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OUÇA Bendita Sois Vós #49 Mulheres no país do Messias, dólar em alta e a tal fraude

Geórgia Santos
10 de março de 2020
No episódio de hoje, mulheres. Mulheres e os obstáculos constantes, especialmente em um país governado por um presidente misógino e machista.

A ideia de um Dia da Mulher surgiu no início do século 20, entre movimentos socialistas e operários, justamente no contexto das lutas feministas por melhores condições de vida e trabalho e pelo direito ao voto. Em 1975, o 8 de março foi adotado como Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidos principalmente para lembrar o quanto ainda precisamos lutar. E aqui estamos nós, em 2020 – e dadas as devidas proporções – lutando por melhores condições de vida e trabalho.

Também hoje, a queda no preço do petróleo, o colapso da Bolsa e a disparada do dólar. E a mais nova tentativa de Bolsonaro de enfraquecer as instituições. Segundo ele, a eleição em que ele foi escolhido presidente foi fraudada.

Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol.Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.

Do seu gênero

Mesmo com maior representatividade, percentual de mulheres no Congresso está abaixo da média da população

Évelin Argenta
4 de dezembro de 2018
Brasilia DF 11 07 2018-Sessão do Congresso Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional destinada a deliberação da Lei de Diretrizees Orçamentárias (LDO) e créditos suplementares (projetos de Lei do Congresso Nacional nºs 13, 9, 10 e 2 de 2018).Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

As eleições de 2018 mostraram um avanço das mulheres na Câmara dos Deputados.  Em 2019 teremos 50% mais mulheres na Casa Legislativa do que havia em 2015, quando as eleitas em 2014 tomaram posse. No pleito de 07 de outubro foram eleitas 77 deputadas federais, 26 a mais do que em 2014. Isso quer dizer que a nova Câmara vai ter 15% de mulheres na sua composição.

Mesmo com a melhoria na representatividade feminina de forma geral no legislativo, a proporção de mulheres segue abaixo do encontrado na população brasileira. No país, de acordo com dados do IBGE, a cada 10 pessoas, pelo menos 5 são do gênero feminino.

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Mulheres da Câmara Federal

Segundo dados colhidos pelo Vós junto ao Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), apesar do aumento no número de deputadas federais, três estados não elegeram nenhuma mulher para o cargo: Amazonas, Maranhão e Sergipe.

No caso das Assembleias estaduais, em 2018 foram eleitas 161 deputadas, aumento de 35% em relação a 2014. São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados que mais elegeram mulheres para a Câmara. O estado paulista terá 18 representantes mulheres, sete a mais do que no último pleito. Já o estado fluminense elegeu 12 mulheres. Em São Paulo está a deputada federal mais votada no país. A jornalista Joyce Hasselmann, do PSL – partido do presidente eleito Jair Bolsonaro – recebeu mais de um milhão de votos.

Ainda na Câmara dos Deputados, aumentou o número de negras: de 10 para 13 e de brancas: 41 para 63. Em 2019 também teremos a primeira mulher indígena no Congresso Nacional: Joenia Wapichana, da Rede, foi eleita por Roraima.

Dentro dos partidos

O PT (Partido dos Trabalhadores), que ficou com a maior bancada na Câmara, também foi o que mais elegeu mulheres: são 10 deputadas entre as 56 cadeiras que o partido conquistou. Em seguida vem o PSL (Partido Social Liberal), do candidato presidencial Jair Bolsonaro. Com nove mulheres, o PSL tem a segunda maior bancada na casa, com 52 parlamentares. Depois deles, o PSDB aparece em terceiro com maior número de mulheres na Câmara: serão oito deputadas entre os 29 eleitos.

O único partido que conquistou a paridade entre homens e mulheres foi o PSOL. O partido elegeu 10 parlamentares, cinco homens e cinco mulheres. O PTC também tem uma divisão de 50% entre os gêneros na bancada, mas elegeu apenas dois parlamentares e não atingiu a cláusula de barreira. O PCdoB, que também não atingiu a cláusula, chegou perto da paridade: cinco homens e quatro mulheres.

Família ê, família á…

Ainda segundo o Diap, pelo menos oito parlamentares eleitas em 2018 chegaram ao posto possuindo parentesco com políticos tradicionais. No Distrito Federal, por exemplo, a campeã de votos Flávia Arruda (PR) é mulher do ex-governador José Roberto Arruda. Do Espírito Santo, retornará à Câmara Federal, a empresária e música, Lauriete Rodrigues (PR), esposa do senador não reeleito Magno Malta. No Paraná, foi eleita a deputada mais jovem: Luisa Canziani (PR), que tem 22 anos. A estudante é filha do deputado Alex Canziani,que não foi eleito para o Senado Federal neste ano. No Rio de Janeiro, foi eleita Daniela do Waguinho (MDB-RJ), mulher do prefeito de Berlfor Roxo.

Outra deputada que chegará à Câmara com sobrenome tradicional na política é a advogada e empresária Jaqueline Cassol (PP), irmã do senador por Rondônia, Ivo Cassol. Entre as atuais deputadas, renovaram os mandatos: Clarissa Garotinho (Pros-RJ), filha do ex-governador Anthony Garotinho; Soraya Santos (PR), que é casada com o ex-deputado federal Alexandre Santos; e Rejane Dias (PT), a campeã de votos no Piauí (138.800), que é mulher do governador reeleito Wellington Dias.

Mulheres no Senado

Já no Senado, os dados do Diap mostram que a bancada de mulheres para os próximos quatro anos será menor do que a atual, apesar do número recorde de candidaturas no pleito. Conforme dados do Supremo Tribunal Federal, ao todo, 62 candidatas se cadastraram para tentar ocupar as 54 cadeiras. Com sete senadoras eleitas e uma vaga de suplente assumida, a Casa terá doze senadoras, uma a menos do que o grupo atual.

As sete novas senadoras que tomarão posse em 2019 são: Leila do Vôlei (PSB-DF), Eliziane Gama (PPS-MA),  Soraya Thronicke (PSL-MS),  Juíza Selma Arruda (PSL-MT),  Daniella Ribeiro (PP-PB), Drª Zenaide Maia (PHS-RN) e Mara Gabrilli (PSDB-SP).

BANCADA FEMININA *

PARLAMENTAR PARTIDO UF MANDATOS VOTAÇÃO 2018 IDADE SITUAÇÃO PROFISSÃO
Jéssica Sales MDB AC 28.717 38 Reeleita Médica
Perpetua Almeida PCdoB AC 18.374 54 Nova Professora e Bancária
Mara Rocha PSDB AC 40.047 45 Nova Empresária
Drª Vanda Milani SDD AC 22.219 65 Nova Magistrada
Teresa Nelma MDB AL 44.207 61 Nova Professora
Leda Sadala Avante AP 11.301 52 Nova Contadora
Professora Marcivânia PCdoB AP 14.196 45 Reeleita Professora de Ensino Médio
Aline Gurgel PRB AP 16.519 38 Nova Advogada
Alice Portugal PCdoB BA 126.595 59 Reeleita Química Industrial e Farmacêutica Bioquímica
Lídice da Mata PSB BA 104.348 62 Nova Economista
Profª Dayane Pimentel PSL BA 136.742 32 Nova Professora de ensino superior
Luizianne PT CE 173.777 50 Reeleita Jornalista e Professora de Ensino Superior
Celina Leão PP DF 31.610 41 Nova Administradora
Paula Belmonte PPS DF 46.069 45 Nova Empresária
Flavia Arruda PR DF 121.340 38 Nova Empresária e professora
Bia Kicis PRP DF 86.415 57 Nova Advogada
Érika Kokay PT DF 89.986 61 Reeleita Bancária
Norma Ayub DEM ES 57.156 59 Reeleita Servidora Pública Estadual
Lauriete PR ES 51.983 48 Nova Empresária e Música
Dra. Soraya Manato PSL ES 57.741 57 Nova Médica
Flávia Morais PDT GO 169.774 49 Reeleita Professora de Educação Física
Magda Mofatto PR GO 88.894 70 Reeleita Empresária
Greyce Elias Avante MG 37.620 37 Nova Advogada
Alê Silva PSL MG 48.043 44 Nova Advogada
Aurea Carolina PSol MG 162.740 35 Nova Socióloga e Cientista Política
Margarida Salomão PT MG 89.378 68 Reeleita Professora Universitária e Escritora
Tereza Cristina DEM MS 75.068 64 Reeleita Engenheira Agrônoma e Empresária
Rose Modesto PSDB MS 120.901 40 Nova Servidor Público Estadual
Professora Rosa Neide PT MT 51.015 55 Nova Professora
Elcione Barbalho MDB PA 165.202 74 Reeleita Empresária
Edna Henrique PSDB PB 69.935 60 Nova Delegada
Marília Arraes PT PE 193.108 34 Nova Advogada
Iracema Portella PP PI 96.277 52 Reeleita Empresária
Margarete Coelho PP PI 76.338 57 Nova Servidora Pública do Estado
Rejane Dias PT PI 138.800 46 Reeleita Administradora
Dra. Marina PTC PI 70.828 38 Nova Médica
Christiane de Souza Yared PR PR 107.636 58 Reeleita Empresária e Pastora
Aline Sleutjes PSL PR 33.628 39 Nova Agente Administrativo
Gleisi Lula PT PR 212.513 53 Nova Advogada
Luisa Canziani PTB PR 90.249 22 Nova Estudante
Leandre PV PR 123.958 43 Reeleita Engenheira
Daniela do Waguinho MDB RJ 136.286 42 Nova Professora
Jandira Feghali PCdoB RJ 71.646 61 Reeleita Médica e Música
Soraya Santos PR RJ 48.328 60 Reeleita Advogada
Rosângela Gomes PRB RJ 63.952 52 Reeleita Bacharel em Direito
Clarissa Garotinho PROS RJ 35.131 36 Reeleita Jornalista
Flordelis PSD RJ 196.959 57 Nova Administradora
Chris Tonietto PSL RJ 38.525 27 Nova Advogada
Major Fabiana PSL RJ 57.611 38 Nova Policial Militar
Talíria Petrone PSol RJ 107.317 33 Nova Professora
Benedita da Silva PT RJ 44.804 76 Reeleita Assistente Social
Natalia Bonavides PT RN 112.998 30 Nova Advogada
Silvia Cristina PDT RO 33.038 44 Nova Jornalista
Jaqueline Cassol PP RO 34.193 44 Nova Advogada
Mariana Carvalho PSDB RO 38.776 32 Reeleita Médica e Música
Shéridan PSDB RR 12.129 34 Reeleita Psicóloga
Joenia Wapichana Rede RR 8.491 45 Nova Advogada
Liziane Bayer PSB RS 52.977 37 Nova Pastora
Fernanda Melchionna PSOL RS 114.302 34 Nova Bancária e Bibliotecária
Maria do Rosário PT RS 97.303 52 Reeleita Professora
Angela Amin PP SC 86.189 65 Nova Professora
Carmem Zanotto PPS SC 84.703 56 Reeleita Enfermeira
Geovania de Sá PSDB SC 101.937 46 Reeleita Administradora
Caroline de Toni PSL SC 109.363 32 Nova Advogada
Adriana Ventura NOVO SP 64.341 49 Nova Administradora
Tabata Amaral PDT SP 264.450 25 Nova Cientista Política e Astrofísica
Renata Abreu PODE SP 161.239 36 Reeleita Empresária e Advogada
Policial Katia Sastre PR SP 264.013 42 Nova Policial Militar
Maria Rosas PRB SP 71.745 53 Nova Administradora
Rosana Valle PSB SP 106.100 49 Nova Jornalista
Bruna Furlan PSDB SP 126.847 35 Reeleita Bacharel em Direito e Empresária
Carla Zambelli PSL SP 76.306 38 Nova Gerente
Joice Hasselmann PSL SP 1.078.666 40 Nova Jornalista
Luiza Erundina PSOL SP 176.883 84 Reeleita Assistente Social
Sâmia Bomfim PSOL sp 249.887 29 Nova Servidora Pública Municipal
Professora Dorinha Seabra Rezende DEM TO 48.008 54 Reeleita Empresária e Professora Universitária
Dulce Miranda MDB TO 40.719 55 Reeleita Graduada em Direito

*A tabela acima foi organizada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar e pode ser acessado através do site http://www.diap.org.br/

Reportagens Especiais

Eleições 2018 . Manuela D’Ávila – Pela primeira vez, o feminismo em foco

Colaborador Vós
19 de junho de 2018

Não é segredo para ninguém o fato de que as mulheres são, em número, pouco representadas na política brasileira. Se tomarmos o Congresso Nacional por referência, a discrepância na participação fica bastante óbvia. Das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, apenas 54 são ocupadas por mulheres. O número corresponde a 10,5% do total. Isso em uma realidade em que nós, mulheres, somos maioria. Aliás, segundo o IBGE, há cerca de 7 milhões de mulheres A MAIS que homens no Brasil. A dificuldade de fazer política em uma sociedade machista, porém, não impede que mulheres corajosas participem do processo eleitoral e disputem a presidência. Mulheres concorreram nos dois últimos pleitos e Dilma Rousseff (PT) venceu nas duas ocasiões. Mesmo assim, somente agora, com Manuela D’Ávila, (PCdoB) o feminismo entra na pauta desde o início e sem eufemismo. É a primeira vez que uma candidata trata do tema como central e fundamental para todas as outras discussões. É importante lembrar queLuciana Genro (PSOL), em 2014, falou abertamente sobre temas como a descriminalização do aborto e outros pontos da pauta, tanto que se intitulava como a primeira candidata feminista e estava certa. Mas a aproximação com o movimento aconteceu de forma mais intensa na reta final da campanha e não era o foco das propostas.

A reportagem que segue foi escrita pelo jornalista Douglas Cauduro, direto de Florianópolis, e é a primeira de uma série sobre os candidatos à presidência nas Eleições de 2018. Uma série com o objetivo de compreender o que norteia as campanhas que serão apresentadas em breve aos eleitores.

Geórgia Santos, editora

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Por Douglas Cauduro, de Florianópolis

Uma noite fria em Florianópolis, o termômetro marcava 13 graus. Mantas, toucas e casacos eram parte da indumentária dos que ouviam atentamente a pré-candidata do PCdoB à presidência da República, Manuela D’Ávila. O debate foi promovido pela Fundação Maurício Grabois e intitulado Brasil, as mulheres, as saídas para crise. “A Manuela vai atrasar um pouco; então, quando ela chegar, deixem ela subir direto ao palco, depois a gente pede para tirar foto e ter um contato mais de perto com ela”, solicitou a organizadora. Algumas faixas e cartazes não apenas decoravam o auditório do Espaço Físico Integrado (EFI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) como davam o tom da conversa que viria a seguir.

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“Manu 2018”

“Lute como uma Marielle Franco”

“A saída para crise é o povo no poder”

” Lute como uma garota”

Mulheres na política, mulheres no poder”

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As mulheres seriam o foco da discussão. O espaço, destinado a receber cerca de 200 pessoas, lotou, fazendo com que dezenas tivessem de assistir em pé ou sentados no chão. Manuela entrou às 18h53, – 23 minutos depois do combinado em função do atraso em uma entrevista. Caminhou sorridente, apressada. Olhou um carrinho de bebê e parou para dar atenção à mãe e ao recém-nascido.

Pediu para falar sentada. A gripe, fruto do impiedoso inverno gaúcho, foi responsável pelas diversas pausas. Manuela falou por cerca de 40 minutos para um público majoritariamente feminino e jovem. Foi interrompida apenas pelo mal-estar da garganta.

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O PCdoB não apresentava um candidato à presidência desde 1945, quando apostou em Iedo Fiúza, o terceiro candidato mais votado na ocasião – ficou atrás, apenas, de Eduardo Gomes (UDN) e Eurico Gaspar Dutra (PSD), eleito presidente. Também por isso, Manuela, que foi a vereadora mais jovem já eleita em Porto Alegre, não tinha tempo a perder. Anunciando que trataria do tema principal, disparou costurando os assuntos.

“Não tem como falar do Brasil sem falar de gênero e raça. O desenvolvimento do Brasil passa pelo enfrentamento das desigualdades. Qual é o impacto econômico das mulheres ganhando 20% a menos do que os homens? Qual é o impacto no Brasil em remunerar as nossas mulheres dessa forma? Existe como desenvolver um país sem paz? Eu acho que não. A política de segurança pública no Brasil é feita para salvar vida de branco. A política é exitosa para o branco. O ponto de partida precisa ser a desigualdade”, explicou. “O desenvolvimento passa pela unidade do povo.”

A uma plateia catarinense, a deputada federal mais votada em 2006 e 2010 no Rio Grande trouxe os números do estado vizinho para ilustrar uma realidade global. “O crescimento da economia, baseado nos números de Santa Catarina, não é um indicativo de diminuição da desigualdade. A maior diferença salarial do Brasil, entre mulheres e homens, é aqui. O número de feminicídio em Santa Catarina é o segundo maior do Brasil. É por isso que o nosso debate, pensando em sair da crise, tem que passar por raça e gênero”.

Manuela pontua a questão de gênero especialmente porque acredita que é um dos três componentes do golpe institucional que ocorreu no Brasil em 2016. “Nós temos uma eleição atípica. Sou jornalista, gosto de colocar nome nas coisas. Foi Golpe. O golpe é antinacional. Nós vimos um impeachment sem crime de responsabilidade. Por quê? Para os responsáveis não serem punidos. Esse projeto é o projeto de venda da Petrobrás, da Eletrobrás, é a reforma trabalhista, onde se trabalha mais e se ganha menos. É antinacional por terminar com a previdência pública. Outra questão, ele é antidemocrático, porque não existiu crime de responsabilidade e estão retirando Lula da eleição. O golpe é um ato contínuo, vemos isso como ativismo judiciário, na criminalização dos movimentos sociais. A terceira característica está no discurso utilizado para legitimar o impeachment. O golpe foi misógino, o discurso foi machista. Uma revista semanal disse que se a Dilma tivesse um namorado, a economia do Brasil estaria melhor. Vincularam a sexualidade da Dilma com a economia. O ódio com as mulheres ficou muito evidente”.

A primeira mulher a concorrer à presidência da República foi Lívia Maria Pio, do Partido Nacional (PN), em 1989. Houve mulheres nas duas eleições seguintes até que, em 2010, Dilma Rousseff, do Partidos dos Trabalhadores (PT), foi eleita para o cargo político mais importante do país. Dilma foi reeleita em 2014. Duas eleições em que não era a única mulher a disputar a vaga. Mesmo assim, é a primeira vez em que a mulher é pauta.

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É a primeira vez em que o feminismo está, sem eufemismos, no foco de atenção de uma candidata. 

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E abraçar a bandeira do feminismo é um dos motivos pelos quais Manuela vem ganhando espaço. “As mulheres são as mais afetadas com a crise do capitalismo, com a reforma trabalhista. A Emenda Constitucional 95, do Temer, afeta mais a mulher que o homem. A ausência do Estado faz com que as mulheres sofram mais. Nós vemos as mulheres cuidando da casa, dos filhos e ganhando menos”.

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A pré-candidata não só acusa, ela também propõe. “A resposta para o golpe deve ser nacional e de desenvolvimento”. Eleita deputada estadual no RS em 2014, novamente a candidata mais votada, ela alfineta os discursos liberais. “Qual o papel do estado? Até quando os liberais vão mentir que existem países desenvolvidos em que o estado não interfere? Qualquer país que se desenvolva tem estado atuando.”

Manuela D´Ávila não vê outra saída a não ser a de revogar a PEC do congelamento dos gastos públicos, da reforma trabalhista e na criação de uma reforma tributária, onde o pobre pague menos e o rico pague mais do que vem pagando. A pré-candidata não enxerga só a desigualdade como causadora da violência, mas o contrário também, com a violência sendo responsável pela desigualdade. “A pessoas que moram em comunidade não conseguem emprego por morarem em comunidade. As crianças que moram na região do tráfico, vão perder aula quando a escola estiver fechada por causa de tiro. O posto de saúde vai estar fechado pelo mesmo motivo”.

Defensora ferrenha dos Direitos Humanos, Manuela coloca o pobre como a grande vítima da guerra do tráfico. “Não existe policial rico. Vocês conhecem policial rico? O policial também é pobre. O nosso país é o que mais mata policial e é também o que a polícia mais mata”. Manuela já falava por 30 minutos. A garganta incomodava. Ela pediu desculpas e pegou uma bala de gengibre.

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“O Estado brasileiro precisa ser invertido: o Estado controla o nosso corpo e não cuida das coisas essenciais. E isso, a gente precisa cortar nesta eleição”

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O debate não aconteceu. Foi mais um manifesto do programa político e dos pensamentos da pré-candidata. Mas houve perguntas, nove perguntas sobre feminismo e crise.

“O povo na rua é o caminho para transformações profundas”, disse, elogiando as mulheres argentinas que estão abrindo caminho para legalização do aborto. “Todo debate para saída da crise precisa ser estruturado pelo nosso povo. Uma reposta precisa ser radicalmente democrática, nós precisamos ocupar o poder. Se eles querem menos democracia com o golpe, nós queremos mais democracia. Nossa resposta precisa ser feminista, porque nós, mulheres, somos a que mais sofremos com esse projeto. Eu ganhei uma camiseta, hoje, dizendo “ou a revolução será feminista ou não será”. O povo brasileiro é a minha razão de ser pré-candidata à presidência da República”.

Manuela encerrou o discurso e respostas às 21h01, aplaudida de pé, por 40 segundos. A pré-candidata feminista era cercada pelo calor público enquanto o vento gelado soprava lá fora. Manuela D’Ávila ganhou mimos, tirou fotos, distribuiu autógrafos e conversou de perto com eleitores e, principalmente, eleitoras.

Samir Oliveira

Discutir gênero e sexualidade nas escolas é mais do que urgente, é vital

Samir Oliveira
7 de dezembro de 2017

O governo Temer excluiu qualquer menção à palavra “gênero” da nova versão da Base Nacional Comum Curricular. O texto, debatido no Conselho Nacional de Educação, define as diretrizes pedagógicas que as escolas públicas e privadas no Brasil devem seguir em cada disciplina, durante o Ensino Fundamental.

O Conselho é formado por especialistas, profissionais qualificados para estruturar as bases curriculares das escolas. Os conselheiros aprovaram emendas importantes ao texto, incluindo noções de combate à discriminação de gênero em disciplinas como História, Geografia e Ensino Religioso. Todas elas foram ceifadas ao chegar ao gabinete do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM).

A censura passaria despercebida e sem alarde, já que o governo se negou a fornecer uma cópia do texto à imprensa. Felizmente o conteúdo acabou vindo a público e agora a sociedade civil pode pressionar o governo a voltar atrás. Não podemos aceitar que o mesmo ministro que deu a Alexandre Frota – um estuprador confesso – o status informal de conselheiro agora queira tornar as escolas espaços medievais e desconectados da realidade.

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Discutir gênero e sexualidade nas escolas é mais do que urgente, é vital

E barrar este debate é mais do que uma reação conservadora, é uma estupidez ineficaz

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As crianças e jovens têm acesso a informações e experiências que nenhuma regulação arcaica é capaz de proibir – desde o convívio com os amigos até o contato com as tecnologias de comunicação. A escola é um espaço fundamental de socialização e deve estar orientada para acolher a diversidade.

Estudei a maior parte do Ensino Fundamental em escola pública estadual, no interior do Rio Grande do Sul. Naquela época, entre a segunda metade dos anos 1990 e o início dos anos 2000, não havia qualquer discussão a respeito do bullying. Era muito difícil que se passasse um dia sem que eu sofresse algum tipo de agressão – física, verbal ou psicológica – por ser gay. Naquele momento eu sequer me entendia enquanto gay, mas meu comportamento não correspondia ao que era esperado de um menino, então eu “merecia” ser caçoado.

Gosto de pensar que muita coisa mudou de lá para cá. E, de fato, mudou. Avançamos muito! O problema do bullying nas escolas hoje é levado a sério. O que não quer dizer que não tenhamos que percorrer ainda um longo caminho. A recente expulsão de uma menina trans de 13 anos de uma escola em Fortaleza revela o abismo que se coloca diante de nós. O caminho para superá-lo passa pela inclusão de gênero e sexualidade nas diretrizes curriculares. Chega a ser criminoso compactuar com este tipo de censura no país que mais mata LGBTs no mundo, onde a população trans é a mais vitimada, num ciclo de violência que se inicia com a evasão escolar e o abandono familiar.

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O Brasil perdeu uma oportunidade histórica de avançar neste tema durante o primeiro mandato do governo Dilma

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O Ministério da Educação, comandado então por Fernando Haddad, havia elaborado materiais didáticos contra a homofobia para distribuir nas escolas. A bancada fundamentalista na Câmara – que fazia parte da base de apoio do PT – ameaçou abandonar o governo caso a iniciativa seguisse adiante. Isso bastou para que nossos direitos fossem rifados e Dilma desse uma de suas declarações mais infelizes ao dizer que “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”.

Talvez, se naquele momento o governo Dilma houvesse enfrentado os reacionários, hoje a realidade em nossas escolas fosse um pouco melhor. O abismo não seria tão profundo. Agora Temer não precisa ceder às pressões fundamentalistas, pois seu governo é liderado diretamente por estes setores, que elaboram as políticas e decidem de forma autoritária o que deve ser debatido nas escolas.

A tesoura do ministro Mendonça Filho na Base Nacional Comum Curricular vem acompanhada de projetos absurdos chamados de “Escola Sem Partido” em diversas cidades e estados do país. Até mesmo no Congresso Nacional.

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São iniciativas que desejam, na verdade, colocar uma mordaça sobre a boca dos professores, como se a educação fosse um processo mecânico e neutro, despido de subjetividades

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Em São Paulo, a vereadora Sâmia Bomfim, do PSOL, está na linha de frente contra esta aberração e já conseguiu barrar sua votação uma vez. Como ela mesma disse em um discurso na Câmara dos Deputados: “A geração que ocupou as escolas no final de 2015 e no início de 2016 irá cobrar a conta” de todas as medidas regressivas que tentam colocar em curso atualmente.

Estas tentativas de censurar professores e de obstruir a discussão sobre gênero e sexualidade nas escolas não passam de uma grande cortina de fumaça para que a sociedade perca tempo – e os órgãos públicos escoem dinheiro – neste esforço inútil voltado ao atraso, enquanto o que realmente deveríamos estar debatendo é a qualidade do nosso ensino, as condições de trabalho e a remuneração dos nossos professores e a estrutura de nossas escolas.

Reporteando

#JuntosContraoMachismo nas redações

Évelin Argenta
28 de setembro de 2017

Eu tinha um editor na antiga redação onde trabalhava que, por falta de noção ou caráter (nunca saberei), mantinha um blog com anotações e devaneios pessoais. A maioria dos textos girava em torno das personagens da redação, mulheres, quase sempre. Lá era possível ler fofocas e bastidores que somente os contemporâneos dele poderiam decifrar. Piadas internas, lembranças de fatos que provocavam gargalhadas entre o macharedo.

O fulano, aí já em tempos vividos por mim, começou a escrever sobre as estagiárias. Por desconhecimento ou medo de delatar esse tipo de comportamento na redação onde recém tinham sido admitidas (depois de um longo processo seletivo que inflou seus egos e murchou seus sonhos) nenhuma delatou. Eram tempos diferentes e essa juventude feminista ainda era tímida. Todo mundo dizia “ah, o fulano é louco”, “o fulano é um personagem”, “o fulano é doente”. Ninguém, no entanto, deixava de rir das piadinhas machistas do fulano.

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Pois bem, amigos, os tempos (graças às deusas todas) estão mudando. Hoje, uma coluna sobre a estagiária jamais passaria em branco. E não passou

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O desastre textual assinado pelo colega Guilherme Goulart, do Correio Braziliense, levantou a discussão e um grupo de jornalistas de São Paulo fez a discussão ganhar corpo, alma e voz.

Não é de hoje que as Jornalistas Contra o Assédio me orgulham. Além de amigas, talentosas repórteres, editoras, redatoras, âncoras premiadas, elas são o “sapato na máquina”, aquele que faz o trabalho parar e pensar que algo está sendo feito de forma errada. Essa semana, o coletivo lançou a campanha #JuntosContraoMachismo.

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A série de vídeos mostra homens reproduzindo frases que há anos são ouvidas por nós, mulheres, nas redações do país. A coleção tem pérolas como “a fulana trabalha como homem”,  “você saiu com algum diretor antes de virar apresentadora?” e por aí vai

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As frases – não que isso seja surpresa – foram ouvidas REALMENTE por colegas.  Elas surgiram a partir de uma consulta com um grupo de mais de cinco mil mulheres jornalistas de todo o Brasil. As profissionais foram consultadas sobre que tipo de assédio já tinham sofrido. O coletivo recebeu mais de DUZENTAS frases.

Participaram da #JuntosContraoMachismo nomes como Chico Pinheiro, Juca Kfouri, Fernando Rodrigues, Felipe Andreolli, Cazé, Mário Marra, Fábio Diamante, Marcus Piangers, Matheus Pichonelli, Abel Neto, Guilherme Balza, Cauê Fabiano, Nilson Xavier, Thiago Maranhão, Leonardo Leomil, Guilherme Zwetsch, Ricardo Gouveia, Fernando Andrade, Márcio Porto, Thiago Uberreich, Tiago Muniz, Rafael Colombo, Philipe Guedes, Chico Prado, Reinaldo Gottino e Haisem Abaki.

Os vídeos da campanha #TodosContraoMachismo estão disponíveis na página no Facebook do coletivo Jornalistas Contra o Assédio, no twitter e, espero, na tua rede social, também. A campanha vai até o dia 08/10.

O machismo é muito sério. Ele não diz respeito apenas a mulheres.

Somos #JornalistasContraoAssédio
E vamos #JuntosContraoMachismo