Yo No Soy de Aquí

Parecidas, pero no mucho: cinco exemplos que Montevideo pode dar a POA

Alvaro Andrade
12 de abril de 2018

Elas rivalizam no pôr do sol mais bonito, são banhadas por  grandes rios, sede de dois grandes clubes com  torcidas apaixonadas e com quase dois milhões de moradores devotos do mate e da carne assada: são muitas as características e hábitos que aproximam Montevideo e Porto Alegre, mas infelizmente as semelhanças param por aí.  Enquanto a capital uruguaia encanta por sua limpeza e organização, a capital dos gaúchos sofre com o sucateamento dos serviços públicos usado como bandeira eleitoral. Abaixo cinco exemplos que poderiam melhorar a qualidade de vida dos porto-alegrenses.

 

1 Transporte público

Dificilmente um usuário de ônibus precisará caminhar mais que duas quadras no embarque, desembarque ou transbordo em Montevidéu. O plano diretor permitiu uma distribuição muito eficiente das linhas, que graças a um trânsito fluido, também são bastante pontuais. Além disso, a passagem é ligeiramente mais barata (36 pesos, o que equivale a R$ 4,20) e o sistema de transporte coletivo oferece algumas facilidades singelas, mas que fazem diferença, como o rastreamento das linhas por aplicativos e a possibilidade de recarga do cartão em redes de cobrança que se assemelham à casas lotéricas instaladas em todos bairros da cidade. As empresas que operam as linhas são cooperativas de trabalhadores, garantindo comprometimento com a qualidade e autonomia sindical.

2 Água limpa

A qualidade de vida do montevideano também se explica por sua relação com o rio da Prata, que de tão grande é carinhosamente chamado de mar. A cidade está de frente para a orla, com uma rambla de mais de 20 km totalmente urbanizada, com áreas para prática de vôlei de areia à rubgy. No verão, as praias são todas balneáveis e contam com serviço diário de limpeza da areia e salva-vidas.

3 Mobiliário urbano

Os espaços publicitários obedecem um plano diretor bastante específico, que mimetiza os anúncios na paisagem. Na maior parte da cidade, são verticais com cerca de 2 metros de altura e 1,5m de largura. Outdoors são bastante raros, restritos às laterais ou topo de edifícios. Embora as paradas de ônibus sejam bem simples, em todas elas há informação das linhas que atendem o ponto. A sinalização viária também tem identidade visual específica e os termômetros de rua, além de informarem a temperatura, oferecem prognóstico do dia seguinte e o fator de radiação UV.

4 Segurança

Montevidéu é considerada a capital mais segura da América Latina, embora  a sensação de insegurança venha crescendo entre os uruguaios. Mesmo assim, os níveis de violência são muito inferiores a Porto Alegre. Em 2017, foram 157 homicídios na capital uruguaia, frente a 574 na capital gaúcha. Além de uma menor desigualdade social, há um permanente investimento em videomonitoramento e valorização da carreira de policial, inibindo a corrupção.  A legalização da maconha também inibe o crescimento do poder do crime organizado.

5 Patrimônio histórico

São cada vez mais comuns as gruas da construção civil pela cidade e nota-se uma expansão imobiliária vertical, especialmente nos bairros mais procurados e caros, como Pocitos e Punta Carretas. Mas a maior parte da cidade conserva suas características arquitetônicas, onde predomina o art-deco. A prefeitura inclusive oferece isenção de imposto predial por uma década aos proprietários que investem na reforma de prédios antigos, desde que preservadas as características originais.

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Uruguai – Seis meses, seis aprendizados

Alvaro Andrade
23 de novembro de 2017

Meio ano já é tempo suficiente para algumas constatações sobre o Uruguai. O tempo ajuda a consolidar percepções, derrubar mitos e ter uma visão menos romântica do país que se tornou a panaceia sul-americana.

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Como não amar um país movido a parrilla?

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1 – Amsterdã latina – Para os cidadãos uruguaios, a política sobre a maconha é de fazer inveja aos países de primeiro mundo: é permitido cultivar, comprar em farmácias (!!!) ou participar de cooperativas de cultivo. Enfermos começam a ter acesso aos derivados medicinais para tratamento de doenças crônicas. Mas turistas podem guardar o isqueiro e tirar o cachimbo da chuva pois não é nada fácil – nem permitido – conseguir um cogollo por aqui.

2 – Qualidade de vida x custo de vida – Aqui está o xis da questão: Morar em Montevideo é sentir-se seguro, ter serviços sempre próximos, 20km de orla urbanizada, limpeza eficiente e parques conservados. Mas viver a cidade custa caro: alimentação e moradia são os itens mais pesados do orçamento, seguidos por luz e combustível. Em geral, o custo de viver é pelo menos 20% mais caro que Porto Alegre, por exemplo.

3 – Imigração x oferta de empregos – Não são apenas os brasileiros que ‘descobriram’ a promissora qualidade de vida dos orientais. Cubanos e venezuelanos também estão na disputa pelas vagas de trabalho de nível básico. A situação é ainda mais complicada para vagas de nível técnico ou superior, já que o mercado é muito restrito.

4 – Educados sim, hospitaleiros talvez – idosos e mulheres têm preferência nos ônibus, todos cumprimentam-se e conversam amenidades. Amizades são cultivadas com esmero. Mas não espere intimidade imediata ou grande receptividade. Uruguaios são bastante reservados e ganhar a confiança deles demanda mais do que um churrasco em fim de semana.

5 – Tenha teu mate – Não chegue na roda do chimarrão esperando tua vez. Primeiro porque não tem roda, segundo porque não haverá tua vez. O mate é um patrimônio individual do uruguaio.

6 – Capital, pero no mucho – Montevideo tem metade da população uruguaia, três shoppings centers, grandes clubes de futebol, é uma capital repleta de parques, mas tem seus limites. A vida noturna da cidade é discreta, shows musicais de destaque são raros. O que se sobressai é o incentivo público a dança e dramaturgia, com espetáculos semanais no Teatro Solis. Comer e descobrir novos restaurantes acaba sendo o principal programa do fim de semana.

 

Foto: Pixabay

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O que Alejandro tem a ver com Sendic, Lula e Temer

Alvaro Andrade
7 de setembro de 2017

Lembro que fazia muito mais frio que agora. Entre um mate e outro, meu primeiro amigo montevideano, o porteiro frenteamplista Alejandro, me apresentava seus conceitos sobre as distorções do regime bolivariano na era Maduro e a vergonha que sentia do ex-colega de faculdade Raul Sendic. Era uma das nossas primeiras charlas, mas logo ali percebi como a política é encarada de forma diferente pelos uruguaios, especialmente à esquerda. Alejandro representa um perfil medio que encontrei por aqui: independente da idade ou ocupação, em geral são politizados, indentificados com valores solidários e humanos, mas nem por isso cerrados em um fanatismo que os coloque em algum pólo extremo do espectro político.

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O motivo da vergonha de Alejandro sobre o hoje vice-presidente do Uruguai e epicentro de um dos maiores escândalos políticos do país nos últimos anos, se deve ao uso de cartões corporativos para despesas pessoais em free-shops enquanto era presidente da estatal de petróleo uruguaia no governo Pepe Mujica

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“En Brasil pasó lo mismo, no?” Me pergunta antes de roncar a cuia. “Si, Alejandro.” Pero en Brasil as coisas foram tratadas de forma diferente, a começar pela própria esquerda. No Uruguay, além do Alejandro e da mídia, O Mujica e a Frente Ampla também consideram errado usar dinheiro público em benefício pessoal. E deixaram isso bem claro.

A FA é uma frente política de centro-esquerda tecida por partidos políticos, movimentos  sociais e sindicais que detém uma grande penetração popular. Há espantosa quantidade de comitês instalados em praticamente todos os bairros do país.  Eles não são poucos: hoje é tão fácil encontrar um frenteamplista na Rambla de Montevideo quanto um Bolsominion na avenida Paulista.

Foto Carlos Lebrato, FA

Diversos setores da coalização que garantiu 15 anos de governo não mediram palavras para apontar os erros do vice-presidente que ajudaram a eleger e era o candidato ficha 1 para a presidência no ano que vem

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O caso será julgado em um tribunal do partido, que analisará um parecer emitido pelos colegas do Tribunal de Conduta Política em que afirma que a atuação de Sendic “..compromete sua responsabilidade ética e política” e denota um “modo de proceder inaceitável”. Eles dão voz à consciência política crítica do Alejandro e 62% dos uruguaios que acreditam que Sendic deveria renunciar.

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Não cedem ao pragmatismo eleitoral, não colocam na perspectiva das realizações de governo, não blindam Sendic como se fosse insubstituível

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Talvez a sanção final que ele irá receber não terá efeitos práticos, afinal, não tem validade jurídica e até agora não pesam sentenças contra ele. Mas a efervescência na base política forçou Sendic a percorrer cada um dos comitês de bairro para dar explicação, pedir desculpas, admitir equívocos e ouvir cobranças.

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Já não faz tanto frio quanto há três meses. Enquanto aqueço a água para o mate, assisto ao vídeo do Lula tentando explicar porque novamente está ao lado de Calheiros e cia. Assisto ao vídeo buscando alguma novidade que justifique o fato de eu ainda cogitar ir até a embaixada brasileira votar em Lula em 2018 para me livrar do Bolsonaro.

Pego a térmica e desço pra charlar com meu amigo.

O elevador abre e logo o Alejandro mostra no celular a foto do bunker de Geddel abarrotado de dinheiro.

Eso parece Narcos! Como ustedes llegaran a tal punto? Me pergunta incrédulo.

Enchi a cuia e apenas respondi que talvez nos faltem mais Alejandros no Brasil.

Foto de capa: Carlos Lebrato, Frente Amplio

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Maconha nas farmácias e o vanguardismo uruguaio

Alvaro Andrade
31 de agosto de 2017

A cena, mesmo que não comprovada, é muito plausível: separadas por menos de mil quilômetros, filas para comprar maconha formaram-se em duas cidades muito semelhantes do Conesul há cerca de um mês.

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Em Porto Alegre, a espera acontecia cercada de tensão, à noite, em uma famosa parada de ônibus de um bairro dominado pelo tráfico de drogas; Em Montevideo, a fila estava formada à luz do dia, em frente a uma farmácia de um tradicional reduto da classe média uruguaia.

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O estabelecimento foi um dos dezesseis pioneiros  na venda de cannabis produzida pelo próprio Estado, a última etapa do mais ambicioso modelo de regulamentação da droga já adotado na América do Sul. Enquanto no Brasil bocas de fumo como a da ‘Conceição’ vendem toneladas de maconha contrabandeadas do Paraguai e alimentam uma rede de corrupção que vai da polícia à política, o governo do Uruguai assume o controle da produção e distribuição e demonstra a viabilidade de uma nova forma de combater o poder do tráfico após o fracasso da guerra às drogas.

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A realidade entre as capitais é tão distinta que a distância entre as cidade deveria ser medida por décadas ao invés de quilômetros

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A legislação que vem sendo aplicada desde o governo de Pepe Mujica, em 2013, permite a todo cidadão uruguaio ou residente permanente consumir, plantar, participar de clubes de cultivo e, agora, comprar maconha em farmácias – que esgotaram o estoque de seis quilos e meio em menos de 12 horas de comercialização em Montevideo. Com problema em apenas 5% dos cadastrados, o início da venda já provoca aumento na busca tanto de usuários como de estabelecimentos. Aos novos interessados em adquirir, bastará ter 18 anos, ir a uma agência dos Correios, apresentar documento e comprovante de residência e registrar as impressões digitais para que minutos depois tenha direito a comprar até 10 gramas por semana a um custo inferior a R$ 50.

Nas ruas, um misto de orgulho e indiferença era manifestado diante das câmeras e microfones da imprensa internacional que registrava cenas históricas no auge do inverno no hemisfério sul.

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Enquanto usuários saíam das farmácias exultantes exibindo seus pacotes com duas variedades de cannabis, outra parcela da população observava os acontecimentos com menos deslumbramento

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Embora no Uruguai o consumo de maconha não carregue o preconceito imposto no Brasil, a legalização na Banda Oriental não chega a ser um consenso. Mas se por um lado setores encaram com desconfiança tamanha permissividade, não se pode dizer que a faixa etária defina este perfil. Pessoas de todas as idades e estilos eram vistas nas filas de farmácias, desmistificando rótulos pejorativos que normalmente são associados aos usuários.

A própria regulamentação do consumo proporciona transparência e dados que traçam o perfil médio dos consumidores. Segundo o Instituto de Regulamentação e Controle da Cannabis, homens residentes em Montevideo, com idade entre 30 e 41 anos, são a maioria dos consumidores cadastrados para comprar a erva cultivada pelo governo em instalações do Exército.

Cercada de mistérios, a última etapa da legalização deslanchou depois de uma série de titubeios do governo de Tabaré Vasquez, integrante da mesma coalização política de centro-esquerda que elegeu Mujica, mas com perfil mais conservador. Médico oncologista e ladeado por uma primeira-dama de tradição católica, o atual presidente aplicou – a contragosto – a última etapa da lei muito mais por compromisso com os partidos da Frente Ampla do que por convicção. Este contexto ajuda a entender a discreta comunicação do governo quanto ao tema, restrita a protocolares notas informativas.  No dia de início das vendas em farmácias, considerado histórico por muitos uruguaios, Vazquez recebia título de Doutor Honoris Causa na Argentina e encerrou a entrevista coletiva após ficar contrariado com jornalistas que insistiam nas repercussões sobre a última etapa da legalização.

O estilo low profile contrasta fortemente com a era Mujica, em que o ex-presidente se transformou em um pop star ao percorrer o mundo defendendo a proposta uruguaia e chegou a conceder uma entrevista enquanto repórteres fumavam maconha no pátio de sua chácara.

Apesar das tensões, não houve ruptura. A tradição laica e vanguardista que forjou a sociedade uruguaia prevaleceu e derrubou um novo tabu movido pelo mesmo sentimento que garantiu pioneirismo no direito das mulheres ao voto, ao casamento homossexual e a legalização do aborto.  Infelizmente o exemplo de progressismo continuará sendo exceção no mapa latino-americano, que caminha na direção oposta aos ventos de liberdade que sopram mais ao sul.