúncias de abuso. “A maioria só vem em situação extrema, quando não recebe o dinheiro e quer ir embora.” Ele lembra, porém, que os imigrantes podem se sentir seguros ao conduzir qualquer denúncia ao MPT, que pode ajudar, inclusive, na produção de novos documentos. A aprovação da resolução normativa 122 dá aos procuradores a atribuição para requerer o visto a quem foi vítima de exploração ou tráfico de pessoas. Com isso, podem permanecer no Brasil por até cinco anos.
Mas o procurador admite que há falhas na verificação dos problemas. “A gente tá fazendo um mapeamento da situação e abriu um procedimento investigatório para cada uma das empresas que empregam trabalhadores imigrantes e pedimos fiscalizações para o Ministério do Trabalho.” Até o momento, os maiores problemas estão vinculados ao assédio moral e discriminação racial.
A limitação maior está na verificação do trabalho informal, no qual o procurador Luiz Alessandro Machado reconhece haver espaço para atuação. O RS é o terceiro estado que mais emprega imigrantes no país (10%), mesmo assim, cada vez menos os senegaleses conseguem emprego com carteira assinada. Em 2014, o mercado formal absorvia os recém chegados na construção civil, em grandes fábricas, empresas de limpeza e serviços gerais e, principalmente, em frigoríficos. Com o crescimento da exportação de carne para países árabes, cresceu a demanda de mão-de-obra muçulmana para executar o abate halal, que é a forma como um animal deve ser abatido de acordo com as leis do Alcorão. Mas com a crise econômica, política e social que o Brasil enfrenta, os imigrantes foram os primeiros demitidos. E se já era raro que alguém valorizasse sua capacidade intelectual, a conjuntura política brasileiro dificultou isso ainda mais. A professora Juliana Rossa contou que até o currículo pode ser um problema. As documentações são diferentes, os endereços fluidos e comprovantes são difíceis de apresentar. “Tem muitas particularidades no mundo do trabalho, e esse mercado não se abre pra eles.”
OUÇA OS RELATOS DE EXPLORAÇÃO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Mamadou, então, recorreu ao que sabe.
“Eu gosto de vender. No Senegal, a maior parte das pessoas trabalha na agricultura, mas não tem espaço pra todo mundo. Então o jovem vende. A gente começa a vender cedo.”
__ . __
QUEFAZER O SENEGAL E UMA POPULAÇÃO MOLDADA PARA O COMÉRCIO
Em um erro de digitação, descobri a existência da palavra “quefazer”. Assim mesmo, tudo junto. Minha ignorância me impedia de saber que significa ocupação. Conforme o dicionário, é um vocábulo descrito como o trabalho que se faz por hábito, costume. Imediatamente pensei nos homens nas calçadas. Não é por acaso que eles optam pelo comércio ambulante. No Senegal, 70% da população é formada por jovens que não tem onde trabalhar em um país que sobrevive da agricultura e sofre com as estiagens. Como consequência, eles migram para as grandes cidades na esperança de serem absorvidos pelo comércio, uma arte que se não é inata os acompanha desde muito cedo e faz parte da cultura do país de maioria muçulmana.
Juliana Rossa é jornalista e professora da Faculdade Murialdo de Caxias do Sul. Há mais de cinco anos convive com os imigrantes e pesquisa sobre aspectos culturais específicos do Senegal. No doutorado em Letras pela UCS/UniRitter, centrou o estudo na poesia oral e na performance dos cantos religiosos. A caxiense viajou ao país, onde pôde não apenas aprofundar a investigação mas também desvendar um vínculo fortíssimo entre a religiosidade e a habilidade comercial.
Estima-se que 94% dos senegaleses sejam muçulmanos. O islamismo praticado no país é influenciado pelo Sufismo, conhecido como uma corrente mística que tem no Muridismo uma das fraternidades mais expressivas na etnia Wolof (que abrange quase metade da população do Senegal). O aspecto religioso é tão importante na sociedade que as crianças são encaminhadas para uma escola árabe desde muito cedo. Geralmente, os meninos passam a frequentar a escola corânica a partir dos cinco anos.
“Eles aprendem árabe e decoram o Alcorão. Dependendo da família, a criança fica mais ou menos tempo. Essas escolas corânicas são mantidas com doações, são espaços em que as crianças passam o dia relativamente sozinhas e precisam aprender a “se virar”, com pouquíssimo tempo para brincar. Essa escola caleja a personalidade deles. Por exemplo, às vezes, para almoçar, eles precisam pedir comida nas casas dos vizinhos. Ao fazer esse gesto, eles se colocam humildes. É como uma troca. Ao pedir ajuda, eles também se dispõem a ajudar, a tratar a todos muito bem e com muito respeito. Então, porque eles vendem muito bem? Porque eles retornam a essa formação inicial.”
Um professor senegalês foi quem explicou a relação à Juliana. É uma espécie de solicitude que se aprende desde muito cedo, como uma permuta de gentilezas. Algo que é reforçado nas pessoas que, dentro do Muridismo, praticam a corrente Baye Fall, facilmente identificáveis pelas roupas coloridas e os dreadlocks – às vezes confundidos com os Rastafari. “Se tu encontrares um Baye Fall e tu estiveres com frio, ele vai tirar a roupa que tem para que tu não sintas frio. Se há uma festa religiosa, ele vai cozinhar, ele vai fazer, ele que vai ajudar.”
O relato da professora Juliana Rossa mostra como a negociação faz parte de quem eles são. Eles vendem, vendem, vendem eletrônicos, vendem comida, vendem arte, vendem roupas, vendem.
Senegal. Vladimir Zhoga / Shutterstock.com
“A gente nasce naquele ambiente em que as pessoas vendem na rua. Muitas pessoas que estão aqui, já vendiam lá.” Mor não é vendedor, mas confirma que há essa preparação. As cidades estão envoltas na atmosfera das transações comerciais. Por isso, diante da crise no mercado formal brasileiro, recorrer ao comércio ambulante e informal é uma escolha natural para os senegaleses. Natural, mas não significa uma alternativa fácil.
__ . __
“O IMIGRANTE, QUANDO DECIDE SAIR, JÁ ESTÁ PREPARADO. TU TÁ INDO PRA OUTRO PAÍS, TEM QUE TOLERAR CERTAS COISAS.”
É preciso coragem para enfrentar as ruas na branca Porto Alegre. As certas coisas a que o Mor se refere em tolerar são pesadas. Não demoro para perceber que ele está falando de racismo, xenofobia, intolerância em todas as formas, preconceito de todos os jeitos.
“Se eu saio na rua e paro ali no menino que tá vendendo, em dez minutos eu vou reparar em alguma coisa preconceituosa que ele não vai perceber.”
“Como assim?”
“Porque eu estou aqui há mais tempo. Sou mais ligado.”
“Tu falas de racismo velado?”
“Isso, são pequenas coisas que eu percebo.”
“E coisas nem tão pequenas, acontecem?”
“Sim. Na semana passada, por exemplo, eu fui no tabelionato acompanhar alguém que precisava da minha ajuda para autenticar um documento. Quando a gente chegou o cara falou que não ia autenticar porque não era um documento oficial. Só que era um documento da Polícia Federal. O menino ficou arrasado.”
Eu recebo a informação com assombro. É o tipo de história que todos sabemos que existe, mas envergonha a confirmação. Acho que não consigo esconder o constrangimento e o rubor que toma conta do meu rosto. Mor se apressa em explicar que a maioria dos gaúchos trata os imigrantes com respeito, mas insisto que ele fale de quem não o faz. Superada a resistência inicial, ele emenda um desabafo no suspiro.
“A palavra “racismo”. Eu conheci o significado dessa palavra na prática há pouco tempo. Não é um problema no Senegal, mas aqui parece que vai ser sempre. Agora há pouco eu conversava com alguém que foi contratado em uma grande empresa, com carteira assinada, para um bom cargo de nível superior. Ele foi lá hoje e foi apresentado à pessoa que seria sua chefe. Ela olhou pra ele e disse: “eu não quero esse cara.”
“Por causa da cor.”
“Sim, por causa da cor. O racismo no Brasil existe e os imigrantes sofrem diariamente. E o problema não é ser imigrante, é ser imigrante africano e negro. O imigrante europeu com a mesma formação não encontra as mesmas dificuldades. O negro brasileiro sofre e o negro africano sofre.”
Conforme ele fala, meus ombros pesam com a vergonha que todo brasileiro deveria carregar. Imediatamente me lembro de uma frase da socióloga Aline Passuelo, com quem eu havia conversado muito tempo antes. “Jamais vou esquecer de um imigrante que me disse que descobriu que era negro no Brasil. Ele descobriu que ser negro era um problema no Brasil.”
Eu também jamais vou esquecer do que a Aline me contou. Em pleno século XXI, o negro africano atravessa o oceano para descobrir um país que não se permite livrar da cruel e torpe tradição escravagista. E esse comportamento social tem um impacto devastador no imaginário dos imigrantes senegaleses, que aguentam em silêncio e sozinhos. Não são poucos os que apresentam transtornos psicológicos, geralmente relacionados à depressão.
“Sofrem calados porque todos os dias acontecem pequenas coisas.”
“Tipo o que, Mor?
“O imigrante vai na farmácia e é ignorado. Vai na padaria e alguém repara na cor, que tem sotaque diferente, e não é atendido. Começa a ser tratado de forma diferente.”
“E como ele reage a essas coisas?”
“Ele não tem com quem reclamar, geralmente passa por tudo isso sem reclamar. Isso choca.”
E como. E acabam se fechando. Quando conheci o Mamadou, percebi que havia algo diferente. Ele queria conversar, precisava conversar e assim o fez. Abertamente. Com aquele sorriso fácil e inabalável. Isso era incomum. Nas outras vezes em que abordei um imigrante, fosse para uma conversa, fosse para uma entrevista, a resposta era amigável mas monossilábica. Mor me disse que era medo de ser julgado e maltratado. Fazia sentido. As palavras vinham carregadas de desconfiança, de receio. Foi assim com Mohammed, o menino que eu avistei da janela enquanto falava com Mor. Desligado o gravador, fui até ele. Comprei um cabo para o carregador do meu celular por quinze reais e perguntei seu nome. Ele me olhou com surpresa. Respondeu, mas cabreiro. Foi quando lembrei de algo que poderia quebrar o gelo.
“Tu foste levar uma chave a pedido do Mor para a senhora da portaria, não é mesmo?”
“Sim, como você sabe?”
“Eu estava sentada nas cadeiras que ficam na entrada.”
“Ah, sim. Agora eu me lembro.”
“Estava justamente aguardando para conversar com o Mor, estou fazendo uma reportagem sobre a vida dos imigrantes senegaleses aqui no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. ”
“Que bom.”
“Tu vives aqui há quanto tempo?”
“Há dois anos. Eu tenho 22 anos, cheguei aqui com 20.”
“Vende bastante?”
“Não posso me queixar.”
“E gosta de morar aqui?”
“É bom, eu consigo ajudar minha família. Mas quero voltar.”
Quando ele encolheu os ombros e desviou o olhos, as palavras do Mor ecoaram nos meus ouvidos. Sorrio. Ele sorri de volta. Desejo sorte a ele e sigo meu rumo.
__ . __
FAZER O QUE?
Meu avô fala muito isso. Seu Orozimbo é neto de imigrantes italianos. A família Pellizzaro chegou no Rio Grande do Sul no final do século XIX. Esquálidos de fome, pálidos de frio e vestindo farrapos. Chegaram aqui, há mais de cem anos, em busca de uma oportunidade, por menor que fosse.
Das histórias que o nono Giuseppe contava, creio que não figuravam relatos de preconceito. Em nenhum momento surgia a dor de ouvir de um brasileiro que eles estavam ali para roubar empregos ou para trazer doenças. Pelo contrário, eles inclusive foram incentivados pelo governo brasileiro. Ganharam terrenos para colonizar. E prosperaram. Alguém acreditou neles e eles tiveram a chance de prosperar.
“A gente só precisa de uma mínima oportunidade. De consideração e respeito.”
Imigrantes senegaleses trabalhando nas ruas de Porto Alegre. Foto: Geórgia Santos
São jovens. Estão batalhando, trabalhando, vivendo longe dos pais, longe da família, longe de tudo o que conhecem. Longe de festas em que toca mbalakh. Longe da voz de Youssou N´Dur. Longe das plantações de mil e dos pratos de diakhouté. Fazer o que?
__ . __
“Prazer em te conhecer, Mamadou.”
“Também, Geórgia.”
Não era uma entrevista. Era apenas uma conversa, eu só queria saber quem ele era, de verdade. Fiquei feliz em ver que era um cara cheio de sonhos, feliz, que corre atrás daquilo que acredita. Foi assim que conheci um dos homens nas calçadas. Espero que o sorriso continue fácil e inabalável.
Who are these men on the sidewalks? I ask this question often. Sometimes out loud. Who are the men on the sidewalk, selling so many things? Where are they coming from? What they do? What do they think? Some smile. Others barely blink. The eyelids that harbor that distant gaze seem immobile. So many of them embracing the solitude. It is as if they were alone in the heart of the restless Porto Alegre. Who are these men on the sidewalks?
___ . ___
He was wearing white T-shirts and shorts, two simple pieces that grew in contrast to the dark black skin and the light of the late afternoon. Actually, I do not know if I could call it shorts, maybe it was what I used to call a capri in my teenage years, a type of short pants, right below the knee. He was wearing slippers, he was comfortable with the sand touching his feet. He was stylish. The whole outfit was part of an ensemble that he finished with a thin jacket from a well-known sports brand. It had a hood. Adidas, maybe? I think I remember the stripes being mixed up with the perfect teeth that appeared with the easy and authentic smile, typical of someone who does not know shyness. He gave every indication that he wanted to talk. That he needed to talk.
I met him on the beach. While my mother was negotiating a hammock with Mr. Messias, I distracted myself with the dozens of glasses that this immigrant was selling on the sidewalk, right in the corner of the pharmacy, near the supermarket. He had an incredible collection. He smiled. That same easy, authentic smile remained, unwavering. While I was trying some of the glasses on and showing an extreme inability to put it back in the proper place, Mrs. Gertrudes appeared with the new hammock in hand, reprimanded my impulses.
.
"More glasses, Georgia? This is almost an obsession. "
"Mom, it's not that bad."
.
It was that bad. I laughed and tried to convince her - and myself - that I needed to make that purchase. After all, the price was so good and the frames were so beautiful and I was so into it. He also laughed as she rolled her eyes and I pretended it was not about me. I said goodbye without asking his name. I was in a hurry, the wind was intense and I swayed between almost breaking my teeth while chewing grains of sand, trying to keep my eyes open and taming my hair, which seemed stuck in a whirlpool vortex. I left, but determined to go back.
I came back. The next day, I stopped at the same busy corner and he smiled again, again easy, again authentic. He remembered me. Not just me.
.
"Where is your mother?", he asked, laughing, probably reliving in his memory the ridiculous scene we played the day before.
"Not today. I ran away!”, I joked.
.
Well, not exactly a joke. I took advantage of the company of my husband, who was not very concerned about what I do with my money, and bought the glasses without the maternal instinct of disapproval. With more calm and less wind, I asked his name.
"Mamadou."
Mamadou is this 27 year old man who has been in Brazil for two years now. He came here looking for a job, just like most of the 1.06 million foreigners living in the country, according to data from the Ministry of Justice. More than 50,000 are in Rio Grande do Sul. Sociologist Aline Passuelo works with the Immigrant and Refugee Advisory Group (GAIRE) at the Federal University of Rio Grande do Sul's (UFRGS), which provides legal, psychological and social counseling for free. She explains that foreigners arriving in Rio Grande do Sul come mainly from Haiti, Senegal, Colombia and Syria.
“I´m from Senegal. Have you ever heard about Senegal?”
“Of course, Mamadou.”
“Really? A lot of people don’t know where Senegal is.”
Senegal is one of those places where nature mesmerizes. The colors are warm, the clothes make up a mosaic backlit while the earth and the green lie near the salt water. It has long been considered a successful West African democracy. Since the independence of France on April 4, 1960, there are already decades of tradition of stable governments and civilian command. It is also an extremely safe country. The capital Dakar is home to arts with its Village des Arts, home and gallery of about 50 artists. Also comes from there the first film of the continent. Borom Sarret (1963), by Senegalese director Ousmane Sembène, was the first one filmed in Africa by an African and black director. It is breathtaking.
But it's one of those places that takes your breath away and does not give back. The country is one of the poorest in the world. In comparison with the Gross Domestic Product (GDP) of other nations, World Bank data show Senegal in 154th place in a list of 185. The result is a also low Human Development Index (HDI), a comparative measure of factors such as wealth, literacy, education, life expectancy and birth rates. In the United Nations (UN) classification, Senegal ranks 162 in a role with 168 countries.
With 15 million inhabitants, the majority of the population is made up of young people who do not have jobs or opportunities in a land that survives from agriculture and has to face ever-worsening droughts. The dust cloud can be beautiful to the spectator of the celebrated Dakar Rally, but in reality it is the representation of the thirst, the lack of air, of an arid destination. The solution is to find the future somewhere else.
Professor Juliana Rossa helps Senegalese immigrants in Caxias do Sul in various ways and, after a few years of socializing and a long visit to the country, she realizes that there is a pattern in the profile of the immigrant.
"The family usually choose a representative to migrate, he will have a responsibility with the family that stayed. This representative is young, healthy, eager to work and generally educated. " The men on the sidewalks come from Senegal. They come to work. As Professor Juliana says, "if it were not for the job, it would be tourism." And it certainly is not tourism.
Senegal's immigration is not a recent movement. After the independence of France in 1960, Senegalese men migrated to the United States and Europe in search of something to believe in. Mor Ndiaye's father went to Spain in the 1980s, but he decided to come to Brazil instead, looking for the place that appeared in stories told by a friend when they were children. "I had a childhood friend who was vacationing here, his father was working at the consulate in São Paulo. When he came back, he would talk about it all the time. So I grew up and I chose Brazil to live.
Mor arrived in 2008, when there were only a few compatriots in Porto Alegre. But in 2014 the migratory movement increased when a terrible drought hit Senegal at the same time that the Brazilian market needed labor because of the World Cup. Thousands of Senegalese have decided to look for the future in Brazil.
"We knew that Brazil was very violent and difficult, but also a country of high growth. When I arrived, I arrived at the time when opportunity was abundant. " Mor works as Public Relations in a large company, he found the opportunity he was looking for. Even though he is privileged, he knows how difficult it is to plunge into a state like Rio Grande do Sul. He has therefore created the Senegalese Immigrants Association to help more than 4,2 thousand patricians living in the state - 1200 in the capital and around 800 in Caxias do Sul.
.
"Do you like to live here, Mamadou?
"It's good here, we can earn some money to live with dignity and help the family. But you have to work hard. Anywhere in the world we have to work hard, right? "
"Right. But is it still good? "
"When I arrived, it was not long before I got a job. I worked on many things, had a permanent job. But now things are different. So I had to figure out what to do. "
Mamadou is not laconic despite the tone. He said that with that smile. The easy and unshakable one.
___ . ___
PAINSTAKING?
THE UNEMPLOYED AND THE EXPLOITED IN BRASIL
Optimism does not alter the fact that the situation has changed much in less than four years. Data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) show that last year, from November to January , 12.7 million people were unemployed in Brazil. It is practically the entire population of Senegal. And this, of course, affects foreigners. Lawyer Márcia Abreu, from the University Legal Advisory Service of UFRGS (Saju), explains that in 2014, the main difficulties faced by immigrants were the language (the Senegalese speak French) and homelessness, besides the issue of regularization of documentation . Today, it is the lack of employment. "It was already a problem before. At any job interview, even at Sine, when they saw that he was an immigrant, they didn’t even look at the curriculum, they offered what we call underemployment. And now it is even worse, we are living a very different moment, it has no comparison with years ago. "
Mamadou did not tell me his last name, but said he is happy to be able to work quietly, feed himself, sleep well. He knows that he is, in a way, privileged. Most of them take a long time to achieve a stable life and this makes it endure a condition of extreme vulnerability. And the problems that accrue to the lack of jobs are innumerable and immense and inhuman. "The immigrant's greatest concern is to work, to start and get regularized. He will not worry so much about the type of service he has to choose, what salary he will receive, and where to work. Often, immigrants work in services that Brazilians do not work, but this is still a decent service. "
Mor was talking to me in a room on the fourth floor of a building in downtown Porto Alegre. At Rua dos Andradas, before and always Rua da Praia. While he talks about the demand for service, from the window I see the men on the sidewalks. I do not see Mamadou. But I see Mohammed, whose name I still do not know but to whom I promise to talk to. I can not stop thinking about how vulnerable they are. And they are. Our conversation is interrupted by a young man who chose not to divulge the name.
"This guy here is an example of what I was telling you."
"Has he suffered any kind of exploitation?"
"Yes. He was working and was dismissed months later without just cause. He has not received any rights, he has not received any salary, he does not know who to turn to, and he will end up in a vulnerable life. But it's not just him. This shows that a lot of immigrants live in this situation. "
And it was enough to speak of the first story so that the reports of oppression spring in the painful memory of those who see the consequences of slavery entrenched in Brazil's structural racism.
"There is another case of three immigrants who were working and were dismissed. Three months without receiving salary, more than three years without vacations. "
"A girl worked as a maid in a house and she got hurt inside the house because she worked more than she should. She worked almost 24 hours a day. She lived in the work place. She did not have a specific time of day to start and finish. She used to wake up before everyone else and go to bed after everyone. So she fell and broke her arm while working, but her employer told her not to mention that she was working. In the end, she was sent away, paid no salary, had no place to live and still could not work. "
The prosecutor Luiz Alessandro Machado, from the Rio Grande do Sul Public Labor Ministry (MPT-RS), says that two years ago a promotional procedure was instituted (3124/2016) to deal with immigrants living in the state. Especially in relation to slave labor, human trafficking, and discrimination. "Immigrants often do not know where to report, have no one to trust, have difficulty communicating, that makes them much more vulnerable to exploitation."
There are numerous records of cases of exploitation and / or racism involving Senegalese and Haitians. And there are cases involving people of other nationalities. In the region of Passo Fundo, in the cities of Arvorezinha and Doctor Ricardo, the MPT unveiled a scheme of enticement of Uruguayan, Paraguayan and Argentine workers for the production of yerba mate. Even with the intervention of so-called middlemen - or coyotes. They were kept in degrading conditions and analogous to slave labor.
The MPT collides with the immigrants' resistance to carry out the abuse allegations. "Most people who come, do so only in an extreme situation when they do not receive the money and want to leave." He points out, however, that immigrants can feel safe in conducting any denunciation to the MPT, which can also help in the production of new documents. The approval of normative resolution 122 gives prosecutors the attribution to give a provisional visa to those who were victims of exploitation or human trafficking. With this, they can stay in Brazil for up to five years.
But the prosecutor admits there are flaws in verifying the problems. "We are mapping the situation and opened an investigative procedure for each of the companies that employ immigrant workers and ask for inspections of the Ministry of Labor." So far, the biggest problems are linked to bullying and racial discrimination.
The greatest limitation is in the verification of informal work, in which Attorney Luiz Alessandro Machado acknowledges that there is room for action. The RS is the third state that most employs immigrants in the country (10%), even though, fewer and fewer Senegalese workers are able to get a job with a formal contract. By 2014, the formal market absorbed newcomers in construction, large factories, cleaning and general services companies, and especially in slaughterhouses. As the export of meat to Arab countries has grown, the demand for Muslim labor has increased to implement halal slaughter, which is how an animal should be slaughtered according to the laws of the Qur'an. But with the economic, political and social crisis that Brazil faces, the immigrants were the first dismissed. And if it was already rare for someone to value their intellectual capacity, the Brazilian political situation made this even more difficult. The teacher Juliana Rossa said that even the curriculum can be a problem. Documentations are different, fluid addresses and vouchers are difficult to present. "There are many peculiarities in the world of work, and this market does not open to them."
Mamadou then resorted to what he knows.
"I like to sell. In Senegal, most people work in agriculture, but there is no room for everyone. Then the young man sells. We start selling early. "
___ . ___
PAINSTAKING
SENEGAL AND A POPULATION SHAPED TO SELL
I didn’t know the word painstaking. My ignorance kept me from knowing that meant something done with or employing great care and thoroughness. Immediately I thought of the men on the sidewalks. It is no coincidence that they opt for street vending. In Senegal, 70% of the population is made up of young people who have nowhere to work in a country that survives from agriculture and suffers from drought. As a result, they migrate to large cities in the hope of being absorbed by commerce, an art that if not innate accompanies them from an early age and is part of the culture of the country of Muslim majority.
Juliana Rossa é jornalista e professora da Faculdade Murialdo de Caxias do Sul. Há mais de cinco anos convive com os imigrantes e pesquisa sobre aspectos culturais específicos do Senegal. No doutorado em Letras pela UCS/UniRitter, centrou o estudo na poesia oral e na performance dos cantos religiosos. A caxiense viajou ao pa´is, onde pôde não apenas aprofundar a investigação mas também desvendar um vínculo fortíssimo entre a religiosidade e a habilidade comercial.
Estima-se que 94% dos senegaleses sejam muçulmanos. O islamismo praticado no país é influenciado pelo Sufismo, conhecido como uma corrente mística que tem no Muridismo uma das fraternidades mais expressivas na etnia Wolof (que abrange quase metade da população do Senegal). O aspecto religioso é tão importante na sociedade que as crianças são encaminhadas para uma escola árabe desde muito cedo. Geralmente, os meninos passam a frequentar a escola corânica a partir dos cinco anos.
Juliana Rossa is a journalist and teacher at the Murialdo Faculty of Caxias do Sul. She has been working and socializing with immigrants for more than five years and she is currently doing a PhD research about a specific cultural aspect of Senegal: oral poetry and the performance of religious songs. She traveled to the country, where she was able not only to deepen her research but also to discover a very strong link between religiosity and commercial ability.
It is estimated that 94% of Senegalese are Muslims. The Islam practiced in the country is influenced by the Sufism, known as a mystical current that has in the Muridism one of the most expressive fraternities in the Wolof ethnic group (that covers almost half of the population of Senegal). The religious aspect is so important in society that children are referred to an Arab school from an early age. Usually, boys start attending the Koranic school from the age of five.
"They learn Arabic and memorize the Koran. Depending on the family, the child gets more or less time. These Koranic schools are maintained with donations and provide spaces where children spend a lot of the time alone and have very little time to play. This school molds their personality. For example, sometimes, for lunch, they need to ask for food from their neighbors' homes. In making this gesture, they place themselves humble. It's like an exchange. When they ask for help, they are also willing to help, to treat everyone well and with great respect. So why do they sell very well? Because they return to this initial formation. "
A Senegalese teacher explained the relationship to Juliana. It is a kind of solicitude that one learns from an early age, as an exchange of kindnesses. Something that is reinforced in people who, within Muridism, practice the current Baye Fall, easily identifiable by the colored clothes and the dreadlocks - sometimes confused with the Rastafari. "If you find a Baye Fall and you're cold, he's going to take his clothes off so you do not feel cold. If there is a religious feast, he will cook, he will do everything, he will help. "
The report by Professor Juliana Rossa shows how negotiation is part of who they are. They sell, sell, sell electronics, sell food, sell art, sell clothes, sell.
"We are born in that environment where people sell on the street. Many people who are selling here were already selling there."
Mor is not a salesman, but confirms that there is such preparation. Cities are shrouded in the atmosphere of business transactions. Therefore, faced with the crisis in the Brazilian formal market, resorting to street and informal commerce is a natural choice for the Senegalese. Natural, but not an easy alternative.
___ . ___
"THE IMMIGRANT, WHEN HE DECIDES TO LEAVE, IS ALREADY PREPARED. YOU ARE GOING TO ANOTHER COUNTRY, YOU HAVE TO TOLERATE SOME THINGS. "
It takes courage to face the streets in the white Porto Alegre. Certain things that Mor says they have to tolerate are too heavy. I soon realize that he is talking about racism, xenophobia, intolerance in every way, prejudice in every way.
"If I go out on the street and stop there to talk to the boy that’s selling, in ten minutes I'll notice something biased that he will not notice."
“What do you mean?”
"Because I've been here longer. I know there are certain things that do not seem to be what they are. "
"Do you speak of veiled racism?"
“Yes, there are little things I realize."
"And how about things that are not so small?"
"Yes, that happen too. Last week, for example, I went to the notary’s office to accompany someone who needed my help to authenticate a document. When we arrived the guy said he would not authenticate because it was not an official document. Only it was a document from the Federal Police. The boy was devastated. "
I receive the information with astonishment. It's the kind of story we all know exists, but still, is so shameful. I do not think I can hide the embarrassment and the blush that takes over my face. Mor is quick to explain that most Gauchos treat immigrants with respect, but I urge him to talk about who does not. Once the initial resistance has been overcome, he blows everything out in a gasp.
"The word" racism. " I got to know the meaning of this word in practice not long ago. It's not a problem in Senegal, but here it always seems to be. I was just talking to someone who was hired from a large, signed-up company for a good higher-level position. He went there today and was introduced to the person who would be his boss. She looked at him and said, "I do not want this guy."
"Because of the color."
"Yes, because of the color. Racism in Brazil exists and immigrants suffer daily. And the problem is not being an immigrant, but an African immigrant. The European immigrant with the same training does not encounter the same difficulties. Black Brazilian suffers and black African suffers. "
As he speaks, my shoulders weigh with the shame that every Brazilian should carry. Immediately I remember a phrase from the sociologist Aline Passuelo, with whom I had spoken long before. "I will never forget an immigrant who told me that he discovered that he was black in Brazil. He discovered that being black was a problem in Brazil. "
I will never forget what Aline told me. In the midst of the twenty-first century, an African man crosses the ocean to discover a country that does not allow itself to be freed from the cruel and slave tradition. And this social behavior has a devastating impact on the imagination of the Senegalese, who stand in silence and alone. Not a few are those with psychological disorders, usually related to depression.
"They suffer in silence because small things happen every day."
"Like what, Mor?
"The immigrant goes to the pharmacy and is ignored. He goes to the bakery and someone notices the color, the different accent, and begins to treat him differently. "
"And how does he react to these things?"
"He has no one to complain to and usually goes through all this without complaining. That shocks. "
And they end up silent and alone. When I met Mamadou, I realized that there was something different. He wanted to talk, he needed to talk, and he did. Openly. With that easy and unshakable smile. This was unusual. The other times I approached an immigrant, whether for a conversation or an interview, the answer was friendly but monosyllabic. Mor told me that they were afraid of being mocked and mistreated. It made sense. The words were loaded with suspicion, with fear. So it was with Mohammed, the boy I saw in the window while I was talking to Mor. Turning off the recorder, I went to him. I bought a cable for the charger of my cell phone for R$15 and asked for his name. He looked surprised. He answered suspiciously. That's when I remembered something that could break the ice.
"You brought a key to the lady at the building, did you not? Mor asked you to, I guess.“
"Yes, how do you know?"
"I was sitting in the chairs at the entrance."
"Ah yes. Now I remember. "
"I was just waiting to talk to Mor, I'm doing a story about the lives of the Senegalese immigrants in Rio Grande do Sul, especially in Porto Alegre."
"How nice."
"You've lived here for how long?"
"Two years. I'm 22, I got here with 20. "
"Do you sell enough?"
"I can not complain."
"And you like to live here?"
"It's good, I can help my family. But I want to go back. "
When he shrugged and looked away, Mor's words echoed in my ears. I smile. He smiles back. I wish him luck and I'm on my way.
___ . ___
WHAT YOU GONNA DO?
My grandfather says that a lot. Mr. Orozimbo is the grandson of Italian immigrants. The Pellizzaro family arrived by the end of the 19th century. They were starving, pale from the cold, and dressed in tatters. They came here, more than a hundred years ago, in search of an opportunity.
Of the stories that nono Giuseppe told us, I believe there were no accounts of prejudice. At no point they faced the pain of hearing from a Brazilian that they were here to steal jobs or bring diseases. On the contrary, they were even encouraged by Brazilian government. They gained lands to colonize. And they prospered. Someone believed in them and they had the chance to thrive.
"We just need a minimum of opportunity. Of consideration and respect. "
What Mor asks is the same thing that Italian immigrants - and others - asked for. He just asks them to believe in the potential of these men who have crossed the world in search of a new life. He just asks someone to believe. They are young. They are struggling, working, living away from their parents, away from the family, away from everything they know. Away from parties in which they play and dance mbalakh. Far from the voice of Youssou N'Dur. Far from the plantations of millet and the diakhouté dishes. So, what you gonna do? Believe.
___ . ___
"Nice to meet you, Mamadou."
“You too, Georgia."
It was not an interview. It was a conversation, I just wanted to meet him. I was happy. That's how I met one of the men on the sidewalks. I hope the smile remains easy and unshakeble.
Who are these men on the sidewalks? I ask this question often. Sometimes out loud. Who are the men on the sidewalk, selling so many things? Where are they coming from? What they do? What do they think? Some smile. Others barely blink. The eyelids that harbor that distant gaze seem immobile. So many of them embracing the solitude. It is as if they were alone in the heart of the restless Porto Alegre. Who are these men on the sidewalks?
___ . ___
He was wearing white T-shirts and shorts, two simple pieces that grew in contrast to the dark black skin and the light of the late afternoon. Actually, I do not know if I could call it shorts, maybe it was what I used to call a capri in my teenage years, a type of short pants, right below the knee. He was wearing slippers, he was comfortable with the sand touching his feet. He was stylish. The whole outfit was part of an ensemble that he finished with a thin jacket from a well-known sports brand. It had a hood. Adidas, maybe? I think I remember the stripes being mixed up with the perfect teeth that appeared with the easy and authentic smile, typical of someone who does not know shyness. He gave every indication that he wanted to talk. That he needed to talk.
I met him on the beach. While my mother was negotiating a hammock with Mr. Messias, I distracted myself with the dozens of glasses that this immigrant was selling on the sidewalk, right in the corner of the pharmacy, near the supermarket. He had an incredible collection. He smiled. That same easy, authentic smile remained, unwavering. While I was trying some of the glasses on and showing an extreme inability to put it back in the proper place, Mrs. Gertrudes appeared with the new hammock in hand, reprimanded my impulses.
.
“More glasses, Georgia? This is almost an obsession. “
“Mom, it’s not that bad.”
.
It was that bad. I laughed and tried to convince her – and myself – that I needed to make that purchase. After all, the price was so good and the frames were so beautiful and I was so into it. He also laughed as she rolled her eyes and I pretended it was not about me. I said goodbye without asking his name. I was in a hurry, the wind was intense and I swayed between almost breaking my teeth while chewing grains of sand, trying to keep my eyes open and taming my hair, which seemed stuck in a whirlpool vortex. I left, but determined to go back.
I came back. The next day, I stopped at the same busy corner and he smiled again, again easy, again authentic. He remembered me. Not just me.
.
“Where is your mother?”, he asked, laughing, probably reliving in his memory the ridiculous scene we played the day before.
“Not today. I ran away!”, I joked.
.
Well, not exactly a joke. I took advantage of the company of my husband, who was not very concerned about what I do with my money, and bought the glasses without the maternal instinct of disapproval. With more calm and less wind, I asked his name.
“Mamadou.”
Mamadou is this 27 year old man who has been in Brazil for two years now. He came here looking for a job, just like most of the 1.06 million foreigners living in the country, according to data from the Ministry of Justice. More than 50,000 are in Rio Grande do Sul. Sociologist Aline Passuelo works with the Immigrant and Refugee Advisory Group (GAIRE) at the Federal University of Rio Grande do Sul’s (UFRGS), which provides legal, psychological and social counseling for free. She explains that foreigners arriving in Rio Grande do Sul come mainly from Haiti, Senegal, Colombia and Syria.
“I´m from Senegal. Have you ever heard about Senegal?”
“Of course, Mamadou.”
“Really? A lot of people don’t know where Senegal is.”
Senegal is one of those places where nature mesmerizes. The colors are warm, the clothes make up a mosaic backlit while the earth and the green lie near the salt water. It has long been considered a successful West African democracy. Since the independence of France on April 4, 1960, there are already decades of tradition of stable governments and civilian command. It is also an extremely safe country. The capital Dakar is home to arts with its Village des Arts, home and gallery of about 50 artists. Also comes from there the first film of the continent. Borom Sarret (1963), by Senegalese director Ousmane Sembène, was the first one filmed in Africa by an African and black director. It is breathtaking.
But it’s one of those places that takes your breath away and does not give back. The country is one of the poorest in the world. In comparison with the Gross Domestic Product (GDP) of other nations, World Bank data show Senegal in 154th place in a list of 185. The result is a also low Human Development Index (HDI), a comparative measure of factors such as wealth, literacy, education, life expectancy and birth rates. In the United Nations (UN) classification, Senegal ranks 162 in a role with 168 countries.
With 15 million inhabitants, the majority of the population is made up of young people who do not have jobs or opportunities in a land that survives from agriculture and has to face ever-worsening droughts. The dust cloud can be beautiful to the spectator of the celebrated Dakar Rally, but in reality it is the representation of the thirst, the lack of air, of an arid destination. The solution is to find the future somewhere else.
Professor Juliana Rossa helps Senegalese immigrants in Caxias do Sul in various ways and, after a few years of socializing and a long visit to the country, she realizes that there is a pattern in the profile of the immigrant.
“The family usually choose a representative to migrate, he will have a responsibility with the family that stayed. This representative is young, healthy, eager to work and generally educated. ” The men on the sidewalks come from Senegal. They come to work. As Professor Juliana says, “if it were not for the job, it would be tourism.” And it certainly is not tourism.
Senegal’s immigration is not a recent movement. After the independence of France in 1960, Senegalese men migrated to the United States and Europe in search of something to believe in. Mor Ndiaye’s father went to Spain in the 1980s, but he decided to come to Brazil instead, looking for the place that appeared in stories told by a friend when they were children. “I had a childhood friend who was vacationing here, his father was working at the consulate in São Paulo. When he came back, he would talk about it all the time. So I grew up and I chose Brazil to live.
Mor arrived in 2008, when there were only a few compatriots in Porto Alegre. But in 2014 the migratory movement increased when a terrible drought hit Senegal at the same time that the Brazilian market needed labor because of the World Cup. Thousands of Senegalese have decided to look for the future in Brazil.
“We knew that Brazil was very violent and difficult, but also a country of high growth. When I arrived, I arrived at the time when opportunity was abundant. ” Mor works as Public Relations in a large company, he found the opportunity he was looking for. Even though he is privileged, he knows how difficult it is to plunge into a state like Rio Grande do Sul. He has therefore created the Senegalese Immigrants Association to help more than 4,2 thousand patricians living in the state – 1200 in the capital and around 800 in Caxias do Sul.
.
“Do you like to live here, Mamadou?
“It’s good here, we can earn some money to live with dignity and help the family. But you have to work hard. Anywhere in the world we have to work hard, right? “
“Right. But is it still good? “
“When I arrived, it was not long before I got a job. I worked on many things, had a permanent job. But now things are different. So I had to figure out what to do. “
Mamadou is not laconic despite the tone. He said that with that smile. The easy and unshakable one.
___ . ___
PAINSTAKING?
THE UNEMPLOYED AND THE EXPLOITED IN BRASIL
Optimism does not alter the fact that the situation has changed much in less than four years. Data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) show that last year, from November to January , 12.7 million people were unemployed in Brazil. It is practically the entire population of Senegal. And this, of course, affects foreigners. Lawyer Márcia Abreu, from the University Legal Advisory Service of UFRGS (Saju), explains that in 2014, the main difficulties faced by immigrants were the language (the Senegalese speak French) and homelessness, besides the issue of regularization of documentation . Today, it is the lack of employment. “It was already a problem before. At any job interview, even at Sine, when they saw that he was an immigrant, they didn’t even look at the curriculum, they offered what we call underemployment. And now it is even worse, we are living a very different moment, it has no comparison with years ago. “
Mamadou did not tell me his last name, but said he is happy to be able to work quietly, feed himself, sleep well. He knows that he is, in a way, privileged. Most of them take a long time to achieve a stable life and this makes it endure a condition of extreme vulnerability. And the problems that accrue to the lack of jobs are innumerable and immense and inhuman. “The immigrant’s greatest concern is to work, to start and get regularized. He will not worry so much about the type of service he has to choose, what salary he will receive, and where to work. Often, immigrants work in services that Brazilians do not work, but this is still a decent service. “
Mor was talking to me in a room on the fourth floor of a building in downtown Porto Alegre. At Rua dos Andradas, before and always Rua da Praia. While he talks about the demand for service, from the window I see the men on the sidewalks. I do not see Mamadou. But I see Mohammed, whose name I still do not know but to whom I promise to talk to. I can not stop thinking about how vulnerable they are. And they are. Our conversation is interrupted by a young man who chose not to divulge the name.
“This guy here is an example of what I was telling you.”
“Has he suffered any kind of exploitation?”
“Yes. He was working and was dismissed months later without just cause. He has not received any rights, he has not received any salary, he does not know who to turn to, and he will end up in a vulnerable life. But it’s not just him. This shows that a lot of immigrants live in this situation. “
And it was enough to speak of the first story so that the reports of oppression spring in the painful memory of those who see the consequences of slavery entrenched in Brazil’s structural racism.
“There is another case of three immigrants who were working and were dismissed. Three months without receiving salary, more than three years without vacations. “
“A girl worked as a maid in a house and she got hurt inside the house because she worked more than she should. She worked almost 24 hours a day. She lived in the work place. She did not have a specific time of day to start and finish. She used to wake up before everyone else and go to bed after everyone. So she fell and broke her arm while working, but her employer told her not to mention that she was working. In the end, she was sent away, paid no salary, had no place to live and still could not work. “
The prosecutor Luiz Alessandro Machado, from the Rio Grande do Sul Public Labor Ministry (MPT-RS), says that two years ago a promotional procedure was instituted (3124/2016) to deal with immigrants living in the state. Especially in relation to slave labor, human trafficking, and discrimination. “Immigrants often do not know where to report, have no one to trust, have difficulty communicating, that makes them much more vulnerable to exploitation.”
There are numerous records of cases of exploitation and / or racism involving Senegalese and Haitians. And there are cases involving people of other nationalities. In the region of Passo Fundo, in the cities of Arvorezinha and Doctor Ricardo, the MPT unveiled a scheme of enticement of Uruguayan, Paraguayan and Argentine workers for the production of yerba mate. Even with the intervention of so-called middlemen – or coyotes. They were kept in degrading conditions and analogous to slave labor.
The MPT collides with the immigrants’ resistance to carry out the abuse allegations. “Most people who come, do so only in an extreme situation when they do not receive the money and want to leave.” He points out, however, that immigrants can feel safe in conducting any denunciation to the MPT, which can also help in the production of new documents. The approval of normative resolution 122 gives prosecutors the attribution to give a provisional visa to those who were victims of exploitation or human trafficking. With this, they can stay in Brazil for up to five years.
But the prosecutor admits there are flaws in verifying the problems. “We are mapping the situation and opened an investigative procedure for each of the companies that employ immigrant workers and ask for inspections of the Ministry of Labor.” So far, the biggest problems are linked to bullying and racial discrimination.
The greatest limitation is in the verification of informal work, in which Attorney Luiz Alessandro Machado acknowledges that there is room for action. The RS is the third state that most employs immigrants in the country (10%), even though, fewer and fewer Senegalese workers are able to get a job with a formal contract. By 2014, the formal market absorbed newcomers in construction, large factories, cleaning and general services companies, and especially in slaughterhouses. As the export of meat to Arab countries has grown, the demand for Muslim labor has increased to implement halal slaughter, which is how an animal should be slaughtered according to the laws of the Qur’an. But with the economic, political and social crisis that Brazil faces, the immigrants were the first dismissed. And if it was already rare for someone to value their intellectual capacity, the Brazilian political situation made this even more difficult. The teacher Juliana Rossa said that even the curriculum can be a problem. Documentations are different, fluid addresses and vouchers are difficult to present. “There are many peculiarities in the world of work, and this market does not open to them.”
Mamadou then resorted to what he knows.
“I like to sell. In Senegal, most people work in agriculture, but there is no room for everyone. Then the young man sells. We start selling early. “
___ . ___
PAINSTAKING
SENEGAL AND A POPULATION SHAPED TO SELL
I didn’t know the word painstaking. My ignorance kept me from knowing that meant something done with or employing great care and thoroughness. Immediately I thought of the men on the sidewalks. It is no coincidence that they opt for street vending. In Senegal, 70% of the population is made up of young people who have nowhere to work in a country that survives from agriculture and suffers from drought. As a result, they migrate to large cities in the hope of being absorbed by commerce, an art that if not innate accompanies them from an early age and is part of the culture of the country of Muslim majority.
Juliana Rossa é jornalista e professora da Faculdade Murialdo de Caxias do Sul. Há mais de cinco anos convive com os imigrantes e pesquisa sobre aspectos culturais específicos do Senegal. No doutorado em Letras pela UCS/UniRitter, centrou o estudo na poesia oral e na performance dos cantos religiosos. A caxiense viajou ao pa´is, onde pôde não apenas aprofundar a investigação mas também desvendar um vínculo fortíssimo entre a religiosidade e a habilidade comercial.
Estima-se que 94% dos senegaleses sejam muçulmanos. O islamismo praticado no país é influenciado pelo Sufismo, conhecido como uma corrente mística que tem no Muridismo uma das fraternidades mais expressivas na etnia Wolof (que abrange quase metade da população do Senegal). O aspecto religioso é tão importante na sociedade que as crianças são encaminhadas para uma escola árabe desde muito cedo. Geralmente, os meninos passam a frequentar a escola corânica a partir dos cinco anos.
Juliana Rossa is a journalist and teacher at the Murialdo Faculty of Caxias do Sul. She has been working and socializing with immigrants for more than five years and she is currently doing a PhD research about a specific cultural aspect of Senegal: oral poetry and the performance of religious songs. She traveled to the country, where she was able not only to deepen her research but also to discover a very strong link between religiosity and commercial ability.
It is estimated that 94% of Senegalese are Muslims. The Islam practiced in the country is influenced by the Sufism, known as a mystical current that has in the Muridism one of the most expressive fraternities in the Wolof ethnic group (that covers almost half of the population of Senegal). The religious aspect is so important in society that children are referred to an Arab school from an early age. Usually, boys start attending the Koranic school from the age of five.
“They learn Arabic and memorize the Koran. Depending on the family, the child gets more or less time. These Koranic schools are maintained with donations and provide spaces where children spend a lot of the time alone and have very little time to play. This school molds their personality. For example, sometimes, for lunch, they need to ask for food from their neighbors’ homes. In making this gesture, they place themselves humble. It’s like an exchange. When they ask for help, they are also willing to help, to treat everyone well and with great respect. So why do they sell very well? Because they return to this initial formation. “
A Senegalese teacher explained the relationship to Juliana. It is a kind of solicitude that one learns from an early age, as an exchange of kindnesses. Something that is reinforced in people who, within Muridism, practice the current Baye Fall, easily identifiable by the colored clothes and the dreadlocks – sometimes confused with the Rastafari. “If you find a Baye Fall and you’re cold, he’s going to take his clothes off so you do not feel cold. If there is a religious feast, he will cook, he will do everything, he will help. “
The report by Professor Juliana Rossa shows how negotiation is part of who they are. They sell, sell, sell electronics, sell food, sell art, sell clothes, sell.
“We are born in that environment where people sell on the street. Many people who are selling here were already selling there.”
Mor is not a salesman, but confirms that there is such preparation. Cities are shrouded in the atmosphere of business transactions. Therefore, faced with the crisis in the Brazilian formal market, resorting to street and informal commerce is a natural choice for the Senegalese. Natural, but not an easy alternative.
___ . ___
“THE IMMIGRANT, WHEN HE DECIDES TO LEAVE, IS ALREADY PREPARED. YOU ARE GOING TO ANOTHER COUNTRY, YOU HAVE TO TOLERATE SOME THINGS. “
It takes courage to face the streets in the white Porto Alegre. Certain things that Mor says they have to tolerate are too heavy. I soon realize that he is talking about racism, xenophobia, intolerance in every way, prejudice in every way.
“If I go out on the street and stop there to talk to the boy that’s selling, in ten minutes I’ll notice something biased that he will not notice.”
“What do you mean?”
“Because I’ve been here longer. I know there are certain things that do not seem to be what they are. “
“Do you speak of veiled racism?”
“Yes, there are little things I realize.”
“And how about things that are not so small?”
“Yes, that happen too. Last week, for example, I went to the notary’s office to accompany someone who needed my help to authenticate a document. When we arrived the guy said he would not authenticate because it was not an official document. Only it was a document from the Federal Police. The boy was devastated. “
I receive the information with astonishment. It’s the kind of story we all know exists, but still, is so shameful. I do not think I can hide the embarrassment and the blush that takes over my face. Mor is quick to explain that most Gauchos treat immigrants with respect, but I urge him to talk about who does not. Once the initial resistance has been overcome, he blows everything out in a gasp.
“The word” racism. ” I got to know the meaning of this word in practice not long ago. It’s not a problem in Senegal, but here it always seems to be. I was just talking to someone who was hired from a large, signed-up company for a good higher-level position. He went there today and was introduced to the person who would be his boss. She looked at him and said, “I do not want this guy.”
“Because of the color.”
“Yes, because of the color. Racism in Brazil exists and immigrants suffer daily. And the problem is not being an immigrant, but an African immigrant. The European immigrant with the same training does not encounter the same difficulties. Black Brazilian suffers and black African suffers. “
As he speaks, my shoulders weigh with the shame that every Brazilian should carry. Immediately I remember a phrase from the sociologist Aline Passuelo, with whom I had spoken long before. “I will never forget an immigrant who told me that he discovered that he was black in Brazil. He discovered that being black was a problem in Brazil. “
I will never forget what Aline told me. In the midst of the twenty-first century, an African man crosses the ocean to discover a country that does not allow itself to be freed from the cruel and slave tradition. And this social behavior has a devastating impact on the imagination of the Senegalese, who stand in silence and alone. Not a few are those with psychological disorders, usually related to depression.
“They suffer in silence because small things happen every day.”
“Like what, Mor?
“The immigrant goes to the pharmacy and is ignored. He goes to the bakery and someone notices the color, the different accent, and begins to treat him differently. “
“And how does he react to these things?”
“He has no one to complain to and usually goes through all this without complaining. That shocks. “
And they end up silent and alone. When I met Mamadou, I realized that there was something different. He wanted to talk, he needed to talk, and he did. Openly. With that easy and unshakable smile. This was unusual. The other times I approached an immigrant, whether for a conversation or an interview, the answer was friendly but monosyllabic. Mor told me that they were afraid of being mocked and mistreated. It made sense. The words were loaded with suspicion, with fear. So it was with Mohammed, the boy I saw in the window while I was talking to Mor. Turning off the recorder, I went to him. I bought a cable for the charger of my cell phone for R$15 and asked for his name. He looked surprised. He answered suspiciously. That’s when I remembered something that could break the ice.
“You brought a key to the lady at the building, did you not? Mor asked you to, I guess.“
“Yes, how do you know?”
“I was sitting in the chairs at the entrance.”
“Ah yes. Now I remember. “
“I was just waiting to talk to Mor, I’m doing a story about the lives of the Senegalese immigrants in Rio Grande do Sul, especially in Porto Alegre.”
“How nice.”
“You’ve lived here for how long?”
“Two years. I’m 22, I got here with 20. “
“Do you sell enough?”
“I can not complain.”
“And you like to live here?”
“It’s good, I can help my family. But I want to go back. “
When he shrugged and looked away, Mor’s words echoed in my ears. I smile. He smiles back. I wish him luck and I’m on my way.
___ . ___
WHAT YOU GONNA DO?
My grandfather says that a lot. Mr. Orozimbo is the grandson of Italian immigrants. The Pellizzaro family arrived by the end of the 19th century. They were starving, pale from the cold, and dressed in tatters. They came here, more than a hundred years ago, in search of an opportunity.
Of the stories that nono Giuseppe told us, I believe there were no accounts of prejudice. At no point they faced the pain of hearing from a Brazilian that they were here to steal jobs or bring diseases. On the contrary, they were even encouraged by Brazilian government. They gained lands to colonize. And they prospered. Someone believed in them and they had the chance to thrive.
“We just need a minimum of opportunity. Of consideration and respect. “
What Mor asks is the same thing that Italian immigrants – and others – asked for. He just asks them to believe in the potential of these men who have crossed the world in search of a new life. He just asks someone to believe. They are young. They are struggling, working, living away from their parents, away from the family, away from everything they know. Away from parties in which they play and dance mbalakh. Far from the voice of Youssou N’Dur. Far from the plantations of millet and the diakhouté dishes. So, what you gonna do? Believe.
___ . ___
“Nice to meet you, Mamadou.”
“You too, Georgia.”
It was not an interview. It was a conversation, I just wanted to meet him. I was happy. That’s how I met one of the men on the sidewalks. I hope the smile remains easy and unshakeble.
Porto Alegre, RS - 21/07/2017
Entardecer no Centro Histórico
Na foto: Mercado Público Central
Foto: Eduardo Beleske/PMPA
Porto Alegre completa 246 anos hoje e eu fico buscando motivos internos para celebrar. É a cidade onde nasci, em que vivo há 40 anos e aqui construí a minha história, o que inclui gostar muito dos artistas locais, entre eles os escritores. Mas a capital do Rio Grande do Sul anda sendo maltratada, com ruas sujas, matagal alto por todos os lados, a população de rua aumentando cada vez mais
E eu, como sempre que a realidade me atormenta, recorro à Literatura. Descobri muitos textos em que a cidade é citada, então, esse é o presente que dou a vocês e a mim.
Porto Alegre pelos olhos de escritores talentosos, de diferentes épocas. Vamos torcer para que a cidade tenha dias melhores, em breve
.
A zona Sul da cidade
“Ninguém está nesta parte da cidade num dia de semana a esta hora da tarde, exceto os caras nos barcos, uns bem próximos, ao redor do clube de velas, outros um pouco mais longe, mas nunca muitos, até porque o lago não é a 10 coisa mais linda do mundo. Quero dizer, todos nós gostaríamos que ele fosse ao menos um pouco mais azul. Lagos costumam ser azuis, não marrons, e as pessoas adoram o azul, é a cor favorita da maioria delas, isso tudo por causa do céu e da água (certamente não dessa), o que eu também vi num documentário, que é o que faço perto da hora de dormir. De qualquer maneira, está abrindo, o bar em que já estive um milhão de vezes, sentado conversando enquanto esmigalhava rótulos ou tentava rosas de guardanapo, na rua de pé com um copo descartável de vinho, ou então jogando sinuca no salão dos fundos, que podemos dizer que é uma parte construída literalmente dentro d’água, o que tem deixado a prefeitura puta da vida há uns vinte anos.”
O Parque Farroupilha, um dos mais frequentados pelos porto-alegrenses
“Passava agora pelo calçadão de areia da Redenção, pela Avenida João Pessoa, o parque ensolarado, os pássaros voando em bando, carros a passarem em alta velocidade, crianças que iam para o colégio, grandes nuvens que desenhavam formas estranhas no céu azul translúcido. […] Passou pela Faculdade de Direito, onde passara bons anos de sua vida, as recordações se atropelavam, estugou o passo, precisava vencer o passado que não lhe interessava mais. Passou pela frente do velho casarão da Santa Casa de Misericórdia, pelas casas iguais do quarteirão, pela Igreja da Conceição, os velhos portões de ferro trabalhado, os gradis cheios de arabescos, cruzou a Rua Santo Antônio e foi quando diminuiu o passo […]
Josué Guimarães, Camilo Mortágua. O romance se passo no ano de 1964, marcado pelo Golpe Militar.
.
O Guaíba, com todo seu esplendor
“Fui até a minha praça, na volta do Gasômetro, e é só lá que encontro céu e rio à vontade, azuis, imensos, quase fundidos um com o outro. O céu e o rio vistos daqui da cidade são ávaros, mostram pedacinhos pequenos, perdidos no meio dos edifícios. Parecem ter vergonha de se mostrar. Lá, não.”
Caio Fernando Abreu, Limite Branco. Primeiro romance do autor e um dos poucos em que Porto Alegre aparece claramente como o cenário de um enredo
“O rio está tranquilo e o horizonte é de um verde tênue e aguado que vai se diluindo num azul desbotado. As montanhas ao longe são uma pincelada fraca de violeta. A superfície da água está toda crivada de estrelinhas de prata e ouro. Longe aparece o casario de Pedras, na encosta dum morro. Mais perto o Morro do Sabiá avança sobre o rio. O céu é tão azul, tão puro e luminoso, que Noel simplesmente não acredita que seja um céu de verdade.”
Erico Verissimo, Caminhos Cruzados. A obra do escritor inclui romances urbanos bem interessantes, como Noite e Clarissa, mesmo tendo ficado conhecido pela trilogia “O Tempo e O Vento”
.
O centro de Porto Alegre
“Encontrei esse cachorro quase morto de fome na Praça da Alfândega, numa madrugada de outono fria pra cacete, quando voltava de um bar. Era um vira-lata que deixara de ser filhote fazia pouco tempo, preto com dezenas de manchas brancas. Na esquina havia uma caçamba de entulho da prefeitura. Vasculhei o lixo ali dentro e encontrei uma tira comprida de plástico. Improvisei uma coleira ao redor do pescoço do cachorro e o arrastei até o meu prédio, no alto da Duque.”
Daniel Galera, Até o dia em que o Cão Morreu, que inspirou o filme Cão Sem Dono
.
A Porto Alegre do século XIX, que já tinha problemas de transporte público
“Há dias que é uma vergonha, os bondes levam horas e horas nos desvios. Ainda há pouco tempo, num passeio que eu fiz com o Ramalho, levamos duas horas e quarenta e cinco minutos do Parthenon à praça da Alfândega. O bonde descarrilou três vezes, esperou um quarto de hora em três desvios, as bestas rebentavam as correias de espaço a espaço.”
Paulino de Azurenha, Mário Totta e Souza Lobo, Estrychinina. Romance de 1897 que narra a história de amor impossível entre Chiquita, uma prostituta, e Neco, um rapaz de “boa família”. Em meio a esse impasse, o casal vaga pela cidade e o leitor consegue identificar casarões antigos da rua Riachuelo, a Rua da Praia, com seu comércio pulsante, e festividades realizadas na Praça da Alfândega e no Menino Deus.
.
Um poema sobre Porto Alegre, por um poeta apaixonado pela cidade
O Mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)
Mario Quintana, Apontamentos de História Sobrenatural. Publicado em 1976, quando o poeta estava com 70 anos.
Isolado pelas próprias discórdias, Marchezan coloca em risco o seu governo
Igor Natusch
23 de novembro de 2017
“Se esse tipo de impasse permanecer, em 2018, ele se inviabiliza como chefe do Executivo”
A advertência – dura, incisiva, sem nenhum esforço de diplomacia – não é de um esquerdista raivoso em oposição radical contra o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior: vem de Valter Nagelstein, vereador eleito pelo PMDB, partido de centro e que chegou a ensaiar movimentos para, mesmo derrotado nas urnas, entrar na base do atual prefeito na Câmara Municipal.
Não é uma frase leviana, diga-se. Poderia parecer um exagero em outras circunstâncias. Mas o fato é que Marchezan, com seu gênio cada vez mais intratável e seu personagem público gerando cada vez menos simpatia, começa a tornar plausível algo que, com menos de um ano de governo e em um cenário ideologicamente favorável, não era para fazer nenhum sentido.
Atuando de forma divisiva em todas as frentes, o prefeito de Porto Alegre vai inviabilizando o próprio governo, tanto no ideário quanto na prática
Um dos pontos mais bem sucedidos da campanha que elegeu Marchezan foi a imagem de político jovem, incisivo e, acima de tudo, dinâmico. Enquanto os concorrentes faziam falas estáticas em estúdios, ou gravavam todas as suas intervenções em áreas centrais da cidade, Marchezan aparecia sempre em movimento, dentro dos cenários que mencionava, da Restinga à Cidade Baixa, no Quarto Distrito e na Vila Mário Quintana.
Era a imagem de um homem que andava pela cidade, que a conhecia e, portanto, sabia como agir a respeito. E essa imagem vem sendo derrubada pelo próprio Marchezan, que não consegue melhorar a situação de abandono da cidade
Com essa sensação de paralisia, e com elogios a tomadas para celular em pontos de ônibus caindo aos pedaços, o prefeito dá sinal contrário ao desejado: o de alguém que não conhece a cidade, não enxerga seus problemas e está distante de solucioná-los.
A fala sobre políticos cagões pode ter arrancado aplausos dos jovens moralistas e superficiais do MBL, mas não poderia vir em pior hora para quem está cada vez mais ausente de aliados institucionais. Partidos aliados, como o PP, não mais se constrangem em votar contra os interesses do prefeito. Ex-líder de governo e pessoa influente dentro da Câmara, Claudio Janta acaba de chamar Marchezan de “bunda-mole” – sinal tanto da degradação de relações entre Executivo e Legislativo, quanto da disposição crescente de enfrentar de forma direta a postura do prefeito.
Para governar, um chefe de Executivo brasileiro precisa de acordo com o parlamento e/ou de suporte popular. Com as duas coisas, suas ideias irão longe; sem nenhum desses elementos, está condenado ao imobilismo ou coisa pior. Marchezan nunca chegou a ter ampla segurança nesses aspectos, mas está cada vez mais fragilizado, de um lado e de outro. E insiste em fórmulas que estão claramente erradas, independente de espectro político
Com pelo menos quinze baixas em pouco mais de dez meses de governo, em clima de guerra com seu influente ex-líder de bancada e com sua falta de diálogo criticada por aliados e opositores sem distinção, Marchezan planta discórdia onde precisa de tranquilidade, e essa colheita não tem como ser positiva.
Mantém a cidade em animação suspensa, mobiliza o forte sindicalismo municipário contra si, insiste em um série de quase insultos contra seus inimigos políticos e segue às turras com quem poderia defendê-lo quando isso tudo der errado. Em menos de um ano, Marchezan isolou-se. Talvez por vaidade, talvez por leitura equivocada de cenário, não parece nada disposto a mudar a rota. Vai transformando em possível um adágio que, no dia da posse, soaria como delírio: se seguir assim, talvez não termine o mandato mesmo, hein.
Para Marchezan, transporte público é despesa. Ele está errado
Igor Natusch
8 de novembro de 2017
Porto Alegre, RS 06/11/2017
Reunião com líderes dos taxistas
Fotos: Cesar Lopes/ PMPA
Segundo o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, a Carris está com os dias contados. O termo foi usado por ele em uma entrevista à Rádio Guaíba e reproduzido pelo Jornal do Comércio. Para ele, ter R$ 60 milhões anuais com a empresa pública de ônibus da cidade é uma “despesa” que não se justifica, e que poderia ser repassada para áreas prioritárias, como saúde e educação. “Se vai ser privatização, extinção, licitação das linhas…”, lista Marchezan, mencionando alternativas que, todas elas, entregariam completamente a exploração e/ou fornecimento do serviço à iniciativa privada.
Evidente que o prefeito tem a prerrogativa de ver a administração da máquina pública como quiser. Se ele acha que o melhor caminho é entregar o máximo possível a empresários ligados ao setor, cabe a ele fazer o debate e defender sua leitura. Eu não concordo com ele, mas isso nem vem (tanto) ao caso.
.
O que realmente incomoda, aqui, é tratar o dinheiro colocado na Carris como “despesa”
.
Como assim, despesa? Pelo menos desde 2015, o transporte coletivo é reconhecido pela União, em forma de emenda constitucional, como direito social – igualado, inclusive, à saúde e educação que Marchezan menciona como áreas que supostamente têm menos dinheiro a partir da “despesa” com a Carris. Não é como se o município estivesse sangrando dinheiro em algo irrelevante, em peças publicitárias ou algo assim: ele está subsidiando o cumprimento adequado de um direito social. Investir em saúde, educação ou segurança não é queimar dinheiro – e, da mesma forma, colocar grana em transporte coletivo de qualidade também não é, como várias das cidades de melhores índices do mundo podem demonstrar.
Há mais. Qualquer consulta à população será capaz de comprovar que o serviço prestado pela Carris é visto como o mais qualificado em toda Porto Alegre. São os ônibus em melhores condições e os que cumprem com maior rigidez os horários. Além disso, atendem rotas consideradas importantes dentro do (escasso) planejamento de mobilidade urbana da cidade, e que as demais concessionárias hesitam ou recusam-se a atender, por não considerarem capazes de gerar a margem de lucro desejada.
A Carris serve tanto as rotas circulares no Centro estendido, que ajudam a desafogar o trânsito na região, quanto as linhas transversais que atravessam a cidade de ponta a ponta e ajudam multidões a ir e voltar com apenas uma passagem, todos os dias. A “despesa”, no caso, permite manter itinerários que ajudam a manter algum equilíbrio em todo o sistema, com um padrão de qualidade que deveria servir de padrão para as operadoras privadas – o que não é de modo algum o caso, como qualquer um que usa ônibus em Porto Alegre poderá facilmente constatar.
.
Marchezan, ao que parece, não consegue conciliar-se com a ideia de que o transporte público é um direito básico do cidadão, não um cano quebrado vazando dinheiro dos cofres públicos
.
Assinou texto extinguindo a segunda passagem gratuita – usada, como a lógica nos diz, pelos que moram mais distantes e mais precisam do transporte público, muitas vezes sem dispor de recursos para um deslocamento diário à região central. Para tal, passou por cima até da legalidade, pois o desconto estava previsto na licitação para explorar o serviço, e retirar o benefício seria dar um desconto às empresas, sem reverter em melhoria alguma ao usuário (ao contrário, aliás). Fala em retirar isenções de idosos e aumentar a vida útil dos veículos, além de limitar o acesso à meia passagem estudantil – propostas que buscam não a diminuição da tarifa, mas que ela “aumente menos” no próximo ano.
É um pensamento que enxerga no transporte coletivo despesas, números e cifrões, não pessoas que precisam se deslocar todos os dias para o trabalho, a aula ou mesmo para o lazer
As pessoas precisam ir e voltar. Não seria desejável para a saúde do trânsito, mesmo que isso fosse financeiramente possível, que todas o façam com veículos particulares – logo, é fundamental que tenhamos um serviço de ônibus que funcione, que tenha padrões de qualidade, que atenda o trabalhador que sai da periferia cedo de manhã e também o estudante que termina a aula na faculdade e vai encontrar amigos em um bar. As pessoas precisam disso tanto quanto precisam de professores bem remunerados e de postos de saúde em boas condições, porque (e isso Marchezan não parece entender) as pessoas não podem ausentar-se da cidade. Nem que quisessem.
Não é despesa, prefeito. É investimento na cidade e na população. E está entre os mais importantes investimentos que o senhor, como gestor público, pode fazer. Sugiro que essa determinação de acabar com a Carris seja repensada, pelo bem do povo que o elegeu.
O dia em que a mediocridade calou a arte – e alguns esclarecimentos
Geórgia Santos
11 de setembro de 2017
É triste quando a mediocridade e ignorância calam a arte. Não, não falo de um episódio ocorrido durante a Idade das Trevas, embora Porto Alegre tenha perdido a luz nesse dia. Também não é um ensaio sobre o repúdio da Igreja ao corpo nu em um período em que o Renascimento era novidade. Tampouco me refiro à Hitler e a queima de obras que considerava “arte degenerada”, embora essa expressão tenha vindo à baila. Essa referência também não vem do tempo da Ditadura Militar, em que a arte era sistematicamente censurada.
É de agora. Sobre agora
.
A capital da nossa pequena província não suportou a ousadia da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na ArteBrasileira. Bem, não sejamos injustos com Porto Alegre. Quem não aguentou foram os jovens cidadãos de bem do MBL – Movimento Brasil Livre (?), o mais esquizofrênico dos movimentos conservadores da contemporaneidade. Segundo eles, a mostra com 250 obras assinadas por 85 artistas, entre eles Portinari e Lygia Clark, era devassa.
.
O grupelho berrou por aí que a exposição fazia apologia à zoofilia, à pedofilia e era uma blasfêmia contra os cristãos. Pobres cristãos. E colou.
.
Cidadãos de bem, pais e mães de família, ficaram horrorizados com a possibilidade de seus filhos estarem expostos à tamanha devassidão. Grupos de pessoas constrangiam, aos berros, e com câmera na mão, a qualquer pessoa que quisesse ver a exposição. Chamavam de “pedófilos”, “tarados”, “degenerados” – olha aqui a palavrinha de que falei no começo do texto. A representante do MBL no Rio Grande do Sul, Paula Cassol, disse à Zero Hora que não entende que aquilo seja arte. Imagino que ela tenha um diploma de Artes Plásticas ou História da Arte.
.
Tenho dúvida, no entanto, se posso creditar o episódio à ignorância ou se o grupo simplesmente viu uma oportunidade política no episódio. Oportunidade de angariar os últimos conservadores da província
Tenho a leve impressão que é a segunda opção
E colou
.
A exposição foi encerrada pelo Santander Cultural, onde estava em exibição. E pra continuar a verborragia de equívocos históricos, a organização pediu desculpas num ato deprimente de covardia. Ah, quase esqueço, o Santader recebeu uma contrapartida de renúncia fiscal para expor os trabalho de R$ 1 milhão de reais. Segundo o MBL, foi principalmente ISSO que incomodou aos cidadãos de bem. Claro.
.
Ficou curioso pra ver quais são essas obras tão controversas?
.
Resolvemos mostrar quais são as obras e explicar o contexto na qual estão inseridas e o que representam. Pensamos muito sobre se deveríamos esclarecer a realidade dos quadros que tanto incomodaram. Porque afinal, se estamos aqui explicando obras de arte perfeitamente legítimas, talvez eles tenham vencido. Por outro lado, algumas pessoas foram arrastadas a uma rede de mentiras e sequer sabem do que se trata. Se uma pessoa perceber a perversidade das acusações, já é um grande e importante passo.
.
As obras que geraram a polêmica sobre pedofilia
.
.
BIA LEITE: Adriano bafônica e Luiz França She-há (2013)
BIA LEITE, Travesti da lambada e deusa das águas (2013)
O mais interessante é tentar descobrir aonde é que enxergaram pedofilia em uma obra que apenas aborda a questão de crianças homossexuais. O catálogo da exposição é bastante claro, inclusive. “Bia talvez seja uma das poucas artistas brasileiras a enfrentar com desenvoltura e coragem esse tema tabu, que é a homossexualidade na infância e o portentoso sofrimento que crianças atravessam na fase escolar e no início da adolescência. A artista produziu essas pinturas a partir da combinação de fotografias das crianças retiradas do Tumblr Criança Viada, onde são postadas fotografias as da infância dos próprios usuários LGBT com comentários.” Pedofilia é o que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por uma criança. É doente associar esse trabalho a algo tão grave.
.
A obra que gerou a polêmica sobre zoofilia
.
ADRIANA VAREJÃO: Cena de interior II, 1994
O quadro é uma compilação sobre práticas sexuais existentes, mas que existem na sombra. A ideia da artista não é julgar as práticas, e sim lançar uma reflexão sobre a exploração. O que chocou foi a cena em que um homem segura um animal enquanto outro o estupra. Para alguns, é apologia à zoofilia, e não um retrato do que há de mais obscuro na natureza humana. Sim, é repulsivo, mas não é menos verdadeiro por ser repulsivo. Se alguém acha que isso não é parte da natureza humana, sugiro a leitura do livro “O barranco na formação sexual do gaúcho“. Sim, é isso mesmo. E não, não tem nada a ver com orientação sexual.
.
A obra que gerou a polêmica sobre blasfêmia
.
FERNANDO BARIL: Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva, 1996
A arte ocidental contemporânea tem uma longa história de usar ícones religiosos como ponto de partida para uma série de críticas. Nesse caso, a crítica ao consumismo e à hipocrisia da cultura ocidental e da própria igreja saltam da tela, bastante diferente da acusação de vilipêndio. Além dessa obra, houve acusações de profanar hóstias com palavras profanas. Eu não sou uma católica praticamente, mas até onde eu sei, se não há consagração, é só uma bolacha, não?
———–
O mais interessante é que há obras equivalentes ou ainda mais gráficas espalhadas por museus de todo o mundo. Mais do que isso, exposições com esse viés já foram realizadas em outros três países (EUA; Polônia e Inglaterra) e só aqui foi problema, só aqui foi CENSURADA.
.
Sim, porque o que aconteceu foi censura
.
A arte sempre provoca, ela nasceu para isso, não para agradar. Nasceu para provocar reflexões profundas sobre a natureza humana, sem ser confundida com propaganda, como os engessados xucros do MBL acreditam ser – ou querem que você acredite. Ou alguém vai ter coragem de dizer que a Guernica, de Picasso, é uma apologia a bombardeios? Alguém vai dizer que o David, de Michelangelo, é pornografia em mármore? Ou alguém vai dizer que Jesus pregado na Cruz é apologia à tortura?
A apreciação da arte gira em torno do gosto, é verdade. Mas alguém não gostar, independente do motivo, não pode retirar a legitimidade de uma obra. Alguém se sentir ofendido com a natureza humana é normal, além de triste, mas não é motivo para censura. Não é motivo para calar. Por fim, a arte não é necessariamente explícita, mesmo que pareça. E no caso dessa mostra, a ideia era questionar a heteronormatividade. Eu não sou crítica de arte, obviamente. Inclusive entendo muito pouco. mas desde que esse episódio todo aconteceu, há bons textos esclarecendo alguns dos principais equívocos. Um dos melhores foi escrito pela curadora e crítica de arte Daniela Name, para o jornal O Globo.
“Também não há homofobia em Queermuseu, embora se pense sobre o tema como meio de explicitar como esta é pervasiva na cultura. Trata-se de um campo de batalha em exasperação, já que as obras exibidas coexistem em atrito contínuo. Afinal, elas são o reflexo do mundo lá fora, e seus pressupostos conceituais, estéticos e ideológicos encontram equivalência na vida contemporânea. Arte e vida mostram-se próximas nesta exposição.”
Se ainda assim, meu caro leitor, acreditas que a mostra deveria ter sido fechada e a arte calada, só posso lamentar. Quanto a mim, não, não vi a exposição. Não deu tempo.
Discordância de Janta era um recado – que Marchezan não entendeu
Igor Natusch
30 de agosto de 2017
Porto Alegre/RS
21/06/2017
Cerimônia de abertura do Encontro de Gestores de Segurança Pública, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança
Foto: Ricardo Giusti/PMPA
Como a essa altura todo mundo já sabe, o prefeito Nelson Marchezan Júnior destituiu o vereador Cláudio Janta (Solidariedade) da liderança do governo na Câmara de Porto Alegre. A medida, ainda que drástica, não surge exatamente sem razão: Janta havia deixado muito clara sua discordância quanto a projetos encaminhados ao Legislativo municipal, em especial os que modificam ou extinguem benefícios no transporte coletivo da Capital, e chegou a ingressar na Justiça com uma ação para tentar impedir o fim da segunda passagem gratuita nos ônibus. Em uma posição de representar os projetos do Executivo em meio aos vereadores, Janta insistia em enfrentar o prefeito em alguns deles, e foi essa insistência que levou ao seu afastamento.
.
O problema é que a mudança nos primeiros escalões do governo Marchezan está longe de ser uma novidade. Já são muitos os nomes fortes que pedem afastamento ou são afastados por Marchezan, incluindo o então braço-direito Kevin Krieger e o secretário Ricardo Gomes. No segundo escalão, as desistências contam-se às dezenas. Reforça-se, a partir dessas mudanças todas e de conversas dos bastidores da política, a imagem de um prefeito de trato difícil, intransigente em suas ideias, pouco ou nada disposto a ouvir outras opiniões – algo que, diga-se, é traído até em seus comentários sobre a imprensa gaúcha e sua “mania de ouvir todos os lados“, segundo ele.
.
Nesse cenário, demitir Cláudio Janta da liderança do governo é um erro estratégico flagrante, quase infantil da parte de Marchezan.
.
Gostem ou não do vereador, o fato é que Janta é um político experiente e que entende como poucos o estado de coisas na Câmara de Porto Alegre. Sabe que as recentes posições de Marchezan, chegando ao ponto de dar um puxão de orelhas público em seus próprios apoiadores, geram uma fissura crescente em sua base. Foi firme na discordância, mas nunca partiu para o ataque direto e chegou a dizer que “implorava” ao prefeito que repensasse sua posição.
.
Se enfrentou Marchezan (e sem dúvida o fez) não foi por capricho: foi para marcar posição e, acima de tudo, para dar um recado.
.
“Debreia, prefeito. Isso não passa. Converse mais com a gente”. Eis o que se pode ler, sem muito esforço, nas entrelinhas do que Janta dizia. Um recado, transmitido do jeito que se dá recado na política: na tribuna, diante das câmeras e da opinião pública.
.
Mas a leitura política de Marchezan não pega sutilezas. Recentemente, o ex-vereador João Antônio Dib, que passou quatro décadas na Câmara, criticou de forma razoavelmente polida a possível privatização do Dmae e os ataques ao funcionalismo municipal. Como Janta, dava um recado nas entrelinhas. “Debreia, prefeito. Isso não vai passar. Converse mais com a gente”. Marchezan não deu ouvidos. Para ele, a política parece ser não mais do que uma linha reta: um apoio é um apoio, uma afronta é uma afronta, e nada além. Incapaz de entender mensagens, queima os mensageiros, ou os desgasta ao ponto de simplesmente desistirem de seguir a seu lado.
.
Sem Janta à frente, a base de Marchezan corre riscos cada vez maiores de esfarelar. Moisés Maluco do Bem pode ser leal, mas é um recém-chegado, eleito como suplente e sem o traquejo para a difícil costura necessária para que a situação não se desfaça em farrapos na primeira votação mais espinhosa. E, mesmo caindo em ouvidos moucos, o recado segue posto: há coisas que não passam. Não basta o prefeito querer.
.
Marchezan vai inviabilizando a si mesmo, na medida em que todos a seu redor entendem que a aliança será sempre uma via de mão única, onde a prefeitura nunca vai ceder.
.
Nenhum vereador vai comprometer uma base eleitoral de décadas em nome de uma aliança nesses termos, menos ainda por projetos impopulares e de alto custo político. Mais de uma pessoa já tentou dizer isso a Marchezan – alguém que, diga-se, vem de uma história parlamentar e deveria estar sensível a esse tipo de situação. A proximidade com o MBL e as movimentações populistas nas redes sociais podem manter o eleitorado cativo de Marchezan a seu lado, mas terão pouca valia quando o governo municipal travar na Câmara de vez. Uma tendência quase inevitável, a julgar pela postura que Marchezan tem adotado nessa relação.